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FHC, vendido à CIA?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de setembro de 2009

O livro da Sra. Frances Stonor Saunders, Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura (Record, 2008), que já mencionei, meses atrás (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/080214jb.html), é um estudo com ares de seriedade acadêmica, onde os fatos vêm tão bem documentados quanto meticulosamente isolados dos dados comparativos necessários à sua avaliação racional. Deveria ser auto-evidente que o relato de um conflito bélico ou político, como de uma partida de futebol, só faz sentido se as ações de um dos contendores aparecerem articuladas às do seu adversário. Suprimida metade do enredo, a outra metade pode adquirir as proporções e o significado que a imaginação de cada um bem entenda. A imaginação da Sra. Saunders empenha-se em deformar a história da Guerra Fria com uma constância obstinada e uma coerência metódica que excluem, desde logo, a hipótese da mera incompetência. Por isso mesmo ela se tornou uma autora tão querida da mídia brasileira, que na obra da pesquisadora inglesa se compraz voluptuosamente em enxergar, refletida e adorável, a imagem da sua própria mendacidade.

Se o livro todo já é uma tentativa de dar ares de escândalo a presumidas revelações históricas que antes dele qualquer leitor poderia ler tranqüilamente no próprio site oficial da CIA e nas memórias de inúmeros personagens envolvidos nos acontecimentos, não é de espantar que os jornalistas brasileiros encontrem nele um de seus alimentos espirituais prediletos: a denúncia de uma conspiração direitista milionária destinada a colocar o Brasil sob o domínio do imperialismo ianque, com a ajuda de políticos locais bem subsidiados pelo dinheiro daquela agência americana, entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A prova da trama, que vem circulando com grande frisson entre os círculos “nacionalistas” da internet desde que alardeada pela inteligência glútea do jornalista Sebastião Nery, é a verba de 800 mil dólares, ou talvez um milhão, concedida em 1969 pela Fundação Ford para que Fernando Henrique e outros professores demitidos da USP criassem o Cebrap, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. A Fundação, afirma a dupla Saunders-Nery, era um braço da CIA, e a operação toda era um lance da guerra cultural anticomunista. FHC teria sido comprado pela direita, traindo seus ideais esquerdistas de juventude.

O que a Sra. Saunders não conta – e Sebastião Nery ignora ou finge ignorar por completo – é que a Fundação Ford, se alguma posição tomou na guerra cultural, foi contra os EUA. Na década de 50 ela já foi denunciada por uma comissão parlamentar de inquérito por sua persistente colaboração com a propaganda soviética (v. René Wormser, Foundations, Their Power and Influence, New York, Devin-Adair, 1958, e Phil Kent, Foundations of Betrayal. How the Super-Rich Undermine America, Johnson City, TN, Zoe Publications, 2007); e hoje em dia os programas que ela continua subsidiando – cotas raciais, feminismo, gayzismo, abortismo – constituem o ideário cultural inteiro da esquerda no mundo. Se isso é “imperialismo ianque”, eu sou o Sebastião Nery em pessoa.

A Fundação Ford trabalha, sim, para um projeto imperialista, mas não americano. Trabalha para o internacionalismo socialista, de inspiração fabiana, empenhado em demolir a soberania dos EUA para substitui-la progressivamente por uma Nova Ordem Mundial altamente centralizada, estatista e controladora, da qual o governo Barack Obama é um dos instrumentos mais ativos hoje em dia.

Tanto a Fundação quanto FHC podem ser acusados de tudo, menos de terem feito algum mal à esquerda. E não deixa de ser uma prova da debilidade da direita – americana, brasileira ou mundial – o fato de que ela raramente ofereça uma reação à altura quando acusada dos pecados de seus próprios inimigos. Ao contrário: quantos, entre os direitistas brasileiros, especialmente militares, ansiosos por mostrar que são mais anti-americanos do que direitistas, não são os primeiros a fazer coro a mentirosos compulsivos como Saunders e Nery?

