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Entre Lúcifer e Satã

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 23 de março de 2006

O que quer que você pense ou diga, por mais importante, elevado e bonitinho que lhe pareça, está sendo pensado ou dito dentro do quadro da realidade e não acima dele; é somente mais um acontecimento sucedido dentro do fluxo temporal e cósmico no qual você é arrastado como os dias, as vidas, os átomos e as galáxias, e não uma escapada miraculosa para fora e para cima de tudo o que existe. Ainda que o conteúdo intencional desses pensamentos se refira ao “todo”, ao “universo”, o fato de você pensá-lo não coloca você acima do todo, como um juiz soberano e transcendente, mas apenas imita, desde dentro da imanência, aquele aspecto limitado da transcendência no qual você está pensando nesse momento. Nenhum ser humano julga o universo, a totalidade do real. Quando ele inventa sentenças que parecem fazer isso, o máximo que consegue é julgar-se a si mesmo.

Isso não quer dizer que, desde dentro da realidade sensível, você não faça a mínima idéia do que há para além dela. O simples fato de você poder criar aqueles julgamentos, ainda que errados, já mostra que algo, desde dentro e desde baixo, você consegue apreender do que está fora e acima. Digo “apreender” e não apenas “imaginar”, como preferiria Kant, porque se fosse apenas imaginado seria arbitrário e não suscetível de fiscalização racional ou confronto com a experiência; e o fato mesmo de estarmos discutindo isso já prova que não é assim. Por isso, se sobre a totalidade você nada pode dizer que a transcenda, a abarque e a julgue desde o além, também nada pode impedi-lo de olhar para esse além e saber algo a respeito. Se estivéssemos totalmente presos na imanência e na finitude, uma inteligência capaz de apreender as noções de infinito e de absoluto seria um luxo biológico inexplicável (a hipótese de que tenhamos chegado a isso pelo acúmulo de pequenas ampliações quantitativas da inteligência símia é simiesca em si mesma).

As duas máximas ilusões dos filósofos, ao longo dos tempos, foram precisamente essas: uns pretenderam transcender a totalidade e julgá-la, outros decretaram que nada podemos saber sobre a transcendência. Uns quiseram nos transformar em deuses; outros, em bichinhos inermes separados da transcendência por fronteiras cognitivas intransponíveis.

Na Bíblia, esses dois erros fatais da inteligência humana já estavam anunciados com muita precisão. A ilusão de julgar o mundo enquanto se está dentro dele é o “conhecimento do bem e do mal” que a serpente promete a Eva. O muro que veda o acesso à transcendência é a “insensatez” que limita a visão da existência à esfera do imediatamente acessível.

Esses dois erros têm nomes técnicos tradicionais, derivados da mesma raiz: gnosticismo e agnosticismo. O primeiro promete a posse de um conhecimento impossível; o segundo inibe e frustra a aquisição de um conhecimento possível. Correspondem a dois nomes do demônio: Lúcifer e Satã. O demônio da falsa luz e o demônio das trevas falsamente triunfantes. O demônio do conhecimento errado e o demônio da ignorância soberba.

Platão e Aristóteles já sabiam que a condição humana não é nem conhecimento, nem ignorância, mas a tensão permanente entre esses dois pólos, o primeiro pertencendo aos deuses, o segundo aos animais.

O que caracteriza a filosofia moderna como um todo é a perda dessa dialética tensional, a proclamação alternada do conhecimento absoluto e da ignorância invencível. De um lado, a metafísica onipotente de Descartes e Spinoza; de outro, o ceticismo radical de Hume. É verdade que Kant quis encontrar uma via média, mas, ao limitar as possibilidades de conhecimento aos fenômenos sensíveis e às formas vazias da razão, reduzindo à pura imaginação e à fé o acesso à transcendência, criou a forma mais requintada e letal de agnosticismo moderno. Como que em compensação, ergueu no horizonte a miragem gnóstica da “paz eterna”, tornando-se o profeta da burocracia global e de um cristianismo biônico sem nenhum Cristo de carne e osso.

