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Um novo sucesso do fracasso?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de fevereiro de 2012

Embora a popularidade de Barack Hussein Obama esteja baixíssima, as perspectivas eleitorais nos EUA não são as melhores para os republicanos. Até agora, o candidato preferido nas eleições internas é Mitch Romney, mas há tanta resistência contra ele nas bases, que, previsivelmente, muitos eleitores terão preguiça de ir às urnas só para votar de novo, como em 2008, num puro mal menor. Historicamente, o GOP (Grand Old Party) só tem chance quando escolhe um candidato com clara imagem de conservador, como Eisenhower ou Reagan, mas se dá muito mal quando aposta em conciliadores e muristas. Foi precisamente por isso que a grande mídia, obamista até além do limite da sanidade, vendo seu ídolo cair nas pesquisas, passou ao plano B: promover Romney para dividir o eleitorado republicano, demonizando Gingrich que ameaçava unificá-lo. Está dando certo.

O problema com Romney é que seu eleitorado não é ideológico. Compõe-se essencialmente de “moderados” e indecisos. O ex-governador de Massachusetts mudou de posição tantas vezes, e em tantos assuntos, que ninguém sabe exatamente o que ele pensa sobre coisa alguma. Sua força está na simpatia, na inegável capacidade de comunicação e na fraqueza dos concorrentes. Estes, em contrapartida, têm sua base de apoio entre “verdadeiros crentes”, que votam por convicção. Resultado: os eleitores de Romney se bandeariam automaticamente para Gingrich, Santorum ou mesmo Ron Paul, se um destes fosse o escolhido, mas a recíproca não é verdadeira. Entre os conservadores há mesmo quem pense que Romney é até pior que Obama, e nada menos de vinte por cento dos republicanos já declararam em pesquisas que, na hipótese de um confronto final entre os dois, darão um novo mandato ao atual presidente.

` Para complicar as coisas, o megabilionário George Soros, financiador-mor do Occupy Wall Street e da ascensão da Fraternidade Islâmica ao poder em vários países do Oriente Médio, falando outro dia a um grupo de seus co-investidores, declarou alto e bom som que nada têm a se preocupar com as próximas eleições, pois um governo Romney não será muito diferente da gestão Obama. Na boca dele, isso era elogio, mas, entre as bases republicanas, soou como uma confirmação de tudo o que pensavam de pior a respeito de Romney.

A colunista Ann Coulter, adepta entusiasta de Romney, andou espalhando o slogan: “Ajude a reeleger Obama: vote em Gingrich”. Hoje sabemos que é o contrário: o ex-speaker of the House teria muito mais chances contra o atual presidente, atraindo para si boa parte dos torcedores de Santorum, de Ron Paul e do próprio Romney, enquanto este não tem igual força unificadora.

Não é impossível, mas muito improvável, que, debilitada a candidatura Gingrich pelo fiasco nos debates da Flórida, os conservadores, para se livrar de Romney, cerrem fileiras em torno de Santorum. O problema é que este não tem dinheiro e entraria em campo contra a maior verba de campanha que os democratas já conseguiram juntar ao longo de toda a sua história.

Jogando habilmente com o poder da mídia a explorando as fraquezas internas do partido adversário, os democratas estão se saindo muito bem na difícil operação de transfigurar em candidato viável um dos presidentes mais impopulares de todos os tempos, sem precisar para isso nem mesmo melhorar a imagem da criatura.

Dupla utilidade

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de fevereiro de 2012

Desde logo, informo que jamais escreveria sobre tipos deprimentes como os srs. Emir Sader, Vladimir Safatle, Sidney Silveira, Júlio Lemos, Eduardo Wolff e similares se não julgasse haver nisso uma dupla utilidade.

De um lado, serve para esclarecer e documentar o presente estado de coisas no Brasil mental. Foi com esse intuito que em 1995 comecei a publicar O Imbecil Coletivo, série de apontamentos sobre uma derrocada cultural jamais vista antes em qualquer país medianamente civilizado e digna, portanto, de ser anotada para auxílio dos futuros historiadores, se algum houver ainda, os quais terão muita dificuldade em enxergar nas trevas deste período, tal como o homem caído temporariamente em estado de inconsciência patológica mal consegue colar as duas pontas da sua biografia, cortadas e separadas por uma faixa de negrume impenetrável. Se hoje prossigo redigindo essas notas, é para dar ciência de que o estado de coisas ali apontado não cessou de piorar, por inverossímil que pareça, tendo extravasado dos círculos letrados para a sociedade em geral, imersa hoje na barbárie cotidiana de um carnaval sangrento e de uma abjeção moral tão funda que as palavras falham em descrevê-la.

De outro lado, fornece aos meus estudantes e leitores, a título de alerta, um mostruário dos riscos de alienação e de corrupção interior que, nesse quadro, ameaçam roer as mais promissoras sementes de uma vida intelectual nascente.

