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Miséria intelectual sem fim

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 15 de agosto de 2005

Há quase meio século o mercado editorial brasileiro, e em conseqüência os debates jornalísticos e universitários, cujo alimento de base são os livros, não refletem em nada o movimento das idéias no mundo, mas apenas o apego atávico da intelectualidade local a mitos e caoetes fabricados pela militância esquerdista para seu consumo interno e satisfação gremial.

Sem a menor dificuldade posso listar mais de quinhentos livros importantes, que suscitaram discussões intensas e estudos sérios nos EUA e na Europa, e que permanecem totalmente desconhecidos do nosso público, pelo simples fato de que sua leitura arriscaria furar o balão da autolatria esquerdista e varrer para o lixo do esquecimento inumeráveis prestígios acadêmicos e literários consagrados neste país ao longo das últimas décadas.

Esses livros dividem-se em sete categorias principais:

1. Obras essenciais de filosofia e ciências humanas que oferecem alternativas à ortodoxia marxista-desconstrucionista-multiculturalista dominante (por exemplo, os livros de Eric Voegelin, Leo Strauss, Xavier Zubiri, Bernard Lonergan, Eugen Rosenstock-Huessy, Thomas Molnar, David Stove, Roger Scruton).

2. Análises críticas dessa ortodoxia (Hilton Kramer, Roger Kimball, Keith Windschuttle, John M. Ellis, Mary Lefkowitz, Judith Reisman).

3. Pesquisas históricas sobre o movimento esquerdista internacional, baseadas nos documentos dos Arquivos de Moscou e outras fontes recém-abertas, (John Lewis Gaddis, John Earl Haynes, Stephen Koch, Harvey Klehr, R. J. Rummel, Christopher Andrew, Herb Romerstein, Ronald Radosh, Arthur Herman).

4. Livros sobre o esquerdismo hoje em dia, com a descrição dos laços abrangentes que unem ao terrorismo e ao narcotráfico a esquerda chique da grande mídia, das fundações bilionárias e dos organismos dirigentes internacionais ( Unholy Alliance , de David Horowitz, Countdowmn to Terror , de Curt Weldon, Treachery , de Bill Gertz, Through the Eyes of the Enemy , de Stanislav Lunev).

5. Livros sobre a perseguição anti-religiosa no mundo e o fenômeno concomitante da expansão acelerada do cristianismo na Ásia e na África ( The Criminalization of Christianity , de Janet L. Folger, Persecution , de David Limbaugh, Megashift , de James Rutz, Jesus in Beijing , de David Aikman etc. etc.).

6. Livros sobre questões políticas em discussão aberta nos EUA, com repercussões mundiais mais que previsíveis (Men in Black , de Mark R. Levin, So Help Me God , de Roy Moore, Deliver Us From Evil , de Sean Hannity, Liberalism Is a Mental Disorder , de Michael Savage e, evidentemente, todos os livros de Ann Coulter).

7. Obras essenciais que deram novo impulso ao pensamento político conservador americano e europeu desde os anos 40, como as de Ludwig von Mises, Marcel de Corte, Willmore Kendall, Russel Kirk, Erik von Kuenhelt-Leddin, William F. Buckley Jr., M. Stanton Evans, Irving Babbit, Paul Elmer More e muitos outros. Neste ponto a ignorância dos nossos professores universitários chega a ser criminosa, como se viu na fraude coletiva do “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita” (detalhes em www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm).

Todos esses exemplos são de livros e autores bem conhecidos, amplamente debatidos na mídia americana e alguns na européia. Cada uma das sete classes comportaria mais de cem outros títulos igualmente importantes. Não é exagerado concluir que, se o debate nacional ignora todas essas obras, das duas uma: ou ele é tão rico que pode prescindir delas, fartando-se numa pletora de produtos locais mais substanciosos, ou está tão abaixo do nível delas que não chega nem a suspeitar que devam ser lidas ou mesmo que existam. Não é preciso perguntar qual das duas hipóteses é verdadeira. Qualquer estudante universitário afirmará resolutamente que se trata de autores desconhecidos no meio acadêmico brasileiro, portanto irrelevantes para quem já encheu seu pé-de-meia cultural com a moeda forte de Eduardo Galeano, Rigoberta Menchú e Emir Sader (sem contar, é claro, a ração diária de Foucaults e Derridas, invariável há cinqüenta anos).

Resta ainda o fenômeno, mórbido em último grau, da polêmica de mão única. Sua fórmula é a seguinte: uma discussão qualquer aparece na mídia americana, conservadores e esquerdistas produzem dezenas de livros a respeito e a parte esquerdista é publicada no Brasil sem suas respostas conservadoras, simulando consenso universal em questões que, no mínimo, permanecem em disputa. O establishment cultural brasileiro materializa assim o koan budista de bater palmas com uma mão só. Isso é a norma, sobretudo, nas polêmicas anticristãs. Uma fajutice barata como O Papa de Hitler , de John Cornwell, teve várias edições e toda a atenção da mídia. Os muitos livros sérios que desmantelaram a farsa (sobretudo o do rabino David Dalin, The Myth of the Hitler Pope , e o do eminente filósofo Ralph McInnerny, The Defamation of Pius XII ) continuam inacessíveis e não foram nem mesmo mencionados na mídia soi-disant cultural. Ninguém sequer noticiou que o próprio Cornwell, surpreendido de calças na mão, retirou muitas das acusações que fizera a Pio XII. No Brasil elas ainda são repetidas como verdades provadas. Do mesmo modo, os filmes Farenhype 9/11 (www.fahrenhype911.com) e Michael Moore Hates America (www.michaelmoorehatesamerica.com), respostas devastadoras à empulhação fabricada por Michael Moore em Farenheit 9/11 , permanecem fora do alcance do público e não mereceram nem uma notinha nos jornais. Resultado: o mais notório charlatão cinematográfico de todos os tempos, que nos EUA tem fama apenas de mentiroso criativo, é citado como fonte respeitável até nas universidades. É patético. Também cada nova intrujice anti-americana ou anti-israelense de Noam Chomsky é recebida como mensagem dos céus, mas ninguém pensa em publicar a coletânea The Anti-Chomsky Reader , de Peter Collier e David Horowitz, porque é impossível lê-la sem concluir que nem mesmo o Chomsky lingüista, anterior à sua transfiguração em pop star da esquerda, era digno de crédito.

