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Cartas a um amigo americano – 2

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 03 de dezembro 2007

Prometi resumir as transformações políticas concomitantes aos fatos econômicos descritos na carta anterior, e é o que vou fazer aqui.

Em 1963, o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, conseguiu persuadir o governo soviético de que os tempos estavam maduros para a eclosão de uma guerra civil agrária no Brasil. Deviam estar mesmo, pois a morte de um diplomata cubano em acidente aéreo trouxe à luz acidentalmente as provas documentais de que o governo de Havana estava fornecendo armas, dinheiro e instrução para os guerrilheiros associados às Ligas Camponesas que, sob a liderança do deputado Francisco Julião, espalhavam o terror no Nordeste do país. As provas foram entregues ao presidente da República, João Goulart, que em vez de mandar investigar o caso remeteu discretamente os documentos a seu amigo Fidel Castro. Não há nada de estranho nesse episódio de alta traição, de vez que o próprio Goulart pregava abertamente a derrubada do regime, incitando os soldados e sargentos das Forças Armadas à rebelião contra seus superiores. A penetração dos comunistas no governo era tão vasta que em março do ano seguinte Luís Carlos Prestes proclamava num comício: “Estamos no poder.”

É claro que estavam, mas não com muitas garantias. Vários líderes políticos e militares planejavam em segredo a deposição do presidente. Em março de 1964, uma onda de protestos populares, a maior que se vira no país até então, fez com que o general Olympio Mourão Filho se adiantasse aos conspiradores, colocando subitamente as tropas do Estado de Minas Gerais em marcha contra o governo federal. Surpreendidos pela ousadia, até os comandantes militares aparentemente fiéis ao governo acabaram aderindo ao movimento. Goulart e seus cúmplices comunistas foram postos em fuga sem um só tiro.

O novo governo, improvisado sob a chefia do marechal Humberto Castelo Branco, prometeu realizar eleições livres em seis meses, mas depois mudou de idéia. Em pouco tempo as principais lideranças civis associadas ao movimento anti-Goulart foram elas próprias destruídas. O cargo de presidente tornou-se monopólio dos altos oficiais militares, enquanto os comunistas se rearticulavam em organizações terroristas e, entre um atentado e outro, preparavam a guerra de guerrilhas que iria eclodir a partir de 1968.

De Castelo Branco até Emílio Garrastazu Médici, isto é, nos dez primeiros anos subseqüentes à derrubada de Goulart, o regime, embora desmantelasse o sistema democrático, ao menos cumpriu fielmente sua promessa de modernização capitalista da economia. Os anos finais do governo Médici foram tão prósperos que nas últimas semanas do seu mandato o general era um dos presidentes brasileiros mais populares de todos os tempos, malgrado a dureza da repressão às guerrilhas.

Seu sucessor, Ernesto Geisel, deu um giro de 180 graus no curso dos acontecimentos. De um lado, criou uma infinidade de empresas estatais, fazendo da economia brasileira uma das mais centralizadas do mundo. De outro, rompeu o tradicional alinhamento brasileiro com os EUA, restabeleceu as relações com a China, ajudou Cuba a invadir Angola e promoveu o retorno dos comunistas e goulartistas em geral à atividade política. Embora continuasse a ser nominalmente um representante do movimento de 1964, imprimiu ao pais uma violenta guinada para a esquerda. Os esquerdistas jamais lhe demonstraram a menor gratidão, mas o fato é que nos últimos dias do seu governo, bem como ao longo da gestão de seu fiel continuador, João Figueiredo, já era visível que os esquerdistas iriam se tornar em breve a força dominante, ganhando no terreno político mil vezes mais do que haviam perdido na aventura suicida das guerrilhas. Tanto mais porque, submetidas por vinte anos ao jugo militar, as lideranças políticas de direita haviam se enfraquecido e corrompido ao ponto de tornar-se incapazes de agir exceto como parceiras em alianças controladas, sutilmente ou ostensivamente, pela esquerda. Ao mesmo tempo, as facções de esquerda que não haviam participado diretamente das guerrilhas já haviam conquistado, em silêncio, o domínio quase total da grande mídia, do ensino e das instituições culturais em geral, mediante a persistente aplicação da estratégia de “revolução cultural” concebida pelo ideólogo italiano Antonio Gramsci. No começo da década de 90, os valores e o vocabulário da esquerda haviam se arraigado tão profundamente na mentalidade geral das classes média e alta, que o ensaio de retorno ao direitismo, com a eleição de Fernando Collor de Melo, foi reduzido a nada com uma facilidade e uma rapidez impressionantes: alvo da mais violenta campanha de difamação que já se viu neste país, à qual a própria direita acabou aderindo por puro medo de ser difamada também, o presidente empossado em 1990 foi forçado a renunciar em 1992, sob acusações de corrupção jamais comprovadas e aliás impugnadas pela Justiça alguns anos depois, tarde demais para retirar do lixo a carreira de um político falido que hoje experimenta uma tardia e patética reencarnação como bajulador do presidente esquerdista Luís Inácio Lula da Silva.

