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Os homens certos no lugar certo

Olavo de Carvalho

Inconfidência (Belo Horizonte), 19 de maio de 2008

Chamar o sr. Tarso Genro de terrorista e mentiroso, como o fez o deputado Jair Bolsonaro no memorável dia 15 de maio, é uma simples questão de rigor histórico.

Quanto ao primeiro desses qualificativos, o ministro, que participou ativamente de uma organização dedicada a atentados e homicídios – sob a desculpa de lutar contra uma ditadura que ele chamava de assassina mas colocando-se a serviço de outra ditadura incomparavelmente mais assassina –, continua alardeando sua fidelidade ao marxismo, doutrina explicitamente terrorista. Por definição, o porta-voz de uma doutrina terrorista é terrorista, mesmo depois que a idade e as circunstâncias o dispensaram da parte mais grosseira e suja do serviço.

Se o sr. Genro afirma que as práticas terroristas já não se justificam no presente quadro, é manifesto que tem em vista a mera questão da oportunidade tática, excluindo in liminequalquer condenação moral ao terrorismo em si; e é igualmente claro que mesmo sua restrição tática só se aplica ao Brasil, não a outros países da América Latina, de vez que até o momento nem ele, nem o governo que ele representa, nem o partido que os colocou no poder abjuraram jamais da declaração de apoio aos métodos terroristas das Farc, assinada em 2002 no Foro de São Paulo pelo sr. Lula da Silva, declaração que, para cúmulo de cinismo, rotulava de “terrorista”, isto sim, o combate movido contra a narcoguerrilha pelo Exército da Colômbia.

A qualificação de “ex-terrorista”, que a mídia adotou para embelezar a folha corrida de indivíduos como o sr. Genro, é artificiosa e descabida como o seria a de “ex-assassino”. Uma organização terrorista, por definição, não se compõe só dos paus-mandados que colocam bombas em locais onde elas inevitavelmente matarão transeuntes inocentes; nem só dos pistoleiros que armam tocaias para balear gente pelas costas; nem só dos heróicos assaltantes que, de metralhadora em punho, fazem tremer pálidas funcionárias de bancos. Uma organização terrorista é uma hierarquia camuflada e sutil que sobe desde esses bas-fonds até os altos postos da administração, da mídia e da diplomacia, de onde se estende sobre ela o manto protetor das meias-palavras e das desconversas, exatamente como os agentes políticos do Foro de São Paulo em Brasília fazem com as Farc, o MIR chileno e outras gangues de assassinos, seqüestradores e narcotraficantes. Se um soldado é dispensado da batalha, mas removido para posto administrativo, ele não foi para a reserva: está na ativa. Não é um ex-soldado, é um soldado. Se um terrorista já não tem de dar tiros e soltar bombas, mas continua mesclado à rede política que dá proteção ao terrorismo, não é um ex-terrorista: é um terrorista. Servindo ao governo do Foro de São Paulo, o sr. Genro é uma das peças fundamentais da mais imensa máquina terrorista que já existiu no continente. E é claro que por dentro ele se orgulha disso, desprezando e odiando aqueles que vêem aí algum motivo de desonra. Quando ele foi obrigado a ouvir calado as palavras verazes do deputado Bolsonaro, foi de cabeça baixa, mas não de vergonha, e sim de raiva, que ele se submeteu a esse humilhante ritual democrático do qual, como membro ilustre da Nomenklatura , estaria dispensado em Cuba ou na Coréia do Norte. E a raiva mal contida explodiu logo no dia seguinte, fazendo desabar sobre a pessoa do coronel Brilhante Ustra todo o insaciável desejo de vingança, todo o ressentimento insano que os terroristas de Brasília têm contra os militares que preferiram continuar servindo ao Brasil em vez de alistar-se nas tropas revolucionárias de Cuba.

Quanto ao qualificativo de mentiroso, qual outro caberia ao representante de um governo que, tentando ceder um Estado inteiro da Federação aos poderes internacionais, o faz não somente contornando como um ladrão furtivo a autoridade soberana do Congresso, mas usando como pretexto “científico” para a doação um laudo antropológico falso, assinado com nomes de pessoas que nem mesmo sabiam da sua existência?

O pronunciamento do deputado Bolsonaro só pecou por incompletude, que a brevidade explica. Primeiro, não é só o ministro Genro que é terrorista e mentiroso. O governo Lula está repleto deles. Segundo, esses indivíduos não são só terroristas e mentirosos: são traidores do Brasil, mercadores da soberania nacional. Subiram ao poder para doar Roraima aos globalistas, a Petrobrás à Bolívia, Itaipu ao Paraguai, as favelas do Rio às Farc e, por toda parte, terras produtivas à Via Campesina. Nenhum brasileiro lhes deve respeito. O simples fato de alguém como o general Heleno, o deputado Bolsonaro ou até um zé-ninguém como eu lhes dirigir a palavra já é honra que não merecem. Não digo que o lugar deles seja a cadeia, onde há delinqüentes recuperáveis. Nem o cemitério, onde repousam defuntos virtuosos. Nem o lixo, que pode ser reciclado. Não, não há no mundo um espaço apropriado para eles. Talvez somente o inferno os abrigasse. Foi por isso que criaram o Foro de São Paulo. Cada um deles é agora o homem certo no lugar certo.

