Posts Tagged Lula

A competência dos incompetentes

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de julho de 2007

Não faltará, como nunca falta, quem atribua o monstruoso acidente do aeroporto de Congonhas à incompetência pura e simples. Mas a incompetência do governo federal, nessa como em outras áreas, não é nem pura nem simples. Ela é o efeito da dupla agenda estratégica que orienta todas as ações do esquema petista já desde antes de sua ascensão ao poder.

Nas semanas que antecederam as eleições de 2002, só três pessoas na mídia anunciaram a formação da aliança revolucionária continental Lula-Castro-Chávez. Resultado: eu perdi o meu emprego, o analista estratégico Constantine Menges foi xingado até à enésima geração e o herói nacional cubano Armando Valladares foi rotulado de “picareta”. Menções ao “pequeno eixo do mal” foram declaradas anátema. Nos debates nominalmente destinados a informar o público sobre os candidatos em que iria votar, nem mesmo os adversários de Lula quiseram tocar no assunto. Dos entrevistadores, só um – Boris Casoy – ousou perguntar algo a respeito, e mesmo assim muito educadamente, muito discretamente, quase pedindo desculpas. Lula mandou-o calar a boca.

Ao longo dos dois mandatos lulianos, o eixo, que já vinha sendo preparado nas reuniões do Foro de São Paulo desde 1990, tornou-se uma realidade patente, e nenhum dos iluminados que o haviam negado apareceu na mídia confessando-se um idiota ou um mentiroso contumaz. Todas as ridículas tentativas do governo George W. Bush de jogar Lula contra o esquema castrochavista só serviram para provar a solidez da aliança revolucionária, não só entre aqueles três governantes esquerdistas, mas entre todos os membros do Foro, inclusive as Farc e outras organizações criminosas.

Mas, numa campanha eleitoral, a duplicidade moral consiste apenas em dizer uma coisa e fazer outra. Uma vez eleito, o sujeito tem de governar, e aí a incongruência entre a fala e os atos torna-se discordância entre duas séries de atos, uma destinada a implementar os objetivos nominais do seu governo, outra a realizar as finalidades secretas, ou discretas, do esquema de poder que o elegeu. De um lado, trata-se de administrar o país relativamente bem, para se manter alto nas pesquisas. De outro, busca-se desmantelar o Estado e a própria sociedade, para que o partido revolucionário possa se sobrepor a ambos e engoli-los. Não se pode dizer que o governo Lula tenha duas cabeças, porque só uma cabeça única, e bem organizada, pode coordenar esse delicado e complexo jogo duplo. Mas o processo tem um limite natural.

Não é possível desmantelar o Estado e manter o governo funcionando; nem anarquizar a sociedade e continuar indefinidamente dando a impressão de ordem e progresso. Mais dia, menos dia, um dos lados vai ter de predominar. A lógica interna da estratégia revolucionária espera que esse momento só chegue quando as “forças populares” estiverem prontas para rasgar sua própria máscara e partir para a tomada ostensiva do poder. No segundo mandato de Lula, porém, o limite natural do processo foi atingido antes disso.

O Estado e a sociedade já estão bagunçados de alto a baixo, mas a esquerda radical não está madura para o grande golpe. Nada funciona – nem mesmo a estratégia revolucionária. A velha ordem morreu, a nova transformou-se num gigantesco aborto.

Que fazer?, perguntaria Lênin. E responderia: se não for possível adiar o desenlace, deve-se tirar proveito revolucionário do aborto mesmo, lançando as culpas dele no adversário. Não existindo adversário, a parte mais comprometida do esquema revolucionário deve ser ela própria jogada às feras, acusada de traição e direitismo.

Isso já começou a acontecer. Não havendo uma direita capaz de liderar a revolta popular contra o pior governo brasileiro de todos os tempos, essa revolta será muito provavelmente capitalizada pelo mesmo esquema esquerdista que o gerou. Se o próprio Lula tiver de ser sacrificado para esse fim, não haverá aí surpresa nenhuma. Criar o fantoche custou caro, mas quem vai pensar em economizar dinheiro numa hora dessas?

O alquimista

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 27 de junho de 2007

O mesmo governo que continua paparicando as Farc enquanto elas ensinam o Comando Vermelho e o PCC a matar cinqüenta mil brasileiros por ano está ocupadíssimo em proteger gays e lésbicas contra o risco temível de ser atingidos, em plena via pública, por versículos da Bíblia.

O mesmo governo que promove o ensino do homossexualismo nas escolas infantis quer defender as almas puras das crianças contra a imoralidade dos programas de TV.

O mesmo governo que com lágrimas nos olhos denuncia mais de um milhão de mortes de mulheres em abortos ilegais informa-nos agora que o número total de abortos ilegais é mais ou menos esse – o que não deixaria muitas mulheres para contar a história.

Esse governo ficou louco ou quer apenas nos enlouquecer a nós?

