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Segredo impenetrável

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de maio de 2012

O espantoso, na carreira de Barack Hussein Obama, não é só que um ilustre desconhecido tenha conseguido chegar à presidência dos EUA com um curriculum vitae de agitador comunista, uma história pessoal nebulosa, amizades comprometedoras com toda sorte de gangsters e terroristas, paternidade incerta e documentos muito provavelmente falsos. É que a grande mídia inteira, secundada pela classe política e por todo o beautiful people, se recuse a investigar qualquer dessas coisas e, com a unanimidade de uma tropa-de-choque bem adestrada, caia de pau em quem quer que se aventure a fazê-lo. Tão logo alguém levante uma pergunta a respeito, já é acusado de racista ou de teórico da conspiração, e retratado em público como autor insano de hipóteses rocambolescas que jamais lhe passaram pela cabeça.

As reações do bloco obamista à curiosidade pública são de um cinismo que raia a desconversa sociopática. Se você pergunta como Obama pôde ter um número de Social Security do Estado de Connecticut sem jamais ter morado nesse Estado, respondem-lhe que ele não nasceu no Quênia. Se você diz que a data no certificado de alistamento militar dele não parece autêntica, respondem-lhe que ele é o presidente legitimamente eleito dos EUA e honni soit qui mal y pense. Se você diz que Obama Senior e mamãe Stanley Ann jamais moraram no endereço que consta dos famosos anúncios de jornais alardeados como prova de nacionalidade americana, respondem que o xerife Arpaio maltrata os hispânicos. Se você reclama que os passaportes antigos de Obama continuam trancados a sete chaves e que isso é incompatível com a promessa presidencial de transparência, respondem exibindo um passaporte novo, emitido em 2012.

Até mesmo escrever o nome inteiro do personagem, sem omitir piedosamente o “Hussein”, é considerado uma insinuação ofensiva. E quando o homem faz o possível para entregar todo o poder no Oriente Médio a uma organização declaradamente anti-americana e anti-israelense, aí é que pronunciar o nome proibido se torna quase um crime de lesa-majestade.

A incongruência frívola das respostas é obsessiva e sistemática, como se calculada para desencorajar o debate sério e, desviando as atenções para novos e novos temas alegadamente mais urgentes, dessensibilizar o povo para a anormalidade da situação. Arrastado na corrente de discussões econômico-administrativas, que o próprio presidente alimenta com decisões paradoxais, escandalosas e catastróficas, os eleitores vão aos poucos se esquecendo de que não sabem com quem estão discutindo, e acabam por aceitá-lo, ad hoc, com a falsa identidade com que a mídia o apresenta, toda construída de adjetivos encomiásticos sem nenhuma substância factual identificável.

A identidade do presidente, enfim, é totalmente fictícia, mas, como a verdadeira é desconhecida e buscá-la e complicado, deprimente e às vezes perigoso, cada um prefere antes o desconforto de discutir com um mascarado do que o risco de ficar protestando sozinho que um debate sem transparência não vale.

Todos os presidentes, ministros, governadores, senadores e deputados americanos tiveram suas vidas vasculhadas até os últimos detalhes da sua intimidade familiar, mas, já no último ano do seu mandato, a pessoa real de Barack Hussein Obama continua desfrutando do direito incondicional à invisibilidade, contrastando com o fulgor da sua personalidade oficial, continuamente reforçado por novos e novos polimentos.

A versão canônica da história de Obama, aquela que ele mesmo publicou com o título de Dreams of my Father, continua sendo alardeada como a resposta cabal e definitiva a todas as perguntas, malgrado a ausência quase completa de testemunhos corroborantes e embora até mesmo a autoria do livro seja duvidosa no mais alto grau.