Os autores do espetáculo

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 18 de maio de 2006

Não tenho razões para gostar do sr. Cláudio Lembo. No dia em que lhe fui apresentado – um encontro a que compareci na esperança vã de obter seu apoio para projetos culturais que teriam podido, talvez, desviar um pouco o Brasil do rumo de uma tragédia anunciada –, ele aproveitou a ocasião para fazer bonito ante uns esquerdinhas presentes, rotulando-me ultradireitista e recomendando-me a leitura da Bíblia para aplacar meus maus instintos políticos. Nada respondi. Limitei-me a tirar do bolso o velho exemplar do Novo Testamento e dos Salmos que me acompanha há anos, para mostrar que não tinha lições de religião a receber de um deplorável puxa-saco de seus próprios detratores.

No entanto, não posso assistir calado ao esforço geral da mídia para lançar sobre ele a culpa integral da desgraça ocorrida em São Paulo. Não se trata apenas de injustiça. É uma operação diversionista, calculada para ocultar da opinião pública os verdadeiros agentes causadores do episódio, cujas identidades, sem isso, saltariam aos olhos de todos, por ser demasiado óbvias. Para enxergá-las, basta juntar os fatos:

1º. Os bandidos rebelados confessaram ter recebido ajuda e treinamento do MST, entidade estreitamente associada à camarilha petista dominante e que por sua vez recebeu as mesmas coisas de outra organização amiga do governo, a narcoguerrilha colombiana.

2º. O presidente da República é pessoalmente responsável pela presença, nas ruas, dos doze mil delinqüentes que espalharam o terror e a morte entre a população paulista. Não tem sentido acusar o governo estadual de estar despreparado para a situação e ao mesmo tempo inocentar o governo federal que a gerou. Ao soltar os bandidos, sabendo que mantinham contato telefônico com seus chefes presos e que estavam preparados para ações terroristas de grande porte, a Presidência da República petista ateou fogo num Estado da Federação e ainda se aproveita das chamas para queimar nelas a reputação de um miúdo adversário local.

3º. É absolutamente inconcebível que uma operação de guerra de proporções colossais, envolvendo três entidades subversivas da importância do PCC, do MST e das Farc, fosse preparada sem que alguma notícia a respeito chegasse à coordenação estratégica da esquerda continental, o Foro de São Paulo, cujo fundador e presidente crônico, em licença temporária, é mais conhecido hoje em dia como presidente do Brasil mas jamais cessou de trabalhar por essa organização.

Como a única ocupação da mídia chique deste país, há quinze anos, tem sido ocultar ou minimizar a realidade para manter o povo sob o controle da gangue esquerdista a despeito de todas as intrigas internas que a dividem, a missão foi cumprida mais uma vez. Mas agora a realidade é grande e sangrenta demais para desaparecer por artes mágicas de copy-desk. Um ataque assassino de características nitidamente insurrecionais foi desencadeado com a cumplicidade direta ou indireta da Presidência da República, se não sob a sua orientação. Não há, no fundo, quem não saiba disso. Mesmo o cérebro de uma população entorpecida por décadas de “revolução cultural” não consegue cegar-se de todo para tamanha obviedade.

Isso não quer dizer, é claro, que o conhecimento público dos fatos trará algum dano a seus autores. Num país civilizado, qualquer ligação mesmo remota de um presidente da República com os autores daquela barbaridade implicaria sua imediata remoção do cargo e sua responsabilização penal. Mas o Brasil já foi domado e adestrado para responder com sorrisos de adulação a todos os insultos e agressões que venham de fonte ideologicamente aprovada. O país vai curvar-se, com servilismo boçal, a mais esta imposição cínica das elites iluminadas que o guiam infalivelmente para o abismo.

Quanto ao sr. Lembo, está sendo feito de bode expiatório porque tem a sonsice e até o physique de rôle apropriados para isso. Não entende o que se passa, nem sabe a quem serve com o grotesco espetáculo da sua impotência. É um bobo, mas não é culpado senão disso.

Transição revolucionária

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 25 de agosto de 2002

A mídia nacional já levou longe demais essa farsa de rotular o tucanato de “direita”, um truque inventado pela esquerda para poder condenar como extremismo e fascismo tudo o que esteja à direita de FHC, ou seja, à direita da centro-esquerda.

