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Entre sorrisos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 05 de fevereiro de 2008

Alguns anos atrás, quem dissesse que o PT estava levando o Brasil para o socialismo era instantaneamente carimbado como extremista de direita ou como doente de paranóia persecutória.

Agora, o próprio sr. Tarso Genro aparece dizendo isso e os mesmos carimbadores de outrora aceitam tudo com uma complacência admiravelmente beócia, como quem dissesse: “Pensando bem, o que é que tem de mais? Talvez o socialismo não seja tão mau.”

A ameaça que ontem parecia demasiado ruim para ser verdade tornou-se uma banalidade inofensiva, anunciada entre sorrisos e recebida com solicitude paternal.

No entanto, o sr. Tarso Genro, no artigo que escreveu para a Edição Especial do Diário do Comércio do dia 28 de janeiro, foi ainda mais explícito do que o vídeo do III Congresso do PT ( http://www.youtube.com/watch?v=VNPjm0qfByc ).

Ele disse, entre outras coisas:

Primeiro: que antes mesmo da total ocupação dos poderes de Estado pelos comunistas, é possível começar a construção do socialismo. Quer dizer que já começou.

Segundo: que não é preciso destruir o Estado para depois “instaurar” o socialismo, mas é possível gerar o socialismo desde dentro do Estado existente – o que é precisamente o que está sendo feito.

Terceiro: que não há contradição entre reforma e revolução. Quer dizer que a estratégia gradual e reformista presentemente em curso de implementação não exclui o emprego possível de meios revolucionários como os usados na Venezuela, em Cuba ou no Camboja. Ao contrário, reforma e revolução devem converter-se incessantemente uma na outra, como aliás já está acontecendo. A articulação entre o PT e as Farc é a maior prova disso, assim como a colaboração frutífera entre a luta parlamentar e as invasões de fazendas.

Quando, depois disso, o sr. Genro afirma que socialismo e democracia são perfeitamente compatíveis, é claro que dá à palavra “democracia” a acepção gramsciana da livre concorrência entre os partidos de esquerda, excluídos todos os demais. E quando o próprio sr. presidente da República declara que o DEM é um partido “sem perspectiva de poder” o que ele quer dizer é que a democracia gramsciana já está em pleno vigor. Os companheiros do sr. Genro e do sr. Lula entendem perfeitamente bem o que eles estão dizendo. Seus adversários e vítimas potenciais é que têm medo de entendê-los. Preferem fingir que eles estão dizendo outra coisa. Fingem tão bem que acabam acreditando que a democracia gramsciana é democracia tout court , que o socialismo petista é apenas força de expressão.

Raros empreendimentos de manipulação psicológica ao longo da História foram tão bem sucedidos quanto a dessensibilização da “direita” brasileira para o perigo do socialismo petista. Praticamente não há, entre os partidos ditos de oposição, quem não creia que na pior das hipóteses a divergência entre capitalismo e socialismo é uma questão acadêmica que pode ser resolvida educadamente num debate pacífico entre pessoas de bem. A esquerda procura justamente manter os idiotas nessa ilusão, paramentando-se com todas as aparências de civilidade e legalismo, ao mesmo tempo que se prepara para a liquidação física dos adversários mediante o acúmulo de um poder armado considerável, no qual se inclui a colaboração estreita entre o MST, as Farc, o Comando Vermelho e o PCC. O outro lado não se prepara nem mesmo para fugir.

Chega de discussão

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 16 de janeiro de 2008

Deixemos de lado os mentirosos conscientes, interesseiros. Vamos falar dos outros. Qualquer jornalista, acadêmico, político ou formador de opinião em geral que, a esta altura, ainda insista em colocar em dúvida seja a existência, seja a importância e o poder do Foro de São Paulo, é com toda a evidência um incapaz. Sua presença no debate público só serve para entorpecer a inteligência da platéia e torná-la ainda mais lerda em perceber o óbvio depois de dezessete anos de hesitações e tergiversações imperdoáveis — criminosas, na verdade — à sombra das quais a mais poderosa organização subversiva que já existiu neste continente pôde crescer sem ser notada por um povo inteiro, que tinha o direito e a necessidade absoluta de saber tudo a respeito.

Quando uma profusão de documentos de fonte primária, mais a confissão aberta dos personagens envolvidos e por fim, no III Congresso do PT, o reconhecimento oficial do Foro como central estratégica da revolução continental não bastam para convencer um cérebro de que a entidade existe e é terrivelmente influente, é que esse cérebro já perdeu a capacidade humana diferencial, que é a de perceber a realidade através da palavra, e conserva somente o dom simiesco de imitar com guinchados sem sentido a fala dos homens.

Admito debater, com comunistas, o valor ou desvalor, os méritos e culpas do Foro. Discutir sua existência e sua eficácia política, seja com comunistas, seja com não-comunistas (ou anticomunistas), é uma palhaçada a que não posso me expor. Minha paciência com a mendacidade de uns e a psicastenia de outros tem limites, e estes já foram transpostos há muito tempo.

