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Os iluminados

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de novembro de 2005

O advento da internet multiplicou de tal maneira as fontes de dados ao alcance do público, que para o estudioso capaz de tirar proveito delas – um tipo raro, admito –, a experiência rotineira de ler os jornais ou ver os noticiários de TV se tornou uma lição de psicopatologia social, a medição diária da distância entre a realidade e o universo subjetivo dos “formadores de opinião”, incluídos nisto não só os jornalistas, é claro, mas o conjunto dos indivíduos e grupos que eles costumam ouvir: políticos, líderes empresariais, professores universitários, gente do show business etc.

As conversações dessas pessoas constituem o foco da atenção pública. Tudo o que escape ao interesse habitual delas é, para o povo em geral, como se não existisse. Mesmo realidades patentes que o cidadão comum observa e comprova na sua vida de todos os dias podem ser relegadas a um segundo plano e desaparecer por completo do seu campo de visão consciente  quando a importância delas não é legitimada pelo reconhecimento comum dos bons de bico. Se a coisa não aparece nos jornais e não é debatida na TV, não pesa na hora de tirar conclusões. No mínimo, aquilo que não entra nos debates das classes “cultas” não tem uma linguagem estabilizada na qual expressar-se, e seria ridículo esperar que o homem da multidão, desprovido do apoio de chavões consagrados, conseguisse inventar na hora os meios de transmitir impressões pessoais diretas. O que não se consegue falar acaba-se esquecendo. O homem medíocre não acredita no que vê, mas no que aprende a dizer.

A premissa geral que fundamenta a tremenda autoridade das “classes falantes” — como as chamava Pierre Bourdieu — é que, pela lei das probabilidades, dificilmente algo de muito relevante pode escapar aos olhos de lince das parcelas supostamente mais esclarecidas da população. O problema é que estas acreditam na mesma premissa, e portanto só recebem informações do seu mesmo círculo, ignorando tudo o mais e imaginando que sabem tudo. Toda verdade relativa, quando se torna crença geral, acaba se revestindo de um sentimento de certeza absoluta que a transforma, quase que automaticamente, em erro mais que relativo.

Um mínimo indispensável de prudência recomendaria a essas pessoas duvidar um pouco das suas crenças grupais e tentar dar uma espiada no subsolo da conversação dominante, nas zonas mais humildes da realidade, onde germinam as sementes do futuro. Toda gestação é envolta em sombras. Quem só olha para onde todo mundo olha condena-se a ignorar poderosas forças históricas que estão subindo desde as profundezas neste mesmo momento e que arriscam, de uma hora para outra, irromper no palco destruindo brutalmente o sentido usual do espetáculo. Quando vocês ouvirem algum figurão expondo com superior tranqüilidade as certezas do momento, lembrem-se disto: a máquina de corrupção petista, a maior já montada ao longo de toda a epopéia da safadeza nacional, foi negada pelos onissapientes durante mais de dez anos, por mais que gente de dentro do partido oferecesse informações de primeira mão a respeito. Negavam-na no mesmo tom de autoridade superior com que hoje negam a ajuda ilegal de Fidel Castro à campanha de Lula. O tal do Cervantes, enquanto isso, tratou é de dar no pé. Uma só opinião expressa em atos vale mais que mil em belas palavras.

Nem vale a pena discutir as alegações dessa orquestra de silenciadores. Cuba não tem dinheiro? Fidel Castro tem. As Farc têm muito mais. A operação é tosca demais para o alto nível da estratégia cubana? Só acredita nessa desculpa quem não conhece a biografia militar de Fidel Castro, uma sucessão de erros pueris transmutados em vitórias publicitárias. Cuba está quietinha no seu canto, sem mexer na política de outros países? Leiam as atas do Foro de São Paulo. Cuba governa o continente.

Os subterfúgios bobos só pegam porque respaldados em três décadas de fantasias transfiguradas em senso comum pela mágica da mídia. Não há um só luminar do jornalismo brasileiro que não acredite, por exemplo, na balela das “conquistas de la revolución”. Em 1957, dois anos antes de Fidel Castro chegar ao poder, Cuba já tinha duas vezes mais médicos per capita do que os EUA (e não com o atual salário de trinta dólares por mês), sua taxa de mortalidade infantil era a mais baixa da América Latina (a décimo-terceira no mundo, inferior à da França, da Alemanha Ocidental, da Bélgica e de Israel), sua renda per capita era o dobro da espanhola, a participação dos trabalhadores cubanos no PNB era proporcionalmente maior que a dos suíços e a taxa nacional de alfabetização era de 80 por cento. E Cuba era lotada de imigrantes, não de virtuais fugitivos.