Ao longo da década de 90, a estratégia denuncista usada contra Collor foi empregada, com sucesso, para destruir as remanescentes lideranças regionais de direita, que, se ainda desfrutaram de uma minguada fatia de poder durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, foi à custa de se contentar com algumas medidas pró-capitalistas na área econômica (tão necessárias e consensuais que o próprio governo esquerdista subseqüente não quis alterá-las) e de permanecer subservientemente caladas enquanto o presidente alimentava com dinheiro do Estado as forças revolucionárias do MST, introduzia a doutrinação comunista em massa nas escolas brasileiras, erigia em doutrina oficial todo o ideário “politicamente correto” da esquerda light internacional e, com cinismo exemplar, se dizia arrependido do seu passado esquerdista.

Em 2002, estava claro que a direita no Brasil só subsistia enquanto força de pressão na área econômica, sem a menor projeção política, ideológica e cultural. Como ao mesmo tempo que o rumo da política econômica se consolidava no sentido da modernização capitalista (estranhamente fundida com um centralismo burocrático avassalador, numa fórmula paradoxal caracteristicamente brasileira), os remanescentes da direita se iludiram pensando poder salvar-se mediante a mesma aliança subserviente com a esquerda moderada que havia assegurado a sua sobrevivência durante a era Fernando Henrique. As duas vitórias arrasadoras de Luís Inácio Lula da Silva em 2002 e 2006 mataram essa ilusão, fazendo da esquerda a única força política existente no país, enquanto a direita se contenta com a pura defesa de interesses econômicos imediatos, sem qualquer plano político ou possibilidade de inventar um.

A esquerda vitoriosa instalou no governo federal um esquema de corrupção formidavelmente mais vasto do que qualquer coisa que se pudesse imaginar no tempo de Fernando Collor, mas as denúncias a respeito são incapazes de abalar o seu prestígio político no mais mínimo que seja. A direita agonizante, abstendo-se de qualquer esforço ideológico mesmo modesto, aposta tudo nessas denúncias, e perde sempre. Ao mesmo tempo, a violência no país cresce ilimitadamente, chegando a produzir cinqüenta mil homicídios por ano, mas o governo nada faz para combatê-la. Não faz e nem pode, porque está comprometido por uma aliança discreta mas firme com as FARC, acionistas majoritárias do narcotráfico nacional e dirigentes informais das gangues brasileiras como o PCC e o Comando Vermelho. Essa aliança remonta a 1990, quando Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro fundaram o Foro de São Paulo, comando geral do movimento comunista no continente, que articula estrategicamente as ações conjugadas de partidos políticos legais com organizações de terroristas e narcotraficantes. A direita brasileira está tão enfraquecida e intimidada que ao longo de mais de uma década e meia se recusou obstinadamente a denunciar esse pacto sinistro, limitando-se a discursar apoliticamente contra os episódios de corrupção menores e mais convencionais, em termos que não se distinguem do que se dizia em 1992 contra Fernando Collor. A esquerda, por seu lado, está tão forte e segura de si que já não tolera nem mesmo esses protestos tímidos e autocastrados: acusa-os de “golpismo direitista” e nem sempre oculta sua intenção de calar as últimas vozes dissonantes, embora não pareça querer fazê-lo por meio da censura direta e sim do assédio judicial, da pressão econômica e da chantagem fiscal.

