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Roendo a Grande Barreira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de agosto de 2007

O segredo tenebroso por trás do manifesto em prol de Quartim de Moraes

Três menções nada honrosas mas inteiramente justas que, de passagem, fiz a João Carlos Kfouri Quartim de Moraes nos meus artigos suscitaram da intelectualidade comunista que domina as universidades neste país uma reação absurda, grotesca, desproporcionalmente histérica: um manifesto assinado por mais de seiscentos ativistas acadêmicos, que me acusam de caluniador, fascista, agente pago do governo americano e até “perseguidor político” do professor da Unicamp (maiores explicações no meu website, www.olavodecarvalho.org , sob o título “Resposta aos puxa-sacos de Quartim de Moraes”).

Os signatários enaltecem em termos candentes as virtudes intelectuais do referido, sem dizer quais são, é claro, mas contrastando-as com a total ausência delas na minha pessoa; e, sem responder a uma só das acusações que fiz a ele, ainda têm o imensurável cinismo de alardear que a mim, não a eles próprios, faltam argumentos para uma discussão séria do assunto.

O manifesto, publicado na internet , não só angariou automaticamente a adesão dos comunistas mais notórios, mas foi endossado pela direção nacional do PT e reproduzido no site oficial do partido, com as assinaturas dos srs. Ricardo Berzoini e Marco Aurélio Garcia. Tudo indica, portanto, que mexi num vespeiro, que o prof. Quartim é mais importante e mais intocável do que todos os outros esquerdistas que critiquei ao longo dos tempos.

Que é que há de tão notável, de tão sacrossanto no professor da Unicamp para que até o partido governante assuma as dores dele e consinta em participar de um empreendimento ridículo no qual nenhuma autoridade respeitável jamais se deixaria envolver?

O caso merece investigação.

Vejamos, em busca de pistas para a solução do enigma, a obra escrita do prof. Quartim. Para uma carreira acadêmica de quarenta anos, ela é pífia e composta quase que inteiramente de obras que ele apenas organizou, não escreveu (detalhe que sua bibliografia tem em comum com a do dr. Emir Sader). No conteúdo, a quase totalidade compõe-se de material de interesse exclusivo da militância (quando não de mera propaganda comunista), sem relevância cultural para pessoas cujo horizonte mental vá um pouco além disso. Olhando o conjunto, só uma conclusão é possível: a produção intelectual do prof. Quartim não pode ser nem mesmo motivo de orgulho pessoal, quanto mais de adoração geral. Logo, não foi por ter atacado um gênio, uma glória intelectual nacional, que meu artigo provocou tanta ira e escândalo.

Outra explicação possível é que feri os brios da tradição esquerdista, blasfemei contra o culto da “luta armada”. Mas esta hipótese também não funciona, porque já escrevi coisas piores contra outros ex-guerrilheiros e ninguém perdeu o sono por isso.

Resta a possibilidade de que as acusações em si sejam absurdas, infundadas e aptas a provocar uma justa revolta. Vejamos uma por uma. Tudo o que escrevi do prof. Quartim foi o seguinte:

1) Tendo sido um dos mandantes do assassinato do capitão Charles Chandler, ele é um assassino com sentença transitada em julgado, e chamá-lo de assassino é um direito elementar de qualquer cidadão brasileiro. Rotular isso de “calúnia” é inverter criminosamente o sentido do Código Penal, que define como tal a imputação falsa e não verdadeira de crime. Na letra e no espírito da lei, quem comete calúnia – contra mim – são os signatários do manifesto.

2) Quartim quer a aproximação entre os esquerdistas e os militares, mas com a condição de que os crimes cometidos pelos primeiros continuem esquecidos, se não premiados, e os dos segundos sejam investigados e punidos. Afirmei isso e repito, pois é traslado fiel de suas próprias palavras e atitudes.

3) Ao apontar como indício da desumanidade do regime escravagista no Brasil as constantes fugas de escravos, o prof. Quartim se omite de dizer que sinal idêntico se observa, em quantidade incomparavelmente maior, na debandada geral de refugiados do regime comunista, de cuja maldade descomunal o mesmo Quartim não diz jamais uma palavra, preferindo, em vez disso, fazer a apologia de Stálin (“Um outro olhar sobre Stalin”, http://www.revan.com.br/catalogo/0269c.htm ).

São afirmações óbvias em si mesmas, irrespondíveis. Que é que Quartim e seus seiscentos protetores têm a objetar a elas? Nada, absolutamente nada. Daí a raiva, o ódio impotente que, sem ter meios de agir, recorre a esse expediente pueril do “manifesto de intelectuais” para tentar impressionar pelo número e intimidar pela exibição de força.

A coleta de assinaturas, é claro, já virou palhaçada. A molecagem foi respondida com molecagem. Centenas de anônimos invadiram o espaço do abaixo-assinado, estourando com piadas escatológicas, ofensivas mas não imerecidas, o grotesco arremedo de seriedade com que seiscentos palhaços tentavam ludibriar o público.

