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Sem novidades, exceto as piores

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de outubro de 2006

Com a reeleição de Lula, o Brasil continuará sendo governado diretamente das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo, sem a mínima necessidade de consultar o Parlamento ou dar satisfações à opinião pública; o direito da esquerda ao crime e à mentira, já exercido sem maiores restrições, será consagrado como cláusula pétrea da moral política nacional, e os que a infringirem se sentirão pecadores e réprobos; os representantes das Farc e do Mir continuarão circulando livremente pelo território onde vendem drogas e seqüestram brasileiros; os cinqüenta mil homicídios anuais subirão para sessenta ou setenta, mas a liquidação de quadrilhas locais concorrentes da narcoguerrilha colombiana continuará sendo apresentada como vitória esplêndida da lei e da ordem; o MST continuará ditando a política agrária federal; e os empresários que não participem de mensalões ou esquemas similares continuarão sendo criminalizados pela Receita. Até aí, tudo será como antes, exceto do ponto de vista quantitativo, no sentido de que o ruim ficará incalculavelmente pior. As únicas novidades substantivas previsíveis são as seguintes:

(1) Nossas Forças Armadas, que até agora conseguiram adiar um confronto com a realidade, terão de escolher entre continuar definhando ou integrar-se alegremente na preparação de uma guerra continental contra os EUA, ao lado das Farc e sob o comando de Hugo Chávez.

(2) Como Lula promete para o seu segundo mandato a “democratização dos meios de comunicação”, os órgãos de mídia que se calaram quanto aos crimes maiores do presidente serão recompensados mediante a oficialização da mordaça. Não deixa de ser um upgrade.

(3) Alguns políticos com veleidades legalistas, que faziam alarde de querer punir os crimes do PT, partirão para o adesismo retroativo e inventarão para isso justificativas sublimes. Tudo o que ficou impune será esquecido ou premiado.

            Geraldo Alckmin perdeu porque sacrificou sua candidatura, sua consciência e até sua religião ao voto de silêncio no que diz respeito ao abortismo, ao Foro de São Paulo, às ligações de Lula com as Farc e do PT paulista com o PCC. No último debate, uma insinuação velada – ou ato falho —  mostrou que ele estava bem avisado pelo menos quanto a este último ponto, mas não queria passar a informação aos eleitores. Gastou seus quinze minutos de fama empregando nisso o melhor da sua covardia, e não se pode dizer que se esforçou em vão. Simultaneamente, um artigo meu sobre o Foro de São Paulo era censurado na Zero Hora de Porto Alegre e o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh fazia o que podia para calar o jornal eletrônico Mídia Sem Máscara. No tópico do abortismo, pela primeira vez na história das eleições no mundo um partido proibiu, com sucesso, toda menção pública a um item do seu próprio programa oficial. Os que violaram o voto de censura pagaram pela audácia: o arcebispo do Rio de Janeiro teve sua casa invadida pela polícia e, em Belo Horizonte, dois jovens foram presos por distribuir folhetos sobre o compromisso firmado por Lula no sentido de legalizar o aborto no país. Nunca um partido teve um controle tão completo sobre a lista dos argumentos permitidos e proibidos na propaganda eleitoral. Os últimos dias da campanha deram uma amostra do que o segundo mandato de Lula promete ao Brasil.

Acordo secreto

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial) , 29 de outubro de 2006

Da nossa geração não se pode dizer que viveu, mas que rastejou em silêncio: os jovens rumo à decrepitude, os velhos rumo a sepulturas sem honra.

(Tácito, historiador romano, c. 56 – c. 117 a. D.).

O ponto alto do debate de sexta-feira foi a declaração de Lula de que nenhum governo anterior investigou tão a fundo ou esteve tão bem informado sobre os crimes de corrupção quanto o seu. Não é mesmo maravilhoso que o mais avisado dos presidentes nada saiba dos crimes cometidos por cinco de seus próprios ministros? Não é uma delícia que o governo que enxerga tudo da delinqüência espalhada no país inteiro ignore o que se passa no Palácio do Planalto?