Esses dados jamais aparecem nos jornais e na TV. Sem eles, parece mesmo que Fidel Castro fez alguma coisa pelos cubanos. Não fez nada, além de enviar à morte uns cem mil deles, aprisionar outros quinhentos mil e atormentar tanto a população que a quinta parte dela fugiu para Miami, onde hoje forma uma das comunidades mais prósperas dos EUA, enquanto os que ficavam na ilha alcançavam os dois únicos recordes espetaculares que podem ser atribuídos ao regime comunista: a quota de vigilantes, policiais e olheiros subiu para 28 por cento da população, enquanto a taxa de suicídios chegava a 24 para cada mil cubanos em 1986 (tendo desde então desaparecido das estatísticas oficiais).

Esses dados, repito, jamais aparecem na mídia popular brasileira. Suas fontes são muitas: o Livro Negro da Revolução Cubana , relatórios da ONU e da Anistia Internacional, os livros de Armando Valladares, Carlos Alberto Montaner, Humberto Fontova, Guillermo Cabrera Infante, Luís Grave de Peralta Morell, a imprensa cubana exilada em Miami. Quem, na mídia nacional, lê essas coisas? Jamais. Fontes confiáveis em assuntos cubanos, para os jornalistas brasileiros, só as que vêm com o imprimatur de Fidel Castro. O resto descarta-se com três palavras: “Máfia de Miami”. Acompanhada de um muxoxo de desprezo, essa expressão tem efeito probante imediato. Como se a Máfia não estivesse em Havava, como se sucessivos traficantes cubanos presos nos EUA já não tivessem delatado o papel central de Fidel Castro no banditismo continental, como se um promotor federal americano não tivesse declarado ao Miami Herald , em julho de 1996, possuir “mais provas contra Fidel Castro do que aquelas que levaram ao indiciamento de Manuel Noriega em 1988”. Tudo propaganda da CIA, é claro.

Mas não pensem que a cegueira das classes falantes se limite a fatos sucedidos num país sem imprensa livre, onde a informação extra-oficial é inexistente. Elas não sabem nem o que se passa nos EUA. E não o sabem porque, nesse ponto igualmente, só confiam em seus semelhantes: a grande mídia americana e os “intelectuais públicos” tipo Chomsky e Michael Moore. Por isso acreditam, por exemplo, que o vazamento de informações sobre a identidade de uma agente da CIA seja mesmo um caso sério, daqueles de derrubar governo. De dentro dos EUA, a coisa se mostra bem menor. Tudo o que o feroz promotor Fitzgerald conseguiu até agora foi indiciar o assessor de um assessor do vice-presidente. E indiciá-lo por perjúrio, crime pessoal que não tem como envolver os superiores do acusado. Fitzgerald apegou-se a isso justamente porque, na questão central do inquérito, nada podia fazer além de barulho na mídia. Milton Temer, um dos sábios de plantão na taba, diz que o vazamento “é episódio considerado dos mais graves, na legislação dos Estados Unidos, um ato de traição abominável, punido com 30 anos de cadeia, mais multa pesada”. Haja paciência. Dar o nome de um agente só é crime quando o sujeito está no exterior, em missão confidencial, protegido pelo governo sob recomendação expressa de sigilo. A dona estava em casa, sem missão nenhuma. Juridicamente, ninguém pode fazer com isso nada contra Dick Cheney, Karl Rove ou o próprio Lewis Libby. Resta tentar dar uma bela impressão de crise para ver se vira crise de verdade. Sei que o que estou dizendo não é o que aparece no New York Times . Mas quem, aqui nos EUA, leva a sério o New York Times ? Isso é leitura para pseudo-intelectuais do Terceiro Mundo. Uma pesquisa recente do próprio jornal mostrou que só trinta por cento dos seus leitores confiam nele. E trinta por cento de quanto? De um milhão e pouco de exemplares, num país de trezentos milhões de habitantes. É um crente contra mil céticos. Se você quer saber no que acredita o eleitorado americano, sintonize no programa de Rush Limbaugh: trinta e oito milhões de ouvintes diários. Ou o do Sean Hannity: dezoito milhões. Os grandes jornais americanos são como a elite intelectual brasileira: um punhado de idiotas que se esfregam uns aos outros como drogados numa orgia, desprezando tudo do mundo em volta e se imaginando, por mera loucura, no topo da hierarquia universal.