Se você ainda quer ser um estudante sério…

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 27 de fevereiro de 2006

“A tragédia do estudante sério no Brasil” resultou em tantas cartas, que acho melhor completar, com algumas dicas baseadas na experiência pessoal, as indicações de estudo que dei no final do artigo.

Começo com um exemplo casual.

Outro dia recebi de amigos a cópia de uma mensagem interessantíssima, postada em algum site da internet por uma senhorita, aparentemente culta e universitária, que, indecisa entre me admirar e me detestar, exigia uma explicação para o fato de eu acertar tantas previsões ao longo de quase duas décadas, apostando quase sempre no contrário do que anunciava a opinião geral dos bem-pensantes. No entender da remetente, bem como de outros participantes do debate, a hipótese mais plausível era a de eu ser um agente da CIA, conectado portanto a uma rede de informantes secretos espalhados por toda parte…

Guardei a mensagem com o carinho historiográfico que merece um eloqüente sinal dos tempos.

Que época mais adorável, esta, em que o sujeito não é cobrado por seus erros, mas por seus acertos! Se o normal é errar sempre, para que serviriam então os milhares de cientistas sociais, historiadores, jornalistas, economistas e doutores em filosofia que as universidades, sustentadas pelo trabalho suado de milhões de contribuintes que jamais as freqüentaram, despejam anualmente no mercado da tagarelice nacional? Resposta: não servem para entender o mundo, mas para transformá-lo. Não podendo, porém, conhecê-lo, já que não acreditam em verdade objetiva, levam-no sempre num rumo diferente do que pretendiam, sentindo-se — por isso mesmo, raios! — inocentes dos resultados monstruosos que produzem e sempre merecedores de um redobrado crédito de confiança para começar tudo de novo e de novo e de novo. A revolução, afinal, não seria revolucionária se não revolucionasse a si mesma e à sua própria história, mudando de identidade após cada novo crime e cada novo fracasso e não tendo satisfações a prestar senão a um futuro que, quando chega, já não é mais futuro e não tem portanto qualquer autoridade para cobrá-la do que quer que seja. Tal é, brutalmente resumida mas nem um pouco deformada, a essência da mentalidade que se pode adquirir em qualquer universidade deste país e em muitas do exterior. Equivale a um atestado de impecabilidade congênita, que confere o direito à estupidez laureada, ao amor-próprio ilimitado e ao crime inocente. Não espanta que tantos a desejem, mesmo sabendo que a remuneração dos ofícios universitários já não é lá essas coisas. Aliás, ganhar abaixo do que desejam reforça ainda o seu sentimento de méritos incalculáveis e sua revolta contra a malvada sociedade capitalista que não recompensa adequadamente as pessoas empenhadas em destruí-la.

É natural que, num ambiente assim formado, o sujeito acertar previsões políticas em série deva ser mesmo uma coisa muito esquisita, muito suspeita, denotando poderes demoníacos ou no mínimo algum truque sujo. Entendo mesmo que, no desespero, alguns apelem até à suposição “CIA”, sem ter em conta que essa entidade, há pelo menos quarenta anos, tem se especializado mais é em produzir informações erradas.

A hipótese de que exista uma realidade objetiva da vida política, de que ela possa ser conhecida, de que o indivíduo em questão tenha estudado muito com o objetivo de conhecê-la e de que depois de quatro décadas de esforço ele tenha conseguido montar um conjunto de critérios científicos razoáveis para fazer previsões acertadas dentro de um quadro definido de possibilidades, ah!, isso não ocorre a ninguém. É absurdo demais. É escandaloso. É repugnante. É impossível.