Como esse estado anormal de privação de alimentos intelectuais essenciais vem se prolongando por mais de uma geração, o resultado aparece não só na degradação completa da produção cultural, hoje reduzida a show business e propaganda comunista, mas também nos indivíduos, notavelmente mais embotados e burros a cada ano que passa, quaisquer que fossem antes seus talentos e aptidões. Não hesito em declarar que, pela minha experiência pessoal, qualquer menino educado pela via do home schooling nos EUA está intelectualmente mais equipado do que a maioria dos “formadores de opinião” no Brasil, incluindo os luminares da grande mídia, os acadêmicos e os escritores de maior vendagem no mercado (imagino um debate entre qualquer deles e Kyle Williams, menino gordinho de quinze anos que, sem jamais ter freqüentado escola, faz sucesso como colunista político desde os doze – seria um massacre).

Não é preciso dizer que a essas mesmas criaturas, aliás, incumbe a culpa pelo presente estado de coisas. A instrumentalização – ou prostituição – completa da cultura no leito da “revolução cultural” gramsciana não poderia ter outro resultado, exatamente como anunciei no meu livro de 1993, A Nova Era e a Revolução Cultural.

Por orgulho, vaidade, ressentimento, desonestidade, covardia, sem contar a inépcia pura e simples e a ambição insana de poder absoluto sobre a mente popular, a liderança intelectual esquerdista fechou o Brasil num isolamento provinciano e incapacitante, sem o qual jamais teria sido possível esse paroxismo de inconsciência, essa apoteose da credulidade beócia, sem precedentes em toda a história universal, que foi a aposta maciça do eleitorado brasileiro na idoneidade do PT e na sabedoria infusa de um semi-analfabeto presunçoso.

Mas a consciência, ao contrário do dinheiro, parece fazer tanto menos falta quanto mais escasseia. Convocados quase que simultaneamente pelos dois house organs do esquerdismo brasileiro, que são os cadernos Mais! da Folha de S. Paulo e Prosa & Verso do Globo , para analisar o fenômeno do descalabro petista, os representantes mais badalados daquela liderança, os mesmos que há trinta anos dominam o palco dos debates públicos no país, lançam as culpas em tudo, exceto, é claro, na hegemonia esquerdista e no seu próprio trabalho incansável de carcereiros da inteligência.

No Mais! , César Benjamin tem ao menos o mérito de reconhecer que a corrupção petista não vem de hoje, não é súbito desvio de uma linha de conduta honesta e sim um mal antigo, de raízes profundas. Mas, na hora de explicar suas causas, apela, sem notar que se contradiz, ao subterfúgio usual de acusar a estratégia de acomodação com o “neoliberalismo”, supostamente adotada pelo governo Lula.

Reinaldo Gonçalves, economista da UFRJ, acha que o PT estaria melhor sem Lula, José Dirceu et caterva — intriga de família que, sinceramente, não é da nossa conta.

Paul Singer só se preocupa em recordar os bons tempos e tentar salvar a fé socialista. Sempre tive aliás a impressão de que os socialistas saem direto do pediatra para o geriatra.

O Prosa & Verso não se contenta em ouvir os gurus de sempre. Anuncia mais um ciclo de conferências da série “O Olhar”, “Os Sentidos da Pauxão” etc. – organizado pelo indefectível Adauto Novaes – no qual esses campeões de tagarelice comentarão, desta vez, “O Silêncio dos Intelectuais”, sugerindo que o Brasil está mal porque eles têm falado muito pouco.

Francisco de Oliveira explicita esse pensamento ao proclamar que a esquerda vem errando porque não trata com suficiente deferência os seus intelectuais – ele próprio, suponho, em primeiro lugar –, usando-os apenas como ornamentos em vez de se curvar às suas sábias lições.

O poeta Antônio Cícero divaga pelo passado histórico, exibindo sua incapacidade de discernir entre a Idade Média e o Renascimento e, quando vai chegando perto do assunto proposto, já acabou o artigo.

Sérgio Paulo Rouanet apela ao dever de “universalidade” dos intelectuais, que ele define como “pensar e agir em nome de todos”, como se a universalidade da verdade dependesse do apoio unânime das multidões e como se aquele dever não consistisse, com freqüência, em defender aquilo que todos rejeitam.

Renato Janine Ribeiro medita um pouquinho sobre “O que é ser intelectual de esquerda?” – decerto a mais interessante das perguntas para uma classe cuja principal tarefa é a contemplação extática do próprio umbigo.

Querem mais? Essas amostras bastam. A vacuidade, a falta de garra para apreender a substância dos fatos, a obscenidade espontânea e quase inocente com que esses sujeitos lambem em público o próprio ego grupal — tudo isso ilustra, ao mesmo tempo, a causa remota e o seu efeito presente: a total irresponsabilidade intelectual de ativistas ambiciosos desembocou, a longo prazo, numa degradação tamanha, que eles próprios, mergulhados nela, já não conseguem lembrar que a produziram fazendo exatamente o que estão fazendo agora.

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