Serve, nesse sentido, para ilustrar um capítulo de metodologia filosófica que assimilei desde a mais remota juventude, que retomei e reaprendi mil vezes ao longo das décadas, que se incorporou à minha mente ao ponto de se tornar quase uma segunda natureza, e que eu desejaria ardentemente repassar a todos os que me lêem e ouvem. Devo o aprendizado dele a muitos mestres, especialmente (sem desdouro de quaisquer outros) Sócrates, Sto. Agostinho, Montaigne, Kierkegaard, Ortega, Julián Marías, Alain, Louis Lavelle, Eric Voegelin e Paul Friedländer, mas, antes de todos eles, ao oráculo de Delfos, que o resumiu, histórica ou mitologicamente, no lema: “Conhece-te a ti mesmo.”

Esse mandamento significa que toda investigação filosófica deve tomar raiz numa consciência muito clara da nossa própria situação existencial, da nossa condição pessoal e sócio-histórica, das nossas contradições interiores e das motivações dos nossos atos, mesmo as mais secretas, ruins e decepcionantes. Só daí deve elevar-se, pouco a pouco, às grandes especulações abstratas que, sem isso, se tornarão fetiches intelectuais, mecanismos de alienação ou, na melhor das hipóteses, puros exercícios escolares sem genuína substância intelectual, por elegantes e sofisticados que pareçam.

Se, por mal dos pecados, nossa situação pessoal e social se revela desprezível e infame, irrisória, mesquinha, afastada de tudo quanto pode haver de grande e sublime no mundo, tanto mais obrigatório se torna aquele exame de consciência, para não corrermos o risco de buscar em estudos nominalmente nobres e elevados um mero anestésico de ocasião contra a realidade da nossa miséria. Tal é, na verdade, a mais sedutora e letal das tentações para o intelecto jovem na atmosfera opressiva de uma nação culturalmente atrofiada. Que reconforto entorpecente, que satisfação deleitosa não sente o estreante que, marcando seu contraste com a incultura ambiente, pode exibir ante o público estupefato o seu domínio das técnicas intelectuais mais requintadas, a atualização do seu espírito com os debates mais complexos que se travam nos “grandes centros” universitários da Europa e dos EUA!

Não há nada de mau em aprender essas coisas. Em certos momentos, é até obrigatório. Mas, quando essa escalada aos altos píncaros se faz saltando sobre a exigência preliminar do arraigamento consciente na realidade pessoal e histórica imediata, o resultado é aquela mistura indigesta de requinte aparente e tosquice profunda, que tão bem caracteriza o pseudo-intelectual do Terceiro Mundo.

Partindo dessa falsificação de base, o que parecia uma estréia promissora vai aos poucos se corrompendo e se prostituindo até descer à vigarice ostensiva, que mesmo os leitores sem muita cultura acabam notando.

Esse mal, que afeta até os mais inteligentes e esforçados, se exterioriza em mil e um sintomas, dos quais não é o menos signicativo o mau gosto, o estilo ao mesmo tempo entojado e capenga da sua escrita. O sr. Júlio Lemos, por exemplo, cujo talento inato para os estudos filosóficos eu seria o último a negar, estraga tudo quando tenta compensar o seu parco domínio do idioma com o apelo reiterado a expressões inglesas perfeitamente desnecessárias, só para se dar ares de professor da Ivy League. Leiam e verifiquem. O homem não tem sentimentos mesclados, tem mixed feelings. Não tem uma questão a resolver, tem uma issue. E assim por diante. Termos estrangeiros usam-se quando têm uma conotação inimitável em vernáculo ou quando são expressões técnicas consagradas, como habitus ou Dasein. Fora disso, são pura frescura, coisa de subdesenvolvido.

Falo do modo de escrever porque nada revela melhor o estofo interior de uma alma. A matéria pode ser colhida em leituras, às vezes em qualquer manual ou dicionário de filosofia, mas o estilo, doa a quem doer, é o homem.

Também não me refiro ao sr. Lemos em particular; há centenas como ele. O sujeito começa com esses vícios e uns anos depois está pronto para aprender a se esconder pelos cantos, como um rato, sempre que comete alguma asneira que não é homem bastante para confessar. Da afetação à empulhação o caminho é bem curto.

Obviedades estratégicas

 

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 6 de fevereiro de 2012

Se vocês querem algum dia ter no Brasil um movimento conservador vigoroso, apto a conquistar e exercer o poder, comecem por meditar os seguintes pontos:

1. Os grupos que dominam a política, a mídia e o mercado livreiro provêm das universidades e especialmente do movimento estudantil. A elevação dos líderes estudantis às posições de poder leva aproximadamente trinta anos. Quem domina as universidades hoje dominará o país em trinta anos.

