Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31 de julho de 2013
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31 de julho de 2013
Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 01 de novembro de 2007
“Aquilo que disserdes no escuro será ouvido em plena luz; e o que sussurrardes dentro de casa será proclamado do alto dos telhados.” A profecia (Lc., 12:3) não se refere aos miúdos segredinhos da nossa vida diária, mas, literalmente, ao “fermento dos fariseus” (id., versículo 1), a ação oculta dos grandes manipuladores e farsantes.
Essa ação tornou-se ainda mais eficaz e peçonhenta após o advento da mídia moderna, que, iluminando de maneira uniforme frações seletas da realidade, torna automaticamente invisível ou inacreditável o que quer que não esteja ali. O crescimento dos meios de divulgação resulta assim num progresso ainda mais inexorável dos meios de ocultação. Essa perversão congênita da indústria das comunicações exige correções periódicas, das quais a mais admirável, nos últimos tempos, foi a invenção do protocolo html , que possibilitou a criação da rede mundial de computadores e furou espetacularmente o véu do segredo midiático. Graças ao gênio de Tim Berners-Lee, um irlandês católico que entendia muito bem o apelo bíblico à luta contra os principados e as potestades das trevas, podemos saber, por exemplo, que a matança de cristãos no mundo já se tornou rotina, e que, em contrapartida, o cristianismo se expande mais rapidamente do que o Islam ou o ateísmo. Essas duas informações, básicas para a compreensão da presente fase da história humana, estão ausentes da grande mídia porque esta não reflete os fatos e sim as idéias dos intelectuais tagarelas que a orientam, os quais, intoxicados de seu próprio falatório, preferem imaginar que perseguidos são os gays e que o mundo já entrou de mala e cuia em plena era “pós-cristã”.
Graças ao html , temos acesso às estatísticas do SUS, jamais divulgadas em jornais ou noticiários de TV, segundo as quais o ministro da Saúde mente ao alardear uma epidemia de mortes devidas a abortos ilegais. Pela mesma via, descobrimos até – pasmem – que entre as grandes incentivadoras de abortos ilegais estão aquelas mesmas entidades que, alegando querer extirpar essa praga, fazem campanha pela liberalização do aborto. Se essas notícias saíssem nos jornais e na TV, muita gente ilustre iria para a cadeia, acontecimento lamentável que a solicitude dos jornalistas busca evitar. Iria para a cadeia também – ou ao menos perderia o cargo – o sr. presidente da República, que, no seu discurso de 2 de julho de 2005, feito na intimidade para seus companheiros de ideologia (v. Lula, réu confesso), confessou o mais escandaloso crime de responsabilidade já visto neste país, ao admitir que mentiu para o Congresso e para o povo brasileiro, tomando decisões secretas junto com ditadores e com os narcotraficantes das Farc, “sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse” ( sic ). Como esse discurso, embora reproduzido discretamente no site do próprio governo, jamais saiu na grande mídia, o sr. Luís Inácio continua a salvo do impeachment e o grosso da população a salvo de qualquer contato com a realidade, abrigado num mundo paralelo feito de papel e imagens de TV.
Mas, se vocês querem os três exemplos mais eloqüentes da diferença entre o mundo da mídia e o mundo como tal, cliquem os seguintes endereços na internet: video.google.com, youtube.com. Não vou nem lhes dizer do que se trata. Façam a experiência e acordem.
Olavo de Carvalho
Zero Hora, 17 de setembro de 2006
Para vocês começarem a entender um pouquinho da política americana, nada melhor do que analisar o noticiário brasileiro sobre o conflito do presidente Bush com seu ex-secretário Colin Powell, confrontando-o com um detalhe sutil publicado por uma parte ao menos da mídia nos EUA, mas omitido totalmente na do Brasil.