Mas toda a trapaça que arriscaram é nada, em comparação com o ardil logo em seguida montado pela direção nacional do PT ao publicar sua versão do episódio (v. http://www.pt.org.br/sitept/index_files/noticias_int.php?codigo=2710 ). Registrando que minhas críticas ao prof. Quartim começaram em resposta a uma entrevista dada por ele ao site www.vermelho.org , o partido prossegue:

“Nessa entrevista, [Quartim] aventava a possibilidade de estabelecimento de novos vínculos entre setores das Forças Armadas e a esquerda brasileira em torno de um programa nacional e democrático… Diante dos mínimos sinais de que possa haver tal diálogo democrático entre a esquerda e os militares na atualidade, Olavo de Carvalho vocifera…”

Com evidente malícia, o PT omite, do seu relato, justamente a única frase do prof. Quartim que critiquei na sua entrevista: “Cometeríamos a pior das infidelidades à memória de nossos mortos se consentíssemos em pagar, pelas boas relações com os militares de hoje, o preço do esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura.”

Essa frase é uma promessa explícita de continuar tratando de maneira desigual os crimes da esquerda e os da direita, isto é, premiando os primeiros e punindo os segundos. Ao omitir esse trecho, o PT tenta dar a impressão de que tudo ia às mil maravilhas no relacionamento amoroso entre os comunistas e as Forças Armadas. Coloquem a frase no lugar e verão que esse relacionamento não passava de uma fachada montada pela liderança comunista para enganar os militares e obter, deles, tudo em troca de nada. Com essas palavras fatídicas, Quartim deu com a língua nos dentes, evidenciando a verdadeira intenção dos comunistas, e eu, em vez de deixá-las passar despercebidas num site que só comunistas lêem, lhes dei um destaque medonho num jornal de circulação nacional.

Eis aí a razão da histeria que o meu artigo provocou. O prof. Quartim, em primeiro lugar, não é um “intelectual esquerdista” comum e sobretudo não é um membro do PT. É um dirigente do Partido Comunista – organização internacional infinitamente mais poderosa do que mil PTs. É regra básica do movimento comunista que a sua atuação se desenvolva sempre em dois planos simultâneos: um, notório e público; o outro, discreto e, em caso de necessidade, clandestino. O comando estratégico esta sempre, por definição, na parte discreta, mesmo em épocas de tranqüila liberdade. Quando uma figura de intelectual comunista aparentemente secundária e modesta como a do prof. Quartim se revela, de repente, mais valorizada do que o próprio presidente da República (a quem chamei até de parceiro de narcotraficantes sem que ninguém perdesse o sono por isso), o que o episódio torna claro é que o personagem tem alguma função essencial na parte discreta da estratégia comunista. Ele não é um garoto-propaganda como o nosso presidente ou uma Angela Guadagnin qualquer. Ele está no centro obscuro de onde emanam as grandes operações que, a longo prazo, buscam decidir o curso da História. Ele não está no show , brilhando ante os holofotes. Está no coração das trevas.

O papel específico do prof. Quartim no presente estado de coisas acabou sendo revelado pela própria nota do PT. Independentemente de outras funções que possa ter no esquema comunista, ele era o homem encarregado de restaurar a esquerda militar que existia antes de 1964, fazendo das Forças Armadas, ou de uma parcela delas, um instrumento da revolução continental. Ele se preparou longamente para isso, promovendo os estudos que depois publicou na série “A Esquerda Militar no Brasil” e em vários artigos de jornais e revistas. Que a infiltração comunista nas Forças Armadas conseguiu alguns resultados efetivos nos últimos anos, é a coisa mais evidente do mundo. A transformação da ESG em megafone da esquerda prova-o da maneira mais evidente. A passividade dos militares ante a escalada subversiva, que em épocas mais saudáveis eles já teriam interrompido com um simples pronunciamento de generais, mostra que a intoxicação comunista conseguiu, pelo menos, espalhar no meio castrense uma espécie de paralisia. Mas a conquista ainda estava longe de ter alcançado seus objetivos. A maioria absoluta dos militares brasileiros continua patriota e conservadora como o era em 1964. Ainda faltava muito para que a obra de engenharia concebida pelo prof. Quartim alcançasse o sucesso pretendido, pondo abaixo, mediante lisonjas e promessas, a “Grande Barreira” – como a chamou, num livro memorável, o general Agnaldo Del Nero Augusto — que sempre se opôs à transformação das Forças Armadas em instrumentos da subversão comunista. A Grande Barreira foi roída, mas não derrubada.

Ao evidenciar as intenções maliciosas e traiçoeiras com que Quartim e seus colaboradores tentavam seduzir os militares, coloquei em risco uma das operações mais delicadas e ambiciosas de infiltração comunista já tentadas nesse país. Eis o motivo do pânico que meus artigos espalharam entre os ativistas acadêmicos.