O auto-engano coletivo que, partindo da grande mídia americana, penetra nos cérebros brasileiros como uma carga maciça de cocaína, chega ao ponto de abafar, com renitência obstinada e criminosa, os fatos mais essenciais da época, substituindo-os por frases-feitas que, depois de umas quantas repetições, se tornam dogmas da opinião pública e premissas incumbidas de sustentar com sua solidez inabalável as conclusões mais bobocas e mecânicas que um cérebro galináceo poderia produzir. Exemplo de silogismo:

Premissa maior : Não havia armas de destruição em massa no Iraque.

Premissa menor: Bush disse que havia.

Conclusão : Logo, Bush mentiu para matar criancinhas e encher a Halliburton de dinheiro iraquiano.

Bem, quem disse que não havia armas de destruição em massa no Iraque? A côrte dos iluminados. Os relatórios militares dizem que foram encontrados até agora:

  • 1,77 toneladas métricas de urânio enriquecido;
  • 1.500 galões de agentes químicos usados em armas;
  • 17 ogivas químicas com ciclosarina, um agente venenoso cinco vezes mais mortal que o gás sarin;
  • Mil materiais radiativos em pó, prontos para dispersão sobre áreas populosas.
  • Bombas com gás de mostarda e gás sarin.

Se essas coisas não são armas de destruição em massa, são o quê? Peças do estojo “O Pequeno Químico”?

Não há no Pentágono quem as ignore. Mas o Pentágono, na guerra de mídia, é nada. Só fiquei sabendo dessas descobertas porque as li no livro de Richard Miniter, Disinformation: 22 Media Myths That Undermine the War on Terror . Miniter, veterano jornalista investigativo, foi colunista do Wall Street Journal e do Washington Post . Escreveu também no New York Times , que hoje pode não gostar muito do que ele diz mas não pode tirá-lo da sua lista de best-sellers , onde ele está entrando pela terceira vez (as duas anteriores foram com Shadow War: The Untold Story of How Bush Is Winning the War on Terror e Losing Bin Laden: How Bill Clinton’s Failures Unleashed Global Terror).

Miniter também reduz a pó dois artigos-de-fé das classes falantes: mostra que Bin Laden não foi treinado pela CIA e que a Halliburton não está ganhando dinheiro no Iraque.

Mas nem de longe pensem que, nos EUA, só a esquerda vive se intoxicando com seus próprios mitos. O entourage de George W. Bush conseguiu convencer o presidente de que, na América Latina, a única cobra venenosa é Hugo Chavez e de que o antídoto para a mordida da bicha é… Luís Inácio Lula da Silva. Os espertinhos chegaram a essa conclusão analisando o estado de coisas com olhos de mascates. Acham que não há encrenca que um bom acordo comercial não resolva. Pena que não contaram isso a Lenin, a Hitler, a Mao Dzedong, a Pol-Pot e ao próprio Fidel Castro. Não entendem sequer que a política latino-americana não se faz Estado por Estado, mas desde uma aliança continental forjada por Fidel Castro, a qual precedeu e criou a ascensão de Lula, Chavez, Kirchner e tutti quanti , sobre os quais tem autoridade absoluta sedimentada no poder financeiro e militar das Farc. O economicismo insano que sai festejando uma vitória econômica quando fornece armas atômicas aos generais chineses que prometem destruir a América (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/050620dc.htm) é também a orientação básica da política de Washington para a América Latina há mais de uma década, e seus resultados são visíveis: todo o continente sob o domínio da esquerda e embriagado de ódio americano como nunca se viu no mundo. Bush foi persuadido a continuar na mesma linha, e o irrealismo da sua posição é tal que ele se obriga, num ritual masoquista, a tomar como amigo do peito o líder máximo do partido que organiza contra ele as mais vastas manifestações anti-americanas já observadas no Brasil.

Karl Marx, autor de tantas bobagens, disse uma coisa certíssima: “A maioria, quase sempre, está errada.” Esqueceu-se de ressalvar que essa observação não se aplica à maioria das pessoas em geral, mas especialmente à maioria dos “intelectuais”, no sentido ampliado que Gramsci deu ao termo. Eles criam a “opinião pública” e depois apelam à autoridade dela para sentir-se seguros. Pintam um deus-asno na parede e se ajoelham diante dele, pedindo-lhe a verdade revelada.

