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Capítulos de história bestial

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de setembro de 2013

          

A história das reações da esquerda à minha presença no cenário público brasileiro divide-se em três fases.

Na primeira, logo após a publicação de O Imbecil Coletivo (1995), os guias iluminados dessa facção política saltaram sobre minha pessoa como um esquadrão de ninjas alucinados, imaginando que poderiam suprimi-la do universo com dois ou três sopapos.

Deram-se muito mal e, quando da minha edição dos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux (1999), da qual não podiam falar mal sem arranhar a pele póstuma de um ídolo do esquerdismo, passaram à segunda fase, a Operação Vaca Amarela, ou Boca-de-Siri, condensada na instrução baixada pelo comissário geral Milton Temer aos miltantes e companheiros de viagem do comunismo pátrio: do Olavo de Carvalho não se fala.

Quer dizer: não se fala em público. Não se fala, porque ele responde, porca miséria, e aí a gente passa vexame. Em privado, longe dos ouvidos do monstro, sem perigo de um revide, podia-se rosnar à vontade, fazer a caveira do desgraçado, inventar contra ele as histórias mais escabrosas. Podia-se e devia-se fazer isso sobretudo nas salas de aula, vacinando a juventude contra a tentação de ler o que ele escreve, ensinando-a a odiá-lo sem passar por esse doloroso sacrifício preliminar.

O ataque frontal foi trocado pelo zunzum sorrateiro e onipresente, planejado para transferir o abacaxi às mãos da geração mais nova e produzir,debaixo das aparências de uma retirada geral, os mais bombásticos efeitos de longo prazo.

A coisa foi bem calculada, até certo ponto: a terceira fase eclodiu quando o muro de silêncio erigido na grande mídia foi rompido na esfera bloguística. De repente, centenas de jovens impregnados de visceral anti-olavismo começaram a desferir-me os ataques mais cretinos e involuntariamente cômicos, tentando vencer pelo número e dispensando seus mestres de passar vergonha pessoalmente.  De uma fase até a outra decorreram aproximadamentequinze anos – o prazo que, em La Teoría Historica de las Generaciones, Julián Marías diz marcar o trânsito entre duas gerações de agentes históricos.

Devo confessar que eu mesmo contribuí, inadvertidamente, para o sucesso da transição. Em 2006, cansado de receber mais e-mails de amigos, alunos e leitores do que jamais daria conta de responder por escrito, criei o programa True Outspeak para me comunicar com esse círculo mais facilmente, calculando que no rádio a gente fala umas vinte linhas por minuto e levaria uma hora para escrevê-las.

Sendo o programa como que um encontro em família, podia ali me contentar com afirmações compactas e sumárias, ciente de que, em caso de dúvida, aquele público afeito ao meu trabalho procuraria maiores explicações nos meus livros, artigos e nas quase 40 mil páginas de transcrições das minhas aulas.

Contra todas as minhas intenções e previsões, o programa acabou sendo ouvido por centenas de milhares de pessoas, que, sem ter lido uma só linha da minha autoria nem presenciado minhas aulas, não podiam captar corretamente as alusões e subentendidos de que aquela conversa estava repleta, e acabavam vendo naqueles improvisos, não raro despudoradamente humorísticos, a expressão formal e acabada do meu pensamento, dando por pressuposto que eu nada mais sabia nem dissera a respeito.

Para os que vinham da universidade babando de vontade de dizer alguma coisa, qualquer coisa, contra o abominável Olavo de Carvalho, foi um prato cheio. O pesquisador interessado nesse capítulo estranhíssimo da devastação cultural nacional confirmará que, na totalidade dos casos, os referidos nada mais conheciam das minhas ideias senão o que tinham ouvido em duas ou três emissões radiofônicas, o que não os impedia de, com base nelas, lançar os mais temerários julgamentos de conjunto sobre a minha pessoa e obra, um deles chegando a falar de “trajetória de vida inteira”.Não podendo responder a um por um como fazia com seus gurus no tempo do Imbecil Coletivo, tomei por norma selecionar a esmo alguma dessas baratas de vez em quando e esmagá-la em público para não encorajar as outras por omissão.

