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A vigarice acadêmica em ação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 10 de abril de 2007

A declaração escandalosa da ministra Matilde Ribeiro, incentivando abertamente a hostilidade dos negros aos brancos, não é um produto original da sua cabecinha oca. É o eco passivo de uma longa e ativíssima tradição cultural. Desde que Stalin ordenou que o movimento comunista explorasse todos os possíveis conflitos de raça e lhes desse o sentido de luta de classes, ninguém obedeceu talvez a essa instrução com mais presteza, fidelidade e constância do que os “cientistas sociais” brasileiros.

Praticamente toda a nossa produção universitária nesse domínio consiste num longo e barulhento esforço para instigar nos negros e mulatos o ódio retroativo não só aos senhores de escravos e aos descendentes de senhores de escravos, mas aos brancos em geral, inclusive os que lutaram pela libertação dos escravos, os que se casaram com pessoas negras, os que nunca disseram uma palavra contra a raça negra nem lhe fizeram mal algum. Todos esses, segundo a doutrina do nosso establishment acadêmico, são racistas inconscientes, virtualmente tão perigosos quanto Joseph Goebbels ou a Ku-Klux-Klan. Até os negros são um pouco racistas contra si próprios. Inocentes do crime de racismo, só mesmo os distintos autores desses estudos e os militantes das organizações inspiradas neles. Ou seja: ou você é um dos acusadores, ou é um dos culpados. Tertium non datur.

Um fluxo incessante de teses de mestrado e doutorado, fartamente subsidiadas pelo governo e por fundações internacionais bilionárias, jorra das nossas universidades para dar credibilidade a essa doutrina adorável. Os oito preceitos metodológicos que a fundamentam são os seguintes:

1. Atribuir à discriminação racial a diferença de padrão econômico entre negros e brancos, omitindo o fato de que entre a abolição da escravatura e o início da industrialização nacional transcorreram mais de quarenta anos durante os quais a população negra libertada se reproduziu incomparavelmente mais que o número de empregos disponíveis.

2. Mostrar os negros como vítimas predominantes de crimes violentos, sem perguntar se não são também predominantemente os autores desses crimes. Todo assassino, branco ou negro, é assim considerado a priori um instrumento da violência branca contra os negros.

3. Do mesmo modo, explicar toda violência policial contra negros como efeito do racismo branco, sem perguntar se os policiais que a cometeram eram negros ou brancos.

4. Mostrar os europeus sempre como escravizadores e os negros como escravizados, omitindo sistematicamente o fato de que as tropas muçulmanas, repletas de negros, invadiram a Europa e aí escravizaram milhões de brancos desde oito séculos antes da chegada dos europeus à África.

5. Explicar portanto a escravidão interna na África como mero efeito da escravidão européia, invertendo a ordem do tempo histórico.

6. Transformar cada raça em pessoa jurídica, titular de direitos, quando negra, e de responsabilidade penal, quando branca.

7. Dar por implícito que todo branco é culpado pelos atos dos senhores de escravos, mesmo quando não tenha um só deles entre os seus antepassados e mesmo que tenha chegado ao Brasil, como imigrante, décadas depois do fim da escravidão.

8. Lançar a culpa de tudo na “civilização judaico-cristã”, justamente a única que, ao longo de toda a história humana, fez alguma coisa em favor das raças escravizadas.

A palavra “viés” é delicada e sutil demais para qualificar a atitude mental que gera esses estudos. A sociologia das raças que se produz nas nossas universidades é puro material de propaganda, deliberadamente mentiroso e calculado para legitimar a violência revolucionária contra aquilo que o ex-governador Cláudio Lembo chamou de “elite branca cruel e egoísta”. Ciência social, no Brasil, é crime organizado.

Palhaçada total

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de janeiro de 2006

Muitas vezes, ao longo da história, o movimento comunista demonstrou sua capacidade de tirar proveito publicitário do seu próprio descrédito, trocando de pele e fazendo com que, da revelação de cada novo banho de sangue, o carrasco emergisse com as feições imaculadas de vítima sacrificial.

Mas nada se compara à mágica da transmutação que ele operou ao longo da última década e meia. A queda da URSS, os fracassos da economia socialista e a debacle intelectual do marxismo não paralisaram o comunismo internacional, mas lhe deram um novo sentido de direção: despiram-no de seus adornos doutrinais e reduziram seu discurso ao ódio anti-americano puro e grosso.