Foram esses sujeitos que meteram na cabeça de Chamberlain que Hitler era um perfeito cavalheiro, na de Roosevelt que Stalin era um honrado homem do povo e Mao Dzedong um reformador cristão. Foram eles que convenceram a América de que as tropas soviéticas sairiam da Europa quando os soldados americanos voltassem para casa. Foram eles que anunciaram ao mundo que Fidel Castro iria restaurar a democracia em Cuba e que os comunistas vietcongues seriam gentis com as populações do Vietnã do Sul e do Camboja quando vissem os malditos ianques pelas costas. Foram eles que persuadiram a humanidade de que a África, bastando livrar-se do “imperialismo”, se tornaria uma potência industrial em poucas décadas. Foram eles que, entre nós, criaram a lenda do “partido ético” e repeliram como insinuação maldosa cada denúncia de corrupção petista entre 1990 e 2005. São eles que asseguram, agora, que Fidel Castro não deu a Lula nenhum dinheiro por baixo do pano.

Fontes primárias

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 29 de setembro de 2005

No jornalismo como na ciência histórica, a condição número um da busca da verdade é a supremacia das fontes primárias — aquelas informações que vêm diretamente dos personagens atuantes ou das testemunhas mais próximas. Uma vez firmada a sua autenticidade, elas quase sempre têm, por si, o poder de restabelecer os fatos, separando-os do erro e da mentira.

Três exemplos:

1) No discurso que fez na celebração dos quinze anos de fundação do Foro de São Paulo, em 2 de julho deste ano, o sr. presidente da República confessa que submeteu a uma assembléia de estrangeiros ­– Fidel Castro, Hugo Chávez, os narcoguerrilheiros das Farc e os seqüestradores do MIR chileno, entre outros – decisões fundamentais da política externa brasileira, ocultando-as deliberadamente do Congresso, da Justiça e da opinião pública. A íntegra do documento está no site oficial, http://www.info.planalto.gov. br/download/discursos/pr812a .doc. Uma análise mais extensa pode ser lida em http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm.

Os brasileiros já se tornaram sonsos e insensíveis, mas é improvável que pelo menos alguns deles, civis ou militares, não percebam que um governante capaz de extinguir por arbítrio próprio a soberania nacional, de esconder isso durante anos e de confessá-lo depois com vaidosa presunção como se tivesse feito algo de meritório, não deve ficar na presidência por mais um minuto sequer. O que é possível, sim, é que todos o percebam, mas, acanalhados pela prática diária da covardia disfarçada de esperteza, consigam fingir que não perceberam. Isso, no Brasil, já virou quase uma regra moral, um imperativo categórico.

2) A “Carta de um Desertor” reproduzida pelo jornal coreano Daily NK do dia 27 traz o relato de um fugitivo da Coréia do Norte que, capturado na China, sofreu torturas hediondas que culminaram na amputação de seus dois pés. O documento, com fotos da vítima, está em http://www.dailynk.com/english/read.php?cataId=nk00100&num=291.

Embora sejam abundantes e em geral de fácil confirmação os relatos como esse, bem como os apelos desesperados vindos de prisioneiros políticos vietnamitas, cubanos e chineses, a mídia brasileira inteira – como aliás boa parte da americana – faz questão estrita de manter tudo isso longe dos olhos do público. Assim fica fácil persuadir a multidão de que o máximo de crueldade concebível são aquelas brincadeiras de mau gosto feitas pelos americanos com os agentes de Saddam Hussein em Abu Ghraib. Afinal, que são dois pés a mais ou a menos, em comparação com a dor suprema – oh! o horror! o horror! — de ouvir uns gritos ou de ser filmado com uma calcinha na cabeça ?

3) No artigo da semana passada, falei do suicídio de Salvador Allende, substituído no imaginário popular pela lenda do homicídio praticado pelas tropas rebeldes. Graças ao repórter brasileiro Ib Teixeira, a versão fantasiosa foi por fim desmoralizada mediante o testemunho do médico de Allende, que encontrou o ex-presidente morto, com uma metralhadora na mão, bem antes que as tropas de Pinochet entrassem no Palácio de La Moneda. Mas o depoimento, na verdade, só inocentava os golpistas, não provava o suicídio. Pois agora fico sabendo que não foi suicídio mesmo: Allende foi assassinado por agentes da inteligência cubana para impedir que se rendesse. Uma eficiente rajada de metralhadora transfigurou o derrotista covarde num mártir cujo cadáver pôde então ser utilmente explorado pela propaganda comunista. A história está no livro Cuba Nostra: Les Secrets d’Etat de Fidel Castro, publicado pela Plon em Paris, que o jornalista Alain Ammar escreveu com base em declarações de alguns dos próprios agentes cubanos do entourage de Allende. Um resumo encontra-se em http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=4132.

