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Bella roba, o retorno

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de novembro 2007

Ao comentar a resposta inócua dada pelo sr. Celso Lungaretti às minhas observações sobre o seu sucesso na carreira do arrependimento lucrativo, qualifiquei-a com a velha expressão Bella roba (bela coisa), de uso corrente no Cambuci da minha infância, para designar um nada que pretendesse ser alguma coisa.

Não tendo algo mais substantivo de que se queixar, Lungaretti optou por torcer o sentido das minhas palavras até o extremo limite da sua mania de perseguição, fingindo interpretá-las como alusão pejorativa às suas origens itálicas, como se fosse muito natural a um humilde portuga como eu olhar desde cima a nação de Dante, Leonardo, Michelangelo, Vico e Manzoni.

Dessa premissa manifestamente psicótica o referido foi tirando aquelas conclusões que os senhores podem imaginar, das quais emergi com as feições estereotipadas do quatrocentão racista – adequadíssimas a um neto de imigrantes e pai de filhos mulatos!! -, ampliadas por sua vez às dimensões de um virtual assassino em massa de seres inferiores, entre os quais, pobrezinho, o Lungaretti.

Depois de fazer da sua vida uma dupla palhaçada, o cidadão só pode mesmo encontrar refúgio na autovitimização teatral.

Mas desta vez, confesso, o sujeito foi tão longe no fingimento histriônico, que me tocou o coração. Senti-lhe o drama. O mal que ele faz a si mesmo é tão profundo, tão irreparável, que eu jamais lhe negaria o consolo derradeiro de lançar a culpa nos outros, mesmo que um deles seja eu.

Pode dizer de mim o que quiser, Lungaretti. Prometo não voltar a falar mal de você. Pode até dizer que fugi da raia. Não ligo não. Não faço questão de mostrar valentia onde ela é desnecessária e inconveniente.

Uma vez até saí correndo de um enfezado cãozinho Yorkshire para não carregar na consciência o pecado de dar um pontapé em criatura tão indefesa.

Linguagem criminosa

Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde, 13 de novembro de 2003

Alguns antipetistas regozijam-se de que, por uma frase dita na África, o presidente da República esteja sendo fritado na mesma frigideira politicamente correta que durante três décadas ele ajudou a aquecer. Mas isso é o cúmulo da mesquinharia. O homem tem toda a razão ao alegar que não disse nada de mais. A mídia internacional nos bombardeia diariamente com tantas imagens apocalípticas da miséria e violência africanas, que qualquer um, ao encontrar nesse continente uma cidade limpa, bonita e pacífica, tem a impressão de estar em outro lugar. A tentativa de desencavar do fundo da observação banal um pérfido intuito racista é ela própria uma perfídia criminosa.

Na verdade, é algo mais: é uma técnica muito precisa de atribuição de intenções, hoje de emprego universal e sistemático como arma de guerra cultural, inspirada nas especulações semânticas da Escola de Frankfurt e calculada para fomentar artificialmente o ódio político por meio de uma astuta engenharia da cizânia.

O argumento implícito que aí o público é levado a aprovar baseia-se numa premissa racista oculta que o ouvinte, na quase totalidade dos casos, não está em condições de trazer à luz por meio da análise, e que ele acaba aceitando às tontas ao endossar-lhe as conclusões. Trata-se de criar nele uma culpa inconsciente por crime de racismo, da qual ele tentará se livrar pela inculpação do bode expiatório que no mesmo instante lhe é oferecido para esse fim.

Se todo sujeito que faz uma crítica à sociedade ou à cultura africanas está, no mesmo ato, depreciando a raça negra, isso significa que raça e sociedade, portanto cultura, têm um vínculo inseparável de dependência intrínseca. Cada raça tem uma cultura e cada homem está condenado a identificar-se com a cultura originária “da sua raça”, sem poder desligar-se dela e integrar-se em outra.

Essa premissa ostensivamente racista já não é subscrita por nenhum cientista sério. Está provado e bem provado que qualquer homem, de qualquer origem racial, pode integrar-se em qualquer cultura e passar a representá-la com tanta autenticidade quanto os membros da raça que a criou, como o negro Púchkin personifica a cultura russa e o judeu Heine a alemã.

Ao aceitar a premissa não declarada de que a crítica à sociedade africana deprecia a raça negra, o ouvinte ingênuo entra na linha de raciocínio que identifica raça e cultura e se torna ele próprio virtualmente um racista malgré lui. Justamente por não perceber com clareza as implicações de sua atitude, ele não pode evitar o desconforto psicológico da incongruência mal conscientizada, do qual então ele buscará alívio projetando a acusação sobre o primeiro suspeito ao seu alcance.

Todo o patrulhamento verbal politicamente correto constitui-se de truques dessa natureza, construídos para paralisar a inteligência e inocular nas almas uma confusão de sentimentos ruins pronta para ser canalizada na direção do ódio irracional mais desejado. A operação, que se reproduz automaticamente usando as suas próprias vítimas como novos agentes de propagação, acaba por fazer de cidadãos pacíficos e bem intencionados os instrumentos de uma campanha de ódio com a qual, informados da situação, jamais admitiriam colaborar.

Se existe um uso criminoso da linguagem, é esse. Voltado contra líderes do velho regime militar ou contra o sr. Luís Inácio Lula da Silva, é igualmente maligno, desumano e porco.

Tanto quanto muitos outros brasileiros, eu desejaria ver o sr. Luís Inácio bem longe da presidência. Mas se para tirá-lo de lá for preciso recorrer a tais expedientes, prefiro que ele seja brindado com um mandato vitalício. Quando usado por “direitistas” ou “conservadores”, ou, melhor dizendo, pelos oportunistas sem convicção que a esquerda convencionou designar por esses nomes, o ardil se torna ainda mais desprezível por acrescentar, à malícia, a burrice (sua contrapartida inseparável, já que a malícia não é outra coisa senão a caricatura demoníaca da inteligência). Pois é preciso ser muito, muito burro para achar que é esperteza destruir a reputação de um político esquerdista à custa de consolidar na alma popular a autoridade do preconceito politicamente correto, a grande arma dos fanáticos esquerdistas na sua luta contra a sanidade, a moral e convivência civilizada.

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