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Museu de iniqüidades

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 18 de julho de 2005

Já quase acostumado aos bate-bocas medonhos entre conservadores e “liberals” na mídia americana, fico cada vez mais deprimido ao observar a pastosa uniformidade dos jornais brasileiros. É uma assembléia de cães amestrados, cada qual mais ansioso de mostrar obediência aos cânones admitidos. O que um declara, o outro repete. O que um suprime, os outros omitem. O que um aprova, os outros aplaudem. O que um condena, os outros vaiam. Felizes tempos aqueles em que pelo menos as moscas mudavam. Hoje, rodando em círculos uniformes sobre a imperturbável massa excrementícia, até elas se tornaram indiscerníveis umas das outras.

A conversação pública nesses locais tornou-se um sistema de automatismos desesperadoramente previsíveis, imunizados contra qualquer intromissão da inteligência e da verdade. Tamanha é a força entorpecente da repetição, que mesmo os fatos mais inegáveis recuam ante a homogeneidade do falatório, recolhendo-se ao buraco negro do esquecimento e da negação como se jamais tivessem acontecido.

Como é possível que tanta gente, em uníssono, jure ver na maré montante da roubalheira petista um súbito desvio de conduta, o repentino descaminho de uma congregação de almas santas infectadas, tardiamente e a contragosto, pelo contágio do poder? Pois não foi esse mesmo partido que, desde 1997, veio sendo denunciado por um de seus próprios fundadores e líderes, Paulo de Tarso Venceslau, como organização criminosa empenhada no saque obstinado e geral aos cofres públicos? Venceslau publicou suas acusações no Jornal da Tarde de 26 de maio daquele ano. A resposta do partido foi expulsá-lo e sufocar as investigações. No Rio Grande do Sul, durante o longo império petista, a safadeza alastrou-se ao ponto de gerar um processo de impeachment , do qual o governador Olívio Dutra foi literalmente salvo pelo gongo, pois tantas eram as denúncias que a Assembléia Legislativa não conseguiu terminar de apurá-las antes de encerrar-se o mandato do acusado. E todo mundo parece ter esquecido que, de todos os partidos brasileiros, o PT tem a honra macabra de ser o único que teve o seu nome envolvido num processo de homicídio, no qual, para cúmulo de horror, ao assassinato da vítima seguiram-se os de seis testemunhas. E que pode haver nisso de estranho, tendo sido essa agremiação fundada por homens de ferro, adestrados na disciplina marxista para sacrificar sua consciência moral no altar das ambições partidárias?

Qualquer jornalista capaz de varrer esses fatos para baixo do tapete, inventando um passado honroso para atenuar a feiúra presente do desempenho petista, é um criminoso, um sociopata cínico tal como aqueles a quem, por meio desse expediente, ele tenta proteger das conseqüências de suas ações. A uniformidade mesma da opinião jornalística brasileira é um fenômeno tão estranho, tão antinatural, que não poderia se produzir sem a deliberação fria de grupos organizados que se apossaram dos meios de comunicação para fazer deles, sob uma fachada de jornalismo normal, o instrumento dócil de uma prodigiosa manipulação das consciências.

Não, não digo que sejam, todos os envolvidos nessa operação, agentes petistas. Pretender isso seria ignorar na raiz o caráter informal e plástico das novas modalidades de ação esquerdista que, desde a década de 80 pelo menos, se substituíram à antiga rigidez monolítica dos partidos comunistas. Não se trata, hoje em dia, de favorecer um determinado partido, mas de assegurar, na concorrência entre várias denominações partidárias só diversas em aparência, o resultado geral sempre honroso para o esquerdismo de fundo, que deve sair não só intacto mas engrandecido da revelação de seus crimes.

Daí a diferença de tratamento nas denúncias de corrupção. Se o suspeito é direitista — ou, sem ideologia própria, pode assim ser catalogado para fins de enaltecimento da esquerda –, o ataque é geral, impiedoso e sem meias palavras, sendo os atos criminosos associados ao direitismo real ou aparente do acusado, como produtos naturais do predomínio dos seus interesses de classe sobre o belo idealismo social de seus adversários.