Vocês entendem agora por que o jornalismo brasileiro tem um sacrossanto horror às fontes primárias, preferindo sempre as opiniões de “especialistas” e “intelectuais”?

Lula, réu confesso

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de setembro de 2005

Eu deveria estar grato ao sr. presidente da República. Quando praticamente a mídia nacional inteira se empenha em camuflar as atividades ou até em negar a existência do Foro de São Paulo, tachando de louco ou fanático aquele que as denuncia, vem o fundador mesmo da entidade e dá todo o serviço, comprovando de boca própria as suspeitas mais deprimentes e algumas ainda piores que elas.

O discurso presidencial de 2 de julho de 2005, pronunciado na celebração dos quinze anos de existência do Foro e reproduzido no site oficial do governo, http://www.info.planalto.gov .br/download/discursos/pr812a .doc, é a confissão explícita de uma conspiração contra a soberania nacional, crime infinitamente mais grave do que todos os delitos de corrupção praticados e acobertados pelo atual  governo; crime que, por si, justificaria não só o impeachment como também a prisão do seu autor.

À distância em que estou, só agora tomei ciência integral desse documento singular, mas os chefes de redação dos grandes jornais e de todos os noticiários de rádio e TV do Brasil estiveram aí o tempo todo. Tendo sabido do discurso desde a data em que foi pronunciado, ainda assim continuaram em silêncio, provando que sua persistente ocultação dos fatos não foi fruto da distração ou da pura incompetência: foi cumplicidade consciente, maquiavélica, com um crime do qual esperavam obter não se sabe qual proveito.

O sentido destes parágrafos, uma vez desenterrado do  lixo verbal que lhe serve de embalagem, é de uma nitidez contundente:

“Em função da existência do Foro de São Paulo, o companheiro Marco Aurélio tem exercido uma função extraordinária nesse trabalho de consolidação daquilo que começamos em 1990… Foi assim que nós, em janeiro de 2003, propusemos ao nosso companheiro, presidente Chávez, a criação do Grupo de Amigos para encontrar uma solução tranqüila que, graças a Deus, aconteceu na Venezuela. E só foi possível graças a uma ação política de companheiros. Não era uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente. Quem está lembrado, o Chávez participou de um dos foros que fizemos em Havana. E graças a essa relação foi possível construirmos, com muitas divergências políticas, a consolidação do que aconteceu na Venezuela, com o referendo que consagrou o Chávez como presidente da Venezuela.

“Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política.”

O que o sr. presidente admite nesses trechos é que:

1º. O Foro de São Paulo é uma entidade secreta ou pelo menos camuflada (“construída… para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política“).

2º. Essa entidade se imiscui ativamente na política interna de várias nações latino-americanas, tomando decisões e determinando o rumo dos acontecimentos, à margem de toda fiscalização de governos, parlamentos, justiça e opinião pública.

3º. O chamado “Grupo de Amigos da Venezuela” não foi senão um braço, agência ou fachada do Foro de São Paulo (” em função da existência do Foro… foi que propusemos ao companheiro presidente Chavez …”).

4º. Depois de eleito em 2002, ele, Luís Inácio Lula da Silva, ao mesmo tempo que pro forma abandonava seu cargo de presidente do Foro de São Paulo, dando a impressão de que estava livre para governar o Brasil sem compromissos com alianças estrangeiras mal explicadas, continuou trabalhando clandestinamente para o Foro, ajudando, por exemplo, a produzir os resultados do plebiscito venezuelano de 15 de agosto de 2004 (” graças a essa relação foi possível construirmos a consolidação do que aconteceu na Venezuela “), sem dar a menor satisfação disso a seus eleitores.

5º. A orientação quanto a pontos vitais da política externa brasileira foi decidida pelo sr. Lula não como presidente da República em reunião com seu ministério, mas como participante e orientador de reuniões clandestinas com agentes políticos estrangeiros (“foi uma ação política de companheiros,  não uma ação política de um Estado com outro Estado, ou de um presidente com outro presidente“). Acima de seus deveres de presidente ele colocou sua lealdade aos “companheiros”.