A imagem de Obama, tal como construída durante a campanha eleitoral de 2008, tornou-se enfim não somente um objeto sagrado, protegido por toda sorte de tabus, mas os guardiões do templo agem como se a considerassem o valor supremo, o valor dos valores, superior a todos os interesses da veracidade histórica, do direito à informação, da transparência administrativa e da ordem constitucional. Nenhum presidente dos EUA ou de qualquer outra nação, nenhum ditador comunista ou fascista, nenhum rei, imperador ou papa desfrutou jamais de tão inviolável secretude. O passado de Obama é intocável, incognoscível, insondável. E assim deve permanecer, pelo menos, até o fim do seu mandato. Depois disso, o direito do povo saber quem o governa terá sido abolido por decurso de prazo.

Com toda a evidência, estamos diante de um fenômeno único, inédito na História, inexplicável sem uma formidável concentração de poder que esvazia de qualquer sentido substantivo a noção mesma de “democracia”. Obama elegeu-se prometendo “mudança”, e de fato mudou muita coisa: tornou o governo dos EUA uma força auxiliar da revolução islâmica; deu toques inconfundivelmente socialistas à economia americana; instituiu o boicote sistemático às organizações religiosas; aumentou a dívida estatal mais do que todos os presidentes anteriores somados, e instituiu a prática de premiar com dinheiro público a má administração privada. Mas nenhuma mudança foi tão profunda quanto essa: habituar o povo à crença de que não tem o direito, nem aliás a mínima necessidade, de saber quem é o sujeito que manda no país.

O direito de insultar

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 22 de dezembro de 2005

Raros presidentes americanos tiveram planos tão ambiciosos como George W. Bush, e a razão pela qual ele é tão odiado é que esses planos, aparentemente inviáveis mesmo a longuíssimo prazo, estão se realizando com velocidade alucinante. A consolidação da democracia no Iraque é tão irreversível que a minoria sunita desistiu de boicotar o processo e até os terroristas abdicaram de tentar anarquizar as últimas eleições (o número de ataques baixou em setenta por cento). Os países em torno improvisam reformas, não querendo ser passados para trás pela onda democratizante, enquanto as tropas americanas continuam firmes no apoio às metas do presidente, resistindo a todas as chantagens e seduções que, na guerra do Vietnã, debilitaram tão facilmente o seu espírito de combate.

Espalhar a democracia no Oriente Médio é uma realização que não fica abaixo da vitória de Ronald Reagan na Guerra Fria. A diferença é que esta se tornou visível da noite para o dia, com a queda do muro de Berlim e a autoliquidação da URSS, ao passo que os resultados visados pelo presidente Bush só podem aparecer aos poucos, espalhados em diversos países e diluídos no fluxo de notícias desfavoráveis que a oposição democrata, firmemente encastelada na grande mídia, produz diariamente para encobri-los.

“Notícias” não é bem a palavra. “Factóides” seria mais apropriado. No começo, impressionaram muito. Chegaram quase a persuadir a opinião pública de que gritos, sustos e gozações humilhantes, impostos a terroristas presos em Guantanamo ou Abu-Ghraib, eram crimes contra a humanidade comparáveis às torturas físicas hediondas que levam os prisioneiros políticos de Cuba, da China ou das ditaduras islâmicas ao desespero e à morte. Aos poucos, a diferença escamoteada acabou aparecendo naturalmente. A orquestra de exageros premeditados conseguiu mesmo é dissolver o impacto da palavra “tortura”, fazendo dela uma mera figura de linguagem.

Houve também as denúncias escabrosas contra figurões do Partido Republicano. Mas os lucros fabulosos da Hallyburton no Iraque acabaram se mostrando inexistentes, enquanto a acusação de “ruptura de sigilo” jogada contra o vice-presidente Dick Cheney vai se revelando cada vez mais uma pegadinha montada pelo marido mentiroso de uma agente da CIA. E, vendo que as imputações criminais lançadas contra Tom De Lay não vão mesmo dar em nada, os democratas já passaram ao plano B: espalhar na mídia que o ex-líder republicano na Câmara gasta muito dinheiro de campanha passeando de avião e hospedando-se em hotéis de cinco estrelas. Mesmo que nisso De Lay não ficasse muito abaixo da gastadora Hillary, restaria ainda a pergunta: E daí?