Confesso que, ao escrever aquelas menções ao prof. Quartim, eu ainda não tinha me dado conta de nada disso. Se violei um segredo tenebroso, foi inteiramente sem querer. Foi a própria reação desproporcional e psicótica dos comunistas que me fez notar que eu havia acidentalmente tocado em algum ponto muito secreto e muito dolorido do esquema revolucionário comunista. Deus escreve direito por linhas tortas.

O tempo dos assassinos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de fevereiro de 2007

A coluna de hoje, data venia dos amáveis leitores, será toda dedicada àquelas criaturas mimosas que, na ética brasileira vigente, representam a epítome das virtudes humanas: os comunistas.

Comecemos com uma declaração célebre de Haydée Santamaria, ícone da Revolução cubana. A frase circula pela internet num cartaz de propaganda comunista atribuído falsamente à Petrobras, mas, se foi escolhida numa tentativa muito safada de sujar a reputação da empresa, é porque seu conteúdo é significativo em si mesmo, e é ele que me interessa aqui, não o cartaz. A frase é: “Para mim, ser comunista não é militar num partido, é ter uma atitude ante a vida.”

Qual atitude, precisamente? A própria Haydée responde, na mesma carta que contém a declaração usada pelos falsários (http://www.rebelion.org/argentina/040521haydee.htm):“Creo que hay que hacer un gran esfuerzo para ser violenta, para ir a la guerra, pero hay que ser violenta e ir a la guerra si hay necesidad.”

O paralelo com o célebre “no perder la ternura jamás” é inevitável. Faz parte da liturgia comunista o mantra de que os comunistas só matam por obrigação moral, a contragosto. Pela lógica da normalidade humana, quem mata a contragosto tenta reduzir ao mínimo o número de vítimas. Isso contrasta de maneira acachapante com o fato de que os comunistas são os campeões inquestionados do morticínio universal, inclusive na América Latina, onde os feitos de Fidel Castro superam incalculavelmente os de seus mais execrados inimigos direitistas.

Mas, como se conclui facilmente do que expliquei em artigos anteriores, o movimento revolucionário moderno não poderia ter-se originado por inversão do cristianismo sem absorver e inverter também os seus critérios morais. O ethos comunista, que as duas sentenças de Haydée Santamaria (e a apologia guevariana do guerrilheiro como “eficiente e fria máquina de matar”) exemplificam tão claramente, é a perfeita inversão do bem e do mal. Antonio Gramsci já propunha a substituição do calendário litúrgico da Igreja por um novo panteão de santos, onde os assassinos a serviço da revolução ocupariam os lugares dos mártires cristãos.

O método para realizar a inversão é uma tortuosa dialética que faz da truculência revolucionária a expressão máxima do bem e da santidade. Essa dialética emerge diretamente da inversão de tempo e eternidade que aqui expliquei. Na medida em que identificam o bem eterno com o futuro que prometem, os comunistas estão livres para matar e torturar no presente sem poder ser julgados por ele. De outro lado, como o futuro é indeterminado e só os próprios comunistas podem oficializar o seu advento quando ele chegar, o acerto de contas com a moral fica para o dia de são nunca.

Enquanto isso, os comunistas deitam e rolam nas delícias da auto-indulgência, matando, torturando, arrasando países inteiros, reduzindo multidões a uma miséria indescritível e, nos intervalos, retorcendo-se em trejeitos de indignação contra o pecaminoso capitalismo. Os representantes do presente maligno não podem julgá-los, e os do futuro maravilhoso julgam em causa própria, prevalecendo-se do direito de adiar o julgamento até o dia da perfeição final, inatingível por definição. Logo, seus crimes não lhes podem ser imputados e recaem fatalmente sobre seus inimigos, isto é, suas vítimas. Daí que tenham tanto mais intensa impressão de santidade quanto mais lavam suas mãos no sangue dos outros. Eles nunca são culpados pelos seus próprios atos. Puros e santos, são forçados pelo maldito capitalismo a violar sua bondosa inclinação natural e sair matando pessoas, como se fossem assassinos. Esse sacrifício lhes dói tanto, que quando matam sentem que são eles próprios as vítimas, em vez de autores do crime. Daí o ódio redobrado que sentem pelo falecido que, perfidadamente, os obrigou a torturá-lo e matá-lo. Daí, mais ainda, a necessidade que sentem de continuar a matá-lo em efígie eternamente, xingando-o e difamando-o a cada oportunidade e negando clemência até mesmo a seus descendentes. Na Romênia de Ceaucescu o ex-ministro da economia, Mihail Manoilescu, foi condenado à morte e executado simbolicamente cinco anos depois de ter morrido na cadeia. Matá-lo uma vez só não bastava. São delicadezas da alma comunista que escapam aos corações insensíveis dos reacionários.