Mas não pensem que a inconsistência do seu próprio discurso seja motivo de preocupação para Lula. Estontear a platéia com um bombardeio de afirmações contraditórias tem sido há anos a técnica essencial da propaganda lulista. Na eleição de 2002, explorou-se até o limite da alucinação o paradoxo de um personagem que merecia ao mesmo tempo a compaixão devida aos iletrados e a reverência devida a um sábio, conhecedor profundo dos problemas brasileiros, doutor honoris causa e candidato virtual à Academia Brasileira de Letras. Agora, ele é simultaneamente o homem da visão de raios-x, a quem nenhum delito escapa, e o pobre ingênuo ludibriado por seus mais próximos amigos e colaboradores.

Mais ingênuo ainda, porém, é quem vê nisso uma prova de confusão mental e incompetência petista. Que incompetência mais estranha, essa que sempre vence a competência alheia! Na verdade, é impossível acreditar que, com tantos cientistas sociais, psicólogos, estrategistas e engenheiros comportamentais a serviço do PT e do Foro de São Paulo, ninguém ali tenha ensinado aos chefes da campanha petista as virtudes estupefacientes da estimulação contraditória e da dissonância cognitiva. Mas nem isso seria preciso: qualquer militante, minimamente treinado na dialética de Hegel e Marx para raciocinar segundo duas linhas de dedução opostas e explorar o duplo sentido das palavras e situações, está habilitado para fazer de trouxa os mais espertos empresários, políticos tradicionais e oficiais das Forças Armadas, viciados numa semântica literaralista e num raciocínio desesperadoramente linear.

Outro detalhe especialmente suculento do debate foi Alckmin enfatizar que os membros do PCC não são do seu partido, como quem diz que são do outro. Com isso ele mostrou saber da ligação íntima entre PT e PCC. Mas, se sabia, por que se calou? E, se preferiu calar, por que não o fez por completo? Por que deixou escapar uma alusão velada que pelo menos os telespectadores informados entenderam perfeitamente bem? O discurso de Alckmin está obviamente travado por algum controle oculto, a que ele, sem apreciá-lo, se curva por necessidade ou oportunismo.

Mas não é preciso sondar conspirações para explicar isso. Tanto o PT quanto o PSDB – e a quase totalidade das carreiras políticas nos outros partidos – nasceram da resistência à ditadura militar, quando a cumplicidade implícita da oposição moderada com a esquerda terrorista era condição indispensável à sobrevivência de ambas. Removido o inimigo comum, perseverou a obediência ao pacto de lealdade: a disputa é legítima, mas denunciar a trama revolucionária da esquerda radical é “fazer o jogo da direita”. Por mais que a esquerda assanhada os rotule de direitistas – e é um alívio para ela tê-los como extremo limite do direitismo admissível –, os tucanos e tutti quanti ainda são, no seu próprio entender, herdeiros morais da tradição esquerdista, de vinte anos de luta que culminaram na lei de anistia e nas “Diretas Já”. A nação inteira está sendo enganada por esse acordo secreto entre irmãos inimigos. Tucanos e similares podem acusar a petezada de crimes menores, mas denunciar a criminalidade pesada, o narcotráfico, os seqüestros, os homicídios, seria trair a causa comum, o objetivo mútuo de varrer a direita do mapa mediante a total ocupação do espaço pelas disputas internas entre a esquerda e a direita da esquerda.

Pode ter havido um acordo explícito nesse sentido, e informações recentes sugerem que houve. Mas nem era preciso: o ódio comum ao fantasma da “direita”, somado à origem uspiana comum das duas esquerdas, é suficiente para persuadir a ala moderada das vantagens de uma luta fingida, travada sobre um fundo de cumplicidade tácita com a ala revolucionária, terrorista, seqüestradora e narcotraficante. Sem contar, é claro, o fato de que muitos dos moderados do tempo da ditadura não o eram senão em aparência, já que pertenciam às mesmas organizações dos terroristas, apenas desempenhando nelas as funções de camuflagem legal, de acordo com a técnica da duplicidade de vias que é uma constante da estratégia comunista desde Lênin.