Foi por pura generosidade e sentimento de dever patriótico que persisti oferecendo provas e mais provas quando elas já não eram mais necessárias a nenhuma alma sincera e a nenhuma inteligência normal.

Agora chega. Nenhum dever de caridade, nenhuma devoção à pátria podem obrigar um estudioso a expor-se à última desonra intelectual.

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Também não discutirei a sinceridade ou insinceridade do sr. presidente da República quando ele proclama que seqüestros são abomináveis e que não tem simpatia pelas Farc. O sr. Lula é um mentiroso abjeto, e ponto final. Já citei vezes inumeráveis o manifesto de solidariedade integral que o Foro de São Paulo, sob a presidência dele, assinou em favor da narcoguerrilha colombiana, no qual toda oposição do governo de Bogotá a essa gangue de assassinos era condenada como “terrorismo de Estado”; manifesto de louvor ao abominável, a que se seguiu anos depois, quando o tipinho já estava na presidência, a recusa terminante de aplicar às Farc o mesmo rótulo que naquele documento se concedia à pessoa do presidente Uribe e de todos os que morreram combatendo as hostes de Manuel Marulanda e Raul Reyes. Já mencionei vezes sem conta a imediata mobilização petista em favor de cada seqüestrador ou terrorista estrangeiro que a polícia prende neste país. Para que continuar insistindo no óbvio ante os que não querem vê-lo e os que não têm nem a coragem nem a capacidade de enxergá-lo?

Na Argentina os brasileiros são chamados de “los macaquitos”. Se aplicado à massa geral dos nossos compatriotas o apelido é injusto e difamatório, em outros casos – o da maioria dos formadores de opinião neste país – tudo o que ele tem de inadequado é o tom carinhoso do diminutivo. Macacos são, e dos grandes, sem o atenuante da idade tenra.

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Outra coisa que também já esgotou minha paciência é a constância obsessiva com que os temas inéditos das minhas colunas são reciclados, cinicamente, por opinadores iluminados que, sem jamais citar a fonte, vendem minhas idéias como fossem suas, reformatando-as, é claro, segundo o padrão de suas inteligências mal dotadas. Tornei-me o pauteiro oculto de uma multidão de criaturas vistosas. Os casos são centenas e já vêm desde 2001 pelo menos (v. Pauteiro da USP). Vou dar aqui só os dois exemplos mais recentes. Outro dia, o messianismo, conceito que aplico ao petismo com todo o rigor que aprendi em Norman Cohn , Luciano Pellicani e Eric Voegelin, reapareceu como artifício vulgar de retórica antipetista politicamente correta no artigo de Marcelo Otávio Dantas, “Messianismo e o credo petista”, Folha de S. Paulo , www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2312200709.htm . Agora, a contestação da vitória comunista na guerra do Vietnã, que os leitores do DC leram aqui em 7 e 14 de janeiro, reestréia com mais detalhes na coluna de Élio Gaspari do dia 16. Provavelmente Dantas e Gaspari, consultados a respeito, responderão que jamais lêem meus artigos. Claro: pessoas maravilhosas (no sentido que dei ao termo em O Imbecil Coletivo ) não lêem Olavo de Carvalho. Adivinham-no por genialidade espontânea.

Os amigos da onça

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 01 de outubro de 2007

Meus alunos mais velhos são testemunhas de que há quase vinte anos eu já anunciava: “Querem saber o que é entreguismo? Esperem o PT chegar ao poder.” A previsão, que se referia especificamente à internacionalização da Amazônia, não era mero palpite, nem efusão de retórica antipetista. Baseava-se em extensa pesquisa dos laços entre os movimentos de esquerda e os grupos globalistas bilionários que depois vim a denominar “metacapitalistas”.

Como todas as demais previsões políticas que fiz desde então, essa também veio a se confirmar. No último dia 21, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou o projeto governamental de entregar à gestão privada amplos trechos da floresta amazônica, equivalentes, segundo o repórter Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, a noventa mil estádios de futebol.

A iniciativa confirma também o alerta distribuído em 14 de junho pelo CEBRES, Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, que congrega vários membros do grupo militar dito “nacionalista”, entre os quais o general Durval de Andrade Nery, com o qual tive um arranca-rabo tempos atrás quando ele, decerto por não entender uma só palavra do que digo, me incluiu entre os globalistas que abomino e combato.

Jamais duvidei do patriotismo desses militares, mas, com relação à lucidez e objetividade das suas análises, tenho algo mais que mera dúvida. Tenho a certeza de que estão tragicamente enganados quanto à natureza e localização do inimigo. Simplesmente não é possível compreender o jogo do poder no mundo atual sem um conhecimento extensivo do debate político interno nos EUA, e esse conhecimento é praticamente inacessível a quem se limite aos meios de informação usuais no Brasil.

