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O advento da ditadura secreta

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de março de 2012

Escolados pelo precedente do Foro de São Paulo, cuja existência lhes foi ocultada durante dezesseis anos pela mídia soi disant respeitável, alguns leitores brasileiros talvez não se sintam tão espantados ao ver que o New York Times, o Washington Post, a CNN e demais organizações jornalísticas de maior prestígio nos EUA, mesmo depois do pito que levaram do Pravda, continuam sonegando ao público qualquer notícia sobre os documentos forjados de Barack Hussein Obama.

Nos dois casos, a recusa de cumprir a mais primária obrigação do jornalismo pode se explicar, de início, pela reação automática de ceticismo ante condutas que, de tão perversas, maliciosas e abjetas, parecem inverossímeis. Quem poderia acreditar, assim sem mais nem menos, que a esquerda, desmoralizada e aparentemente moribunda após a queda da URSS, estava preparando um retorno triunfal na América Latina por meio de um acordo secreto entre organizações legais e criminosas, planejado para controlar, pelas costas do eleitorado, a política de todo um continente? Quem poderia engolir, na primeira colherada, a hipótese de que um bandidinho com identidade falsa, subsidiado por bandidões, ludibriou a espécie humana praticamente inteira e, da noite para o dia, saiu do nada para se tornar presidente da nação mais poderosa do mundo? É mesmo difícil. Mas quando nem mesmo o acúmulo incessante de provas inquestionáveis demove do seu silêncio obstinado os profissionais que são pagos para falar, então é impossível evitar a suspeita de que o engodo geral não foi tramado só por políticos, mas também pelos donos de jornais, revistas e canais de TV, secundados pelo proletariado intelectual das redações.

No entanto, como qualquer pessoa com mais de quinze anos tem a obrigação de saber, não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar. Depois de ocultar a maior fraude política de todos os tempos, a mídia americana passou a esconder até decretos oficiais do governo Obama, que assim são impostos a toda uma população desprovida do elementar direito de saber que eles existem. Os leitores mais velhos devem se lembrar de que a nossa ditadura militar inventou, um belo dia, um treco chamado “decreto secreto”, que entraria em vigor sem precisar ser publicado. Inventou-o mas, que eu saiba, não teve a cara-de-pau de chegar a usá-lo. Pois bem, graças às empresas de comunicações de Nova York e Washington, essa coisa, essa deformidade jurídica inigualável, está em pleno uso na mais velha e – até recentemente – mais estável democracia do mundo.

Quando o amor fanático da classe jornalística a um político se coloca descaradamente acima da Constituição, das leis, da segurança nacional e de todas as regras básicas da moralidade, não há como explicar isso pela mera preferência espontânea dos profissionais de imprensa, por mais obamistas que eles comprovadamente sejam. Alguns jornalistas chegaram a queixar-se ao chefe da Comissão Arpaio, Michael Zullo, de que haviam recebido ameaças diretas do governo para que nada publicassem das investigações. Artigos a respeito foram misteriosamente retirados até de sites conservadores como www.townhall.com, e uma entrevista marcada com Jerome Corsi, o incansável investigador da fraude documental, foi suspensa na Fox News por ordem explícita da diretoria. Com toda a evidência, o bloqueio vem de muito alto, envolvendo tanto funcionários do governo quanto potentados da mídia.

Quando se conhece, porém, o conteúdo dos decretos ocultados, vê-se que a coisa é infinitamente mais grave do que o simples boicote organizado do direito à informação. Em 31 de dezembro, quando o povo estava distraído festejando o Ano Novo, Obama assinou o Defense Authorization Act, que lhe dava, simplesmente, o direito de mandar matar ou de prender por tempo indefinido, sem processo nem habeas corpus, qualquer cidadão americano. No crepúsculo da sexta-feira, 16 de março, veio uma ordem executiva (o equivalente da nossa “medida provisória”, com a diferença de que não é provisória) que confere ao presidente os poderes necessários para estatizar, a qualquer momento e sem indenização, todos os recursos energéticos do país, incluindo as empresas de petróleo, mais a indústria de alimentos, e ainda para instituir quando bem deseje, sem autorização do Congresso, o recrutamento militar obrigatório. Em suma: o homem deu a si mesmo poderes ditatoriais, e nas duas ocasiões fez isso em momentos calculados para desviar as atenções e frustrar a divulgação. A precaução acabou por se revelar desnecessária: jornais e canais de TV, levando a solicitude até o último limite do servilismo totalitário, não publicaram praticamente nada a respeito, de modo que, com exceção daqueles que já voltaram as costas à mídia elegante e preferem informar-se pela internet, os americanos, tendo adormecido numa democracia, acordaram numa ditadura sem ter a menor idéia do que havia acontecido (v. os comentários de Dick Morris em http://www.dickmorris.com/obama-assumes-dictatorial-powers/).

