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Palhaçada ao quadrado

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 29 de agosto de 2006

Não entendo por que tantas pessoas se escandalizaram com as coisas que Luis Carlos Barreto, Paulo Betti, José de Abreu e outros que tais disseram, numa festinha do ministro Gil, em louvor de mensalões e mensaleiros.

Desde logo, o que quer que esses sujeitos digam tem o peso cultural de uma descarga de gases intestinais. Não há entre eles um só intelectual de verdade, um só homem de estudos cuja opinião mereça ser ouvida. São todos semiletrados, bobos, provincianos e desesperadoramente irrelevantes (o único que tinha alguma inteligência, Ariano Suassuna, está completamente gagá).

Em segundo lugar, são todos comedores vorazes de verbas estatais, e não poderiam senão admirar e invejar os que conseguiram ingerir quantidades dessa substância ainda maiores, talvez, do que aquelas que eles próprios absorveram (o sr. Barreto, aliás, desde os tempos da ditadura).

Em terceiro, não creio que sua atitude seja substantivamente pior que a daqueles que, tendo impingido à nação a mentira estúpida da santidade do PT, e condenado às penas do inferno quem quer que não jurasse pela sua bíblia, de repente saem com um discurso antipetista no mesmo tom de pureza moral e autoridade infalível, sem ao menos pedir desculpas pela enormidade do mal que fizeram. Talvez os Barretos e Bettis sejam até um pouco mais respeitáveis, no sentido de que são maquiavelistas assumidos, adeptos confessos do crime bem sucedido, como o foram Marx, Lênin, Stálin, Che Guevara e Carlos Lamarca. Em comparação com eles, como julgar, por exemplo, um João Ubaldo Ribeiro, que num dia choraminga no túmulo de suas esperanças lulistas perdidas, e no dia seguinte, mais que depressa, trata de se fazer de bom menino ante o alto escalão do PT assinando um manifesto contra o fim da ditadura comunista em Cuba? Guardadas as devidas proporções, os Bettis estão para os Ubaldos como o sr. Marcola está para o dr. Márcio Thomaz Bastos. Entre o cinismo e a hipocrisia, qual a virtude mais admirável? Entre les deux mon coeur balance.

Resta, por fim, analisar a conduta dos comensais do sr. Gil como expressão local, exageradamente caricatural portanto, da debacle geral da intelectualidade esquerdista no mundo. Trinta ou quarenta anos atrás, havia um Jean-Paul Sartre, um Lucien Goldmann, um Herbert Marcuse. Eram picaretas, mentirosos e farsantes como todos os intelectuais de esquerda, mas tinham algum talento, alguma substância. Hoje em dia os esquerdistas mais inteligentes que sobraram são Slavoj Zizek, Antonio Negri e István Mészáros (excluo Noam Chomsky, cujos livros políticos são apenas propaganda enganosa, sem elaboração intelectual por mais mínima que seja). Nenhum deles suportaria dez minutos de debate com o mais humilde discípulo de Leo Strauss, Eric Voegelin, Thomas Sowell ou Roger Scruton (por isso mesmo têm a prudência de só discutir entre si, guardando distancia dos conservadores). A média dos intelectuais esquerdistas na Europa e nos EUA está na altura de Michael Moore ou Al Franken. Para fazer picadinho deles não é preciso um filósofo. Ann Coulter e Rush Limbaugh dão conta do recado.

Com alimento importado tão escasso, não é de espantar que a esquerda falante brasileira descesse de Caio Prado Júnior a Emir Sader, de Álvaro Lins a Gilberto Felisberto de Vasconcelos e de Glauber Rocha a Gilberto Gil. Esses sobreviventes são casos desesperados de raquitismo intelectual, mas os Bettis e Barretos, como discípulos deles, estão em estado ainda mais alarmante.

