Olavo de Carvalho
Época, 26 de janeiro de 2002
Jornalistas de esquerda querem cada vez mais poder
De tempos em tempos, ressurgem na imprensa denúncias alarmantes de que as Forças Armadas, por seus serviços de inteligência, estariam monitorando clandestinamente atividades lícitas, espionando ilegalmente cidadãos pacíficos e exercendo, em suma, o papel ditatorial de um “Big Brother”, em pleno Estado de direito.
Quando se examina o caso de perto, o que se descobre é que, invariavelmente, os investigados têm ligações amistosas com organizações empenhadas em preparar a revolução continental que, nas palavras de Fidel Castro, “vai reconquistar na América Latina o que se perdeu no Leste Europeu”. Através da narcoguerrilha colombiana, essa revolução já ameaça nossas fronteiras, sob os aplausos de seus adeptos locais. O poder desses adeptos pode-se medir pela espessura do silêncio que tombou, desde a prisão de Fernandinho Beira-Mar, sobre os dados apreendidos no “laptop” do delinqüente, que revelavam a parceria do narcotráfico nacional com a guerrilha das FARC.
Se os serviços de inteligência se abstivessem de monitorar essas pessoas, aí sim estariam fora de suas atribuições constitucionais. A impressão de que fazem coisa ilícita é criada mediante um truque jornalístico bem simples: o fato de que alguns indivíduos sejam observados também nas atividades que desempenham em organizações legais é usado como “prova” de que estas é que estão sob vigilância, e até sob ameaça. Mas, se um possível suspeito entra numa padaria e é aí seguido por um agente da ordem, poderá o padeiro queixar-se de que seu estabelecimento está sob vigilância ilegal? Ademais, não consta que, nessas operações, as Forças Armadas usem métodos criminosos, como por exemplo o grampo telefônico, do qual os jornalistas de esquerda se servem com tanta sem-cerimônia, chegando mesmo a condenar como “atentado contra a liberdade de imprensa” qualquer proibição judicial de que tirem proveito jornalístico (e político, obviamente) das informações obtidas por esse meio.
Mas, com a mesma candura com que se enchem de brios para defender seu autopromulgado direito de fazer a seu belprazer o que nem a polícia pode fazer sem permissão judicial, esses jornalistas, ao tentar dar ares de ilegalidade às ações das Forças Armadas, sempre declaram basear-se em “documentos confidenciais”, confessando deste modo sua própria ação de espionagem e a apropriação ilícita de material reservado. Denunciam uma falsa transgressão no momento mesmo em que se arrogam o direito divino de estar acima das leis.
A mistura de malícia no procedimento e de ingenuidade na alegação deintenções sublimes, transcendentes a todo julgamento humano, é mesmo umtraço geral e inconfundível da mente esquerdista.
A conquista dos meios jornalísticos por essa deformidade de consciência veio dos tempos em que a imprensa esteve na vanguarda dos movimentos contra a ditadura, instigando-os e liderando-os em vez de simplesmente noticiá-los. Naquela circunstância, o abuso podia ser até um mérito. Mas, após o retorno à democracia, a classe jornalística não quis voltar à sua humilde função de narrar e analisar: afeiçoara-se de tal modo a seu novo papel de “agente de transformação”, que tomou a dianteira das campanhas de “limpeza ética” — tão presunçosas na sua autopropaganda quanto sujas nos seus métodos e desprezíveis nos seus resultados –, pautando as investigações oficiais e reduzindo à obediência os parlamentares recalcitrantes por meio de ameaças veladas de incluí-los na lista de suspeitos. Mais adiante, apelou aos grampos epidêmicos, arrogando-se o direito de usá-los “no interesse público” e mandando às urtigas a letra da Constituição. Por fim, veio o esforço conjugado, simultâneo em vários jornais, para usurpar das Forças Armadas seus meios de investigação e matar no berço qualquer possibilidade de ação preventiva contra a revolução prometida por Fidel Castro. Se isso não é uma escalada de poder, não sei mais que raio de coisa possa ser.