O enxugamento ideológico, eliminando atritos que antes limitavam seus movimentos, permitiu que seu raio de ação se estendesse ad infinitum , irmanando comunistas, socialistas, “progressistas” de toda sorte, ateístas e secularistas em geral, militantes gays e black power, radicais muçulmanos, neonazistas, revisores do Holocausto, feministas, abortistas, narcotraficantes e, por fim, nacionalistas de direita (fascistas, para dizer o português claro) do Terceiro Mundo.

Que raio de “sociedade melhor” poderia surgir desse melting pot de tudo o que não presta — eis uma pergunta que pessoas educadas não fazem. O pressuposto subjacente é que os antagonismos inconciliáveis se resolverão espontaneamente para produzir um mundo maravilhoso tão logo removidos da cena planetária os últimos obstáculos à felicidade humana: o Grande Satã americano e seu mascote, o Pequeno Satã israelense.

Tal como o novo paraíso terrestre subseqüente ao Juízo Final tornará amigos o leão e o cordeiro, o reino de justiça e paz que deve emergir da eliminação dos EUA e de Israel trará ao mesmo tempo um governo socialista global e a independência das nações, a implantação mundial da shari’a e a legalização dos casamentos homossexuais, a eliminação do racismo e a apoteose da superioridade ariana, a moralização universal e a liberação das drogas, o fim da exploração sexual infantil e o advento do “sexo intergeracional”. Não pergunte como. Não seja um estraga-prazeres.

A internacional comunista não está morta. Ressuscitou como Internacional da Estupidez Humana. Ao contrário de sua antecessora, que não agradava a todos, ela possui um número ilimitado de adeptos potenciais. Mas seu sucesso não se explica só pela atração do abismo: funda-se numa bem montada estrutura de apoio, que abrange desde a malha planetária dos velhos partidos comunistas, com nomes trocados ou não, até a grande mídia internacional praticamente inteira, a militância islâmica onipresente e a rede global de ONGs ativistas subsidiadas por fundações bilionárias como Rockefeller, Soros ou Ford. Já desde a década de 50 uma comissão parlamentar (v. René Wormser, Foundations: Their Power and Influence , New York, 1958) comprovou que muitas dessas fundações se empenhavam na destruição do sistema americano, visando à constituição de um poder mundial de inspiração socialista. Passado meio século, o fruto desses esforços ganhou vida e está gritando pelas ruas. Com um detalhe especialmente perverso: como a maioria delas tem origem e sede nos próprios EUA, sua atuação é facilmente utilizada como slogan publicitário anti-americano, persuasivo ante platéias semiletradas incapazes de captar a sutil ambigüidade da operação. No Brasil, por exemplo, sob a influência de esquerdistas espertalhões infiltrados na ESG, os generais Andrade Nery e Baeta Neves, entre outros, apontam a presença de pseudópodos dessas organizações na Amazônia como argumentos fulminantes contra o Grande Satã. Dando as mãos aos comunistas do Foro de São Paulo e ajudando Fidel Castro a “resgatar na América Latina o que se perdeu no leste europeu”, podem assim condenar como “agente do imperialismo” quem quer que se oponha a esse projeto, ao mesmo tempo que alegam seu passado militar como prova de patriotismo imune a contaminações esquerdistas. É a palhaçada total.

O poder da burrice

Olavo de Carvalho

O Globo, 4 de outubro de 2003

Numa discussão, a superioridade intelectual nem sempre é vantajosa. Quando excessiva, torna-se um inconveniente, pela simples razão de que nada pode fazer um debatedor render-se a um argumento que esteja acima da sua compreensão. Quanto mais esmagado sob montanhas de fatos e provas, mais ele se sentirá imune e vitorioso, saindo do debate persuadido de que foi vítima de injustiça. Se há uma força invencível neste mundo, é a burrice. Por isso os demagogos e cabos eleitorais que fazem as vezes de professores não procuram desenvolver em seus alunos a inteligência, que arrisca torná-los sensíveis a objeções, e sim a burrice, que faz deles criaturas invulneráveis e coriáceas como rinocerontes.

Num recente debate sobre as quotas raciais, fiz o que pude para explicar a meus interlocutores a diferença — que mencionei em artigo anterior nesta coluna — entre o compactado emocional pré-analítico da doxa e o discurso analítico do conhecimento, mostrando em seguida que a argumentação da “affirmative action” estava no primeiro caso e não podia ser levada a sério como descrição da realidade. Mal terminei de falar, e um militante se levantou indignado:

— Quer dizer que o senhor nega a existência do apartheid?