Revoltados de ter de contentar-se com resultados jornalísticos, sem trazer dano judicial substantivo ao entourage do presidente, os democratas voltaram seu ódio contra os jornalistas conservadores. Queriam vingar-se das revelações desmoralizantes que acabaram com a carreira de Dan Rather e baixaram as vendas do New York Times . Gastaram uma nota preta em investigações para queimar alguma reputação, mas tudo o que conseguiram foi descobrir que o radialista Rush Limbaugh, desde uma operação na coluna, ficara viciado em analgésicos. Rush passou umas semanas entalado numa confusão judicial, mas emergiu mais perigoso e aplaudido do que antes.

Então os frustrados, no auge do desespero, resolveram vingar-se em alguém mais fraco: saltaram sobre Michele Malkin, uma linda colunista filha de imigrantes vietnamitas, que escreve artigos arrasadores contra o esquerdismo chique do establishment democrata. Mas, não descobrindo nada contra ela, espalharam na internet o grito de dor da impotência enraivecida: “Alguém precisa dar um tiro entre aqueles dois olhinhos puxados.”

A própria Michele, notando os progressos da apelação entre as fileiras da esquerda, dedicou a eles seu último livro, Unhinged: “Destrambelhados”. É a palavra que melhor descreve o estado de espírito de uma facção que, vendo desfazer-se um a um seus ideais, seus argumentos, sua razão de ser, já não dispõe senão do último consolo: o direito de insultar.

Mas o esvaziamento moral não significa, ainda, derrota publicitária ou eleitoral. As realizações de Bush, complexas e abrangentes, precisam de tempo para consolidar-se e ser compreendidas pelo público. Enquanto isso, a confusão favorece o adversário. A curto prazo, o xingamento puro, sem pé nem cabeça, pode ainda ser uma arma mortífera.

Velha lenda

Olavo de Carvalho

O Globo, 01 de novembro de 2003

Embora quase nunca mencionada pela mídia brasileira, a nova onda global de anti-semitismo é motivo de grave preocupação no mundo civilizado. Livros como o da líder feminista Phyllis Chesler, “The New Anti-Semitism”, ou o artigo de Daniel J. Goldhagen sobre “The Globalization of Anti-Semitism”, são comentados em toda parte, e a revista “Whistleblower” consagrou ao assunto a sua edição inteira de outubro. Em artigo no “Monde”, Eric Marty, professor de Literatura na Universidade de Paris, acusou o governo francês de cumplicidade com a epidemia de violência antijudaica. E na Inglaterra, informa o Jewish Post, “o anti-semitismo está vivo e passa bem”, agora patrocinado até pela TV oficial, a BBC.

O fenômeno, que parece não ter limite geográfico, começou a dar na vista a partir da conferência de Durban e teve seu momento mais espetaculoso nos movimentos “pacifistas” que se seguiram ao 11 de setembro.

Em episódios como esses, a aliança da esquerda com grupos neonazistas em apoio ao anti-semitismo islâmico só surpreende a quem, em vez de conhecimentos históricos, tenha na cabeça a velha lenda do “antinazismo” esquerdista, criada por Stalin para encobrir a colaboração entre os dois regimes totalitários, que não começou no Pacto Ribentropp-Molotov de 1939 mas no dia mesmo da eleição de Hitler em 1933, e sem a qual o poderio nazista jamais teria crescido como cresceu.

Hoje isso é tão conhecido que já não suscita discussão entre historiadores. Mas a versão publicitária comunista é a que prevalece ainda na nossa mídia e, sedimentada no fundo da memória coletiva, falseia toda a visão popular do assunto. Nessa visão, quem quer que se oponha ao unanimismo esquerdista, mesmo quando este se alia com neonazistas contra o Estado de Israel, já é “ipso facto” um nazista. E quem quer que apóie Yasser Arafat no seu intuito de varrer os judeus do Oriente Médio pode fazê-lo a salvo de suspeitas de anti-semitismo, já que está santificado pela imersão nas águas lustrais da lenda stalinista. Esses são os critérios subjacentes em praticamente tudo o que se diz neste país sobre o Oriente Médio. Quem pode discutir a sério uma questão em que o apego psicótico à mentira já mil vezes desmoralizada se tornou o critério geral e único de avaliação dos argumentos?