Se, ao contrário, o acusado é de esquerda, seus crimes, quando já não podem mais ser pura e simplesmente negados, devem ser apresentados como uma ruptura com o seu passado, uma traição a seus ideais de juventude, algo, enfim, que não deponha em nada contra o seu esquerdismo mas antes o exalte, mesmo por contraste, como a única encarnação possível do bem e da justiça.

Também não digo que todos os envolvidos nessa cachorrada tenham plena consciência do que fazem. Não é possível ter ao mesmo tempo plena consciência e falsa consciência. Antes de mentir para os outros, um homem tem de mentir muito para si mesmo até transformar a mentira na única verdade concebível – e é esse, precisamente, o mais típico e inconfundível mecanismo de funcionamento da mente esquerdista, já tão abundantemente retratado na literatura que nenhum ser humano adulto e alfabetizado tem o direito de se deixar enganar por ele sem tornar-se pessoalmente cúmplice do engodo.

Kingsley Amis, o escritor inglês que consentiu em encobrir durante décadas as piores atrocidades comunistas, veio a descrever com exemplar realismo a natureza desse mecanismo, neste parágrafo citado por seu filho Martin Amis em Koba the Dread (New York, Hyperion, 2002):

“Estamos lidando com um conflito entre sentimento e inteligência, uma forma de auto-engano voluntário na qual uma parte da mente sabe perfeitamente bem que sua crença de conjunto é falsa ou maliciosa, mas a necessidade emocional de crer é tão forte que o conhecimento permanece, por assim dizer, enquistado, isolado, impotente para influenciar as palavras ou as ações.”

Qualquer ser humano afetado por essa patologia do espírito torna-se incapaz de julgar sua própria conduta, quanto mais as dos outros. E a classe dos “formadores de opinião” no Brasil compõe-se quase que inteiramente desses indivíduos. Já é tempo de admitir que, tanto quanto deputados corruptos e senadores ladrões, eles são um perigo público.

Mas também não espanta que essa horrível deformidade tenha se espalhado como epidemia entre os jornalistas brasileiros. O domínio incontestado do esquerdismo cultural nas universidades que os formaram basta para explicar isso. A mente estudantil engendra-se na devoção a ídolos culturais que a marcam para sempre com sua influência. Para conhecer o espírito de uma geração é preciso estudar a psicologia dos líderes intelectuais cuja conduta lhe serviu de modelo. Ora, quando investigamos com certo detalhe as figuras dos mentores da esquerda mundial, principalmente das últimas décadas, encontramos entre eles um número de farsantes e vigaristas muito maior do que jamais houve em qualquer escola ou corrente de opinião ao longo de toda a história humana. E, quando falo em farsa e vigarice, não me refiro a meras idéias falsas, argumentos capciosos ou opiniões erradas. Refiro-me a fraudes no estrito sentido material e jurídico do termo: adulteração de documentos e citações, falsificação de testemunhos, invenção deliberada de episódios jamais ocorridos.

O que estou dizendo não é novidade nenhuma, a rigor. O assunto já foi muito estudado. Desde as memórias de Arthur Koestler até Intellectuals de Paul Johnson, Double Lives de Stephen Koch, e The Politics of Bad Faith de David Horowitz, a bibliografia a respeito é tão grande e de tão vasto impacto que ninguém pode ignorá-la e pretender continuar opinando responsavelmente sobre a política contemporânea. Mas o atraso brasileiro na aquisição dessas informações é enorme. Por isso um resumo geral torna-se aí de muita utilidade. Em Hoodwinked. How Intellectual Hucksters Have Hijacked American Culture (“Ludibriados. Como os camelôs intelectuais seqüestraram a cultura americana”, Nashville, TN, Nelson Current, 2005), o jornalista Jack Cashill fornece um mostruário dos episódios mais célebres de vigarice explícita entre os pop stars da esquerda. Embora o foco seja o cenário americano, as fontes européias e latino-americanas são abordadas com extensão suficiente para dar ao diagnóstico um alcance mundial.