Não que esta seja a primeira ditadura a ocultar sua própria existência. O segredo, ensinava René Guénon, é da essência mesma do poder. As diferenças são duas:

(1) Pela primeira vez na história do mundo a ditadura secreta é implantada por um ilustre desconhecido cuja identidade permanece ela mesma secreta, bloqueada a todas as investigações.

(2) O episódio evidencia com clareza obscena o fenômeno mundial, a que já aludi muitas vezes, do giro de 180 graus na função da grande mídia, que de veículo de informação se transmutou maciçamente, nas últimas décadas, em órgão de censura e controle governamental da opinião pública.

Onipresente e invisível

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de março de 2012

Ao ouvir dizer que vive numa “democracia”, o cidadão comum imagina que, malgrado algumas tramas sórdidas urdidas pelos políticos por trás das cortinas, o esquema de poder que domina a sociedade coincide com a estrutura visível das instituições e, em última instância, pode ser controlado mediante a pressão do clamor público ou o exercício do voto. Algum resíduo oculto, aqui e ali, será mais cedo ou mais tarde revelado pelos bravos jornalistas que destampam as latrinas e vasculham os esgotos, expondo os ladrões e conspiradores à luz do dia para que sofram as penas da lei. Não obstante falhas ocasionais, no conjunto o sistema, aerado pelos bons ventos da liberdade de imprensa, encarna os ideais iluministas da transparência e da racionalidade.

Lamento informar que há pelo menos vinte anos esse sistema cessou de existir. O poder dos governos sobre as populações civis já é praticamente incontrolável, reduzindo cada vez mais a um mero formalismo jurídico a diferença entre democracia e ditadura. Não, não se trata de nenhuma “teoria da conspiração”. Conspirações existem, mas não são elas que produzem esse estado de coisas. Ao contrário, é ele que torna viável, hoje em dia, a criação de um governo global onipotente, imunizado contra qualquer tentativa de controle popular. O fenômeno resulta da convergência de três fatores:

Primeiro: A complexidade crescente da administração pública, continuamente fortalecida pelos aportes da tecnologia e das ciências sociais, fornece aos governos toda sorte de instrumentos para implantar as medidas que bem desejem sem ter de passar pelo controle legislativo nem muito menos pelo debate público. Das decisões fundamentais que alteraram a estrutura de poder no mundo nas últimas duas décadas, diluindo soberanias e transferindo a autoridade dos Estados para organismos internacionais, somente uma parte ínfima chegou a ser matéria de discussão parlamentar, e a maioria nem sequer recebeu da mídia uma cobertura proporcional à vastidão das conseqüências políticas que produziu.

Segundo: A progressiva concentração dos meios de comunicação nas mãos de um reduzido número de grandes grupos econômicos íntimos do poder estatal, associada à tomada das redações por uma nova geração de jornalistas ideologicamente comprometidos, transformou jornais, revistas e canais de TV, de veículos de informação e debate, em agências de engenharia comportamental e controle político. A censura de notícias inconvenientes, a exclusão das opiniões divergentes, a promoção descarada dos ídolos da esquerda, a militância sistemática em favor dos objetivos propugnados pela revolução globalista tornaram-se quase que normas de redação, cinicamente impostas por toda parte como a expressão pura do jornalismo mais neutro e objetivo. Da noite para o dia, valores e critérios explosivamente revolucionários, hostis aos sentimentos de quase toda a população, passaram a ser apresentados como se fossem a opinião majoritária e obrigatória, o padrão supremo da normalidade. Em todo o Ocidente não há, por exemplo, um só grande jornal ou canal de TV que não trate toda oposição às propostas gayzistas e abortistas como conduta aberrante e criminosa, dando a impressão de que os novos códigos de comportamento que se deseja implantar são consensos universais milenares, só rejeitados por fanáticos e doentes mentais. É evidente que isso não é jornalismo nenhum, é um teatro psicológico planejado para produzir mudanças comportamentais. É a engenharia da complacência, da qual já falei.