Ser comunista é ser um assassino cheio de ternura por si mesmo e de ódio eterno, inextinguível, às suas vítimas.

Escravos fujões

Graça Salgueiro, minha amiga e editora do admirável blog Nota Latina (www.notalatina.blogspot.com), me chama a atenção para mais um detalhe maravilhoso na entrevista do professor-assassino João Carlos Kfouri Quartim de Moraes que já comentei aqui e também no Jornal do Brasil (v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/070206dce.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/070208jb.html). Fazendo ironia com os fazendeiros do Império que julgavam a escravatura uma instituição benévola, afirma o elemento: “Os escravos, teimando em não compreender as motivações filantrópicas de seus proprietários, fugiam em massa das senzalas e das plantações”.

Bem, os escravos brasileiros não são as únicas pessoas incompreensivas que fugiram de seus benfeitores. Seis milhões de cubanos escapuliram de Cuba, expondo-se ao risco de morrer afogados ou de ser comidos pelos tubarões caso não fossem metralhados antes pela polícia de Fidel Castro. Seu exemplo abominável foi seguido por dois milhões de vietnamitas que fugiram da generosidade vietcongue em barquinhos, jangadas e até bóias de borracha. Algumas dezenas de milhares de alemães mal agradecidos saltaram o Muro de Berlim para expor-se aos horrores do capitalismo na parte oeste da cidade. O fluxo de refugiados da Polônia, da Rússia, da Hungria, da China e de outros templos da bondade comunista jamais cessou de superlotar as ruas de Nova York, Paris e Londres e até de São Paulo, dando testemunho onipresente da ingratidão humana. E eu mesmo, cínico e indiferente à ternura que jorra do coração do prof. Kfouri, fugi para os EUA antes que desse na veneta filantrópica do indigitado a idéia de constituir às pressas mais um tribunal revolucionário e me mandar para o beleléu como fez com o capitão Charles Chandler.

História invertida

Uma evidência moral que deveria ser óbvia à primeira vista é que, se todo militante nazista é cúmplice moral do Holocausto, todo militante comunista é cúmplice moral da matança de cem milhões de vítimas dos regimes soviético, chinês, cubano etc. No caso dos terroristas brasileiros, sua participação no esquema genocida internacional montado por Fidel Castro (não menos de quinhentos mil mortos no total) foi algo mais do que moral: foi cumplicidade material, através da ajuda que receberam dele e dos inumeráveis serviços que lhe prestaram. Desde logo, o fato de que a guerrilha nacional agisse sob a orientação da OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, é mais que suficiente para provar que ela não foi uma iniciativa nacional independente e sim a consecução local de planos estratégicos traçados pessoalmente por Fidel Castro. Assim como há uma diferença entre o vago simpatizante nazista da França ou da Holanda e o militante efetivo que no exterior cumpria as ordens emanadas da Chancelaria em Berlim, a mesma diferença existe entre o mero esquerdista subjetivo e os nossos guerrilheiros. Como braços armados de Fidel Castro, eles ajudaram a matar cada cubano que morreu de tortura ou de fome nos cárceres da ilha e cada vítima das guerrilhas que o ditador do Caribe espalhou pelo continente latino-americano e pela África.

Se compararmos a imensidão desses feitos macabros com a truculência modesta da ditadura que os combateu, a superioridade moral desta última se tornará demasiado evidente. Por isso a historiografia de propaganda esquerdista que forjou a imagem desse período na memória nacional é tão enfática em assinalar os crimes da ditadura e tão omissa em descrever as conexões da guerrilha local com o esquema estratégico cubano e continental. Mesmo quando fala da Operação Condor, a articulação de governos militares para o combate às guerrilhas, ela busca sempre dar a impressão de que se tratava de uma conspiração transnacional armada contra heróicas resistências locais, e não de um arranjo feito às pressas para enfrentar um esquema revolucionário internacional muito mais antigo, organizado e abrangente. A OLAS, afinal, tinha agentes em todo o mundo e conexões muito fortes na mídia internacional, enquanto os generais latino-americanos mal tinham alguns oficiais de relações públicas, canhestros e mal treinados, para tentar balbuciar explicações diante de repórteres maliciosos, intoxicados de prevenção esquerdista, quando não militantes comunistas eles próprios.

É por isso que a história da ingerência dos EUA na situação política latino-americana da época aparece cem por cento invertida no relato que as escolas e o movimento editorial passam às novas gerações. A força dos documentos históricos é aí neutralizada por grotescas lendas urbanas criadas pela propaganda comunista, que se impregnam na memória popular como verdades de evangelho. Na crença geral, os EUA continuam aparecendo como autores ou pelos menos inspiradores do golpe de 1964, embora a correspondência entre o embaixador Lincoln Gordon e o presidente Johnson mostre que o governo americano se limitou a manter-se informado sem interferir em nada. Inversa e complementarmente, a debilitação e queda dos governos militares é atribuída à ação espontânea e heróica das resistências locais, quando os documentos provam que foi tudo uma decisão direta do presidente Jimmy Carter, o pai da prosperidade esquerdista nas décadas seguintes. Ante a pressão americana, nossa ditadura teve de se desmantelar às pressas, abandonando o país nas mãos da canalha esquerdista que desde então não fez senão comer dinheiro público, bajular criminosos e derreter-se em orgasmos de auto-adoração.