2. Dominar as universidades não é um processo espontâneo. É o resultado de um trabalho sistemático de ocupação de espaços, de remoção dos adversários, de interproteção mafiosa e de conquista progressiva dos altos postos, que não rende frutos em menos de uma geração: mais trinta anos, que podem se reduzir a dez porque a conquista da hegemonia universitária e a formação da nova geração de estudantes não são fases estanques, mas fundidas e superpostas. O tempo necessário para a formação de um movimento político viável é, pois, de quarenta anos aproximadamente.

O acerto desse cálculo é ilustrado por exemplos inumeráveis. Data dos anos 60 o início da conquista das universidades da Europa, dos EUA e da América Latina pela “nova esquerda” inspirada na Escola de Frankfurt e naquilo que seus críticos viriam a rotular, sem muita precisão, de “marxismo cultural”. Decorridas quatro décadas, a ideologia do “politicamente correto”, do feminismo, do gayzismo, do abortismo, do racialismo e do ódio anti-ocidental e anticristão dominava, e domina até hoje, a política, a mídia e o mercado editorial em toda essa área – um terço da superfície terrestre.

3. O trabalho de conquista, primeiro das universidades, depois do poder em geral, depende de duas condições: (a) só pode ser empreendido por organizações estáveis e duradouras, capazes de esforço concentrado e sistemático ao longo de pelo menos duas gerações; (b) exige organizações que estejam firmemente decididas a realizá-lo e que vejam nele a sua obrigação mais essencial e incontornável, ao ponto de sacrificar a ele todos os seus demais interesses políticos, sociais, culturais, financeiros etc.

Em todo o planeta, há quase dois séculos, só se interessaram seriamente por esse objetivo as organizações ligadas ao movimento revolucionário mundial em todas as suas variantes internas (comunismo, nazifascismo, terceiromundismo, “nova esquerda” etc.) Nenhuma outra. Não estranha que a mentalidade revolucionária, em suas várias versões, incluindo as mais inconscientes de si próprias, tenha se tornado a chave dominante do pensamento político – e até da moralidade pública – em todo o mundo ocidental. Hoje em dia, uma nova versão do movimento revolucionário – o radicalismo islâmico – está fazendo um sério, bem organizado e bem financiado esforço para conquistar as universidades da Europa e dos EUA. Se esse esforço for bem sucedido, será impossível evitar a islamização forçada do Ocidente no prazo de uma ou duas gerações.

4. Os grupos conservadores, liberais (no sentido brasileiro), cristãos, judeus sionistas etc. têm-se limitado a opor à hegemonia revolucionária nas universidades o combate intelectual, a “guerra cultural” ou “luta de idéias”. Apostam nisso o melhor das suas forças. Mas é estratégia absolutamente impotente, pois o que está em jogo não é realmente nenhuma “luta de idéias” e sim uma luta pela conquista dos meios materiais e sociais de difundir idéias – coisa totalmente diversa. Você pode provar mil vezes que tem a idéia certa, mas, se o sujeito que tem a idéia errada é o dono das universidades, da mídia e do movimento editorial, o que vai continuar prevalecendo é a idéia errada. Basta ler revistas como New Criterion ou a Salisbury Review para notar que, em comparação com a “esquerda”, os conservadores têm hoje uma superioridade intelectual monstruosa. Nem por isso eles mandam no que quer que seja. Em política, a superioridade intelectual tem apenas um valor instrumental muito relativo. Se você não sabe usá-la para quebrar a autoridade do adversário, para tomar o cargo dele e colocar lá alguém da sua confiança, ela não serve para absolutamente nada. O movimento revolucionário já entendeu há tempos que “ocupar espaços” não é vencer debates letrados. Concentrando-se na “luta de idéias”, recusando-se nobremente a praticar a ocupação de espaços, a infiltração nos postos decisivos e o boicote aos adversários, os conservadores deixam a estes o exercício do poder e se contentam com a satisfação subjetiva de sentir que são mais inteligentes e moralmente melhores. O senso solidariedade mafiosa, então, escapa-lhes por completo. Dificilmente um conservador ou liberal chega a reitor, a ministro ou mesmo a diretor de departamento, sem imediatamente rodear-se de auxiliares esquerdistas, só para provar a si próprio (e para grande satisfação do adversário) que seu respeito pelas pessoas está “acima de divergências ideológicas”. Essa boniteza moral é fonte de tantos malefícios políticos, que chega a ser criminosa.

5. A luta pela ocupação de espaços pode comportar uma parte de debate político-ideológico, mas tem de ser uma parte bem modesta. O essencial não é vencer as “idéias” do adversário, mas o próprio adversário, pouco importando que seja por meios sem qualquer conteúdo ideológico explícito. Trata-se de ocupar o seu lugar, e não de provar que ele está do lado errado. Isso se obtém melhor pela desmoralização profissional, pela prova de incompetência ou de corrupção, pela humilhação pública, do que por um respeitoso “debate de idéias” que só faz conferir dignidade intelectual a quem, no mais das vezes, não tem nenhuma.

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