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Transgênicos em Cuba

Olavo de Carvalho

Época, 21 de abril de 2001

Quem diria? Mas nem tudo o que é bom para Cuba é bom para o Brasil

Alertado por um gentil leitor, fui verificar na internet e comprovei que os transgênicos, tão odiados pela esquerda nacional, recebem as mais solícitas atenções do governo de Cuba e têm ajudado a melhorar consideravelmente a produção agrícola daquele Jardim do Éden.

Se têm dúvidas (e há indivíduos cuja ocupação primordial na vida é cobrir de suspeitas qualquer informação que venha de Olavo de Carvalho, chegando alguns a questionar a existência física desse articulista), podem tirá-las examinando o site http://www3.cuba.cu/ciencia/ibp/index.html , do Instituto de Biotecnología de Las Plantas, de Santa Clara, Cuba, entidade estatal destinada “al desarrollo y aplicación de técnicas biotecnológicas” e entre cujas criações se destacam “plantas transgénicas de caña de azúcar, banano, papa y papaya”, de grande sucesso entre os agricultores.

O senhor Bové, portanto, só será admitido na ilha de mãos amarradas e com focinheira, para não obstruir o progresso da ciência.

Mas a incongruência da situação não nos deve fazer esquecer que nada, na atuação das forças de esquerda no continente, é pura arbitrariedade de excêntricos. Desde a fundação do Foro de São Paulo, vem tudo muito bem coordenadinho de Havana, exatamente como nos tempos da Organización Latinoamericana de Solidariedad, a Olas, o QG da revolução continental do qual aquela entidade é a reencarnação pós-moderna.

Se Cuba aposta nos transgênicos, mas busca impedir que sejam usados aqui, não é por loucura: é por cálculo. É pelo mesmíssimo cálculo que o MST, dizendo querer plantar e produzir, invade, desmantela e paralisa fazendas produtivas.

“Loco sí, pero no tonto.” No novo panorama do mundo, os movimentos revolucionários tornaram-se um dos principais instrumentos com que a Nova Ordem Mundial debilita e subjuga os Estados nacionais. Por isso os ataques que esses movimentos fazem às grandes potências são meramente verbais e pro forma. Nem poderia ser de outro modo, pois delas vêm o dinheiro que os sustenta e o aplauso que recebem da mídia chique em Londres e Paris. Já suas investidas contra a ordem pública, contra os valores nacionais, contra as forças armadas e contra o progresso econômico dos Estados periféricos nunca ficam em palavras. São ações materiais, contundentes, eficazes, profundas.

Entregue à sanha de invasores e de ecologistas enragés, a agricultura acabará por se tornar um investimento caro demais para as fortunas brasileiras. Quem ganhará com isso? Investiguem quem patrocina esses sujeitos e terão a resposta.

Mas a agricultura é só um detalhe no conjunto de uma estratégia que, hoje, só os cegos de profissão não querem enxergar. Que exemplo poderia ser mais patente que a santa aliança das multinacionais com a extrema esquerda na luta pela affirmative action?

O mais cínico nisso tudo é que essa esquerda, para vender o país, se utiliza da velha retórica nacionalista dos anos 50. E o discurso ainda funciona tão bem que muitos patriotas sinceros, ouvindo-o, não chegam a perceber que o orador diz uma coisa e faz outra.

PS – Um outro leitor, escandalizado por minha afirmativa de que a associação de iluminismo com liberdade é só um reflexo condicionado verbal sem respaldo na realidade histórica, protesta que sou ingrato com o iluminismo, desfrutando as liberdades que ele criou e ainda falando mal dele. Que raio de raciocínio é esse? Se acabo de dizer que o iluminismo criou o totalitarismo, não posso, ao mesmo tempo, estar grato a ele por liberdade nenhuma. Ou o distinto trate de provar que minha premissa é falsa, ou não exija que eu aceite a conclusão da premissa contrária. Mas os requisitos mínimos de consistência, sem os quais nenhuma discussão é possível, parecem que se tornaram, para o típico brasileiro opinante de hoje, sutilezas inapreensíveis e mistérios esotéricos. E, quanto mais o sujeito tem preguiça de se elevar ao nível de uma discussão, menos resiste à comichão de dar palpite nela.