A anistia jurídica que essa gente recebeu nunca deveria ter vindo junto com a anistia moral que aboliu a memória de seus crimes e tornou eternamente imperdoáveis os de seus adversários. Nem a ditadura foi tão ruim, nem os comunistas que a combateram o fizeram por amor à democracia e aos direitos humanos. A alternativa aos militares, nas décadas de 60 e 70, era exatamente aquela que a guerrilha trazia em seu bojo: a tirania comunista, infinitamente mais brutal e sedenta de sangue do que o mais enfezado dos nossos generais poderia jamais ter sido. A História nunca é uma escolha entre o céu e o inferno, a felicidade integral e o infortúnio absoluto: é uma permanente opção entre a mediocridade do mal menor e a santificação psicótica do mal maior.

Nesse sentido, tendo sido radicalmente oposto ao regime militar enquanto ele durou, hoje não vejo como condená-lo por inteiro em comparação com a alternativa hedionda oferecida pelos santarrões comunistas na época. No mínimo, os presidentes militares morreram pobres. Morreram pobres porque foram honestos. E, se perseguiram os comunistas, deixaram o resto da nação em paz. Hoje, os cidadãos brasileiros são assassinados à base de cinqüenta mil por ano enquanto os comunistas se empanturram de dinheiro público e trocam beijinhos com a narcoguerrilha colombiana que fomenta a violência nas ruas do Rio e de São Paulo. Moralmente, não há comparação possível.

Diferença abissal

A propósito disso, e com referência à antologia de meus artigos que está para ser publicada como edição especial do Diário do Comércio, creio dever aos leitores uma explicação pessoal, escrita desde o fundo do meu coração.

Há uma diferença abissal entre refutar uma idéia e denunciar um crime. Quando condeno os jornais e jornalistas que ocultam a matança de cristãos no mundo, que fingem acreditar na inexistência ou inocuidade do Foro de São Paulo, que jamais noticiam os constantes assassinatos e torturas de prisioneiros políticos em Cuba, na China e nos países islâmicos (e quando o fazem é com uma circunspecção que raia a omissão completa), não estou discutindo suas idéias: estou denunciando sua cumplicidade consciente e obstinada com crimes hediondos. Minha divergência com eles não é de crenças, de convicções, de ideologia: é a diferença moral irredutível entre o homem sincero e um bando de mentirosos cínicos.

Do mesmo modo, não é ideológica a distância que me separa daqueles que se sentem mártires porque perderam 376 militantes para a ditadura nacional enquanto ajudavam Fidel Castro a matar quinhentas mil pessoas (v.http://www.cubaarchive.org/english_version) a cujos descendentes a mídia hipócrita e o governo cão negam toda palavra de consolo. Ideologia discute-se. Uma diferença abissal de percepção, de sentimentos, de moralidade, de senso das proporções, só se expressa com gritos de horror ou com o silêncio do desprezo.

Não fui eu que criei essa diferença. Foram eles. São eles que abrem um abismo ontológico intransponível entre os seus e os do partido contrário, considerando-se detentores exclusivos do estatuto humano e tratando seus adversários mortos como detritos na lixeira da História.

A essa diferença corresponde outra, igualmente invencível, mas de ordem cognitiva, entre eles e aqueles que não medem a condição humana, os direitos humanos, a dignidade da vida humana, por uma carteirinha de partido.

É do máximo interesse deles escamotear essa diferença, fingindo que é tudo mera divergência de opiniões, para em seguida choramingar que sou um intolerante, que os maltrato só porque não pensam como eu. O número dos que apelam a esse expediente malicioso é diretamente proporcional à sua falta de vergonha na cara.

Não vejo como expor nossa diferença polidamente. Palhaço seria eu se, diante de tantas condutas criminosas, me pusesse a discuti-las em tom de debate intelectual, como se fossem grandes e elevadas teorias, sublimes hipóteses científicas, arrojadas especulações filosóficas. Bem sei que é isso o que querem. Mas eu estaria me rebaixando ao último grau da indignidade se fizesse algo para contentá-los.

Nem falo, é claro, daqueles que diante de provas tão patentes e superabundantes da mendacidade esquerdista que impera nos meios de comunicação deste país, ainda se queixam de que a mídia nacional é “conservadora”. Se com os primeiros já não havia a menor possibilidade de diálogo, esses, então, não merecem sequer ser mencionados, de raspão, numa conversa entre pessoas decentes. Seu lugar na escala da idoneidade profissional é o das amebas e protozoários na hierarquia animal. Non raggionam di lor, ma guarda e passa.