Os casos são tantos, e tão grosseira a patifaria em cada um deles, que nenhum leitor isento pode deixar de concluir que, definitivamente, há algo de errado na mentalidade esquerdista. Não é possível que multidões tão vastas cultuem personagens tão desonestos, mesquinhos e desprezíveis sem que haja nisso o sintoma de um embotamento moral alarmante.

O mais lindo é que, em quase todos os exemplos citados, a revelação cabal dos crimes não empanou em nada a reputação de seus autores, que continuaram a ser incensados, às vezes até mais intensamente, como modelos de superioridade excelsa habilitados a passar pitos no restante da espécie humana.

A guatemalteca Rigoberta Menchú, por exemplo, ganhou o Prêmio Nobel e a Légion d’Honneur com uma autobiografia celebrada pela revista Chronicle of Higher Education como “um pilar fundamental do cânone multicultural”. O núcleo da narrativa era a infância sofrida de uma índia filha de camponeses expulsos de suas terras por grandes proprietários. Mais tarde comprovou-se que o pai de Rigoberta nunca tinha sido vítima desses proprietários, pela simples razão de que ele próprio era um deles. A tempestade de desculpas esfarrapadas que se seguiu foi tão grande quanto a onda de aplausos que a antecedeu.

O historiador Alex Hailey ganhou milhões com a reconstituição de suas origens familiares africanas no livro Raízes , que virou uma série de TV de enorme sucesso e foi adotado como leitura multicultural obrigatória em todas as escolas públicas americanas. Um processo na justiça mostrou que essa obra de “não ficção” não passava de plágio… de um romance! O autor do romance recebeu uma polpuda indenização mas concordou em não divulgar o escândalo, que só veio a ser noticiado, com a discrição exigida pelo código de decência politicamente correto, anos depois da sua morte.

Muita gente no Brasil deve ter visto o filme Julia , de Fred Zinemann, com Jane Fonda e Vanessa Redgrave, baseado nas memórias de Lilian Helmann, talvez a mais badalada escritora de esquerda nos EUA umas décadas atrás. O ponto culminante era a viagem heróica de Lilian pelo território alemão, em arriscada missão para as forças da resistência. Bem, na ocasião mencionada a escritora estava em plena segurança nos EUA. Ela simplesmente sugou os feitos de uma heroína anônima, colocando-se a si própria no papel principal. Investigações meticulosas sobre o restante do livro mostraram que Mary McCarthy não tinha exagerado muito ao dizer que tudo o que sua concorrente escrevia era mentira, “incluindo as palavras e e o ”.

Walter Cronkite, o célebre comentarista de TV, provocou a ira do mundo contra a maldade das forças armadas americanas ao exibir o filme de uma garotinha vietnamita, nua e com queimaduras pelo corpo, correndo desesperada sob um bombardeio de napalm. Era quase impossível Crokite ignorar que nenhum americano havia participado direta ou indiretamente da operação, mesmo porque na época quase todas as tropas dos EUA já haviam saído do Vietnã. Ele jamais pediu desculpas. Nem jamais noticiou que a garotinha, Kim Phuc, cansada de ser usada como instrumento de propaganda comunista enganosa, fugiu para o Ocidente e hoje mora no Canadá.

E assim por diante. É um museu da degradação humana. A conclusão é que a admiração geral dos esquerdistas tem sido devotada aos tipos humanos mais baixos e desprezíveis criados pela indústria da falsa consciência. E é bem compreensível que criaturas formadas nessa atmosfera acabem tentando transmutar os crimes e iniqüidades de seus correligionários em símbolos de uma superioridade moral quase angélica.

Não que na direita não haja farsantes e vigaristas. É claro que há. Mas ninguém ali os considera modelos de virtudes, nem lhes dá preferência na escala de admirações. Nenhum conservador jamais confundiu Adolf Hitler com Winston Churchill, os terroristas da OAS com Charles de Gaulle, David Duke com Ronald Reagan ou o delegado Fleury com Gustavo Corção. Jamais a direita como um todo se enganou a si própria com o estusiasmo e a unanimidade da esquerda. O requisito básico do conservadorismo é o senso das proporções.