A aposta na guerra

Olavo de Carvalho

O Globo, 3 de janeiro de 2004

O fichamento de turistas nos EUA visa a controlar a avalanche de imigrantes ilegais e a entrada de possíveis suspeitos de terrorismo. Os dois males estão interligados, pois a imigração ilícita tem sido o meio mais fácil de contrabandear terroristas, além de ser usada, de maneira muito deliberada e consciente pelos radicais islâmicos, como instrumento de guerra cultural. Até que ponto ambas essas operações têm cúmplices poderosos entre os próprios americanos, elevando o risco ao nível de alerta máximo, é algo que pode ser avaliado por uma comparação bem simples. Tomem, de um lado, o fenômeno crescente da repressão anticristã que descrevi no artigo “Natal proibido”. De outro, fiquem sabendo que a multibilionária Fundação Ford introduziu em seus programas educacionais a sugestão de modificar a Constituição Americana para que proíba a “blasfêmia contra Allah”, categoria que abrange praticamente toda e qualquer manifestação verbal anti-islâmica. Um país cujos universitários são induzidos a admitir tranqüilamente a possibilidade de conceder privilégios especiais a uma comunidade religiosa recém-chegada, ao mesmo tempo que as religiões locais tradicionais são cada vez mais marginalizadas e perseguidas pelo establishment, é evidentemente um país que está sendo adestrado para imolar sua cultura no altar de seus inimigos. Entre a preparação psicológica de uma geração de estudantes e a mudança constitucional visada, o caminho é longo, mas não muito. Todo o “multiculturalismo” universitário que predispôs a população americana à passividade diante da perseguição anticristã começou, quatro décadas atrás, em programas semelhantes a esse da Ford. As armas da guerra cultural são sutis, suas ações deliberadamente lentas. Mas nunca isoladas. O anti-americanismo chique da Ford converge com a intriga corrente entre políticos europeus — os bons e velhos amigos da ONU — de que é um perigo mortal para uma democracia moderna ter um presidente cristão.

Isso sugere aliás outra comparação elucidativa.

O panorama da guerra cultural nos EUA é complexo, assustador e, como não poderia deixar de ser, totalmente ignorado pelos brasileiros. Mas, mesmo sem levá-lo em conta, a ameaça física do terrorismo, os constantes anúncios de novos ataques e a articulação internacional em favor dos terroristas — da qual o Brasil não está de todo inocente –, bastam para mostrar que nenhuma precaução de segurança nos aeroportos americanos, por mais constrangedora que seja, pode ser considerada excessiva, absurda ou insultuosa à dignidade humana.

No Brasil, em contrapartida, não há avalanche de imigrantes ilegais, muito menos provenientes dos EUA, nem qualquer organização terrorista em atividade, já que a única que poderia ser assim qualificada — as Farc –, está em boas relações com o nosso governo e só joga bombas na Colômbia, limitando suas atividades no território brasileiro à circunspecta distribuição de algumas centenas de toneladas de cocaína por ano, uma bobagenzinha incapaz de perturbar o sono de nossas autoridades.

Qual o motivo, então, para fichar os americanos que entram no Brasil? O motivo é um só: eles são americanos, e o juiz Julier Sebastião da Silva está cego de raiva contra o país de onde eles provêm. Tão cego, que perdeu totalmente o senso das proporções, chamando de nazista a fiscalização nos aeroportos de lá e não vendo nazismo nem racismo nenhum na ostensiva discriminação de viajantes legais contra os quais nada se tem a alegar exceto sua nacionalidade.

Mas decerto não é só o magistrado quem está cego. O alinhamento do Brasil com o anti-americanismo internacional, a aliança com Hugo Chávez e Fidel Castro, o cumprimento meticuloso, enfim, do programa do Foro de São Paulo, que ainda um ano atrás os guias iluminados da nossa opinião pública ridicularizavam como paranóias do sr. Constantine Menges, já são hoje fatos consumados — e suas conseqüências para o destino do país arriscam ser as mais devastadoras. Diante disso, que faz a mídia? Desvia as atenções do público para as semelhanças entre os governos Lula e FHC — as quais existem, sem dúvida, mas não têm no quadro presente senão uma função puramente diversionista — e amortece o impacto de notícias que revelam a aposta brasileira numa articulação mundial cujo resultado, a médio ou longo prazo, só pode ser um: a guerra.

Meses atrás, um famoso jornalista brasileiro expressava seu obsceno entusiasmo diante do antiamericanismo de alguns militares brasileiros, enaltecendo-os porque achavam lindo treinar soldados para matar marines na floresta amazônica. Ora, ninguém se alegra com preparativos militares se não pretende entrar em guerra. Mas por que logo contra os marines, se a única ameaça à nossa soberania na Amazônia vem de ONGs associadas ao globalismo anti-americano da ONU? O erro de alvo, segundo parece, não é nada acidental. Fichando americanos nos aeroportos, subsidiando as revoluções falidas de Chavez e Fidel, acobertando as Farc, debitando na conta dos EUA os crimes de seus inimigos ou afagando o ego dos regimes sudanês e norte-coreano, o Brasil parece já ter incorporado perfeitamente o papel que estrategistas internacionais insanos lhe destinaram: o de peão sonso num jogo que não pode terminar bem.

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Morreu terça-feira última o prof. Og Francisco Leme, ex-presidente do Instituto Liberal do Rio. A época dos brasileiros honrados vai ficando cada vez mais longe.

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