Eu não poderia ter solicitado um exemplo mais didático. No uso vulgar do termo apartheid comprime-se uma multidão de significados heterogêneos: um regime jurídico de separação formal entre as raças acompanhado de perseguição genocida, a mesma separação sem violência genocida, a segregação informal pacífica ou violenta sem suporte jurídico, o ódio racial explícito sem segregação formal ou informal e acompanhado ou não de condutas agressivas, o ódio incubado e implícito, o vago desprezo cultural sem expressão em atos e até mesmo o famoso “racismo sutil”, cuja presença ou ausência depende da subjetividade do observador que atribui intenções mesmo quando negadas com veemência pelo próprio agente. Tudo isso, no vocabulário dos quotistas raciais, é apartheid.

Responder “sim” ou “não” à existência de tudo isso em bloco é uma impossibilidade. Por que, então, formular a pergunta com termo tão elástico e enganoso? Simples: para dar ares de delito a qualquer resposta que não seja a desejada pelo interrogante. É obrigatório, aí, não só admitir como fato líquido e certo a onipresença do alegado “racismo sutil”, mas ver nele um crime tão grave quanto a segregação explícita e o genocídio. Qualquer hipótese que fique abaixo disso, que não consinta em igualar o Brasil à Alemanha nazista, torna-se ela própria um crime de racismo. Para isso serve a confusão de significados: para mudar à vontade o sentido das objeções e recobri-las de uma aura criminosa mesmo quando são conclusões lógicas elementares ou a expressão de fatos notórios. Trata-se de atemorizar para inibir, de vetar a possibilidade da discussão racional por meio da intimidação psicológica.

Isso começa como um ardil premeditado, um truque de erística concebido por técnicos em manipulação de consciências. Mas, ao propagar-se, perde toda intencionalidade consciente e torna-se um automatismo introjetado, um cacoete mental. As pessoas já não o usam para confundir os outros, mas para expressar, com tocante candura, sua proibição interna de compreender o que elas mesmas dizem, seu temor e incapacidade de abandonar por um momento sequer o círculo dos chavões sagrados e examinar a realidade sob outros aspectos, ainda quando a omissão destes esvazie de significado o seu próprio discurso por falta de pontos de comparação. No fim das contas, já não verbalizam senão um sistema de tabus destinado a bloquear o acesso ao significado de qualquer objeção possível, tornando repulsiva e criminosa a simples tentação de examiná-la. Imantado da ilusão de santidade e interiorizado ao ponto de tornar-se um substituto do senso de identidade para o seu portador, o sistema reage com violência à destruição de qualquer das suas partes e se recompõe como um rabo de lagartixa.

É evidente que mentalidades assim formadas estão intelectualmente danificadas, e por isso mesmo imunes à persuasão racional: querer fazê-las perceber o que quer que seja é como exigir que um paralítico saia andando. Para voltar ao exercício da inteligência normal, precisam de um milagre.

A distribuição democrática dessa lesão mental é a finalidade essencial da educação neste país.

Alguns observadores desatentos imaginam que, para produzir um mal tão profundo, seja preciso toneladas de doutrinação e propaganda. Nada disso. Basta usar a técnica do “ato comprometedor”, descoberta por J. L. Freedman e S. C. Fraser em 1966 e hoje incorporada à pedagogia oficial. Se um grupo de pessoas é induzido a imitar, ainda que a título de mera experiência, uma determinada conduta que não compreendam bem ou que seja contrária às suas convicções, em 76 por cento dos casos elas mudarão suas convicções para adaptá-las retroativamente à conduta imitada. Basta portanto um professor enviar seus alunos uma vez, uma única vez, a uma manifestação em favor de qualquer “causa” que não estejam em condições de julgar por si próprios, e 76 por cento deles aderirão automaticamente a essa causa, qualquer que seja. Ora, enviar alunos a manifestações políticas, reforçando a incitação por meio de recompensas e castigos às vezes nada sutis, tornou-se entre os professores brasileiros do ensino médio quase uma obrigação, mesmo porque eles próprios tiveram suas convicções formadas mais ou menos assim e não vêem nada de mau naquilo que fazem. Consolidada a estupidez por algumas repetições, resta para o ensino universitário apenas a tarefa de embelezá-la com uns toques de vocabulário pedante.

Platão considerava que, após o homicídio, o segundo delito mais grave era o de arruinar a alma de jovens e crianças. E Jesus Cristo dizia que o melhor a fazer com os culpados desse crime era amarrar-lhes uma pedra no pescoço e jogá-los ao fundo do mar. Mas não creio que na baía da Guanabara haja espaço bastante para todos eles.

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