E eu lhes direi no entanto: foi precisamente isso o que aconteceu, patetas. Enquanto vocês enchiam sua cabeça de cocô universitário, tentando menos buscar conhecimento do que imitar trejeitos verbais para parecer bons meninos no ambiente ideológico em torno (v. meu artigo “O imbecil juvenil”, http://www.olavodecarvalho.org /textos/juvenil.htm ), preferi ficar em casa estudando, por achar que assim faria melhor uso das horas que o pessoal uspiano gastava em condução, papo furado, assembléias, greves, festinhas de embalo e surubas gerais no CRUSP, totalizando essas várias ocupações aproximadamente noventa e oito por cento da vida acadêmica útil. Preservando minha inteligência dessa centrifugação mortífera e da influência corruptora de orientadores ignorantes, estudei para saber, para aplacar minhas dúvidas, sem nenhuma esperança fútil de glórias escolares provincianas. Não nego que ganhei algo além do puro conhecimento. Ganhei o prazer de poder chamar os fulanos de burros sem nenhuma intenção insultuosa e com estrito realismo científico. Enquanto eles se intoxicavam de Eduardo Galeano, Noam Chomsky, Foucault, Derrida, e na melhor das hipóteses Nietzsche e Heidegger, brilhantes professores de confusão mental, coloquei para mim mesmo as questões fundamentais da filosofia política – que é ao mesmo tempo filosofia da História – e busquei respondê-las com toda a seriedade, cercando-me ainda de toda a ajuda disponível em livros de várias épocas, revistas científicas e contatos pessoais com estudiosos de vários países.

Os resultados foram sendo apresentados, aqui e ali, sob a forma de aulas e apostilas, sem a menor preocupação de publicá-los em livros. Livros para que? No Brasil de hoje, quanto mais sério o livro, maior a certeza de que será totalmente ignorado exceto pelo círculo de estudiosos que já o conheciam pela audição direta do autor. Numa época em que a literatura é personificada pelo sr. Luís Fernando Veríssimo, a filosofia por dona Marilena e a ciência política pelo dr. Emir Sader, qualquer esforço científico mais sério fica um pouco constrangido de se mostrar em público. Voltamos à era da difusão oral. Todo conhecimento efetivo tornou-se esotérico. O essencial do que aprendi e ensinei sobre a filosofia política está nas gravações dos meus cursos dados na PUC do Paraná, bem como nas apostilas “Ser e Poder”, “Que é a Psique?” e “O Método nas Ciências Humanas”. Quem teve acesso a esse material – que publicarei quando os afazeres jornalísticos me derem um descanso para poder editá-lo –, sabe que existem meios para descrever objetivamente uma situação político-social qualquer e prever com grande margem de acerto suas possibilidades de desenvolvimento. É isso, e nada mais, o mistério por trás das minhas previsões. Quanto aos erros alheios, não me cabe explicá-los.

Das questões a que me referi acima, algumas das mais importantes para a análise das situações políticas eram as seguintes:

1. Qual é a natureza do poder, não só na política mas em todas as relações humanas, e qual a diferença específica entre o poder político e as demais formas de poder?

2. Que é propriamente a “ação” em escala histórica? Em que condições a expressão “história disto” ou “história daquilo” se refere a uma entidade real, capaz de ação contínua ao longo do tempo, e quando se refere apenas, metonimicamente, a um sujeito ideal, sem unidade de ação própria, como por exemplo quando se fala em “História do Brasil”, ou “história da burguesia”? Em suma: quem é o sujeito da História?

3. Qual a relação entre as “intenções” subjetivas dos agentes históricos e os efeitos reais de suas ações? Qual a equação que se forma entre o conhecimento objetivo dos dados da situação, as decisões tomadas, a execução, os resultados específicos e sua diluição num quadro maior onde outros fatores entram em jogo? Existe uma ação histórica eficiente, na qual os efeitos reproduzam mais ou menos fielmente as intenções? Ou, ao contrário, a História humana estará sempre condenada a ser, como dizia Weber, “o conjunto das conseqüências impremeditadas das nossas ações”?

4. Dando por pressuposto que ninguém pode se colocar fora do quadro comum da vida humana para observá-lo “de cima”, e que portanto toda observação é uma forma de participação, não é possível isolar totalmente observação e confissão. Qual a relação entre autoconhecimento e conhecimento histórico? Em que medida o conhecimento da história pode e deve ser um meio de integração da consciência pessoal do estudioso, e em que medida esta se reflete na veracidade da descrição histórica obtida? Em que medida toda história é autobiografia e, portanto, toda descrição de uma situação política, social e cultural determinada é uma confissão pessoal?