O sr. presidente confessa, em suma, que submeteu o país a decisões tomadas por estrangeiros, reunidos em assembléias de uma entidade cujas ações o povo brasileiro não devia conhecer nem muito menos entender.

Não poderia ser mais patente a humilhação ativa da soberania nacional, principalmente quando se sabe que entre as entidades participantes dessas reuniões decisórias constam organizações como o MIR chileno, seqüestrador de brasileiros, e as Farc, narcoguerrilha colombiana, responsável segundo seu parceiro Fernandinho Beira-Mar pela injeção de duzentas toneladas anuais de cocaína no mercado nacional.

Nunca um presidente eleito de qualquer país civilizado mostrou um desprezo tão completo à Constituição, às leis, às instituições e ao eleitorado inteiro, ao mesmo tempo que concedia toda a confiança, toda a autoridade, a uma assembléia clandestina repleta de criminosos, para que decidisse, longe dos olhos do povo, os destinos da nação e suas relações com os vizinhos. Nunca houve, no Brasil, um traidor tão descarado, tão completo e tão cínico quanto Luís Inácio Lula da Silva.

A maior prova de que ele ludibriou conscientemente a opinião pública, mantendo-a na ignorância das operações do Foro de São Paulo, é que, às vésperas da eleição, amedrontado pelas minhas constantes denúncias a respeito dessa entidade, mandou seu “assessor para assuntos internacionais”, Giancarlo Summa, acalmar os jornais por meio de uma nota oficial do PT, segundo a qual o Foro era apenas um inocente clube de debates, sem nenhuma atuação política (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/10192002globo.htm).

E agora ele vem vem se gabar da “ação política de companheiros”, praticada com recursos do governo brasileiro às escondidas do Parlamento, da justiça e da opinião pública.

Comparado a delito tão imenso, que importância têm o Mensalão e fenômenos similares, senão enquanto meios usados para subsidiar operações parciais no conjunto da grande estratégia de transferência da soberania nacional para a autoridade secreta de estrangeiros?

Pode haver desproporção maior do que entre vulgares episódios de corrupção e esse crime supremo ao qual serviram de instrumentos?

A resposta é óbvia. Mas então por que tantos se prontificam a denunciar os meios enquanto consentem em continuar acobertando os fins?

Aqui a resposta é menos óbvia. Requer uma distinção preliminar. Os denunciantes dividem-se em dois tipos: (A) indivíduos e grupos comprometidos com o esquema do Foro de São Paulo, mas não diretamente envovidos no uso desses meios ilícitos em especial; (B) indivíduos e grupos alheios a uma coisa e à outra.

O raciocínio dos primeiros é simples: vão-se os anéis mas fiquem os dedos. Já que se tornou impossível continuar ocultando o uso dos instrumentos ilícitos, consentem em entregar às feras os seus operadores mais notórios, de modo a poder continuar praticando o mesmo crime por outros meios e outros agentes. O conteúdo e até o estilo das acusações subscritas por essas pessoas revelam sua natureza de puras artimanhas diversionistas. Quando atribuem a corrupção do PT, que vem desde 1990, a acordos com o FMI firmados a partir de 2003, mostram que sua ânsia de mentir não se inibe nem diante da impossibilidade material pura e simples. Quando lançam as culpas sobre “um grupo”, escamoteando o fato de que as ramificações da estrutura criminosa se estendiam da Presidência da República até prefeituras do interior, abrangendo praticamente o partido inteiro, provam que têm tanto a esconder quanto os acusados do momento.

Mais complexas são as motivações do grupo B. Em parte, ele compõe-se de personagens sem fibra, física e moralmente covardes, que preferem ater-se ao detalhe menor por medo de enxergar as dimensões continentais do crime total. Há também o subgrupo dos intelectualmente frouxos, que apostaram na balela da “morte do comunismo” e agora se sentem obrigados, para não se desmentir, a reduzir a maior trama golpista da história da América Latina às dimensões mais manejáveis de um esquema de corrupção banal, despolitizando o sentido dos fatos e fingindo que Lula é nada mais que um Fernando Collor sem jet ski . Há os que, por oportunismo ou burrice, colaboraram demais com a ascensão do partido criminoso ao poder e agora se sentem divididos entre o impulso de se limpar do ranço das más companhias em que andaram, e o de minimizar o crime para não sentir o peso da ajuda cúmplice que lhe prestaram. Há os pseudo-espertos, que dão refrigério ao inimigo embalando-se na ilusão louca de que é mais viável derrotá-lo roendo-o pelas beiradas do que acertando-lhe um golpe mortal no coração. Há por fim os que realmente não estão entendendo nada e, com o tradicional automatismo simiesco da fala brasileira, saem apenas repetindo o que ouvem, na esperança de fazer bonito.