Por outro lado, é superlativamente cínica e de má fé a exigência de “argumentos” por parte de gente que sempre respondeu aos meus mediante a mais sórdida e persistente campanha de difamação de que algum jornalista brasileiro já foi vítima ao longo de toda a história nacional. Insultos a mim e à minha família, ameaças de morte, imputações criminais escabrosas, boicotes profissionais ostensivos não contentaram a sanha dessas criaturas, que em seguida se esmeraram em distribuir pela internet mensagens falsas em meu nome, com conteúdo racista e nazista, e em criar sites inteiros, com conteúdo forjado, para impingir ao público a farsa de um Olavo de Carvalho moldado à imagem e semelhança do ódio e do temor irracionais que o personagem real lhes inspira.

Só de cartas que sugerem, pedem, imploram ou exigem sumariamente a minha exclusão da mídia, tenho as cópias de várias dezenas – amostragem modesta do que circulou pelas redações. Como posso crer que tantos sujeitos empenhadas em tapar minha boca estejam ao mesmo tempo ansiosos para ouvir meus argumentos?

Quem tem o direito de cobrar argumentos sou eu e não eles, como bem lembra Guilherme Afif Domingos no prefácio à antologia que mencionei. Mas quem, na esquerda supostamente letrada, vai querer discutir comigo? Todos os que o tentaram se saíram muito mal. Seus descendentes aprenderam a lição. Ao primeiro sinal de um confronto, fogem esbaforidos, de medo de que sua vacuidade mental, desprovida das defesas do cargo e da claque, seja exposta à plena luz do dia. Preferem ir fazer fofocas bem longe de mim, protegidos em suas salas de aula, ante alunos previamente vacinados contra a tentação de me dar ouvidos. Aí sim, deitam e rolam, dizem de mim o que querem, fazem piadas, contam garganta e me derrotam em mil e um embates imaginários.

Os exemplos de baixeza, de covardia, de mendacidade grupal organizada que vi desde a primeira edição de O Imbecil Coletivo (1996) são uma amostragem sociológica mais que suficiente do perfil moral médio do esquerdismo falante.

Antes disso eu já conhecia, é claro, o poder da máquina de difamação esquerdista. Sabia o que ela tinha feito com Gilberto Freyre, com Otto Maria Carpeaux, com Gustavo Corção, com Georges Bernanos, com José Osvaldo de Meira Penna, com Antonio Olinto, com Roberto Campos – com um punhado de homens ilustres. A fúria inventiva que ela mobiliza contra aqueles a quem quer destruir não tem limites. Não há mentira, não há invencionice, não há intriga, por mais rasteira e porca que seja, a que seus funcionários não recorram com a cara mais bisonha do mundo, seguros da indulgência plenária garantida pela sua superioridade moral inata, indiscutível, divina. E a tudo isso denominam “debate intelectual”, desfolhando-se em chiliques de donzela ultrajada quando os chamamos de delinqüentes camuflados. Minha experiência pessoal com essa gente só veio a confirmar, com sobra de evidência, tudo o que a História me havia ensinado a seu respeito. Hoje entendo que o esquerdismo não é um ideal, uma crença, uma filosofia: é uma doença moral horrível, a substituição do senso instintivo do bem e do mal por um conjunto de artifícios lógicos que, por etapas, vão levando da mera perversão à inversão completa, à santificação do mal e à condenação do bem.

Nossa mídia e seu guru

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 07 de janeiro de 2003

O mais lindo espetáculo dos últimos tempos não foi a posse de Lula, escoltado por Fidel Castro, Hugo Chávez e uma penca de veteranos do terrorismo, numa praça adornada de milhares de bandeiras vermelhas e nenhuma do Brasil. O mais lindo espetáculo dos últimos tempos é a tranquilidade com que, diante disso, a mídia nacional assegura que não há mais comunistas em ação no mundo e que o país, no novo governo, tem o futuro assegurado de uma genuína democracia.
Nunca uma mentira tão óbvia foi sustentada com tão acachapante unanimidade, num insulto coletivo à inteligência popular, que, ao não se sentir ofendida por isso, mostra não ter mesmo muito respeito por si própria.

Não encontro precedentes históricos para tão estranho fenômeno, mas encontro paralelos em outros que, ao mesmo tempo, sucedem na mesma mídia. Querem ver um? A onda de indignação geral contra Chávez é mil vezes maior e as acusações que pesam sobre ele mil vezes mais graves do que tudo quanto, no Brasil, bastou para dar razão de sobra à derrubada de Collor. Não obstante esta é celebrada até hoje como uma apoteose da democracia, enquanto o movimento dos venezuelanos é pejorativamente rotulado de “tentativa de golpe”.