Se é verdade que o atual presidente obedeceu em linhas gerais às exigências econômicas do FMI — coisa que qualquer outro faria no lugar dele e que o próprio Lula promete fazer igual, o que não torna nem um nem o outro direitistas –, por outro lado o presente governo subsidiou fartamente com dinheiro público o crescimento da mais poderosa organização revolucionária de massas que já houve na América Latina, introduziu ou ao menos permitiu a doutrinação marxista nas escolas, instituiu a beatificação oficial de terroristas aposentados e a concomitante desmoralização das Forças Armadas, generalizou o uso de critérios morais “politicamente corretos” para o julgamento das questões públicas e destruiu uma por uma as lideranças regionais mais ou menos “conservadoras” que restavam, além de deixar montado todo o aparato legal e fiscal que seu sucessor necessitará para criminalizar a atividade capitalista, sufocar as críticas de oposição e, tendo feito tudo dentro da lei, poder posar de democrático. Democrático no sentido de Hugo Chavez, é claro.

Sem tocar nos interesses internacionais, mas seguindo estritamente a receita de guinada à esquerda que lhe foi preparada desde 1998 por Alain Touraine, FHC fez mais pelo avanço da revolução comunista no Brasil do que o próprio João Goulart, que ficou só na ameaça.

Se, não obstante, seu governo ainda é rotulado de “direitista”, é somente graças a um fenômeno bastante conhecido na mecânica das revoluções: sempre que uma facção revolucionária toma o poder, suas próprias dissensões internas se substituem às divisões de partidos e facções existentes no regime anterior. Assim, por exemplo, após a revolução de 1917, a ala revolucionária menchevique passou a ser atacada pela ala radical como direitista e reacionária. Evidentemente, o sentido de “direita” havia mudado por completo: antes, era ser contra a revolução; agora, era não ser revolucionário o bastante. A diferença entre o caso russo e o brasileiro é que naquele a mudança foi declarada e consciente, ao passo que entre nós ela está proibida de ser mencionada em público.

Um dos elementos primordiais da revolução cultural gramsciana em curso é o lento e inexorável deslocamento de todo o eixo de referência dos debates públicos para a esquerda, de modo a estreitar a margem de direitismo possível e, aos poucos, substituir a direita genuína pela facção direita da própria esquerda ou por algum fanatismo hidrófobo estereotipado e fácil de desmoralizar. O processo deve ser conduzido de maneira tácita e, se alguém o denuncia, negado com veemência. As coisas devem acontecer como se não estivessem acontecendo. Os discordes e recalcitrantes, mais que censurados, são jogados para o limbo da inexistência e se tornam tão deslocados que parecem malucos.

Poucos brasileiros se dão conta da profundidade das mudanças políticas por que este país passou ao longo dos últimos quinze anos. Elas podem ser resumidas assim: a oposição de esquerda ao antigo regime militar tomou o poder, ocupa todos os postos do governo e da oposição e não deixa lugar para mais ninguém. Os poucos remanescentes do antigo regime se apegam desesperadamente aos últimos resíduos de poder que lhes sobram em escala regional, ao passo que na disputa nacional não podem aspirar senão ao papel de auxiliares e meninos de recados de alguma das facções esquerdistas em disputa. As presentes eleições deixaram isso muito claro.

À completa liquidação da direita corresponde, quase instantaneamente, a institucionalização de uma das facções de esquerda no papel de “direita” — uma direita fabricada ad hoc para as necessidades da esquerda.

O processo foi enormemente facilitado pelo fato de que, nas eleições legislativas federais, estaduais e municipais, o Brasil tem uma das mais altas taxas de substituição de políticos já observadas no mundo. A transfusão de lideranças, a completa destruição de uma classe e sua substituição por outra já são fatos consumados. A revolução está em curso. Se vai descambar para a destruição violenta das instituições ou se vai chegar a seus fins por via anestésica, é algo que só o futuro dirá. Mas negar o caráter revolucionário das mudanças observadas é realmente abusar do direito à cegueira.

Alguns enxergam essas mudanças, mas só parcialmente e segundo um viés predeterminado. Notam, por exemplo, a destruição de velhas lideranças, abominadas como “corruptas”, e vêem nisso um progresso da democracia — sem reparar que não há progresso nenhum numa caçada a corruptos de menor porte que serve apenas de disfarce para encobrir o crime infinitamente maior em que estão envolvidos os próprios moralizadores mais estusiásticos: a narcoguerrilha, o terrorismo internacional, a revolução continental.

Que, no meio, surjam algumas situações paradoxais — como por exemplo o fato de que o próprio Partido Comunista, com nome trocado, acabe aparecendo como única alternativa à ascensão da esquerda revolucionária –, é coisa que faz parte da natureza intrinsecamente nebulosa do processo. E que ninguém seja capaz de discernir por baixo do paradoxo a lógica implacável que leva este país dia a dia para dentro do bloco terrorista internacional, é sintoma do mesmo turvamento geral das consciências, sem o qual nenhum processo revolucionário jamais teria sido levado a efeito no mundo.

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