Peço encarecidamente a todos os inflamados acusadores anticorruptos das últimas semanas — políticos, donos de meios de comunicação, empresários, jornalistas, intelectuais, magistrados, militares – que examinem cuidadosamente suas respectivas consciências, se é que alguma lhes resta, para saber em qual desses subgrupos se encaixam. Pois, excetuando aqueles poucos brasileiros de valor que subscreveram em tempo as denúncias contra o Foro de São Paulo, todos os demais fatalmente se encaixam em algum.

Seria absurdo imputar tão somente a Lula e ao Foro de São Paulo a culpa do apodrecimento moral brasileiro, esquecendo a contribuição que receberam desses moralistas de ocasião, tão afoitos em denunciar as partes quanto solícitos em ocultar o todo. Nada poderia ter fomentado mais o auto-engano nacional do que essa prodigiosa rede de cumplicidades e omissões nascidas de motivos diversos mas convergentes na direção do mesmo resultado: criar uma falsa impressão de investigações transparentes, uma fachada de normalidade e legalidade no instante mesmo em que, roída invisivelmente por dentro, a ordem inteira se esboroa.

A destruição da ordem e sua substituição por ” um novo padrão de relação entre o Estado e a sociedade “, decidido em reuniões secretas com estrangeiros, tal foi o objetivo confesso do sr. Lula. Esse objetivo, disse ele em outra passagem do mesmo discurso, deveria ser alcançado e consolidado ” de tal forma que isso possa ser duradouro, independente de quem seja o governo do país “.

O que se depreende da atitude daqueles seus críticos e acusadores é que, nesse objetivo geral, o sr. Lula já saiu vitorioso, independentemente do sucesso ou fracasso que venha a obter no restante do seu mandato. A nova ordem cujo nome é proibido declarar já está implantada, e sua autoridade é tanta que nem mesmo os inimigos mais ferozes do presidente ousam contestá-la. Todos, de um modo ou de outro, já se conformaram ao menos implicitamente em colocar o Foro de São Paulo acima da Constituição, das leis e das instituições brasileiras. Se reclamam de roubalheiras, de desvios de verbas, de mensalões e propinas, é precisamente para não ter de reclamar da transferência da soberania nacional para a assembléia continental dos “companheiros”, como Hugo Chávez, Fidel Castro, os narcoguerrilheiros colombianos e os seqüestradores chilenos. É como a mulher estuprada protestar contra o estrago no seu penteado, esquecendo-se de dizer alguma coisinha, mesmo delicadamente, contra o estupro enquanto tal.

Talvez os feitos do sr. Lula e do seu maldito Foro não tenham trazido ao Brasil um dano tão vasto quanto essa inversão total das proporções, essa destruição completa do juízo moral, essa corrupção integral da consciência pública. Nunca se viu um acordo tão profundo entre acusado e acusadores para permitir que o crime, denunciado com tanto alarde nos detalhes, fosse tão bem sucedido nos objetivos de conjunto ” sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem “.

Não é elogio nem auto-elogio

Em 22 de fevereiro de 2003 escrevi no Globo : “A direita fisiológica imaginou que, bajulando o dominador, ganharia tempo para recompor-se e derrotá-lo um dia. Ledo engano. Se fora do governo a esquerda já logrou reduzir os Magalhães e os Malufs ao mais humilhante servilismo, no governo não descansará enquanto não os atirar à completa impotência e marginalidade. Não dou dois anos para que cada um deles, culpado ou inocente, esteja na cadeia, no exílio ou no mais profundo esquecimento.”

Magalhães foi para o museu faz mais de um ano. Maluf está na cadeia.

Em 11 de março de 2004 escrevi no Jornal da Tarde : “O partido governante não tem a menor intenção de curvar-se às exigências morais e legais das quais se serviu durante uma década para destruir reputações, afastar obstáculos, chantagear a opinião pública e conquistar a hegemonia. Denúncias e acusações não têm a mínima condição de obrigá-lo a isso, porque não há força organizada para transformá-las em armas políticas.”