Aposto, decididamente, nas duas hipóteses. Ele quer nos enlouquecer porque é louco — mas não é louco do tipo que quer que nós nos tornemos. Ele quer infundir em nós a loucura da estupidez, da completa desorientação no espaço e no tempo. Para si ele conserva a loucura da ambição ilimitada, o sonho infame de tornar-se o “poder invisível e onipresente” de que falava Antonio Gramsci, o manipulador supremo de tudo e de todos, o autor secreto do curso da História. Ele quer para nós a loucura que debilita e paralisa, a loucura da impotência. Para ele próprio, a loucura do poder absoluto.

Ninguém jamais compreenderá o governo Lula se não levar em conta a sua dupla agenda, decorrente da sua condição mesma, mil vezes proclamada ante ouvidos moucos, de governo de transição para o socialismo.

Um governo normal joga segundo uma regra preexistente: ele tem metas econômicas, administrativas e sociais declaradas, as quais têm de se transformar em resultados e tornar-se visíveis para ser julgadas, na próxima eleição, pelo mesmo público que aprovou o plano inicial.

Um governo revolucionário joga segundo uma regra futura que só ele conhece. Ele não tem de ser aprovado senão por si mesmo, porque sua finalidade única é justamente impor a nova regra, à qual o público tem adaptar-se sem julgá-la, sem nem mesmo pedir explicações.

Um governo de transição é uma criatura bicéfala que tem de jogar ao mesmo tempo segundo as duas regras, operando a transmutação alquímica que mudará a primeira de realidade vigente em mera aparência, a segunda de vaga hipótese em dura realidade.

Lula é ao mesmo tempo o presidente regularmente eleito para consolidar a democracia e o agente do Foro de São Paulo incumbido de tranformá-la no seu contrário. Quanto mais louco ele parece no primeiro desses papéis, mais hábil e eficiente se revela no segundo, aos olhos de quem é capaz de observá-lo nesses dois planos ao mesmo tempo. Quanto mais insensato o seu desempenho de economista e administrador, mais admirável ele se torna como mago alquimista, transmutador não só do Brasil mas do continente inteiro.

Cada uma de suas ações reflete a ambigüidade do seu papel histórico mas, para o observador atento, serve como índice do progresso alcançado na realização alquímica.

O futuro deste país depende de que o número de observadores atentos cresça antes que a transmutação se complete invisivelmente.

O esquerdismo veio para ficar

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 26 de abril de 2007

A absolvição de Lula e de seus colaboradores pelo Tribunal Superior Eleitoral no caso do dossiê antitucano confirma, novamente, aquilo que já venho dizendo desde antes mesmo da eleição presidencial (e não me refiro à de 2006, mas à de 2002): o PT não veio para ocupar o governo temporariamente, dentro do rodízio democrático normal. Veio para criar um novo Estado, forjado na medida-padrão da sua vontade de poder.

Aqueles que esperam usar as instituições existentes como freio às ambições petistas são sonhadores semidefuntos que já estão na lata de lixo da História e apenas não são inteligentes nem corajosos o bastante para reconhecer sua situação.

As instituições não são nada. O poder esquerdista é tudo.

O esquema que nos governa não será derrubado por meio judicial; não será derrubado por via eleitoral; não será derrubado por golpe militar ou parlamentar; não será derrubado por pressão estrangeira; e não passará sozinho, como um sonho mau, por decurso de prazo.

O PT só deixará o poder quando sentir que a situação está madura para transmiti-lo diretamente às organizações revolucionárias de massa que até agora consentiram em lhe servir de retaguarda paciente e dócil, aguardando a transmutação chavista prometida e, a rigor, inevitável. Esse momento chegará quando aquelas organizações estiverem fortes o bastante para dominar fisicamente o território, com a ajuda de bandos de narcotraficantes associados à guerrilha colombiana (e, por tabela, ao Foro de São Paulo). Elas já provaram ter o monopólio dos protestos de rua, o domínio quase completo do tráfego rodoviário e a capacidade de paralisar cidades inteiras. Faltava o controle do tráfego aéreo, que está sendo providenciado.

O governo petista tem plena consciência de ser uma etapa de transição para a revolução socialista. Sua duplicidade de línguas, sua incoerência alucinante, suas idas e vindas entre o intervencionismo ousado e a omissão abúlica – tudo isso reflete apenas a índole essencialmente ambígua e mutante da sua função histórica.

O PT só deixará o poder quando puder repassá-lo a algo de incomparavelmente pior.

A única força que poderia, em princípio, deter esse processo é a resistência espontânea do povo brasileiro às mudanças rebuscadas e antinaturais que a elite iluminada pretende lhe impor. O povo é conservador e cristão, não gosta de desarmanento civil, abortismo, gayzismo, neo-racismo, feminismo enragé , proibições politicamente corretas e demais frescuras nas quais o típíco pseudo-intelectual ativista imagina ver o suprassumo do progresso e da civilização. O apego desse povo a seus valores de sempre é uma energia tremenda, mas dispersa e marginalizada. Não tem canais de expressão política nem um lugar de respeito na cultura dita superior. Reunir essa energia, dar-lhe consciência de si e transformá-la em ação político-social organizada é trabalho para muitas décadas, que ainda nem começou e que dia a dia se torna mais difícil de começar, graças à traição de um clero vendido ao esquerdismo e dos “direitistas” ansiosos para parecer cada vez mais politicamente corretos.

Veja todos os arquivos por ano