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Cadeia para a inocência

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 31 de agosto de 2006

Mike Whitney, um popular escritor de esquerda, está defendendo a tese de que o seqüestro dos repórteres Steve Centanni e Olaf Wiig por terroristas palestinos foi um ato justo e inteiramente legal. Seu argumento é o seguinte:

Premissa maior: Centanni e Wiig trabalham na Fox News.

Premissa menor: A Fox News é “parte integrante da máquina de guerra norte-americana”.

Conclusão: Logo, Centanni e Wiig não podem ser considerados não-combatentes.

Mas, por mais que os esquerdistas odeiem a Fox News, ela não é sequer um canal conservador. Apenas dá aos conservadores cinqüenta por cento do espaço nos debates, opondo Bill O’Reilly e Michael Moore, ou Sean Hannity e Jim Colmes. Como isso é noventa e nove por cento a mais do que a opinião politicamente incorreta tem no restante da mídia chique e cem por cento a mais do que o elevado espírito democrático da esquerda pode tolerar, a Fox foi rotulada de “extrema direita”, e agora, forçando o hiperbolismo até à demência, de organização militar a serviço do imperialismo judaico-americano.

 Assim, embora Centanni e Wiig tenham se limitado a fazer a cobertura da guerra sem xingar nem árabes nem judeus, eles entram na história como membros das tropas invasoras, podendo ser seqüestrados ou mortos sem ofensa ao direito internacional.

Houve quem reclamasse da estupidez psicótica do argumento de Whitney, mas até agora ninguém deu sinal de ter percebido o óbvio: ao distorcer monstruosamente os fatos para conceder aos terroristas o direito de matar americanos inocentes, ele forneceu baldes de conforto e auxílio ao inimigo e cometeu portanto crime de traição. O lugar dele é na cadeia.

Lá também deveriam estar, pela mesma razão, todos aqueles que, como o o ex-procurador Ramsay Clark, acusam o governo americano de “crimes de guerra” no Iraque. Segundo averiguação do Washington Post, tão suspeito de bushismo quanto eu de lulismo, o número de soldados americanos judicialmente acusados de matar civis de propósito desde o início da guerra é de exatamente 39. Milhares de olhos ferozes ciscando criminosos de guerra para jogar na cara do presidente, e a colheita é de trinta e nove em três anos de combates — a quota mais baixa já registrada em qualquer conflito militar. Se houve no mundo um governo inocente de crimes de guerra, é o governo Bush. Os que o acusam disso fazem guerra psicológica a serviço do inimigo: são uma Quinta-Coluna e, sem nenhuma figura de linguagem, parte integrante da máquina de guerra assimétrica do Hezbollah e da Al-Qaeda. Mas eles são tantos, que todas as cadeias dos EUA não bastariam para abrigá-los. Quando a impunidade geral é a solução mais cômoda, o crime se converte em lei e exige cadeia para a inocência. Rendendo-se a isso, os inocentes se tornam por sua vez culpados de entregar o país, sem luta, aos inimigos que planejam destrui-lo. Se, avessos a enxergar a deslealdade cínica de seus adversários, os conservadores continuarem tratando como debate normal de opiniões o que é de fato uma guerra civil unilateral, os EUA se tornarão uma nação de culpados – uma nação condenada.

Aprendizes de Judas

Olavo de Carvalho

O Globo, 15 de março de 2003

Em 14 de janeiro, Mel Gibson foi ao programa de Bill O’Reilly, na Fox News, denunciar a perseguição que vinha sofrendo desde que anunciara seu intuito de filmar a crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo exatamente como narrada nos Evangelhos. Um filme abertamente cristão era mais do que o Politburô de Hollywood podia suportar: repórteres e detetives particulares não paravam de vasculhar as contas bancárias e a vida privada do ator em busca de matéria-prima para algum escândalo.

Não tendo encontrado nenhum esqueleto no armário do astro de “Coração Valente”, seus detratores passaram ao plano B: sopraram aos ouvidos de um rabino conservador, Marvin Hier, tido como freqüentador da Casa Branca, que o novo filme, “The Passion”, tinha algo de anti-semita. Muitos repórteres e críticos, entre eles o jornalista judeu Jeff Israely, da Time, tinham lido o roteiro sem notar nada disso. Tudo o que o rabino sabia era que um artigo da New York Times Magazine havia retratado Gibson, aliás corretamente, como um irlandês católico ultraconservador. Mas, mesmo com tão pouca munição, Hier não quis perder a ocasião de mostrar serviço ao Centro Simon Wiesenthal, do qual é um dos fundadores. Mais que depressa, deu à agência Reuters uma entrevista em que, admitindo não ter visto nada do filme e nem sequer ter lido o artigo, jogava sobre Mel Gibson as mais inquietantes suspeitas, desde a de fazer propaganda anti-semita até a de pretender, com o filme… revogar as decisões do Concílio Vaticano II!