5. Em que medida, portanto, o estudo das ciências humanas é uma prática “ascética” de autoconhecimento, e em que medida as disciplinas ascéticas e místicas desenvolvidas pelas religiões tradicionais, bem como as técnicas modernas de psicoterapia e auto-ajuda, podem desempenhar nesse estudo uma função essencial?

6. Como é a psicologia do conhecimento na História e nas ciências humanas em geral? Da percepção dos dados sensíveis (documentos, monumentos, ações observadas) até as sínteses interpretativas gerais, qual o trajeto psicológico percorrido e como dirigi-lo para diminuir a possibilidade de erros?

Os filósofos que mais estudei para encontrar as respostas (e ficam aí como sugestões para os interessados) foram Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto, Tomás, S. Boaventura, Duns Scot, Leibniz, Schelling, Husserl, Scheler, Lavelle, Croce, Ortega, Zubiri, Marías, Voegelin, Lonergan, o nosso Mário Ferreira dos Santos e o Albert Camus de L’Homme Révolté . Os grandes historiadores da filosofia, como Gomperz, Ueberweg e Zeller, devem ser lidos com devoção. Outros autores da área de ciências humanas que muito me ajudaram foram Ibn Khaldun, Vico, Ranke, Taine, Huizinga, Weber, Böhm-Bawerk, von Mises, Sorokin, Victor Frankl, Paul Diel, Eugen Rosenstock-Huessy, Franz Rosenzweig, Lipot Szondi, Maurice Pradines, Alois Dempf, Max Dvorak, Rudolf Arnheim, Erwin Panofsky, A. D. Sertillanges, Mortimer J. Adler, Oliveira Martins, Gilberto Freyre e Otto Maria Carpeaux. Apesar de inumeráveis erros de informação, a Life of Napoleon de Walter Scott também foi de muito proveito pela acuidade da sua psicologia histórica. O maior historiador vivo hoje em dia é Modris Eksteins (sabe o que significa “tem de ler”?). Dos poetas e ficcionistas, aqueles que produziram verdadeiras descrições científicas da condição humana, muito úteis nos meus estudos, foram Sófocles, Dante, Shakespeare, Camões, Cervantes, Goethe, Dostoiévski, Alessandro Manzoni, Pío Baroja, T. S. Eliot, W. B. Yeats, Antonio Machado, Thomas Mann, Jacob Wassermann, Robert Musil, Hermann Broch, Heimito von Doderer, Julien Green, Georges Bernanos e François Mauriac. A Bíblia tem de ser relida o tempo todo (não leia o Evangelho em busca de “religião”: leia como narrativa de alguma coisa que realmente aconteceu; atenção especial para Mateus 11:1-6, onde o próprio Jesus ensina o critério para você tirar as dúvidas a respeito d’Ele; penso nisso o tempo todo). O Corão, os Vedas, o Tao-Te-King e o I-Ching, assim como os escritos de Confúcio, Shânkara e Ibn’Arabi, merecem consultas periódicas. Dos conselhos pessoais que recebi de mestres generosos, a quem incomodei por meio de cartas, telefonemas e visitas, falarei outro dia.

O importante é você não estudar por estudar, para “adquirir cultura” ou seguir carreira universitária, mas para encontrar respostas a questões determinadas, que tenham importância existencial para você, para sua formação de ser humano e não só de estudioso. É claro que as questões vão se definindo aos poucos, no curso das leituras mesmas, mas à medida que isso acontece elas vão definindo melhor o rumo dos estudos. E é essencial que, na ânsia de ler, você não deixe sua acumulação de conhecimento ultrapassar o seu nível de autoconsciência, de maturidade, de responsabilidade pessoal em todos os domínios da vida. Se você não é capaz de tirar de um livro conseqüências válidas para sua orientação moral no mundo, você não está pronto para ler esse livro. Não esqueça nunca o conselho de Goethe: “O talento se aprimora na solidão, o caráter na agitação do mundo.”