O próprio Gil, chamado certa vez por José Guilherme Merquior de “pseudo-intelectual de miolo mole” junto com Caetano Veloso, disse que, aplicado a Caetano, o rótulo era “quase injusto”, subentendendo que no seu próprio caso era de uma exatidão impecável. Prestadores de homenagens a um pseudo-intelectual de miolo mole são aspirantes a pseudo-intelectuais de miolo mole. São caricaturas de uma caricatura.

Escandalizar-se com o que disseram é esperar que representassem com alguma  dignidade o papel de intelectuais. Mas ninguém pode representar com dignidade uma palhaçada em segunda potência.

Cinismo pedagógico

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de junho de 2006

O PT está adestrando os brasileiros para que aceitem dele, com docilidade canina, doses faraônicas de tudo aquilo que mesmo em quantidades mínimas os indignava e enfurecia nos governos anteriores.

O cinismo com que os acusados sorriem das denúncias – Mensalão, assassinatos, terrorismo biológico, parceria com narcotraficantes, invasão do Congresso, o diabo – não nasce da cara-de-pau natural. É uma técnica pedagógica, bem conhecida desde Lênin, calculada para quebrar a resistência mental do povo por meio de choques sucessivos, até habituá-lo a uma ética invertida, na qual o crime e a trapaça, desde que praticados por agência ideologicamente aprovada, se tornem fontes de autoridade moral.

Se aplicado uma vez ou duas, o ardil provocaria ódio em vez de submissão. É preciso repeti-lo, em doses crescentes, até que o desespero da razão comece a enxergar na resignação ao absurdo a única esperança de alívio.

Também é preciso que os golpes não atinjam um ponto só, mas, variando a direção do ataque, dêem uma impressão de onipresença sufocante, repentina e devastadora como uma nuvem de gafanhotos. Todos os setores da vida devem ser acossados por um bombardeio simultâneo de novas regras, cada uma delas insensata e ridícula em si mesma, mas terríveis e assustadoras no conjunto e na prepotência súbita com que se impõem. Do dia para a noite, tudo se inverte. Possuir uma fazenda é crime; invadi-la e queimá-la é um direito e um dever. O sistema representativo é opressão; a violência é democracia. Revoltar-se contra os abusos do governo é perseguição macartista; calar a oposição é liberdade. Assassinos e ladrões são vítimas; suas vítimas são criminosas.

Depois de alguns anos desse tratamento, toda resistência começa a ceder. A malícia da operação é tão imensa, a crueldade psicológica que a inspira é tão obviamente diabólica, que até almas bem estruturadas se recusam a acreditar em tamanha perversidade. Então, como crianças aterrorizadas, inventam uma outra realidade, mais amena, e juram para si próprias que estão vivendo dentro dela. E é aí mesmo que se tornam inofensivas e dóceis como planejado.       

           

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Se vocês querem saber quem é Evo Morales, dêem uma olhada no site http://www.univision.com/content/content.jhtml?cid=781409. Espremido pelo jornalista Jorge Ramos com perguntas sobre Cuba, narcotráfico e direitos humanos, o invasor da Petrobrás se atrapalha todo e faz um strip-tease moral entre cômico e obsceno. É a imagem viva da ignomínia comunista diante da qual o nosso presidente se baba de admiração.           

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Não conheço fanáticos mais irracionais do que os adeptos de teorias científicas. Quando discuto com um entusiasta de Newton, de Darwin, de Georg Cantor, de Richard Dawkins, saio até com a impressão de que os comunistas são pessoas razoáveis, dispostas ao diálogo. Nada se compara à fúria sagrada com que, desafiados em suas crenças, os profissionais da razão se dispensam de usá-la e partem para o arremedo provinciano do argumentum auctoritatis.

