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Paradoxo estatal

Olavo de Carvalho

Época, 9 de setembro de 2000

Se a universidade forma a classe dominante, por que produz tão poucos empresários?

Se você perguntar a um marxista o que é universidade, ele lhe dirá que é a máquina de autoperpetuação da ideologia da classe dominante; a engenhoca de fazer com que os filhos de capitalistas pensem como capitalistas.

Praticamente todos os membros mais falantes da nossa classe falante acreditam nisso.

O que eu queria era que um deles estivesse na minha pele, terça-feira passada, no Forum Universidade-Empresa promovido na PUC gaúcha pelo Instituto de Estudos Empresariais. Pois a questão que ali me foi proposta mostrou como esse sentencioso lugar-comum é apenas uma bolha de sabão, que não resiste a um sopro.

A questão foi: Por que a universidade brasileira não forma pessoas com mentalidade de empresários, e sim de empregados? A premissa da pergunta é um fato notório: os recém-formados se queixam sempre de falta de vagas no mercado de trabalho, nunca de dificuldades para iniciar seus próprios negócios. Trazem com o diploma a expectativa de arranjar emprego, não de assumir a responsabilidade pessoal de criar empregos para quem não tem diploma. Gerar riqueza e oportunidades é obrigação do Estado: não deles. Bela classe capitalista!

Respondi o seguinte: as idéias que fizeram a cabeça das nossas elites foram sempre autoritárias, coletivistas e uniformizantes — o jesuitismo ou ideologia da Contra-Reforma; o positivismo ou ideologia do Estado científico redentor; o marxismo ou socialismo internacional; o fascismo ou socialismo nacional. Em todas, o objetivo da educação é formar algum tipo de militante. E que perspectiva de futuro tem um militante? Uma só: tornar-se membro da nomenklatura, ascender na burocracia. Tal é, pois, o ideal de vida implícito que a nossa educação transmite aos jovens. O burocrata é o inverso do empresário: ele não concebe a vida como disputa em campo aberto, e sim como “plano de carreira”, fechado e garantido. E o burocrata frustrado se revolta contra o Estado que lhe sonega, junto com essa garantia, um sentido de vida

Mas a resposta é menos interessante do que a pergunta e do que o fato mesmo de que fosse formulada por um jovem empresário, chocado com o espírito servil de seus companheiros de geração, espírito que, com a maior facilidade, se transmuta em rebelião de escravos — com burgueses no papel de escravos. A constatação desse paradoxo basta para explodir o lugar-comum acima citado: pois ou a universidade não é o que os marxistas dizem, ou a classe dominante no Brasil não é empresarial e sim burocrático-estatal. No primeira hipótese, adeus teoria marxista da ideologia. Na segunda, a universidade forma, sim, a classe dominante; mas não uma classe capitalista, e sim uma já socialista ou quase, a qual, quanto mais cresce, tanto mais multiplica, com as vagas universitárias que ela adora ampliar, o exército de burocratas sem emprego, em cujo ressentimento ela em seguida se escora para clamar por mais socialismo, mais Estado, mais burocracia. E, neste caso, jovens socialistas, quando é que vocês vão perceber que o que solapa o seu sentido de vida não é o capitalismo – entidade fantasmal num país sem empresários –, mas sim a ideologia que faz de vocês mendigos de cargos e se alimenta da falta de cargos?

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