Olavo de Carvalho
O Globo, 1o de janeiro de 2005
Como explicar que ministros aceitem pedir licença a narcotraficantes para entrar no seu território? O acontecimento indica, desde logo, que o Estado brasileiro reconhece os limites impostos à sua jurisdição pela “diversidade cultural”. Há tempos vigora entre esquerdistas a convicção de que droga é cultura e de que não se pode impor à população criada sob essa cultura os padrões do restante da sociedade. Os srs. ministros parecem ter sido profundamente afetados por essa crença. Os reis da droga, nessa perspectiva, tornam-se líderes tribais e gozam de prerrogativas similares às dos caciques indígenas, entre as quais a soberania territorial. Os representantes do Estado, ao entrar na taba, já não são autoridades: são meros visitantes estrangeiros que devem curvar-se às normas locais.
Em segundo lugar, os narcotraficantes brasileiros estão, direta ou indiretamente, sob a orientação das FARC – e as FARC, a mais rica e poderosa entidade participante do Foro de São Paulo, ocupam na hierarquia da esquerda continental uma posição mais alta que a do nosso partido governante. Este não só se recusa a reconhecê-las como entidade criminosa, mas, em resolução do Foro assinada pelo sr. Luís Inácio Lula da Silva poucos meses antes de eleger-se presidente, comprometeu-se a defendê-la contra o verdadeiro criminoso, o governo da Colômbia, que o documento acusa de praticar “terrorismo de Estado” contra os parceiros comerciais do sr. Fernandinho Beira-Mar.
Legitimada por um arremedo de antropologia cultural, alicerçada num pacto político macabro, sancionada pela deferência servil de dois ministros, a soberania dos narcotraficantes, no Complexo da Maré ou onde mais lhes ocorra instalar-se neste vasto Brasil, pode portanto considerar-se definitivamente integrada no quadro das instituições nacionais, ao lado do Parlamento, das Forças Armadas e da Presidência da República.
Digo isso sem a mínima intenção de sátira. Certas situações, dizia Karl Kraus, transcendem a possibilidade de satirizá-las.
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Do ponto de vista do direito à vida, a diferença entre o tempo dos militares e os dias de hoje é simples e auto-evidente: naquela época havia tranqüilidade para a maioria dos brasileiros, mas não para a pequena elite esquerdista que tinha boas razões para sentir-se ameaçada. Hoje, essa elite – dez mil pessoas no máximo – desfruta de todas as garantias de paz e segurança que a prosperidade à sombra do governo pode oferecer, enquanto os demais brasileiros vivem expostos ao terror cotidiano nas mãos dos narcotraficantes, assaltantes, homicidas e seqüestradores.
Passamos de uma relativa igualdade capitalista à cruel e cínica desigualdade socialista. Em cima, a nomenklatura, arrogante, prepotente, onissapiente, segura de si, vivendo às custas do Estado, sob a proteção de guardas armados. Em baixo, o povo, sem meios de defesa, entregue aos caprichos de delinqüentes sanguinários.
Tão egoísta e desavergonhada é essa elite, que chora mais – e dispende mais dinheiro público – pelos seus trezentos velhos companheiros, terroristas mortos pela repressão militar, do que pelos cinqüenta mil civis desarmados que são anualmente assassinados por bandidos neste país.
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Não podendo gastar o espaço desta coluna em discussões com ignorantes, nem apelar semanalmente ao direito de resposta, coloquei na minha homepage, www.olavodecarvalho.org, as respostas aos drs. Hélio Saboya Filho e Ari Roithman. O que esses senhores dizem a meu respeito são apenas mais dois modestos cocozinhos que vêm acrescentar-se, sem modificá-la substancialmente, à monumental estrumeira de hate-mails, insultos bocós, insinuações caluniosas, gracejos torpes, ameaças de morte e outras produções da sordidez humana que todo dia se espalham pelo país desde vários condutos entérico-cerebrais, com intensidade crescente, incluindo intrigas contra minha família e mensagens com conteúdo racista falsamente atribuídas à minha autoria. Nunca um esforço coletivo de character assassination foi mais evidente, mais brutal e mais mesquinho. Não obstante, Feliz Ano Novo para todos.