Já expliquei isso mil vezes, mas parece que estou falando com jumentos de pedra. A opinião pública americana divide-se em partes mais ou menos iguais entre os “progressistas” (liberals) e os conservadores (conservative). Esse equilíbrio reflete uma repartição equitativa do acesso aos meios de comunicação, os primeiros dominando os grandes jornais e a TV, os segundos os programas de rádio, especialmente os talk-shows de enorme audiência. Acontece que, dessas duas fontes, só a primeira atinge o público internacional. A segunda é de alcance estritamente local. Resultados:

1) Do Brasil à Zâmbia, tudo o que se sabe dos EUA vem pela mídia de esquerda, principalmente na sua versão light que por isso mesmo passa como expressão do pensamento americano dominante ou exclusivo.

2) Por toda parte, mas principalmente na América Latina, a reação contra os avanços globalistas ou neo-imperialistas assume por isso mesmo a forma do anti-americanismo, induzindo os nacionalistas a aliar-se com a esquerda local, cujos laços com o metacapitalismo global ignoram ou não compreendem.

3) Monitorados e manipulados de longe pela aliança da esquerda americana com os grupos bilionários, esses esforços patrióticos acabam trabalhando contra si próprios e naufragando na mais deplorável impotência. O manifesto do CEBRES é um exemplo de revolta patriótica mal dirigida, que só pode levar ao fortalecimento dos seus inimigos. Quando tento adverti-los disso, os membros do grupo “nacionalista” reagem com desconfiança paranóica, enxergando em mim um perigo que deveriam procurar antes em alguns de seus “companheiros de viagem” ou mesmo em alguns integrantes do próprio grupo (os mais empenhados em transfigurar em puro anti-americanismo o impulso patriótico dos restantes).

Quase dez anos atrás assisti no CEBRES à conferência de um teórico esquerdista, muito simpático e eloqüente, que pregava a aliança entre a esquerda e os militares contra o “neoliberalismo”. A platéia, — não muito grande, na verdade – aderiu entusiasticamente ao plano, em parte impressionada com a política antimilitar do governo Fernando Henrique, que ela tomava ilusoriamente como direitista e americanófilo, sem saber que a origem remota e o sentido último do tucanismo emergiam da mesma aliança entre os “progressistas” americanos e seus financiadores globalistas, que dava respaldo aos partidos de esquerda no Brasil. A confusão mental que se armara no modesto auditório do CEBRES era tão densa, que abdiquei de tentar desfazê-la, limitando-me a abanar a cabeça prevendo uma desgraça inevitável.

O manifesto de 14 de junho, descrevendo acuradamente a penetração internacionalista na Amazônia e clamando por uma justa reação contra ela, persiste no erro, entretanto, ao ver esse fenômeno como expressão do desejo de poder nacional das “grandes potências”, principalmente os EUA e a Inglaterra, ignorando que a iniciativa parte dos mesmos grupos globalistas que tudo têm feito para diluir a identidade nacional desses dois países, destruir sua soberania e subjugá-los a uma nova estrutura de poder mundial. A falha colossal do diagnóstico do CEBRES provém da sua obediência residual aos esquemas teóricos criados décadas atrás pelos analistas estratégicos da ESG, esquemas esses que, refletindo talvez longinquamente a influência da doutrina Morgenthau, encaravam os Estados nacionais como os agentes principais do processo histórico e assim lançavam uma involuntária cortina de fumaça sobre o novo esquema transnacional de poder que então já era discretamente – e hoje é quase ostensivamente – o verdadeiro protagonista da cena mundial. A luta dos patriotas americanos contra esse esquema é a maior ou única esperança de preservação das soberanias nacionais num futuro não muito distante. Ao voltar-se contra os EUA, em bloco e sem distinções, as reações nacionalistas nos países do Terceiro Mundo, especialmente o Brasil, só fazem dar um reforço gratuito à trama globalista-esquerdista que hoje busca dissolver os EUA num monstrengo chamado “Comunidade Norte Americana” (EUA, México e Canadá) e transferir a organismos internacionais o controle das águas territoriais estadunidenses, exatamente com o mesmo empenho com que tenta – e agora parece que vai conseguir – dominar a Amazônia.

Tanto por seu amor ao comunismo quanto por sua submissão aos interesses globalistas ou pelo seu obsessivo e mal disfarçado ódio antimilitar, o governo do PT vem aprofundando a incompatibilidade, já de si radical e insanável, entre a esquerda e as Forças Armadas –incompatibilidade que agentes de influência como o conferencista acima mencionado ou o ativíssimo grupo do sr. Quartim de Moraes tentam camuflar sob um manto de desconversas sedutoras e promessas lisonjeiras, buscando canalizar em benefício da estratégia globalista-esquerdista internacional a justa insatisfação dos homens de farda. O futuro do Brasil, ou mesmo do continente latino-americano inteiro, depende de que a presente geração de oficiais militares saiba desmascarar seus falsos amigos e recusar-se a servir de instrumento a uma das tramas mais perversas e astutas que a intelligentzia esquerdista já concebeu neste país.

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