Olavo de Carvalho
Zero Hora, 7 de agosto de 2005
O movimento de idéias no mundo acadêmico americano é tão rico, tão intenso, tão variado, que torna inviável qualquer comparação, mesmo atenuada, com as universidades brasileiras. É a distância intelectual entre Platão e um sagüi. Um jornalista do Rio me conta que, no ano passado, os EUA registraram 50 mil novas patentes de inventos; o Brasil, 270, e, destas, somente doze geradas nas universidades. Inscrito na reunião anual da American Political Science Association (uma só entre milhares de instituições eruditas), leio o programa e noto que em meio século o conjunto do establishment universitário brasileiro não produziu nada que chegue aos pés daquilo, seja em quantidade, seja em importância. A diferença é monstruosa, desproporcional e, vista desde o Brasil, inimaginável.
Cinqüenta anos atrás ainda era possível falar de Brasil e EUA como espécies do mesmo gênero, levadas em direções diferentes pelas circunstâncias históricas. O escritor gaúcho Vianna Moog tentou isso. Reler seu Bandeirantes e Pioneiros, hoje, é ver que as diferenças produzidas nas últimas cinco décadas transcendem infinitamente as que se acumularam desde Cabral até a publicação do livro (1954). Desistam. O abismo que se abriu entre o Brasil e os EUA jamais será transposto. E a culpa disso incumbe diretamente à classe dos professores universitários, que, com as inevitáveis exceções honrosas, abdicaram em massa de seu dever para dedicar-se em tempo integral à produção (financiada com dinheiro público) de desculpas esfarrapadas para os vexames hediondos do seu querido socialismo.
É verdade que nos EUA também muita gente se ocupa disso. Mas há tantos fazendo outras coisas que essa turma desaparece no conjunto. Em todo o programa da APSA, as lágrimas das viúvas de Stalin não ocupam senão um espaço irrisório. E, nos setores onde essas criaturas ainda têm algum prestígio – por exemplo entre os historiadores –, sua estatura diminui dia a dia, esmagada sob toneladas de documentos desmoralizantes que seus críticos não cessam de descobrir. O mais importante desses documentos foi, na década passada, o Código Venona – decifração das mensagens de rádio e telex entre Moscou e a embaixada soviética em Washington. Depois da publicação desses papéis, nenhum historiador profissional pode ter a cara de pau de choramingar contra a “perseguição macartista” dos anos 50. McCarthy jamais acusou um inocente. Ele disse que havia 57 agentes soviéticos no governo americano. Hoje sabe-se que eram mais de trezentos. No Brasil, dizer isso ainda causa escândalo. Claro. O país ficou totalmente à margem de toda uma década de descobertas e debates sobre o assunto. E sobre mil outros assuntos. Por isso, na terra de Macunaíma, quem cite a bibliografia atualizada é acusado de basear-se em “autores desconhecidos”. A obrigação número 1 de um professor universitário brasileiro é jamais humilhar os seus pares sabendo o que eles não sabem. A obrigação número 2 é empinar o narizinho ante quem sabe. Sim, a máxima prova de erudição no Brasil é um nariz-de-cheirar-peido empoleirado num barril de ignorância.
Também é verdade que nem todos, entre os professores universitários brasileiros mais falantes, se declaram abertamente comunistas. Muitos apresentam-se como ex-comunistas, ex-esquerdistas, às vezes como socialdemocratas, e isso lhes dá autoridade bastante para posar de neutros e superiores. Mas a principal manifestação do seu ex-esquerdismo consiste em dar respaldo ao comunismo em todos os fronts culturais – a começar pelo ateismo militante – e em reprimir severamente qualquer veleidade de anticomunismo. Seu “ex-comunismo” é sobretudo uma arma de guerra contra o anticomunismo. São o tipo de ex-militantes que qualquer partido comunista implorou ao diabo.
É por causa dessa gente que o Brasil saiu da história intelectual do mundo, já não servindo senão para abrilhantar com sambinhas estúpidos as festas de franceses bêbados e chamar isso de “cultura”.