O império da vontade

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 5 de janeiro de 2006

Se há um esforço inútil, embora inevitável, é o de contestar o relativismo. É inevitável porque objeções relativistas são fáceis de aprender, fáceis de repetir e acessíveis gratuitamente a qualquer bobão interessado em debater o que ignora. Não importa o que você diga, elas começarão a saltar por todo lado como sapinhos histéricos, e você não terá remédio senão sair caçando uma a uma ou admitir que teria sido melhor ficar quieto desde o início.

Não que a dificuldade de caçá-las seja notável. Superar o relativismo é a escola maternal da filosofia (ingressar nele é o berçário). O problema é que, sendo meras combinações automáticas de juízos, prescindindo de qualquer apreensão da realidade, elas têm uma facilidade enorme de reproduzir-se em formatos variados, diferentes só em aparência, sem a menor chance de o interlocutor fazer parar a proliferação mecânica de ranhetices mediante o apelo à percepção dos fatos. É como você discutir online com um programa de computador, sem nenhuma consciência humana para lhe responder do outro lado da linha.

Pior ainda: por serem imunes ao teste da realidade, as objeções relativistas não podem ser objetos de crença. Crer num juízo é crer na realidade do seu conteúdo. Abstraída a realidade, a mente opera num espaço separado onde pode haver apenas autopersuasão hipotética, como num teatro. Não crença efetiva. No mundo real, essas objeções só podem funcionar como atenuantes de crenças positivas, nunca tornar-se elas próprias crenças positivas. Nesse sentido, todo mundo é um pouco relativista quando revê suas idéias (ou as alheias) e as hierarquiza segundo o grau de certeza que parecem ter. Mas ninguém é relativista além desse ponto. Nenhum relativista acredita em relativismo, exceto de maneira experimental e provisória. Debater com ele só pode servir para treinamento ou diversão e para nada mais.

O corolário é incontornável: se ele insiste muito nas objeções, se as defende com o ardor de quem acreditasse nelas positivamente, está fingindo. Ele crê em alguma outra coisa, e usa as investidas relativistas como barreira de proteção para que sua própria crença não seja posta em exame. Todo ataque relativista muito enfático encobre um autoritarismo secreto que mantém o adversário ocupado na defensiva só para poder em seguida triunfar sem discussão. Reparem na presteza com que esse tipo de relativista, ao sair do exame das opiniões adversárias para a defesa das suas próprias, passa do discurso dubitativo às afirmações intolerantes que se ofendem até às lágrimas, até à apoplexia, ante a simples ameaça de objeções. O relativismo militante é um véu de análise racional feito para camuflar a imposição, pela força, de uma vontade irracional. Sua função é cansar, esgotar e calar a inteligência para abrir caminho ao “Triunfo da Vontade”. É um método de discussão inconfundivelmente nazista.

Se você estudar Nietzsche direitinho, verá que toda a filosofia dele não é senão a sistematização e a apologética desse método, hoje adotado pela tropa inteira dos ativistas politicamente corretos. Por trás de toda a sua estudada complexidade, a estratégia do nietzscheísmo é bem simples: trata-se de dissolver em paradoxos relativistas a confiança no conhecimento objetivo, para que, no vácuo restante, a pura vontade de poder tenha espaço para se impor como única autoridade efetiva. Descontada a veemência do estilo pseudoprofético, não raro inflado de hiperbolismo kitsch , não há aí novidade nenhuma. É o velho Eu soberano de Fichte, que abole a estrutura da realidade e impera sobre o nada. É a velha subjetividade transcendental de Kant, que dita regras ao universo em vez de tentar conhecê-lo. É o velho mestre Eckart, proclamando modestamente que Deus precisa dele para existir. É o velho sonho alemão de ser o umbigo do mundo, ou melhor, de fazer do mundo um apêndice do umbigo. Adolescentes vibram com coisas assim. Só alguns deles crescem para perceber a diferença entre essas frescuras e a autêntica filosofia.

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