Medindo as palavras

Olavo de Carvalho

Época, 5 de maio de 2001

O maior criminoso do Brasil está preso, mas ninguém ousa falar mal dele

Vocês já repararam no tratamento discreto, macio, quase gentil que as classes falantes têm dado a Fernandinho Beira-Mar desde que foi preso? Imprensa, políticos, intelectuais – ninguém parece ter um pingo de raiva desse homem responsável por tantas mortes, por tanto sofrimento, por tanta iniqüidade. Ninguém o chama de assassino, de genocida, de monstro, de nenhum daqueles nomes que tão facilmente vêm à boca de todos quando se referem a desarmados vigaristas de colarinho branco ou até mesmo à pessoa do presidente da República. Nenhuma multidão em fúria, convocada pelos autodesignados porta-vozes dos sentimentos populares, se reúne na porta da delegacia para xingá-lo como se xingou Luiz Estevão. Nenhum moralista, com lágrimas de indignação nos olhos, condena como insulto à memória de inumeráveis vítimas os cuidados paternais que o traficante recebe na cadeia, como tantos julgaram um acinte a prisão especial que, em obediência à lei, as autoridades deram ao juiz Lalau, malandro septuagenário incapaz de matar uma galinha.

Não obstante, o homem que distribui drogas a crianças nas escolas e mata quem tenta impedi-lo é, obviamente, um assassino, um genocida, um sociopata amoral e cínico. Aplicados a suspeitos de crimes incruentos, esses termos são figuras de expressão, hipérboles descomunais, flores de plástico de uma retórica postiça. Usados para definir Luiz Fernando da Costa, são termos exatos, precisos, quase científicos. A liberalidade tropical no emprego das hipérboles para falar de quem rouba contrasta singularmente com a inibição de usar as palavras em seu sentido literal para falar de quem mata.

De onde vem essa assustadora inversão das cotações de palavras, homens e crimes na linguagem brasileira? De modo geral, ela reflete, inequivocamente, a influência da “revolução cultural” gramsciana que, há 40 anos, com a obstinação sutil das bactérias e dos vírus, contamina de antivalores comunistas – sem esse nome, é claro – os sentimentos e as reações de nossa opinião pública.

Mas, no caso presente, há algo mais que isso – algo de infinitamente mais sinistro. Há o temor instintivo de revelar a uma luz muito direta e crua a feiúra de um sócio das Farc. Pois essa luz ameaçaria refletir-se sobre a imagem da guerrilha e, portanto, de todos os seus amigos e apologistas: Fidel Castro, o presidente Chávez, Lula, o governador Olívio Dutra, o MST, a esquerda quase inteira.

Falar de Fernandinho Beira-Mar com uma linguagem proporcional à gravidade de seus crimes seria – para usar a expressão consagrada do jargão militante – “dar munição ao inimigo”. Naquilo que dentro de uma cabeça esquerdista faz as vezes de consciência moral, não há pecado maior. Portanto, moderação nas palavras! Abandonado há tempos em nome da “ética”, da “participação” e do “dever de denunciar”, o estilo noticioso frio, factual, sem comentários, é de repente retirado da gaveta e mostra toda a sua inesperada serventia: num ambiente de furor moralista e indignação oratória, o relato neutro, asséptico, soa quase como um elogio.

E não pensem que, para pôr em ação esses anticorpos verbais, tenha sido necessário emitir uma palavra de ordem, distribuir avisos de algum comitê central, mover alguma complexa cadeia de comando. Nada disso. A reação já se produz sozinha, por automatismo, quase inconscientemente. Todos mentem em uníssono – e ninguém tem culpa porque ninguém mandou ninguém fazer nada.

É precisamente esse domínio tácito sobre as consciências, essa redução coletiva dos formadores de opinião ao estado sonambúlico de inocentes úteis, que Antonio Gramsci denominava “hegemonia” – o prelúdio psicológico à tomada do poder. A hegemonia já está, portanto, conquistada. Se definitivamente ou não, isso depende. Depende de que ninguém diga o que está acontecendo. E é por isto mesmo que insisto em dizê-lo.