Censura, ontem e hoje

Olavo de Carvalho

Época, 14 de abril de 2001

Agora ela é científica e meticulosa

Comparar a censura dos tempos do governo militar com o sistema gramsciano de controle das informações que a esquerda instalou no Brasil é comparar a gerência de um armazém de bairro com a administração científica de uma multinacional.

A censura militar, desde logo, se apresentava ostensivamente como tal e não fazia o mínimo esforço para ocultar sua presença. Todo mundo sabia que estrofes de Os Lusíadas e receitas de bolos assinalavam fatos suprimidos. Se um jornal, para não se prejudicar comercialmente, maquiava as lacunas com notícias inócuas, fazia-o porque queria. Ninguém o obrigava a isso. A censura reconhecia-se como fenômeno anormal e provisório, sem a menor ambição de manipular as consciências a longo prazo.

Em segundo lugar, seu alcance, ao menos de início, era antes policial-militar do que político. Havia a guerrilha urbana, com seqüestros e atentados por toda parte, e a ordem era impedir que a mídia se tornasse instrumento de propaganda dos guerrilheiros. Hoje sabemos que eles eram poucos e mal armados, mas na época não era essa a impressão que eles próprios disseminavam: se procuravam aterrorizar o governo para induzi-lo a sentir-se acuado por uma guerra civil, era sabendo que a reação de qualquer governo nessas circunstâncias seria implantar um estado de exceção, incluindo o controle das informações. Seu cálculo, como de praxe na estratégia comunista, foi duplo: se o governo não reagisse, arriscava-se a ser derrotado militarmente; se reagisse, poderia depois ser desmoralizado por décadas de gritaria contra a censura. A imensa produção historiográfico-lacrimal de acadêmicos esquerdistas que até hoje impõe à consciência nacional uma visão falseada daquele período já estava nos planos desde então: ela é o aproveitamento político da derrota militar, a continuação da guerrilha por outros meios.

É verdade que mais tarde os cortes se ampliaram, suprimindo notícias políticas sem ligação com a guerrilha. Mas, pelo seu próprio caráter aleatório e despropositado, muitos desses cortes eram o contrário de uma operação planejada: era a loucura geral disseminada entre funcionários ineptos e apavorados que, sem instruções precisas, buscavam desesperadamente mostrar serviço. Em terceiro lugar, a censura agiu exclusivamente sobre a mídia popular, sem interferir na circulação de livros (só uns poucos foram proibidos, porque ensinavam a técnica da guerrilha urbana) e de publicações acadêmicas. Por isso, a época hoje apresentada como a de mais rígido controle estatal do pensamento foi a de maior florescimento editorial esquerdista em toda a nossa História – muitas vezes com ajuda financeira do próprio governo – e a da consolidação da hegemonia esquerdista nos meios culturais e acadêmicos.

Objetivo limitado, renúncia à influência de longo prazo, execução canhestra por meio de funcionários incultos, abstenção quase completa de interferências profundas na esfera superior das idéias e da cultura. Tais as marcas que caracterizaram a censura militar, à qual seria um exagero demagógico dar as dimensões de uma verdadeira manipulação das consciências.

Em contraste, o controle esquerdista das informações, hoje, visa essencialmente ao longo prazo, tem a seu serviço os mais adestrados profissionais acadêmicos, age principalmente por cima, pelo controle das idéias e da visão histórica suscetíveis de moldar o futuro, e, sobretudo, é meticuloso no empenho de apagar suas pistas. O espectro de fatos e idéias cuja circulação ele bloqueia é imensamente maior que o abrangido pela censura militar, chegando a ocultar da população estudantil brasileira praticamente toda a produção dos pensadores liberais e conservadores das últimas décadas e capítulos inteiros da História nacional, como por exemplo a participação de Cuba na direção das nossas guerrilhas, durante 20 anos negada como pérfida mentira direitista e agora comprovada, sob protestos gerais, pelo corajoso estudo de Denise Rollemberg, Apoio de Cuba À Luta Armada no Brasil (Rio, Mauad, 2001).