Passado e futuro

Olavo de Carvalho


Época, 2 de dezembro de 2000

O primeiro está desfigurado pela falsificação histórica; o segundo, por anúncios de vingança

Em 1964, uma revolução comunista estava em marcha no Brasil, sob orientação direta do governo soviético, recebida no começo do ano por Luís Carlos Prestes em Moscou. Os arquivos da KGB confirmam isso de maneira irrespondível. A revolução foi detida por um movimento militar apoiado na maior mobilização popular de toda a nossa História (800 mil pessoas nas ruas, duas décadas antes das Diretas Já). Total de mortos na operação: dois.

Os vencidos, inconformados, buscaram apoio na ditadura cubana, que lhes deu dinheiro e treinamento para a ação armada, e desencadearam uma campanha de terror, matando a tiros e bombas vários colaboradores grandes e pequenos do novo regime e pelo menos um de seus próprios militantes, executado à simples suspeita de “fraquejar”.

O governo reagiu instalando um regime policial que, além de fazer vítimas em combate, consentiu na tortura e na morte de prisioneiros, à imitação dos terroristas que chegaram a assassinar a coronhadas um homem amarrado. No placar final, os comunistas mataram aproximadamente 200 pessoas; os militares, 300. A diferença não é tão grande que justifique tratar os primeiros como anjos, os segundos como demônios.

Em favor dos militares, resta um fato. Não há, na História do mundo, outro exemplo de revolução armada, num país de cerca de 100 milhões de habitantes, que fosse abortada com menos derramamento de sangue. Desafio qualquer pessoa a impugnar, com números e provas, essa afirmação. Em Cuba, com população dez vezes menor, a simples repressão a opositores desarmados levou à morte 17 mil dissidentes. Ditadura é ditadura, mas nivelar a brasileira e a cubana é mais que demagogia: é empulhação.

Não obstante, a violência do extinto regime repercute na mídia até hoje, em ondas cada vez mais volumosas à medida que o tempo passa, com periódicas efusões de tinta e lágrimas em louvor dos comunistas mortos, enquanto as 200 vítimas que eles mataram têm de repousar quietas e esquecidas na lata de lixo da História, o lugar reservado aos que se opõem aos desígnios da Providência revolucionária. Nos 15 anos que se seguiram ao fim da ditadura, elas jamais foram manchete, enquanto seus algozes o são pelo menos de três em três meses, sob variados pretextos, incansavelmente, sem contar filmes, programas de TV e menções chorosas nos livros didáticos.

Mas, se na imprensa qualquer referência àquelas vítimas tem sido em geral excluída das páginas noticiosas, só timidamente vazando através de colunas de opinião, cochichá-la na internet não é menos proibido. Um único e modesto site devotado a documentar os crimes cometidos pelos comunistas no Brasil, www.ternuma.com.br, tão logo apareceu foi imediatamente submetido a um bombardeio de ameaças dissuasórias, das quais cito duas por falta de espaço para mais. A primeira anuncia: “Vocês não perdem por esperar. Os novos tempos da revolução… virão à tona, fazendo com que paguem com a vida… A rebelião começará nos quartéis e os comandantes cairão diante da ira do povo”. Sublinhando a promessa de rebelião militar, a segunda assegura: “Como prova o grande camarada Lamarca, muitos militares estão a nosso lado… A Ditadura do Proletariado lhes (sic) espera!” Eis no que deu ajudar os comunistas a esconder seu passado: agora eles querem suprimir nosso futuro.

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