A duplicidade de critérios é tão patente, tão descarada que ela basta para mostrar que o jornalismo nacional está morrendo, substituído pela propaganda pura e simples. Muitos jornalistas negarão isso, fazendo-se de escandalizados, mas suas caretas de dignidade afetada não me convencerão. Pois eles próprios não escondem seu orgulho de ter abandonado as antigas regras de objetividade e isenção para adotar uma ética de dirigismo militante. Não querem mais ser meros portadores de notícias. Querem ser “agentes de transformação social”. Um agente de transformação não se contenta em dar informações: manipula-as para produzir um efeito calculado. Os jornalistas brasileiros estão de tal modo adestrados para isso que já o fazem até sem perceber.

Como chegaram a tanto? Uma pista reside na influência exercida sobre eles, como sobre a totalidade das classes falantes, da leitura de Antonio Gramsci, hoje a obrigação central e quase única de quem passe por estudos ditos “superiores” neste país. Para que haveriam de embeber-se tanto das idéias de Gramsci, se fosse para se absterem de levá-las à prática? Mas essas idéias têm uma propriedade notável: quanto mais um homem se intoxica delas, menos percebe o que têm de imoral e perverso.

Visto sem as lentes da devoção boboca, o gramcismo não passa de uma sistematização de intrujices. A hegemonia, segundo ele, deve ser conquistada pelos partidos de esquerda mediante “ocupação de espaços” na mídia, na educação etc. Ora, o que é “ocupação de espaços” senão mútua proteção mafiosa entre militantes, recusando emprego aos adversários e institucionalizando a discriminação ideológica como princípio de seleção profissional? Trinta anos dessa prática e já não resta nas redações nenhum anticomunista. Dividido o espaço entre esquerdistas, simpatizantes e indiferentes, ninguém reclama e todos sentem viver na mais confortável democracia. A consciência moral dos jornalistas de hoje é pura inocência perversa.

Mas Gramsci não era um intrujão só na estratégia política. Manipulador, não hesitava em contar à filha pequena velhos contos de fadas esvaziados de seu simbolismo espiritual e adulterados em grosseira propaganda comunista. Sua própria imagem histórica é uma farsa. Beatificado como encarnação do intelectual proletário, só trabalhou em fábrica por tempo brevíssimo.

Chamar Gramsci de maquiavélico não é força de expressão. Filho de um corrupto, ele era neto espiritual do megacorruptor florentino. Orgulhava-se de ser discípulo de Maquiavel e descrevia o “Partido” como o “Novo Príncipe”, encarnação coletiva do astuto golpista palaciano que conquistava o poder pisando nos cadáveres dos que o tinham ajudado a subir. Quando o Partido está fraco para o assalto direto ao poder, dizia Gramsci, deve formar um amplo “pacto social” baseado no “consenso”, mas conservando para si a hegemonia, o primado das idéias e valores que soldam a aliança. Os aliados, acreditando agir no seu próprio interesse, serão levados a amoldar seu pensamento às categorias admitidas pelo Partido, que, parasitando suas energias, livrar-se-á deles no momento devido.

Gramsci não é maquiavélico só no sentido vulgar d” “O Príncipe”, mas também naquele, mais sutil e maldoso, dos “Discorsi”. Nesta obra pouco lida, Maquiavel revela seu intuito de colocar o Estado em lugar do próprio Deus. Gramsci apenas acrescenta que, para isso, é preciso antes um Partido-deus. É aí que sua malícia chega a requintes quase demoníacos. Ele considerava o cristianismo o principal inimigo do socialismo. Sonhava com um mundo em que toda transcendência fosse abolida em favor de uma “terrestrialização absoluta”, na qual a simples idéia de Deus e de eternidade se tornasse inacessível.
Mas não queria destruir a igreja como instituição, e sim usá-la como fachada. Para isso, propunha que os comunistas se infiltrassem nela, substituindo a antiga fé por idéias marxistas enfeitadas de linguagem teológica. Assim, a pregação comunista chegaria às massas sob outro nome, envolta numa aura de santidade.

A maior fraude religiosa de todos os tempos está hoje coroada de sucesso, o que não torna menos deformada e monstruosa a mentalidade do seu inventor. Nem menos desprezível a daqueles que o admiram por isso.

Olavo de Carvalho
Folha de São Paulo, 07 de janeiro de 2003

O mais lindo espetáculo dos últimos tempos não foi a posse de Lula, escoltado por Fidel Castro, Hugo Chávez e uma penca de veteranos do terrorismo, numa praça adornada de milhares de bandeiras vermelhas e nenhuma do Brasil. O mais lindo espetáculo dos últimos tempos é a tranquilidade com que, diante disso, a mídia nacional assegura que não há mais comunistas em ação no mundo e que o país, no novo governo, tem o futuro assegurado de uma genuína democracia.
Nunca uma mentira tão óbvia foi sustentada com tão acachapante unanimidade, num insulto coletivo à inteligência popular, que, ao não se sentir ofendida por isso, mostra não ter mesmo muito respeito por si própria.