Em resposta ao meu artigo anterior, meia dúzia de Ph.-Ds. me escreveram, indignados, alegando que se a teoria de Newton fosse absurda não teria sido possível extrair dela tantas aplicações técnicas, incluindo as viagens espaciais. Um título de doutor deve estar custando muito barato, a julgar pelo número de pessoas que logram obtê-lo sem haver sequer aprendido que aplicações técnicas, mesmo espetaculares, não têm jamais o poder de provar teoria alguma. Se é para dar o exemplo das viagens, basta lembrar que todos os cálculos de navegação aérea e marítima ainda são feitos segundo a astronomia de Ptolomeu. Se a eficácia dessa aplicação provasse alguma coisa, Copérnico estaria frito. Toda e qualquer técnica se baseia num recorte postiço da realidade, sem o qual a ação humana teria de estender-se ao infinito. A técnica nada prova exceto a sua própria possibilidade, e mesmo assim dentro de um conjunto de condições rigidamente limitadas.

Sorman está por fora

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 25 de maio de 2006

Roberto Fendt (Samba do crioulo doido, no DC de ontem) está montado na razão quando reclama da palestra de Guy Sorman no seminário Democracia, Liberdade e o Império das Leis . Sorman, que era um sujeito lúcido até umas semanas atrás, de repente apareceu proclamando, com a cara mais bisonha do mundo, que Lula é o remédio anti-Chávez e que só não concordam com isso os “liberais de direita”. Mas os senhores não reparem: o cidadão é sociólogo e é francês. Dificilmente um cérebro humano escapa por muito tempo à debilitação resultante desse destino duplamente cruel, por mais nutrido que esteja de von Mises e Hayek.

Lula, fundador do Foro de São Paulo , só não pode ser dito o pai de Chávez porque essa honra cabe a Fidel Castro. Lula tem sua glória própria: é a mãe. E ele mesmo, no discurso com que celebrou os quinze anos de fundação dessa entidade criminosa, admitiu o desvelo maternal com que ajudou a colocar e manter o filhinho no poder por vias secretas e fraudulentas. Depois de tão longo trabalho de parto, ele não vai querer agora pôr tudo a perder mediante um aborto retroativo.

O erro de Sorman é o mesmo dos iluminados “especialistas” do Departamento de Estado: vêem Lula só pela orientação econômica do seu governo, fazendo abstração dos compromissos que ele tem com a revolução continental e com a subversão local, inclusive armada e sangrenta. Visto só pelo lado econômico, Vladimir I. Lênin pareceria um antepassado ideológico de Margaret Thatcher, porque deu chance à livre iniciativa e abriu o mercado russo aos investidores estrangeiros. Tanto ele quanto Lula, porém, guardadas as devidas diferenças e proporções, encobriram com o manto da economia bem comportada uma política voltada à centralização do poder, à internacionalização do movimento revolucionário, à eliminação das oposições e à subjugação da sociedade por meio do caos e do terror.

Por uma ironia bem significativa, a voz de Sorman ecoou no auditório do Hotel Caesar Business ao mesmo tempo que, nas ruas de São Paulo, se ouviam os tiros do PCC. Nada, absolutamente nada pode camuflar a evidência de que a rebelião dos bandidos, empreendida em associação com o MST e chefiada por um protegido do sr. Márcio Thomas Bastos, foi obra direta ou indireta do governo federal. Milhões de Sormans gritando bobagens pró-Lula não poderiam suprimir essa obviedade.

Quanto à divisão do liberalismo em esquerdista e direitista, nada preciso dizer. Fendt já a depositou na privada e puxou a descarga. Só devo fazer um pequeno reparo às classificações com que ele a substitui. Não é verdade que os conservadores se diferenciem dos liberais por preferirem a ordem à liberdade. Mil páginas da recém publicada American Conservatism: An Enclyclopedia (ISI Books, 2006) provam que não é nada disso, pelo menos no contexto anglo-saxônico. O conservatism é acima de tudo o amor às liberdades individuais, ao ponto de em suas expressões mais extremadas ter gerado a facção dos libertarians , quase anarquistas na sua recusa de toda interferência estatal na economia ou na vida moral. O amor unilateral à “ordem” caracteriza, isto sim, a direita francesa, que por sinal não se autodenominou “conservadora” quase nunca, pelo simples fato de ser tecnocrática e positivista. Tirando esse detalhe, subscrevo cada palavra do artigo de Roberto Fendt.

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