Meus alunos e leitores habituais nem sempre gostam disso: dizem que estou batendo em criança e desperdiçando tempo. Mas, da minha parte, entendo que esses episódios têm de ser documentados porque um dia, quando o QI da nação voltar ao normal, ninguém vai acreditar que sucederam.

Um detalhe significativo nessa inumerável produção de micagens histéricas é que, no instante mesmo em que estou desmontando um por um esses arremedos de argumentos, com todos os requintes da lógica e uma paciência de Jó, seus autores berram que sou “avesso ao debate” e que não argumento jamais, só xingo e “desqualifico os adversários” – expressão que subentende terem eles alguma qualidade.

Desde o tempo do “Imbecil” eu já havia notado que, no Brasil dos anos 1980 em diante, a demonstração lógica é tida na conta de imposição autoritária e, em compensação, a adesão devota, impulsiva e acrítica ao discurso coletivo politicamente correto vem sempre com o rótulo de “pensamento independente”.

Esse vício indescritivelmente grotesco tornou-se ainda mais deprimente quando transmitido a uma nova geração que, alfabetizada no método socioconstrutivista, tem tudo para não entender nada e para deformar por completo o senso das proporções no julgamento do que quer que seja.

Esquema simplório

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de setembro de 2013

          

Um breve exame da propaganda nazista revelará que o partido de Hitler não  odiava os judeus por serem  “o diferente”, mas por ver neles  a encarnação do capital espoliador.

Conheço bem a obra da Profa. Marilena Chauí, tendo mesmo sido, segundo creio, o único ser humano que, excetuada a autora, leu de cabo a rabo o volumoso A Nervura do Real, tese de doutorado estufada 40 anos depois à força de generosos subsídios estatais e privados.

No entanto, não vejo a menor possibilidade de escrever algo sobre o conjunto dessa obra. Só o que posso é tentar esclarecer, aqui e ali, algum trecho mais significativo, como fiz em Lógica da mistificação ou o chicote da Tiazinha (http://www.olavodecarvalho.org/textos/tiazinha.htm).

O motivo disso é bem claro. Há tempos já escrevi que o privilégio constitutivo da mentira é ser mais breve que a sua refutação. A experiência não cessa de confirmar isso, mas nem sempre com a clareza exemplar da Profa. Chauí: um só parágrafo que venha da sua boca ou do seu teclado contém tantas mentiras compactadas que para analisá-las e desmontá-las seria preciso muitas páginas.

Sua técnica expressiva é a do fingimento elíptico, uma espécie de entimema perverso, em que as premissas do raciocínio permanecem ocultas, não por exigência de brevidade como no entimema comum, e sim porque, se reveladas, desmascarariam no ato a farsa hedionda que essa mulher encena sob as aparências de opinião intelectualmente respeitável.

Tomem, entre outros inumeráveis exemplos, este trecho da recente entrevista à revista Cult: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-diferenca-entre-violencia-revolucionaria-e-fascismo. Não é preciso transcrevê-lo; o leitor terá a gentileza de abrir o link.

Descontados os vaivéns da expressão oral, o que aí se diz é que a “violência revolucionária” é racional e justa, porque visa a derrubar uma classe e colocar outra em seu lugar, ao passo que a “violência fascista” é irracional e injusta, porque nasce do puro ódio ao “outro” pelo fato de “o outro”, ser o diferente, o estranho.

O”revolucionário” e o “fascista” aí definidos são meros “tipos ideais”, fictícios, que ela tenta vender como personagens históricos. No mundo real, nunca existiram.

O mais breve exame da propaganda nazista, por exemplo, mostrará que o partido de Hitler não odiava os judeus por serem “o outro”, “o diferente”, mas porque via neles a encarnação do capital espoliador, do dinheirista sem pátria nem honra, do sanguessuga explorador de  órfãos e viúvas. Dona Marilena faz de conta que não sabe, mas essa visão dos judeus coincide ipsis litteris com aquela que Karl Marx apresenta deles em A Questão Judaica.

Tornando as coisas ainda mais claras, hoje sabe-se que o grosso do financiamento do Partido Nazista, que o folclore comunista desenha como o partido do “grande capital”, vinha das contribuições da classe trabalhadora, que enxergava em Hitler o Messias ungido enviado para libertá-la da opressão e da pobreza.