Não encontro precedentes históricos para tão estranho fenômeno, mas encontro paralelos em outros que, ao mesmo tempo, sucedem na mesma mídia. Querem ver um? A onda de indignação geral contra Chávez é mil vezes maior e as acusações que pesam sobre ele mil vezes mais graves do que tudo quanto, no Brasil, bastou para dar razão de sobra à derrubada de Collor. Não obstante esta é celebrada até hoje como uma apoteose da democracia, enquanto o movimento dos venezuelanos é pejorativamente rotulado de “tentativa de golpe”.

A duplicidade de critérios é tão patente, tão descarada que ela basta para mostrar que o jornalismo nacional está morrendo, substituído pela propaganda pura e simples. Muitos jornalistas negarão isso, fazendo-se de escandalizados, mas suas caretas de dignidade afetada não me convencerão. Pois eles próprios não escondem seu orgulho de ter abandonado as antigas regras de objetividade e isenção para adotar uma ética de dirigismo militante. Não querem mais ser meros portadores de notícias. Querem ser “agentes de transformação social”. Um agente de transformação não se contenta em dar informações: manipula-as para produzir um efeito calculado. Os jornalistas brasileiros estão de tal modo adestrados para isso que já o fazem até sem perceber.

Como chegaram a tanto? Uma pista reside na influência exercida sobre eles, como sobre a totalidade das classes falantes, da leitura de Antonio Gramsci, hoje a obrigação central e quase única de quem passe por estudos ditos “superiores” neste país. Para que haveriam de embeber-se tanto das idéias de Gramsci, se fosse para se absterem de levá-las à prática? Mas essas idéias têm uma propriedade notável: quanto mais um homem se intoxica delas, menos percebe o que têm de imoral e perverso.

Visto sem as lentes da devoção boboca, o gramcismo não passa de uma sistematização de intrujices. A hegemonia, segundo ele, deve ser conquistada pelos partidos de esquerda mediante “ocupação de espaços” na mídia, na educação etc. Ora, o que é “ocupação de espaços” senão mútua proteção mafiosa entre militantes, recusando emprego aos adversários e institucionalizando a discriminação ideológica como princípio de seleção profissional? Trinta anos dessa prática e já não resta nas redações nenhum anticomunista. Dividido o espaço entre esquerdistas, simpatizantes e indiferentes, ninguém reclama e todos sentem viver na mais confortável democracia. A consciência moral dos jornalistas de hoje é pura inocência perversa.

Mas Gramsci não era um intrujão só na estratégia política. Manipulador, não hesitava em contar à filha pequena velhos contos de fadas esvaziados de seu simbolismo espiritual e adulterados em grosseira propaganda comunista. Sua própria imagem histórica é uma farsa. Beatificado como encarnação do intelectual proletário, só trabalhou em fábrica por tempo brevíssimo.

Chamar Gramsci de maquiavélico não é força de expressão. Filho de um corrupto, ele era neto espiritual do megacorruptor florentino. Orgulhava-se de ser discípulo de Maquiavel e descrevia o “Partido” como o “Novo Príncipe”, encarnação coletiva do astuto golpista palaciano que conquistava o poder pisando nos cadáveres dos que o tinham ajudado a subir. Quando o Partido está fraco para o assalto direto ao poder, dizia Gramsci, deve formar um amplo “pacto social” baseado no “consenso”, mas conservando para si a hegemonia, o primado das idéias e valores que soldam a aliança. Os aliados, acreditando agir no seu próprio interesse, serão levados a amoldar seu pensamento às categorias admitidas pelo Partido, que, parasitando suas energias, livrar-se-á deles no momento devido.

Gramsci não é maquiavélico só no sentido vulgar d” “O Príncipe”, mas também naquele, mais sutil e maldoso, dos “Discorsi”. Nesta obra pouco lida, Maquiavel revela seu intuito de colocar o Estado em lugar do próprio Deus. Gramsci apenas acrescenta que, para isso, é preciso antes um Partido-deus. É aí que sua malícia chega a requintes quase demoníacos. Ele considerava o cristianismo o principal inimigo do socialismo. Sonhava com um mundo em que toda transcendência fosse abolida em favor de uma “terrestrialização absoluta”, na qual a simples idéia de Deus e de eternidade se tornasse inacessível.
Mas não queria destruir a igreja como instituição, e sim usá-la como fachada. Para isso, propunha que os comunistas se infiltrassem nela, substituindo a antiga fé por idéias marxistas enfeitadas de linguagem teológica. Assim, a pregação comunista chegaria às massas sob outro nome, envolta numa aura de santidade.

A maior fraude religiosa de todos os tempos está hoje coroada de sucesso, o que não torna menos deformada e monstruosa a mentalidade do seu inventor. Nem menos desprezível a daqueles que o admiram por isso.

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