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Vacina contra a estupidez

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 23 de julho de 2006

Há anos tenho por hábito começar o meu Seminário de Filosofia transmitindo aos recém-chegados a noção dos graus de persuasão, que jazia esquecida nas obras lógicas de Aristóteles até que a desenterrei e a expus no meu livro Aristóteles em Nova Perspectiva, publicado pela Topbooks em 1998 e agora reeditado em grande estilo pela É-Realizações, de São Paulo. 

A idéia é simples e poderosa. O que quer que você saiba, ou imagine saber, pode ser absolutamente certo, provável, verossímil ou meramente possível. Por exemplo, é absolutamente certo que você está lendo este artigo agora, é provável que chegue a compreendê-lo, é verossímil que receba dele um vigoroso estímulo intelectual e é meramente possível que, partindo desse empurrão inicial, você venha a se tornar um gênio.

A escala de persuasão depende da disponibilidade das evidências e do valor relativo das provas em cada caso.

A importância decisiva dessa noção provém do seguinte. Se você imagina saber que x é y, mas não consegue distinguir se isso é uma certeza, uma probabilidade, uma verossimilhança ou apenas uma possibilidade entre outras, você não sabe de maneira alguma se x é y ou não é. Não sabe sequer se acredita mesmo nisso. Está apenas falando por falar, esperando que a concordância do ouvinte dê um reforço postiço à sua impressão de saber aquilo que, de fato, você não sabe. Tal é a definição mesma do blefe intelectual, com o agravante de que muitos o praticam num tom de certeza infalível que praticamente obriga o interlocutor a concordar, por medo de pagar mico. O vigarista intelectual finge segurança para poder receber em troca a aprovação que lhe permitirá, da próxima vez, fingir com mais segurança ainda. Muitas carreiras de escritores, de professores, de jornalistas foram construídas inteiramente sobre esse alicerce de geléia.

Saber não é acreditar, não é sentir convicção, muito menos fingir que sente. É estar capacitado a avaliar e julgar aquilo em que se acredita, em comparação com outras crenças alternativas – o que supõe que ao menos uma vez na vida você examinou essas alternativas fazendo abstração da sua crença pessoal e as classificou segundo a escala de persuasão. Isso é impossível quando os jovens são estimulados a aderir rapidamente às crenças dominantes do meio escolar e a apoiar-se no sentimento coletivo de certeza para fazer-se de superiores a quem tenha outra opinião qualquer. O que hoje em dia se chama educação é, na quase totalidade dos casos, um adestramento psicológico na arte de camuflar a temerosa insegurança do intelecto juvenil por trás do blefe arrogante. Estudantes que passem por esse tratamento estão arruinados intelectualmente, mas prontos a odiar quem seus professores os mandarem odiar.

A única vacina possível contra essa destruição da capacidade de discernimento foi inventada por Aristóteles vinte e quatro séculos atrás. Ela consiste em treinar o estudante para discernir, primeiro nas suas próprias crenças, depois nos conhecimentos adquiridos da escola, por fim nas idéias em circulação no meio intelectual em torno, os motivos de credibilidade e respectivos graus de persuasão. Há critérios bem estabelecidos para isso, e o próprio Aristóteles os expôs com uma precisão formidável, o que me permitiu extrair deles a técnica pedagógica do Seminário. Mas, como nas várias turmas em que lecionei em quatro Estados brasileiros jamais pude dar mais de uma aula por mês, tive de me limitar sempre a ensinar o esquema geral da técnica e a implorar que os alunos a praticassem em casa, sem poder supervisionar pessoalmente os exercícios.

Por isso recebi com enorme satisfação, à distância em que estou, a notícia de que meu aluno Carlos Vargas e meu filho Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, dois dos sujeitos mais inteligentes que já conheci, ambos atualmente lecionando filosofia para adolescentes em Curitiba, adotaram em seus cursos a prática dos graus de persuasão. Não creio que o meu experimento ou o deles chegue um dia a se espalhar — como deveria — pelas escolas do Brasil, hoje mais ocupadas em produzir dizimistas para o PT do que em despertar inteligências. Mas creio que o deles, por se dirigir a alunos mais jovens e ter tempo para exercícios repetidos, pode ir muito adiante do meu. O país não aprenderá nada com isso, mas algumas dezenas de brasileiros terão a oportunidade de tomar posse efetiva da inteligência que Deus lhes deu, antes que o Ministério da Educação consiga impedi-los.