A geração inteira dos políticos que fizeram carreira na “luta contra a ditadura”, em suma, está comprometida a ocultar e proteger a violência da esquerda radical. Pode-se combater a “corrupção”, usando a mesma linguagem com que se denunciaria a “direita” se no poder ela estivesse. “Colarinho branco”, afinal, é expressão que tem óbvias ressonâncias de luta de classes. Serve para ser usada pelas duas alas. Mas seqüestros, homicídios e narcotráfico são sacrossantos: são as armas da revolução. Denunciá-los seria traição à causa comum de todas as esquerdas. Por isso o pacto de silêncio domina não só a política partidária, mas a grande mídia inteira, dirigida por gente da mesma geração e da mesma extração ideológica de tucanos e petistas. Alckmin pode odiar esse pacto, mas sabe que violá-lo às escâncaras seria condenar-se ao ostracismo definitivo entre os “filhotes da ditadura”. Ele pode sussurrar insinuações entre dentes, mas jamais revelará em voz alta o segredo tenebroso em que assenta, há vinte anos, toda a política nacional.

A conjunção dos dois fatores aqui assinalados – o uso maciço da estimulação contraditória e o pacto geracional de silêncio em torno dos crimes maiores da esquerda – basta para explicar toda a decadência moral e intelectual do Brasil ao longo de duas décadas. A geração de políticos, jornalistas e intelectuais que hoje está por volta dos sessenta anos – a minha geração – é a mais perversa e criminosa de todas quantas já nasceram neste país. Ela é culpada da idiotização e dessensibilização moral do país, origem de todos os crimes que hoje culminam na matança anual de cinqüenta mil brasileiros. Comparados a essa geração, os mais bárbaros torturadores do Dói-Codi eram apenas aprendizes na escola da delinqüência.

A prova cabal da mentira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de outubro de 2006

Sob o título “Paranóia”, encontro no site oficial da campanha lulista (http://www.lulapresidente.org.br/boletim.php?codigo=21) uma declaração sobre o Foro de São Paulo que deve ser analisada com a maior atenção e rigor, porque fornece aprova cabal de que o PT é um partido de sociopatas cínicos, amorais, sem escrúpulos, mentirosos até à alucinação.

Publicado sem assinatura de autor, portanto endossado pelos chefes mesmos da campanha presidencial de Lula, o documento começa anunciando que “alguns artigos na imprensa e muitas mensagens na internet divulgam uma ‘denúncia’ seríssima: a de que o PT seria integrante de uma perigosa organização internacional chamada Foro de São Paulo.”

As aspas na palavra “denúncia” dão a entender que ela não é uma denúncia de maneira alguma, não é a revelação de ações graves e malignas, mas sim apenas uma tentativa artificiosa de fazer onda em torno de fatos já amplamente conhecidos ou inócuos. Veremos adiante se esses fatos são realmente assim.

“Pois bem: a tal organização existe, chama-se mesmo Foro de São Paulo mas só oferece perigo para os partidos neoliberais.”

Como não faz nenhum sentido reconhecer publicamente a existência de algo que já é publicamente reconhecido como existente, este parágrafo é uma confissão de que o Foro de São Paulo, a mais vasta e poderosa organização política já existente na América Latina, fundada por duas celebridades mundiais (Lula e Fidel Castro) e composta por todos os líderes da esquerda continental, continua desconhecido do público geral após dezesseis anos de atividade.

Mas será normal, inócuo e indigno de denúncia o fato de que tantos chefes de Estado, tantos líderes de partidos, tantos comandantes de guerrilhas tenham reuniões periódicas para discutir assuntos políticos durante mais de uma década e meia sem que ninguém fora do círculo dos eleitos fique sabendo de nada?

Ou, ao contrário, a denúncia não tem nada de artificioso, é a revelação jornalística obrigatória de um fato importante e colocá-la entre aspas é que é uma tentativa pueril de esconder um elefante por baixo de um pires?

Raciocinem um pouco. Mesmo que aqueles indivíduos se reunissem sem qualquer intuito político, mesmo que fossem ali apenas para beber cerveja e jogar futebol-de-botão, o número e a magnitude deles já faria do acontecimento um alvo necessário e indispensável de atenção jornalística. O silêncio total da mídia a respeito assinalaria, no mínimo, uma falha profissional imperdoável, mesmo que o encontro se realizasse uma única vez. A persistência da omissão por dezesseis anos seguidos, mesmo se não levarmos em conta suas implicações políticas e a considerarmos apenas do ponto de vista técnico-jornalístico, já seria por si um fenômeno alarmante no mais alto grau. Ainda supondo-se que não houvesse nisso nenhum esforço de ocultação, apenas um lapso de atenção profissional, é evidente que uma gigantesca falha de cobertura, repetida uniformemente por todos os jornais, canais de TV e noticiários de rádio ao longo de tanto tempo, comprovaria uma epidemia geral de inépcia jornalística como nunca se viu na história da mídia mundial. Dizer que isso não constitui motivo de denúncia ultrapassa a margem do que se pode conceder à hipótese da estupidez. É cinismo puro e simples. É mentira consciente, produzida no intuito de ludibriar os votantes às vésperas de uma eleição.