A mídia americana, malgrado seu esquerdismo crônico e anti-israelismo agudo, até que cobriu o assunto decentemente. Mas a brasileira, que não publicara uma só palavra da denúncia de Gibson, apressou-se em dar ampla divulgação ao besteirol de Hier, apresentando-o implicitamente como expressão unânime da opinião judaica americana. Para piorar, a coisa vinha reforçada pela previsão alarmante de uma iminente “caça às bruxas” voltada contra as estrelas de Hollywood que tinham participado das passeatas pró-Iraque. Um caso concreto de perseguição política era assim encoberto sob densa camada de especulações futuras, ao mesmo tempo que a vítima se transformava em bandido por obra de uma testemunha que admitia nada saber contra ela.

O leitor pode estar se perguntando: por que dar tanta importância a essa desprezível trapaça de jornalistas de Terceiro Mundo e terceiro time, mais uma entre milhares? Já não está provado que essas criaturas são apenas idiotas úteis, ou pelo menos ambicionam sê-lo quando crescerem?

É que a utilidade da idiotice, no caso, é maior do que seus próprios portadores imaginam.

Hier não fala pela comunidade judaica. O mais eloqüente defensor de Gibson na celeuma tem sido um escritor judeu, James Hirsen, da revista Newsmax. E a atriz principal do filme, no papel da Virgem Maria, é a judia romena Maia Morgenstern, que mereceria o Oscar de desatenção se depois de todos esses meses de trabalho em “The Passion” não tivesse ali percebido sinais de anti-semitismo caso os houvesse realmente.

Mas o próprio rabino também não é unanimidade. Ele tem recebido pesadas críticas de judeus por recusar-se a usar de sua influência nos altos círculos em favor de Jonathan Pollard. Pollard é um judeu americano, analista de inteligência da Marinha, que um dia passou ao Mossad, ilegalmente, dados do serviço secreto americano sobre armas químicas e bacteriológicas fabricadas por países árabes para ser usadas contra Israel. Encrencado com a justiça, acabou se refugiando em Tel-Aviv. Toneladas de petições a três presidentes ainda não conseguiram trazê-lo de volta para casa. É difícil dizer se Pollard é um traidor ou um herói. O que é certo é que até hoje ele é uma batata quente nas relações EUA-Israel, e Hier é o último que desejaria segurá-la: teme passar por chato entre os figurões republicanos, e sua omissão o torna odioso aos milhares de fãs do espião exilado. Ora, acontece que o principal sustentáculo político e cultural de George W. Bush é a aliança, já velha de muitas décadas e cada vez mais forte, entre conservadores judeus e cristãos. Hier é um ponto fraco nessa aliança, pela sua atitude no caso Pollard. Mais vulnerável ainda ele se torna porque, além de rabino, é também homem do show business: produtor e roteirista. Vive num meio infestado de fãs de Saddam Hussein, os Martin Sheens e Sean Penns da vida. Imaginem, portanto, de onde lhe vieram as dicas falsas sobre o filme que não viu e o artigo que não leu. E imaginem por que foi ele o escolhido para assar a reputação de Mel Gibson até fazer dela uma batata tão quente quanto Jonathan Pollard. Que maravilha, para os inimigos dos EUA e de Israel, poder usar um rabino direitista como instrumento para espalhar a cizânia entre judeus e cristãos, ameaçando debilitar a aliança conservadora no instante em que a esquerda mundial precisa com toda a urgência varrer o assunto “armas químicas e bacteriológicas” para baixo do tapete! Mais adorável ainda é que façam isso a pretexto de combater o anti-semitismo, quando eles próprios acabam de lançar a maior onda de propaganda anti-semita que já se viu no mundo desde a década de 30. E chega a ser sublime que mostrem tal desvelo em proteger a comunidade judaica contra o temível Mel Gibson, ao mesmo tempo que, nas ruas, marcham contra Sharon e Bush ao lado do líder nazista David Duke.

E Mel Gibson? Gibson só desempenhou nesse imbróglio o papel bíblico do bode expiatório, com a diferença de que o sacrifício deste era usado para reconciliar a comunidade, enquanto o dele foi planejado para dividi-la.

Já dos jornalistas brasileiros, com sua tradicional subserviência canina aos ditames da moda esquerdista chique de Hollywood e Nova York, não se pode dizer sequer que fizeram o papel de Judas. São, na melhor das hipóteses, aspirantes a Judas. Pois Judas, ao menos, sabia para quem fazia a parte suja do serviço.

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