Cinismo pedagógico

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de junho de 2006

O PT está adestrando os brasileiros para que aceitem dele, com docilidade canina, doses faraônicas de tudo aquilo que mesmo em quantidades mínimas os indignava e enfurecia nos governos anteriores.

O cinismo com que os acusados sorriem das denúncias – Mensalão, assassinatos, terrorismo biológico, parceria com narcotraficantes, invasão do Congresso, o diabo – não nasce da cara-de-pau natural. É uma técnica pedagógica, bem conhecida desde Lênin, calculada para quebrar a resistência mental do povo por meio de choques sucessivos, até habituá-lo a uma ética invertida, na qual o crime e a trapaça, desde que praticados por agência ideologicamente aprovada, se tornem fontes de autoridade moral.

Se aplicado uma vez ou duas, o ardil provocaria ódio em vez de submissão. É preciso repeti-lo, em doses crescentes, até que o desespero da razão comece a enxergar na resignação ao absurdo a única esperança de alívio.

Também é preciso que os golpes não atinjam um ponto só, mas, variando a direção do ataque, dêem uma impressão de onipresença sufocante, repentina e devastadora como uma nuvem de gafanhotos. Todos os setores da vida devem ser acossados por um bombardeio simultâneo de novas regras, cada uma delas insensata e ridícula em si mesma, mas terríveis e assustadoras no conjunto e na prepotência súbita com que se impõem. Do dia para a noite, tudo se inverte. Possuir uma fazenda é crime; invadi-la e queimá-la é um direito e um dever. O sistema representativo é opressão; a violência é democracia. Revoltar-se contra os abusos do governo é perseguição macartista; calar a oposição é liberdade. Assassinos e ladrões são vítimas; suas vítimas são criminosas.

Depois de alguns anos desse tratamento, toda resistência começa a ceder. A malícia da operação é tão imensa, a crueldade psicológica que a inspira é tão obviamente diabólica, que até almas bem estruturadas se recusam a acreditar em tamanha perversidade. Então, como crianças aterrorizadas, inventam uma outra realidade, mais amena, e juram para si próprias que estão vivendo dentro dela. E é aí mesmo que se tornam inofensivas e dóceis como planejado.       

           

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Se vocês querem saber quem é Evo Morales, dêem uma olhada no site http://www.univision.com/content/content.jhtml?cid=781409. Espremido pelo jornalista Jorge Ramos com perguntas sobre Cuba, narcotráfico e direitos humanos, o invasor da Petrobrás se atrapalha todo e faz um strip-tease moral entre cômico e obsceno. É a imagem viva da ignomínia comunista diante da qual o nosso presidente se baba de admiração.           

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Não conheço fanáticos mais irracionais do que os adeptos de teorias científicas. Quando discuto com um entusiasta de Newton, de Darwin, de Georg Cantor, de Richard Dawkins, saio até com a impressão de que os comunistas são pessoas razoáveis, dispostas ao diálogo. Nada se compara à fúria sagrada com que, desafiados em suas crenças, os profissionais da razão se dispensam de usá-la e partem para o arremedo provinciano do argumentum auctoritatis.

Em resposta ao meu artigo anterior, meia dúzia de Ph.-Ds. me escreveram, indignados, alegando que se a teoria de Newton fosse absurda não teria sido possível extrair dela tantas aplicações técnicas, incluindo as viagens espaciais. Um título de doutor deve estar custando muito barato, a julgar pelo número de pessoas que logram obtê-lo sem haver sequer aprendido que aplicações técnicas, mesmo espetaculares, não têm jamais o poder de provar teoria alguma. Se é para dar o exemplo das viagens, basta lembrar que todos os cálculos de navegação aérea e marítima ainda são feitos segundo a astronomia de Ptolomeu. Se a eficácia dessa aplicação provasse alguma coisa, Copérnico estaria frito. Toda e qualquer técnica se baseia num recorte postiço da realidade, sem o qual a ação humana teria de estender-se ao infinito. A técnica nada prova exceto a sua própria possibilidade, e mesmo assim dentro de um conjunto de condições rigidamente limitadas.