Mas quem, em sã consciência, pode acreditar numa tão vasta, geral e duradoura conjunção de inépcias jornalísticas acumuladas em todas as redações, em todas as cabeças de jornalistas do país ao longo de dezesseis anos por mero acaso, por pura coincidência? Se essa coincidência tivesse realmente acontecido, sua improbabilidade matemática seria tão gigantesca que, por si, o fenômeno mereceria estudo científico. Querer que acreditemos nisso é esperar que abdiquemos totalmente da inteligência racional e do senso das proporções, para apostar na palavra sacrossanta de um redator de aluguel aserviço de um partido de ladrões.

Para qualquer observador com QI superior a 12, é claro que houve ocultação deliberada do Foro de São Paulo e, uma vez vazado o segredo, um esforço proposital de abafar o escândalo por meio de evasivas, desconversas e novas ocultações. Essas duas etapas da fraude se evidenciaram, respectivamente, no sumiço completo do site do Foro de São Paulo logo após eu começar a divulgar trechos das atas de suas assembléias, e na nota oficial do PT, assinada por seu assessor de imprensa Giancarlo Summa, que afirmava ser o Foro apenas um inofensivo centro de debates, sem intuito decisório, afirmativa que desmenti, com provas cabais, em artigo publicado em O Globo em 19 de outubro de 2002 (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/10192002globo.htm).

Não sei como o acordo de sumir com a notícia veio a ser obedecido tão fielmente por todos os órgãos de mídia (se bem que no Brasil eles não sejam tantos que não se possa suborná-los, ou intimidá-los, ou simplesmente seduzi-los por atacado). Mas sei de onde partiu a ordem de sumiço: partiu do próprio Foro de São Paulo, na pessoa do seu fundador e dirigente máximo, Luís Inácio Lula da Silva. Quem me contou isso? Foi ele mesmo, ora bolas! Ele próprio, no seu discurso de 26 de setembro de 2005, comemorativo dos quinze anos de fundação do Foro, declarou que essa entidade era um sistema de relações construído entre ele e outros líderes esquerdistas “para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”.  Pergunto ao autor do documento: Você não sabe ler, desgraçado? Não entende o que o seu próprio chefe admite com clareza máxima? Entende sim, e porque entende, esconde. No caso, esconder se torna ainda mais fácil porque o discurso com a confissão explícita da ocultação proposital também foi ocultado por sua vez: publicado no site oficial do governo (http://www.info.planalto.gov .br/download/discursos/pr812a .doc), não foi citado por nenhum jornal, revista, canal de TV ou estação de rádio deste país, mesmo depois que o denunciei nas minhas colunas, aqui, no Jornal do Brasil e no Mídia Sem Máscara. Vai me dizer, moleque idiota, que isso também foi coincidência, mera coincidência?

A segunda frase do parágrafo admite que o Foro é perigoso, “mas só para os partidos neoliberais”. Não interessa, no momento, discutir o sentido objetivo do termo “neoliberal”, que já investiguei em artigo anterior (http://www.olavodecarvalho.org/semana/050725dc.htm). Interessa que, para os esquerdistas em geral, incluindo o autor do documento, o termo designa pessoas e entidades que eles parecem não ter a menor dificuldade de identificar, tal o sentimento de certeza com que o aplicam a esses alvos. As duas perguntas que a afirmação suscita são, portanto: (a) Que tipo de perigo, concretamente falando, o Foro apresenta para os partidos que tenham a infelicidade de enquadrar-se na classificação de “neoliberais”?; (b) É realmente só esse o grupo ameaçado, ou os perigos aludidos se estendem também a outros grupos não mencionados?