O que vocês vão ler por aí é que o general Powell é lindo-maravilhoso porque, sendo um republicano e conservador, teve a coragem de se erguer, por motivos morais e humanitários, contra a proposta presidencial de ocultar dos acusados de terrorismo as provas consideradas material secreto (“classified evidence”). “O mundo, disse Powell, está começando a duvidar das bases morais do nosso combate ao terrorismo.”
Desde logo, a posição de Powell é que é moralmente insustentável. “O mundo”, isto é, o falatório geral, já era classificado pela Bíblia como um dos inimigos da alma, e nenhuma concessão a ele pode ter sentido moral mais elevado que a de um afago demagógico na vaidade dos tagarelas enragés, principalmente quando se sabe que não há entre eles um só amigo dos EUA.
Em segundo lugar, que notável moralidade pode haver na exigência de entregar segredos militares ao inimigo em época de guerra? Powell e tutti quanti sabem perfeitamente que tratar terroristas estrangeiros como se fossem cidadãos nacionais no pleno gozo de seus direitos é um suicídio político e militar a que país nenhum do mundo (muito menos alguma ditadura islâmica) jamais se submeteria.
Mas a dura realidade é que Powell, posando de guardião da moral e prevalecendo-se de um resto de prestígio de servidor leal do governo, tem agido de maneira imoral e desleal para com o presidente desde muito antes da discussão atual.
Vocês devem se lembrar de Valerie Plame, a agente secreta cuja identidade foi revelada à imprensa por alguém do governo. Forçando o caso até à demência, pois Valerie não estava de serviço no exterior e portanto a divulgação do seu nome não constituía crime, a mídia chique armou um fuzuê dos diabos, acusando o assessor presidencial Karl Rove e o vice-presidente Dick Cheney, atribuindo-lhes toda sorte de motivos ignóbeis para o vazamento proposital de informação classificada e chegando a estimular, no Congresso, um movimento de impeachment do presidente Bush por “alta traição”.
Por fim, os próprios acusadores acabaram descobrindo que o culpado pela revelação não tinha sido ninguém do primeiro escalão mas um simples funcionário de carreira, Richard Armitage, tão íntimo da equipe presidencial quanto eu do ministério Lula. Até o Washington Post, radicalmente antibushista, acabou confessando que dar crédito às acusações contra Cheney, Rove e Bush no caso Plame tinha sido “um erro lamentável”.
Pois bem, o detalhe a que me referi acima é que desde o começo da história o general Powell sabia quem era o verdadeiro culpado e não disse uma palavra a respeito, deixando que a mentira crescesse, criasse uma crise política e ameaçasse deixar o país sem comando em plena época de guerra. Sua conduta no episódio foi francamente imoral, não sei até que ponto ilegal também. Mas pior do que a conduta é a lógica subentendida nela: o homem capaz de deixar que um ridículo vazamento de informação secundária passe como crime de alta traição, que autoridade tem para proclamar que a mais alta moralidade consiste na obrigação de passar informações secretas ao inimigo em guerra?
Para mim está claro que o general Powell tem menos afeição pela hierarquia de comando ou pela hierarquia de valores do que por qualquer oportunidade, mesquinha e impatriótica o quanto seja, de brilhar perante a mídia anti-americana às custas da imagem do presidente e da própria honra nacional dos EUA.
O contraste entre sua atitude no caso Plame e na presente discussão é tão flagrante e tão repulsivo, que só a mania presidencial de preferir antes o prejuízo político do que o escândalo pode explicar que o governo ainda finja enxergar nele um sujeito respeitável.
Se há um defeito óbvio no governo Bush é a delicadeza mórbida, masoquista, com que trata seus inimigos políticos e midiáticos, enquanto estes são de uma crueldade mental a toda prova no que dizem e fazem contra ele. Suprimido esse defeito, logo se tornaria claro que quase todos os outros não passam de efusões retóricas nascidas dessa mesma crueldade. Nos EUA, muita gente já percebeu isso. No Brasil, ninguém.