O rock do brasileiro doido

Olavo de Carvalho

Época, 3 de fevereiro de 2001

“Desencontrado, eu mesmo me contesto”
(Chico Buarque de Hollanda, em Calabar)

O que aconteceu no Rock in Rio é a imagem viva da esquizofrenia nacional. O sujeito se veste de americano, pula e dança o dia inteiro ao som da música americana e, quando vê na tela a bandeira dos Estados Unidos, se inflama de brios patrióticos e brada contra o colonialismo cultural. Depois continua pulando – e joga latas de protesto na cabeça de Carlinhos Brown quando ele quer estragar o festival de americanidade tocando música baiana. Já viram uma coisa dessas? É Olívio Dutra tomando Coca-Cola numa cuia de chimarrão – para disfarçar – e fazendo um discurso contra a “água negra do imperialismo”.

Mas, no Fórum Social de Porto Alegre, a imagem adquiriu corpo, vida e movimento: entre vaias e apupos à Nova Ordem Mundial, a ilustrada assembléia manifestou seu amor ao direito trabalhista global, ao desarmamento civil, às quotas raciais preferenciais e ao controle da internet – quatro quintos do programa da Nova Ordem Mundial. O quinto restante foi objeto de debates só porque os participantes querem fazer tudo isso com os métodos econômicos de Cuba, do Vietnã e da Coréia do Norte, o que certamente não será motivo de discussão por muito tempo, já que a Nova Ordem Mundial sabe respeitar a independência das nações e largá-las sozinhas, num arrabalde infecto, quando elas fazem uma opção preferencial pelo suicídio. Com a maior tranqüilidade, ela virou as costas aos povos da África, que gritavam de revolta contra o capitalismo internacional que não os largava e hoje espumam de ódio contra o capitalismo internacional que os abandonou. No futuro Brasil socialista, quando estivermos disputando a tapa uma perna de rato, Olívio Dutra, exibindo indignado uma lata de Coca-Cola vazia, dirá que é tudo culpa da maldita Ford que o deixou na mão quando ele mais precisava dela.

Quando digo que este país está louco, insano, necessitado de urgentes cuidados psiquiátricos, as pessoas pensam que estou brincando. Mas vejam o número de nossos compatriotas que nos anunciam o socialismo com a seriedade e a compenetração de quem tivesse nas mãos um remédio salvador. O Estado socialista mais rico e poderoso que já existiu foi a URSS. Era a segunda potência industrial do mundo. Se o Brasil implantar o socialismo hoje, levará meio século, na melhor das hipóteses, para alcançar o patamar de desenvolvimento que a URSS havia escalado quando, em 1991, veio ao chão. Qual a altura desse patamar? Segundo dados oficiais, o cidadão médio soviético, em 1987, recebia metade da ração de carne que o súdito do czar comia em 1913. Os negros sob apartheid na África do Sul tinham mais carros per capita que os soviéticos. Em 1989, sem guerra nem nada, havia racionamento de comida em Moscou. A família média (média, não pobre) de quatro pessoas espremia-se num cômodo de 3 metros quadrados, como nossos favelados. O operário, trabalhando um ano inteiro, ganhava metade do que uma mãe americana desempregada recebia por mês do serviço social. Tudo isso, é claro, nas regiões mais desenvolvidas. Na periferia – Uzbequistão e Tadjiquistão, por exemplo – 93% das casas não tinham esgoto e 50% nem água encanada. A atmosfera era a mais poluída da Europa e os investimentos em saúde os mais baixos do mundo industrializado.

Mas o socialismo ao qual os brasileiros estão pedindo receitas de prosperidade não é nem o da URSS. É o de Cuba, da Coréia do Norte, do Vietnã, lugares aonde um russo só ia por aquele espírito de sacrifício patriótico com que um oficial inglês do século passado, abandonando o conforto de seu clube londrino, se aventurava nas matas do Sudão, entre mosquitos e orangotangos, pela glória da Rainha. E ainda dizem que o doido sou eu.

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