Com relação ao item “a”, o autor nada esclarece. Como o documento se constitui de palavras escritas em defesa das ações do Foro, devemos portanto recorrer a estas para esclarecer o sentido daquelas. O que o Foro tem feito contra os neoliberais mostrará a quais novos perigos o autor do documento promete agora submetê-los. Por outro lado, o Foro não age diretamente, mas através das entidades que cumprem suas resoluções. Ora, as ações que essas entidades têm empreendido contra os chamados “neoliberais” constituem-se, em grande parte, de guerra cultural e combate político. O objetivo com que as empreendem foi declarado explicitamente pelo próprio inventor e mentor do Foro de São Paulo, Fidel Castro: “Erradicar o neoliberalismo” (http://www.pt.org.br/site/secretarias_def/secretarias_int.asp?cod=2255&cod_sis=9&cat=7). Não se trata, portanto, de concorrer com o neoliberalismo nas eleições, alternando-se com ele no poder, democraticamente: trata-se de eliminá-lo, de varrê-lo do círculo das possibilidades socialmente admissíveis. O primeiro perigo que o Foro promete para os partidos inimigos é este: torná-los inviáveis como força política e cultural. A promessa é clara, e exclui in limine a possibilidade do rozídio no poder por via eleitoral, que supõe a existência política e cultural do adversário como força organizada. Pode-se concorrer com esse adversário, é claro, mas só como meio temporário destinado, em última instância, a “erradicá-lo”. Nenhum partido ou organização rotulada como “neoliberal” jamais ambicionou “erradicar a esquerda”. Limitam-se a tentar vencê-la nas eleições, quando podem, e em seguida aceitá-la como oposição democrática sem perspectiva de extinção. A assimetria é evidente.

Se, porém, “ser erradicado” política e culturalmente já é temível o bastante, expondo milhões de pessoas ao perigo de ficar sem representação política ou meios de autodefesa coletiva, as entidades filiadas ao Foro não se contentam com perigo tão modesto. Entre elas constam organizações armadas como as Farc, o MIR chileno, os Tupamaros, que já enviaram para o beleléu, fisicamente, uma quantidade considerável de “neoliberais”. O número exato é de cálculo difícil, mas já passou de algumas dezenas de milhares.

O “perigo” anunciado é portanto bem claro: Neoliberais (seja isto lá o que for), nós vamos matar vocês. Os que sobrarem, nós vamos excluir da política e da vida social decente.

O autor do documento é pérfido o bastante para deixar essa ameaça no ar com a certeza quase infalível de que fala em código, só para os do círculo interno, já que os de fora tomarão automaticamente a palavra “perigo” como mera hipérbole vazia, sem que lhes ocorra interpretar as palavras pelas ações e descobrir a presença explosiva da ameaça velada.

Quanto à pergunta “b”, isto é, se o perigo se circunscreve aos grupos neoliberais, não creio que seja possível enquadrar nessa classificação os milhares de jovens e crianças que morrem anualmente de drogas distribuídas pelas Farc no Brasil, na Colômbia, na Venezuela e nos EUA. Também não creio que haja algum neoliberalismo na mente de todas as vítimas de seqüestros realizados pelo MIR chileno, como por exemplo o publicitário Washington Olivetto, que não esconde suas simpatias esquerdistas. Mais rebuscado ainda seria chamar de neoliberais todas as vítimas assassinadas, em fuzilarias a esmo ou em disputas de quadrilhas, por bandidos que a Farc instruiu e treinou em técnicas de guerrilha urbana. Cá entre nós, que o autor do documento não nos ouça, a afirmativa de que o Foro de São Paulo “ só oferece perigo para os partidos neoliberais” é um eufemismo pérfido e mentiroso. O Foro de São Paulo oferece perigo para qualquer um que atravesse o seu caminho, não só no sentido de oposição política, mas até no de ficar plantado, por acaso, na direção de onde venha uma bala perdida disparada por qualquer discípulo local das Farc. O Foro de São Paulo oferece perigo para toda a população.

Prossegue o documento: “O Foro de São Paulo, como diz o nome, é um ‘foro’ ou ‘fórum’, que faz reuniões anuais de que participam não apenas partidos latino-americanos, mas também partidos socialistas e progressistas da Europa, África e Ásia.