A elevação do padrão de vida popular nos primeiros anos do regime nazista pareceu confirmar a missão profética do salvador e a identidade do inimigo odiado, garantindo logo em seguida o apoio ao menos passivo da massa ao extermínio dos judeus.

Nesse contexto, a luta de raças aparecia como expressão da luta de classes – uma ideia que não ocorrera somente a Hitler, mas também a Stálin, que a espalhou como palavra de ordem a todos os partidos comunistas do Terceiro Mundo desde o início dos anos 30.

A diferença específica da atitude nazista é que, exumando velhas ideias de um filósofo menor – Houston Stewart Chamberlain –, teve a astuciosa ideia de aplicar aos judeus os estereótipos de uma biologia racista que Darwin e seu devoto admirador Karl Marx reservavam mais especialmente aos africanos e outros “povos inferiores” condenados, segundo eles, a ser esmagados, seja pela evolução biológica, seja pelo rolo compressor da “revolução proletária”.

Na Alemanha dos anos 30, os judeus não eram de maneira alguma “o outro”, o diferente, o estranho. Estavam tão profundamente integrados na cultura nacional e haviam apoiado com tamanho entusiasmo a onda de patriotismo guerreiro em 1914, que identidade judaica e identidade alemã já se fundiam numa mescla indissolúvel, documentada, por exemplo, nas memórias do grande romancista Jacob Wassermann, Meu Caminho como Judeu e como Alemão.

Uma campanha contra os judeus baseada na pura impressão de alteridade soaria tão deslocada quanto uma campanha desse teor contra os negros na Bahia. A única maneira de torná-los odiosos era identificá-los aos exploradores capitalistas e, por tabela, ao inimigo estrangeiro que estava esfolando a classe trabalhadora alemã com as exigências escorchantes do Tratado de Versalhes.

Mas os judeus eram figuras tão familiares que para fazer com que parecessem estrangeiros foi preciso cavar artificialmente entre eles e o resto dos alemães um fosso biológico por meio de teorias racistas que, no fundo, nem o próprio Hitler levava muito a sério, antes servindo-se delas com o cinismo dos psicopatas.

Por ironia, a direita francesa, na mesma época, via os judeus essencialmente como agentes da Alemanha: as primeiras e mais dramáticas advertências contra a ascensão do poder militar nazista vieram de intelectuais franceses que eram, ao mesmo tempo, notórios antissemitas. A história não é o esquema simplório concebido pela Profa. Marilena para seduzir os meninos semiletrados da Cult.

Tenho, por sinal, a certeza de que, se amanhã ou depois, cansado de desmantelar truques da autoria da Profa. Chauí, eu resumir tudo com a palavra  “charlatanismo”, mensagens em penca circularão pela internet afirmando que só sei xingar, jamais argumentar.

Em quem acreditar?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de setembro de 2013

          