Terceiro: a queda da URSS deixou desorientadas e órfãs as massas militantes por toda parte, liberando um enorme potencial humano que, não sabendo viver sem uma “causa social” que justifique sua existência, foi facilmente remanejado para servir, agora fartamente subsidiado pela elite financeira, sob as novas bandeiras da revolução global. Foi a vitória completa do fabianismo e do gramscismo sobre as versões mais arcaicas do movimento comunista. Com velocidade impressionante, as militâncias locais foram unificadas, criando, pela primeira vez na História humana, a possibilidade de mobilizações de massa quase instantâneas em escala mundial – a mais formidável máquina de pressão política e intimidação psicológica que o mundo já conheceu.

Sob o influxo desses três fatores, a velha democracia representativa tornou-se apenas a camuflagem jurídica e publicitária de novos esquemas de poder que a maioria dos cidadãos não compreende e em geral não conhece.

Graças a isso, o avanço da tirania global é hoje tão rápido, tão intenso, tão avassalador, que para registrar, simplesmente registrar a sucessão diária dos fatos que o exemplificam, seria preciso um jornal inteiro, não este pobre comentário semanal. Não se passa um dia sem que se criem novas estruturas de poder, novos meios de controle social, novos instrumentos de manipulação psicológica destinados a ter um impacto brutal, quase sempre destrutivo, não só na política e na economia, mas na vida privada e na mente de todos os seres humanos colocados sob a sua órbita. E esses fatos se desenrolam, quase todos, à margem da atenção pública, seja porque são produzidos por meios burocráticos discretos, contornando o debate, seja porque não chegam a ser noticiados, seja porque o são de maneira propositadamente deficiente, sumária e eufemística, de modo que somente uma fração mínima e inofensiva da população se dê conta do seu verdadeiro alcance e significado.

O sonho de Antonio Gramsci, o “poder onipresente e invisível”, já é uma realidade em todo o mundo ocidental.

A rotina das cobras

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de março de 2012

Se há uma lição que a História ensina, documenta e prova acima de qualquer dúvida razoável, é a seguinte: sempre que os comunistas acusam alguém de alguma coisa, é porque fizeram, estão fazendo ou planejam fazer logo em seguida algo de muito pior. Acobertar crimes sob afetações histriônicas de amor à justiça é, há mais de um século, imutável procedimento-padrão do movimento mais assasino e mais mentiroso que já existiu no mundo.

Só para dar um exemplo incruento: o Partido dos Trabalhadores ganhou a confiança do eleitorado por sua luta feroz contra os políticos corruptos, ao mesmo tempo que ia preparando, para colocá-lo em ação tão logo chegasse ao poder, o maior esquema de corrupção de todos os tempos, perto do qual a totalidade dos feitos de seus antecessores se reduz às proporções do roubo de um cacho de bananas numa barraca de feira.

Mas nem todos os episódios desse tipo são comédias de Terceiro Mundo. Nos anos 30 do século passado, o governo de Moscou promoveu por toda parte uma vasta e emocionante campanha contra as ambições imperialistas de Adolf Hitler, ao mesmo tempo que, por baixo do pano, as fomentava com dinheiro, assistência técnica e ajuda militar, no intuito de usar as tropas alemãs como ponta-de-lança para a ocupação soviética da Europa.

Os exemplos poderiam multiplicar-se ilimitadamente. Em todos os casos, a regra é a máxima atribuída a Lênin: “Xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz.”