O STF vetou os processos de cassação de mandatos contra José Dirceu e os demais acusados petistas (até agora o único punido foi, não por coincidência, o denunciante dos crimes).

Há mais de uma década, todas as previsões que fiz sobre os rumos da política nacional se confirmaram, enquanto os mais badalados comentaristas e politólogos, da mídia e das universidades, não acertavam uma, uma sequer (breve mostruário em http://www.olavodecarvalho.org /semana/050625globo.htm).

Como se explica um contraste tão acachapante?

Quinta-feira da semana retrasada, ao receber-me na Atlas Foundation de Washington para a breve alocução que ali pronunciei (http://www.olavodecarvalho.org /palestras/palestra_atlas _set2005.htm), Alejando Chafuen, presidente da entidade, economista e filósofo de fama mundial, disse que as minhas análises estavam entre as mais valiosas realizações que ele já tinha visto no campo da ciência política. Não entendo isso como elogio, mas como o simples reconhecimento de um fato. O poder de previsão fundado na análise racional dos dados é a marca mais característica e inconfundível do saber científico. Tenho despendido uma energia considerável no empenho de compreender cientificamente a sociedade e, se o resultado é algum conhecimento efetivo, não há nisso surpresa maior do que aquela que você tem quando deixa o carro enguiçado no mecânico e no dia seguinte o carro sai funcionando. É verdade que meus trabalhos teóricos, como “Ser e Poder” e “O Método nas Ciências Humanas”, que circulam como apostilas de meus cursos na PUC do Paraná, continuam inéditos em livro e não têm como ser resumidos em artigos de jornal, onde as conclusões monstruosamente compactadas da sua aplicação aos fatos do dia aparecem como se nascidas do nada. Mas já vão longe os tempos em que o editor Schmidt, pela leitura de uns relatórios de prefeito do interior de Alagoas, adivinhava um romancista oculto. Hoje a totalidade da classe falante é incapaz de suspeitar que exista alguma investigação científica por trás de uma sucessão ininterrupta de previsões certas que, de outra forma, só se explicariam por dons sobrenaturais como a sabedoria infusa de São Lulinha.

Longe da mídia brasileira

* No noticiário da passeata anti-Bush em Washington, nenhum jornal brasileiro, absolutamente nenhum, mencionou nem mesmo por alto as ligações diretas entre algumas das entidades que promoveram essa manifestação e as organizações terroristas responsáveis pela violência contínua no Iraque. Quem quiser saber algo a respeito encontrará todas as informações no site de David Horowitz, www.discoverthenetwork.org.

* Altos funcionários do governo da Lousiana estão sob investigação criminal por desvio de 60 milhões de dólares de verbas federais enviadas, muito antes do furacão Katrina, para a reforma das barragens de New Orleans. Entendem por que a obra não saiu?

* O repórter da ABC, Dean Reynolds, foi filmado em pleno vexame de tentar extorquir declarações anti-Bush de vítimas da enchente, recebendo respostas contrárias às que esperava. O mais lindo foi o diálogo com uma senhora negra:

— A senhora não tem raiva do presidente por causa da resposta federal tardia?

— Não, de maneira alguma. Os governos do Estado e do município é que tinham de estar a postos primeiro.

— E não estavam?

— Não, não estavam. Meu Deus, não estavam!

* O primeiro-ministro Tony Blair estragou a festa dos ecochatos na reunião da Clinton Global Initiative num hotel chiquérrimo de Manhattan. Ex-partidário do badalado Protocolo de Kyoto, chegou à reunião dizendo que ia falar “com honestidade brutal”, e fez exatamente isso: disse que, quando o tratado expirar em 2012, país nenhum vai querer assiná-lo de novo, boicotando seu próprio crescimento econômico. O colunista James Pinkerton, da Tech Central Station , disse que em tempos normais essa declaração seria manchete em todo mundo. Agora, a grande mídia americana, mais interessada em ativismo ecológico global do que em jornalismo, preferiu ignorá-la.

* Enquanto as organizações de familiares das vítimas do terrorismo basco prometem manifestações de protesto contra a cumplicidade entre o primeiro-ministro Zapatero e a ETA, esta organização terrorista, que acaba de fazer mais um atentado (mal sucedido, felizmente),  anuncia que vai prestar homenagens a Fidel Castro e Hugo Chávez durante a reunião de chefes de Estado latino-americanos em Saalamanca, 14-15 de outubro.

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