Os números e o milagre

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 8 de junho de 2006

Desde ontem, ecoam por toda parte os belos discursos contra a invasão da Câmara Federal. Com uma ou outra exceção irrelevante, sua tônica é uniforme: dão a impressão de que essa truculência, como todas as anteriores, foi um susto passageiro, um abuso fortuito incapaz de abalar no mais mínimo que seja a tranqüilizante rotina democrática em que vivemos. Está tudo sob controle: temos um presidente amante da ordem, nossas instituições são estáveis e as Forças Armadas, é claro, estão vigilantes.

Não vou discutir com quem diz que acredita nisso. Peço apenas ao leitor que atente para o aspecto aritmético da questão. Some a militância do PT, do MST e MLST, da CUT, do PCC e das demais facções da esquerda revolucionária (assim denomino as que estão afinadas com a estratégia continental do Foro de São Paulo). São uns quarenta milhões de pessoas. Não incluo aí simpatizantes, burros de presépio e meros eleitores. Conto apenas os militantes, gente doutrinada, adestrada, disciplinada, disposta a tudo. São a quarta parte da população brasileira. Nem me pergunto quantos deles estão armados, prontos para matar. Mesmo que tivessem apenas estilingues, restaria este dado brutal: nunca houve, na história do mundo, uma organização revolucionária dessas dimensões. Muito menos pergunto quanto custou: não consigo somar os lucros do narcotráfico e dos seqüestros, a hemorragia crônica de verbas federais, os dízimos da militância e as contribuições de fundações estrangeiras bilionárias. O total é impensável. Você acha realmente que alguém constrói uma monstruosidade dessas para não fazer nada com ela além de cumprir as leis e ser bom menino? O futuro do Brasil está decidido, de maneira praticamente irreversível, por um fato aritmético de envergadura majestosa e potência avassaladora.

Esses números, aliás, não são uma quantidade informe, distribuída a esmo no espaço. Há entre eles toda uma rede de conexões. Eles formam uma equação bem definida, um mapa, um organograma completo. Sempre que uma das entidades que mencionei acima entra em ação, é em parceria com as outras. O PCC espalha o terror por meio de técnicas que aprendeu com o MST, que as absorveu das Farc, cujos líderes são íntimos da cúpula petista e do sr. presidente da República. O Comando Vermelho, para produzir efeito idêntico no Rio, usou o que aprendeu direto da elite esquerdista que hoje governa o país. Quando um agente das Farc é preso logo depois de declarar que deu dinheiro do narcotráfico ao PT, mais que depressa essa elite se mobiliza para mandá-lo ao exterior. Idêntica iniciativa surge da mesma fonte para libertar os mestres-seqüestradores do MIR chileno que pegaram Abílio Diniz e Washington Olivetto. E, quando o MLST entra na Câmara depredando tudo e esmagando crânios, quem está no seu comando é um membro da Comissão Executiva Nacional do PT. Não há ações isoladas. Distribuídos sob denominações diversas, quarenta milhões de fanáticos estão perfeitamente articulados, solidários, na afinação diabolicamente eficiente de uma orquestra da destruição.

Na época das CPIs, bastava aparecer uma ligação telefônica entre um empreiteiro e algum deputadinho corrupto para o PT sair gritando: “É uma conspiração! É um Estado dentro do Estado!” Diante de indícios imensuravelmente maiores e mais probantes, a nação ainda se recusa a conceber, mesmo de longe, uma hipótese semelhante para explicar o que acontece hoje, embora não haja nenhuma outra explicação plausível, exceto a aposta louca no prodígio das meras coincidências repetidas em série. É que hoje não há um Estado dentro do Estado. Há um Estado acima do Estado, impondo o caos e chamando-o de “ordem”. Nessas circunstâncias, parece sensato abolir a aritmética, a álgebra, a razão inteira, e apegar-se à esperança de um milagre. Mas o único santo milagreiro à disposição é São Lulinha, e o único milagre que ele sabe fazer é precisamente o que já está fazendo.

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