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Digo isso, até, por experiência pessoal. Por haver contestado a lenda, fui acusado de nazista e racista pela falecida revista “Bundas”, a única publicação que, conforme observei na época, tivera a franqueza admirável de ostentar no logotipo o nome do órgão pensante de seus redatores. Movi-lhe uma ação de danos morais e perdi, pois o juiz entendeu que a imputação falsa de crime, se feita por motivo de ódio ideológico, era um direito inalienável do cidadão.

Escandalizado, recorri, e terça-feira passada fui ao julgamento do recurso na Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Nada direi quanto à decisão da côrte, pois não me parece decente o uso brasileiro de pressionar o judiciário através da mídia, tão fartamente exercido em casos como Eldorado de Carajás e Carandiru. Mas não posso deixar de comentar o voto do desembargador Nagib Slaibi Filho, que ali ouvi incrédulo e estarrecido. Para sustentar a redução do episódio a um bate-boca político, S. Excia. buscou mostrar, por meio de duas citações textuais, a presença de um acentuado viés ideológico na atuação jornalística do apelante. Que assim o fizesse, tudo bem, embora fosse um tanto esquisito que poupasse de idêntico exame a parte contrária. O lindo da história foi o manejo das citações. A primeira veio do lema do meu site, “Sapientiam Autem Non Vincit Malitia”, que S. Excia. traduziu como “A sapiência não vence a malícia”, trocando nominativo por acusativo e transformando-me em apologista da malícia invencível — infâmia que, graças à exemplar erudição latina do magistrado, acabou respingando também sobre o apóstolo S. Paulo, autor da máxima. Como segunda e decisiva evidência do meu ideologismo, S. Excia. citou uma frase do meu artigo “Que é o fascismo?” (O Globo, 8 de julho de 2000). No contexto original, ela apresentava a leitura irônica que eu fazia da lenda comunista acima mencionada, demonstrando o seu anti-semitismo implícito e sua completa absurdidade. Solta no ar, separada da referência às sentenças que a antecediam, a frase perdia o sentido irônico e passava a soar, ela própria, como literal declaração de anti-semitismo, ficando portanto atribuída a mim a opinião que eu ali expressamente condenava. Fôra mediante o uso desse truque sórdido que “Bundas”, fiel ao espírito do seu nome, impingira a seus leitores a mentira do meu “nazismo”. Ao usar como pretensa prova do meu viés ideológico a citação truncada, sem dar o devido reconhecimento à contrafação já denunciada nos próprios autos do processo, o desembargador não fez senão imitar o procedimento malicioso da revista, legitimando o engodo, reiterando o insulto e duplicando o dano. Não digo que S. Excia. o tenha feito de má-fé. Mas, quando juízes lêem como analfabetos funcionais e traduzem latim como analfabetos “strictu senso”, que chance tem a Justiça de prevalecer?

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Falando em analfabetismo, esse é aliás o estado a que o bloqueio ideológico do mercado editorial reduziu os leitores brasileiros no que diz respeito ao pensamento liberal e conservador, precioso legado antitotalitário que só conhecem através das falsificações caricaturais espalhadas pela esquerda para fazê-lo passar por nazismo e, assim, reforçar a lenda. Pela primeira vez em trinta anos surge uma discreta mas vital rachadura no ominoso muro-de-Berlim intelectual que nos aprisiona. Devemos isso à coragem da Topbooks, que lançará terça-feira que vem, às 18h30, na Academia Brasileira de Letras, seus “Clássicos da Liberdade”. A coleção inclui “Democracia e Liderança” de Irving Babbit, “Ensaios” de Lord Acton e as “Cartas” do grande historiador suíço Jacob Burckhardt, que Otto Maria Carpeaux considerava peças de alcance verdadeiramente profético.

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