Ciência e ideologia

Olavo de Carvalho

Época, 8 de Abril de 2001

Quem diz que são a mesma coisa não sabe o que diz

Neste país você não pode impugnar uma opinião como ideológica e não-científica sem que se ergam da platéia vozes histéricas, sublinhadas por olhares de ódio, proclamando que ciência é ideologia. Pior ainda, ideologia burguesa.

Que nenhum conhecimento possa estar livre da contaminação das crenças gerais da sociedade é coisa óbvia. Mas pretender que todas essas crenças sejam ideológicas e associadas a uma classe em particular já é loucura, porque uma ideologia de classe não é outra coisa senão a especificação ideológica de crenças comuns a todas as classes. A maioria das pessoas está persuadida, por exemplo, de que a vida tem algum sentido. Se não fosse essa crença geral, nenhuma delas poderia tentar realizar esse sentido segundo valores “aristocráticos”, “burgueses”, “proletários” ou seja lá o que for. Uma teoria científica que dê por pressuposto que a vida tem sentido está contaminada de uma crença do senso comum, mas isso não a torna ideológica de maneira alguma. A distinção de senso comum e ideologia é tão incontornável que todas as ideologias em conflito buscam argumentos no depósito do mesmo senso comum. Ele existe sem elas, mas não elas sem ele.

Em segundo lugar, ainda que uma teoria científica repetisse ipsis litteris uma sentença de alguma cartilha ideológica, nem por isso ela se tornaria ideológica. Uma afirmação não é ideológica ou científica por seu conteúdo isolado e sim pela forma lógica da estrutura argumentativa que a sustenta.

A argumentação ideológica é toda feita de saltos, elipses e duplos sentidos por onde se introduzem de maneira mais ou menos sorrateira os pressupostos mais arriscados e descabidos. Já a estrutura da demonstração científica exige o controle rigoroso do sentido intencional dos conceitos e a translucidez no encadeamento das provas. Isso é assim justamente para que a presença de qualquer elemento ideológico, fantástico ou subjetivo possa ser advertida e descontada no cômputo da validade final das provas. Esse cômputo é o que justamente falta no pensamento ideológico, que a ele se furta sob a alegação insana de que ele próprio é a única forma de pensamento que existe – alegação que, pelo simples fato de ser brandida contra uma outra forma de pensamento, já afirma a existência desta última e, portanto, sua própria falsidade.

Quem proclama que ciência é ideologia só prova, com isso, que é um ideólogo e não um homem de ciência, pois a identidade de ciência e ideologia só vale como preceito ideológico e não como regra do método científico. Essa proclamação não expressa uma identidade real, mas um desejo: ciência e ideologia não são a mesma coisa, mas o ideólogo desejaria que fossem, para que nenhuma prova científica pudesse valer contra as pretensões de sua ideologia.

Que duas coisas costumem aparecer juntas não quer dizer que sejam a mesma coisa. A mistura usual da ciência com elementos ideológicos não apenas não constitui prova de que ciência seja ideologia, mas, bem ao contrário, a possibilidade mesma de assinalar aí a presença desses elementos repousa na distinção entre eles e a ciência genuína. Dito de outro modo: se ciência fosse ideologia, seria impossível provar que há elementos ideológicos numa teoria científica qualquer. A identidade de ciência e ideologia é, pois, um desses casos de escabrosidade intelectual em que o conteúdo do enunciado é desmentido pelo fato mesmo de que seja possível alguém enunciá-lo, como, por exemplo, quando um sujeito diz que aquilo que está dizendo é indizível. O indivíduo que é adestrado para repetir frases desse tipo sem atentar para a incongruência da situação se torna progressivamente um alienado verboso e sem consciência de si.

Infelizmente, esse é o único treinamento que hoje se pode adquirir na maioria das universidades brasileiras. Por isso todo mundo aí acredita que ciência é ideologia.

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