Se o acusado realmente cometeu crimes, ótimo: desviarão a atenção dos crimes maiores do acusador. Se é inocente, melhor ainda. Durante os célebres Processos de Moscou, onde o amor ao Partido levava os réus a confessar crimes que não haviam cometido, Bertolt Brecht, ídolo literário maior do movimento comunista, proclamou: “Se eram inocentes, tanto mais mereciam ser fuzilados.” Não foi mera efusão de servilismo histriônico. A declaração obscena mostra a funda compreensão que o dramaturgo tinha da premeditação maquiavélica por trás daquela absurdidade judicial. Como o bem e o mal, na perspectiva marxista, não existem objetivamente e se resumem à resistência ou apoio oferecidos às ordens do Partido, a inocência do réu é tão boa quanto a culpa, caso sirva à propaganda revolucionária – mas às vezes é muito mais rentável. Condenar o culpado dá aos comunistas o ar de justiceiros, mas condenar o inocente é impor a vontade do Partido como um decreto divino, revogando a moral vigente e colocando o povo de joelhos ante uma nova autoridade, misteriosa e incompreensível. O efeito é devastador.

Isso não se aplica somente aos Processos de Moscou. Perseguir o general Augusto Pinochet por delitos arquiconhecidos dá algum prestígio moral, mas condenar o coronel Luís Alfonso Plazas a trinta anos de prisão por um crime que todo mundo sabe jamais ter acontecido é uma operação de magia psicológica que destrói, junto com o inimigo, as bases culturais e morais da sua existência.

Na presente “Comissão da Verdade”, os crimes do acusado são reais, mas menores do que os praticados pelo acusador. A onda de terrorismo guerrilheiro na América Latina data do início dos anos 60, e já tinha um belo currículo de realizações macabras quando, em reação, os golpes militares começaram a espoucar. Computado o total das ações violentas que, partindo de Cuba, se alastraram não só por este continente, mas pela África e pela Ásia, a resposta dos militares à agressão cubana mostra ter sido quase sempre tardia e moderada, sem contar o fato de que, pelo menos no Brasil, veio desacompanhada de qualquer guerra publicitária comparável à que os comunistas, inclusive desde a Europa e os EUA, moviam contra o governo local. Sob esse aspecto, a vantagem ainda está do lado dos comunistas. Os delitos cometidos pelos militares chamam a atenção porque uma rede de ONGs bilionárias, secundada pela militância esquerdista que domina as redações, não permite que sejam esquecidos. Nenhuma máquina de publicidade, no entanto, se ocupa de explorar em proveito da “direita” as vítimas produzidas pela Conferência Tricontinental de 1966, pela OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade, 1967) ou, hoje, pelo Foro de São Paulo. Numa disputa travada com tão escandalosa desproporção de recursos, a verdade não tem a menor chance. Na tão propalada ânsia de restaurar os fatos históricos, ninguém se lembra sequer de averiguar a participação de brasileiros nas ações criminosas empreendidas pelo governo de Fidel Castro em três continentes. Encobrindo esse detalhe, fugindo ao cotejo dos números, trocando os efeitos pelas causas e partindo do pressuposto tácito de que os crimes praticados a serviço de Cuba estão acima do julgamento humano, a “Comissão da Verdade” é, de alto a baixo, mais uma farsa publicitária montada segundo o modelo comunista de sempre. Seu objetivo não é o mero “revanchismo”, como ingenuamente o pensam os militares: é habituar o povo a conformar-se com um novo padrão de justiça, no qual, a priori e sem possibilidade de discussão, um lado tem todos os direitos e o outro não tem nenhum.

A única coisa estranha, nessa reencenação um script tradicional, é que suas vítimas ainda procedam como se esperassem, de seus julgadores, alguma idoneidade e senso de equilíbrio, sentindo-se surpreendidas e chocadas quando a igualdade perante a lei lhes é negada – tanto quanto os cristãos se sentem repentinamente traídos quando o governo Dilma volta atrás no seu compromisso anti-abortista de campanha. Não há nada de surpreendente em que as cobras venenosas piquem. Surpreendente é que alguém ainda se surpreenda com isso.

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