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O dever de insultar

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de novembro de 2010

“Par délicatesse j’ai perdu ma vie.”
(Arthur Rimbaud)

Um amigo meu, que nem sempre concorda comigo mas já deu mil provas de seus propósitos elevados, envia duas objeções ao meu artigo “Maquiadores do crime”.

1. Se formos mal educados com os nossos inimigos, estaremos nos rebaixando ao nível deles.

2. Mais importante que derrubar os adversários é lutar positivamente pelas idéias em que acreditamos.

Tenho a certeza de que objeções similares ocorreram a muitos leitores. Deixando a segunda para um artigo vindouro, respondo aqui à primeira delas.

Desde logo, digo que ela vale como regra geral, mas não como resposta ao meu artigo. O que ali afirmei não foi que devemos faltar ao respeito para com os meramente mal educados, mas para com os criminosos e trapaceiros. Para nivelar-nos a eles não bastaria dizer-lhes umas grosserias: seria preciso cometermos pelo menos um crime ou trapaça, coisa que jamais esteve nos meus planos. O merceeiro ou vendedor ambulante que, roubado, desfere meia dúzia de palavrões cabeludos contra o ladrão em fuga, torna-se por isso um ladrão?

Também não sugeri que infringíssemos todas as regras de polidez, apenas aquelas que nos são impostas artificialmente, maliciosamente pelos vigaristas, com o preciso objetivo de inibir a denúncia da sua vigarice, obrigando-nos a tratar delitos e crueldades (mentais inclusive) como se fossem elegantes divergências acadêmicas. Quando um sujeito insinua que vai me matar, ou me mandar para o Gulag, responder polidamente que não concordo muito com a sua proposta é dar-lhe ares de mera e inofensiva hipótese, quando na verdade se trata de um plano muito prático, muito material. Pode ser um plano de longo prazo, mas garanto que ser assassinado ou preso aos oitenta anos não me consolará nem um pouco de não havê-lo sido aos cinqüenta, sessenta ou setenta.

A naturalidade bisonha com que petistas e similares falam entre si de “luta armada”, uns enaltecendo-a abertamente, outros chegando a condená-la, mas só desde o ponto de vista da conveniência e oportunidade, jamais da imoralidade intrínseca, basta para provar que só são contra o homicídio quando não lhes é politicamente lucrativo (tal é a única objeção do sr. Presidente às Farc). Luta armada, caramba, não é idéia, não é doutrina, não é teoria filosófica: é matar pessoas. Sempre que discuto com esquerdistas, sei que estou discutindo com assassinos. Muitas vezes, assassinos adiados, mas, no fim das contas, sempre assassinos. Assassinos que, quando impedidos de realizar seus planos macabros, saem choramingando e se fazendo de vítimas com um cinismo abjeto. Que é toda essa canalhice das “indenizações” senão uma lucrativa encenação de autopiedade da parte de indivíduos que se consideram lesados injustamente porque o malvado governo militar os impediu, pela força, de matar todos os que eles queriam matar?

Que respeito merecem essas pessoas? Que sentido tem conceder-lhes o direito de debater planos para o nosso assassinato, sabendo que a única divergência que pode surgir entre elas é quanto ao prazo de execução?

Imaginem o escândalo, a revolta da mídia chique se nos puséssemos a planejar “ações armadas” contra os comunistas! No entanto, ela acha muito natural e nada escandaloso que partidos legais se associem com quadrilhas de narcotraficantes e assassinos para a defesa mútua de seus interesses – interesses que, por isso mesmo, se destinam a sair igualmente beneficiados pela violência ou pela simultânea conversa mole de paz e democracia.

Haverá nisso somente uma “divergência de idéias” ou uma desigual distribuição dos meios de ação permitidos aos dois lados da disputa, um deles investido do direito de matar, roubar, seqüestrar e trapacear à vontade, o outro abstendo-se servilmente até de falar duro contra quem faz isso? Aceitar esse jogo é mais que covardia, é trair a própria causa, é prostituir a própria consciência.

Não, meu caro amigo, tratar esses indivíduos com a rispidez que merecem não é jamais rebaixar-nos ao seu nível. Nem mesmo se os xingássemos dos piores nomes e o fizéssemos o dia inteiro, sem parar, com a mesma obsessividade persistente e psicótica com que eles sonham com a nossa morte, estaríamos nos igualando aos bandidos das Farc e aos seus parceiros no governo federal. Nenhum de nós é traficante, seqüestrador, assassino, nem parceiro político e bajulador de quem o seja. Muito menos somos consciências morais deformadas como o sr. Presidente da República, para quem a prática desses crimes hediondos não desqualifica ninguém para o exercício dos mais altos cargos numa democracia. Endereçado a quem de direito, nada que saia da nossa boca, por mais ofensivo e brutal que soe, pode jamais nos tornar tão sujos e desprezíveis quanto eles.

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