Quem lançou o ataque com gás sarin que matou umas mil e cem pessoas na Síria? Foi Bashar al-Assad, parceiro dos russos, ou os jihadistas da Irmandade Muçulmana que o governo Obama apoia? O secretário de Estado americano John Kerry diz ter provas de que foi o primeiro, mas não mostra nenhuma. Diz que não é preciso. Que a credibilidade dos Estados Unidos já deve bastar para que todo mundo acredite na acusação sob palavra.
Bem, pode ser que os Estados Unidos tenham alguma credibilidade, mas John Kerry não tem nenhuma. Ele estreou no palco do mundo mentindo contra seu próprio país para favorecer o inimigo.
Em 22 de abril de 1971, recém-chegado do Vietnã, ele testemunhou perante o Comitê de Relações Públicas do Senado que soldados americanos haviam “estuprado mulheres, cortado orelhas e cabeças, amarrado genitais humanos com fios elétricos e ligado a corrente, amputado braços e pernas, explodido corpos, atirado a esmo em civis e arrasado vilas de uma maneira que lembrava Gengis Khan”.
Essa performance garantiu-lhe a primeira página nos principais jornais e o horário nobre nos maiores canais de TV da América – nada mau como motor de arranque para uma carreira política que culminaria numa candidatura à presidência. Tal como agora não exibe as provas que diz possuir, na época ele não citou nenhuma fonte ou documento que desse respaldo às acusações. Talvez imaginasse que a credibilidade do movimento anti-guerra, então de grande sucesso nas universidades, na mídia e no show business, bastava como prova.
 Aconteceu que, poucos meses atrás, o mais alto oficial da inteligência soviética que já desertou para o Ocidente, o general romeno Ion Mihai Pacepa, publicou um livro (Disinformation) em que conta várias operações de desinformação anti-americana, montadas pela KGB, das quais havia sido participante ou testemunha direta.
Uma delas consistiu precisamente em espalhar em todos os meios esquerdistas da Europa e das Américas o rol de acusações, totalmente inventado, que o depoimento de Kerry repetiu no Senado “quase palavra por palavra” (sic).
Desinformação, stricto sensu, só existe quando a mentira comprometedora não é ouvida da boca do inimigo, mas de alguém de confiança da vítima. Estampadas no Pravda ou vociferadas pela Rádio Moscou, aquelas acusações seriam apenas notícias falsas vindas de uma potência hostil. Repetidas com ares de seriedade por um ex-tenente condecorado da Marinha americana e reproduzidas no New York Times, no Washington Post e por toda parte na mídia “respeitável”, tornavam-se desinformação de primeira ordem, uma contribuição essencial à transmutação da vitória militar americana no Vietnã em uma humilhante derrota política e diplomática.
Kerry nunca pagou por esse crime, mas também não se pode dizer que a reputação tão facilmente obtida tenha permanecido intacta. Em 2004, no papel de porta-voz do movimento contra a invasão do Iraque, a qual ele mesmo havia aprovado como senador, apresentou-se candidato à presidência dos EUA. E ele saiu por toda parte pavoneando-se das condecorações militares que havia recebido – afirmava – por operações de alto risco nas quais padecera – dizia – ferimentos horríveis no Vietnã.
Seus colegas de pelotão e dois dos seus ex-comandantes apareceram então dizendo que Kerry havia se machucado por acidente numa operação sem risco nenhum, e o médico que tratara dele num hospital militar informou que os ferimentos eram tão graves que ele os havia curado com um simples band-aid.
Kerry perdeu a eleição para o inexpressivo George W. Bush. Seu companheiro de chapa, John Edwards, mocinho bonito que a plateia feminina anunciava como a futura grande estrela do Partido Democrata, não teve sorte melhor: viria a ter a carreira política destruída em 2007, quando se revelou que tivera um filho ilegítimo com sua amante Rielle Hunter, acusação que primeiro negou indignado e em seguida admitiu com o rabo entre as pernas.
Edwards sobrevive no limbo, mas Kerry foi exumado por Barack Hussein Obama para ser seu secretário de Estado depois que Hillary Clinton se melou toda no episódio Benghazi.
Tal é o homem que se apresenta como a personificação viva da “credibilidade americana” e se apoia nela para mais uma operação que, coerente com o programa  Obama-Clinton, se destina a dar mais apoio militar aos jihadistas, como deu no Egito –  com os resultados que todo mundo conhece –, e a transformar definitivamente os Estados Unidos, como disse o ex-deputado democrata David Kucinich, em Força Aérea da Al-Qaeda.
Do outro lado, cada um sente vergonha de ter de concordar com Vladimir Putin e defender o governo Assad. Talvez por isso mesmo todos se veem obrigados a apresentar alguma prova. E as provas têm aparecido umas atrás das outras.
Primeiro veio a denúncia, na ONU, de que os rebeldes sírios usam o gás sarin (ver aqui). Depois veio a prova de que o irmão de Barack Obama é membro da Irmandade Muçulmana, para a qual recebeu do governo Obama uma ajudinha de 1,5 bilhão de dólares (ver aqui).
Depois, um vídeo em que os jihadistas apareciam panejando lançar foguetes carregados do gás fatídico (ver aqui). Por fim, os próprios rebeldes sírios acabaram se gabando de usar o tal gás (ver aqui).
O leitor está livre para escolher em quem deve acreditar.

 

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