Agora o fulano quer nos fazer engolir que as Farc são um partido político, não a quadrilha armada que vende cocaína no Brasil através de seu sócio Fernandinho Beira-Mar, atira nos soldados do nosso Exército e treina assassinos para que aterrorizem a população. O MIR chileno é um partido político, não uma quadrilha de seqüestradores armados? Para quem esse sujeito pensa que está escrevendo? Para crianças de sete anos? Para bobocas ludibriáveis ad infinitum? Se essa óbvia fraude publicitária não é crime eleitoral, eu sou o Lula em pessoa.

A explicação acaciana de que o foro é um foro, “ou fórum”, é uma papagaiada incumbida de revender, abreviadamente, amentira boba inventada pelo sr. Giancarlo Summa, de que a entidade “é um foro de debates, e não uma estrutura de coordenação política internacional”, à qual não preciso responder porque já respondi em 2002: “Porca miséria, quem já viu um mero foro de debates emitir ‘resoluções’ ao fim das assembléias? Resolução é decisão, é diretriz prática, é norma de ação. Uma assembléia que emite resoluções, subscritas unanimemente por organizações de vários países, não pode estar fazendo outra coisa senão coordená-las politicamente. É, aliás, o que afirma a resolução final do I Foro (São Paulo, 4 de julho de 1990), ao expressar seu intuito de ‘ avanzar propuestas de unidad de acción consensuales’. O esforço comum para formular uma ‘unidade de ação’ não pode ser puro debate, sobretudo quando se cristaliza em ‘resoluções’: ele é, no mais pleno sentido do termo, coordenação política.”

 Mas o mais bonito do documento vem no anúncio do XIII encontro do Foro (San Salvador, janeiro de 2007), quando será discutido, entre outros temas, o “combate ao crime organizado, ao narcotráfico e à militarização”. Chega a ser maravilhoso. Que é que os mentores do Mensalão, os maiores narcotraficantes do continente e o único governante latino-americano empenhado em militarizar seu país para aguerra del pueblo entero” (nos termos dele mesmo) podem sugerir para combate aos três males que eles próprios personificam eminentemente? Não sei, mas eu sugiro aos interessados: prendam todos os participantes do XIII encontro do Foro de São Paulo, e verão o crime organizado, o narcotráfico e a militarização diminuírem consideravelmente na América Latina. Eles próprios é que não vão trancafiar-se a si mesmos, como o Dr. Simão Bacamarte. O psiquiatra de Itaguaí era louco, mas teve a honestidade científica de reconhecer que o era. Libertou a população que ele próprio internara e foi para o hospício em lugar dela. Mutatis mutandis, os homens do Foro são bandidos, mas jamais hão de reconhecer que o são. Vão combater o crime metendo na cadeia quem não é seu cúmplice, reprimir o narcotráfico ampliando a clientela das Farc e eliminar o militarismo alistando todo mundo no exército de Hugo Chávez.

A declaração do PT foi publicada um dia depois de sair noJornal do Brasil o artigo em que eu sugeria ao candidato Alckmin cobrar do oponente explicações sobre suas atividades no Foro de São Paulo. Ela é um arremedo grotesco de antídoto, preparado às pressas por puro temor de um vexame politicamente catastrófico, a revelação, em pleno debate eleitoral, das ações clandestinas do sr. Luís Inácio Lula da Silva como parceiro e protetor dos maiores criminosos do continente.

Em matéria de confronto polêmico, a denúncia do Foro de São Paulo é um autêntico roto-rooter capaz de trazer à tona crimes e perfídias em comparação com os quais tudo o que se denunciou do PT até hoje é agradinho.

Não sei se o sr. Alckmin terá a coragem de usar o equipamento. Mas sei que a extrusão total da sujeira petista enterrada é inevitável, seja nesta eleição ou depois dela. Entendo o desespero da campanha petista. Mesmo que seja vencedor nesta eleição, Lula um dia sairá do poder pelo esgoto. O PT se acha esperto ao ponto de ser o “Partido Príncipe” sugerido por Antonio Gramsci. Mas terá sido o primeiro Príncipe, na História, que foi presunçoso e tolo o bastante para tentar enganar todo mundo indefinidamente. No fim, como diz a Bíblia, sua loucura será exposta aos olhos de todos. No outro mundo, Maquiavel está chorando e Abraham Lincoln está rindo, porque já conhecem o final da novela.

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