Olavo de Carvalho
Zero Hora, 04 de maio de 2003
“Infelizmente está se tornando um hábito entre nós responder a opiniões que desagradam não com outras opiniões, mas com difamação”. A observação é de Luís Fernando Veríssimo, e é bastante exata.
Mas o hábito não é novo, nem brota das massas incultas, autorizadas pela sua própria ignorância a pisotear as regras da discussão racional.
Responder a argumentos com rotulações insultuosas, apelidos pejorativos e insinuações infamantes tem sido, há décadas, o tratamento-padrão reservado pelos intelectuais de esquerda a seus desafetos ideológicos, ou melhor: àqueles que eles próprios assim nomeiam, às vezes dando sentido de combate ideológico a coisas ditas e escritas com objetivo totalmente diverso, que mudam de significado ao ser examinadas por uma ótica em que tudo é ideologia.
Assim fazem e não poderiam fazer de outro modo, educados que foram na retórica leninista, que recomendava não discutir para “demonstrar os erros” do adversário, e sim para “destrui-lo”.
A história comprova-o abundantemente. Nossos maiores intelectuais que não consentiram em rebaixar-se a intelectuários, como dizia Gilberto Freyre, foram vítimas de campanhas de “character assassination”, não raro de uma absurdidade brutal. O caso de Roberto Campos, polemista jamais contestado, sempre aviltado, já se tornou clássico. Otto Maria Carpeaux, fugido do nazismo, foi recebido pelos comunistas brasileiros com uma chuva de insultos, porque lhes pareceu — na época — um conservador. Contra Gustavo Corção, não houve ofensa que bastasse. Nunca se discutiu uma única idéia dele. Xingá-lo bastava para apaziguar as altas exigências intelectuais da esquerda letrada. José Osvaldo de Meira Penna, então, foi acusado de tudo – de espião da CIA, de agente sionista, de propagandista a soldo do reverendo Moon — por gente que fugia de enfrentá-lo num debate sério. O próprio Gilberto, campeão da causa anti-racista, foi chamado até de… racista.
Se a história de seis décadas não fosse tão rica de exemplos, restaria o meu próprio testemunho pessoal. Quando, antevendo as reações insultuosas e burras, coloquei satiricamente na abertura de um de meus livros um “formulário-padrão para a redação de críticas”, todo ele constituído dos chavões de praxe colhidos na literatura crítica esquerdista, nem eu mesmo imaginava que seria preenchido tão fielmente por Gerd Bornheim, Muniz Sodré, Emir Sader, Carlos Nelson Coutinho, Marilena Chauí e outros rotuladores compulsivos, todos com pose de intelectuais respeitáveis, todos abstendo-se de tentar refutar uma só linha de minhas alegações.
Desde então, as carimbações infamantes e insinuações criminosas não pararam de cair sobre mim às dúzias, às centenas, criando uma imagem postiça de sujeito odioso e fanático, que, exibida a jovens ignorantes nos bancos de universidades, desperta neles uma compreensível vontade de me matar. Prosseguida por tempo suficiente, espalhando-se em círculos cada vez mais amplos, a acumulação de infâmias alcança o resultado previsto por Lênin: torna-se indução à violência. O adversário não é refutado, mas é destruído. Como o pavio é longo, os primeiros a acendê-lo estão agora longe demais para ser lembrados. Pairam acima de qualquer suspeita. Virando o rosto para não enxergar a ação de suas palavras, conservam a consciência tranqüila e um ar de dignidade e moderação verdadeiramente admiráveis.