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A KGB no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de março de 2014

          

Quem leu o meu artigo “A história proibida”, publicado no último número do Digesto Econômico (http://goo.gl/QKdEya), não deve perder o vídeo “O Brasil nos arquivos de espionagem do bloco soviético” (http://www. youtube.com/watch?v= Dbt1rIg8FbI), que o confirma integralmente com documentos de fonte primária revelados pela primeira vez no mundo.

Os papéis, obtidos diretamente dos arquivos da polícia secreta da antiga Checoslováquia, estavam, desde o fim do regime comunista, guardados no acervo do Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários, na República Checa, onde, com a ajuda de pesquisadores locais, foram encontrados por Mauro Abranches, um tradutor brasileiro que mora na Polônia.

Sem qualquer intenção política, o autor do vídeo se abstém de opinar sobre o conteúdo dos documentos. Apenas os exibe e traduz. Mas eles falam por si, e o que dizem compõe um requisitório devastador contra a pseudo-historiografia, sectária e mendaz, que há décadas intoxica a mentalidade dos brasileiros com uma versão unilateral e deformada de sessenta anos da vida política nacional.

O que caracteriza essa bibliografia, consagrada no mercado editorial, na grande mídia e nos currículos universitários como verdade de evangelho, é a balela pueril de que tudo o que aconteceu na política brasileira, nos anos 60-70 do século 20, foi o conflito entre agentes de uma superpotência imperialista, armados até os dentes, e, do outro lado, um punhado de bravos patriotas minoritários, isolados e entregues praticamente inermes à mercê de um poder tirânico e repressivo.

Quando reconhecem que a luta foi um episódio da Guerra Fria, buscam dar a impressão de que esta se travou entre os americanos e um grupo de brasileirinhos desamparados.O antagonista maior dos EUA, a URSS, desaparece por completo, dando a entender que a ameaça comunista, na época, era um delírio de direitistas paranóicos ou a desculpa esfarrapada dos golpistas para derrubar um governo democraticamente eleito.

Milhares de livros, reportagens, teses universitárias e especiais de TV construíram e defenderam laboriosamente essa versão, que se baseava e se baseia até hoje, essencialmente, em dois pilares: (a) a repetição servil e obstinada do que os serviços secretos soviéticos mandaram dizer; (b) a ocultação sistemática da atuação da KGB e de seus parceiros tchecos no Brasil.

Complementarmente, o papel dos EUA na produção dos acontecimentos aparece monstruosamente ampliado, a despeito do fato de que na época nem mesmo o chefe da KGB no Brasil, Ladislav Bittman, sabia de qualquer agente da CIA lotado no país e até hoje nenhum nome de espião americano comprovadamente associado ao planejamento do golpe de 1964 jamais apareceu. Nem um único sequer.

Em 1985 Bittman publicou o livro de memórias The KGB and Soviet Disinformation ,no qual confessava que a história da participação americana na derrubada de João Goulart fôra inteiramente inventada pelos seus subordinados, na base de documentos forjados.

A “Operação Thomas Mann” ou “Operação Toro”, como a chamaram seus criadores, ditou os termos em que a história do golpe deveria ser escrita. Até jornalistas do calibre de um Otto Maria Carpeaux ajudaram a impingi-la ao público. E ainda hoje a vontade de Moscou é obedecida sem discussões por milhares de jornalistas, historiadores e professores neste país.

Não há talvez, na história do mundo, exemplo similar de tão duradoura fidelidade residual às ordens de um regime extinto. Desde 2001 insisto que entrevistar Bittman seria o dever estrito de qualquer historiador ou jornalista que desejasse contar com honestidade a história de 1964, mas, é claro, fui sempre recebido com um silêncio desdenhoso. A hipótese, então, de investigar mais amplamente nos arquivos soviéticos a penetração da KGB no Brasil, essa era repelida como um verdadeiro crime de lesa-pátria.

Mas agora não se trata só da palavra de um agente secreto aposentado ou do clamor de um articulista maluco. São centenas de páginas de um acordo oficial assinado no início dos anos 60 entre a KGB e o serviço secreto checo (STB) para operações no Terceiro Mundo, incluindo o Brasil.

A conclusão é incontornável: enquanto a ação dos serviços secretos americanos nas altas esferas da vida nacional primava pela rarefação ou pela completa ausência, a KGB-STB estava infiltrada e atuante em todos os escalões do poder, incluindo-se aí ministérios, empresas estatais e Forças Armadas, instituições científicas e educacionais e, é claro, grande mídia. A “ameaça comunista” nunca foi um pesadelo de malucos ou uma “teoria da conspiração”, mas sim uma presença intrusiva e avassaladora, o mais profundo golpe já desferido na soberania nacional.

Os documentos trazem, junto com o plano, um extenso relato das operações já em curso de realização, com os nomes das entidades infiltradas, das ações aí empreendidas e, melhor que tudo, dos agentes encarregados.O prof. Abranches, com muita razão, pede que esses nomes não sejam ainda denunciados, por ser impossível distinguir, num primeiro momento, quais deles são de agentes profissionais e quais os de pessoas que foram forçadas a colaborar com a polícia secreta mediante chantagem ou ameaça.

Não comentarei, portanto, aqueles que pude ler na tela e reconheci de imediato.

Só digo uma coisa: muitos desses velhos servidores de uma potência genocida ainda estão por aí, brilhando nos jornais e nas cátedras, com as caras mais respeitáveis do mundo, ludibriando diariamente o público brasileiro. “Não existe ex-KGB”, ensina Vladimir Putin.

Mais duguinismo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 16 de março de 2014

          

Num post publicado na semana passada em sua página do Facebook, o professor Alexandre Duguin afirma: “Os americanos estão nas mãos de um grupo de terroristas extremistas. Estes não são verdadeiros americanos. Eles não compartilham dos reais e profundos valores americanos. Eles sacrificam a América aos interesses de uma oligarquia financeira internacional e global.”

É no mínimo estranho que ele agora diga isso, pois essa foi precisamente a tese que defendi no debate que tive com ele, e contra a qual ele esperneou o quanto pôde, insistindo na balela de que o globalismo é a expressão do interesse nacional americano.

O livro que transcreve o debate na íntegra levou o título de Os EUA e a Nova Ordem Mundial (Vide Editorial, 2012), precisamente porque esse era o ponto crucial da nossa divergência: a Nova Ordem Mundial é o poderio americano expandindo-se para dominar o mundo ou é, ao contrário, uma estratégia para demolir a nação americana e subjugá-la aos seus principais inimigos?

Ao ver finalmente a luz, o prof. Duguin poderia pelo menos ter tido a gentileza de reconhecer que não a enxergou por iniciativa própria, mas que foi levado a isso a contragosto, pelas razões mais fortes dadas pelo seu adversário.

Mas ele teve motivos muito sérios para infringir tão patentemente as regras da concorrência intelectual. Ao contrário deste articulista, o prof. Duguin não é um escritor independente, empenhado tão somente em tentar orientar-se na confusão do mundo. É um ideólogo e um líder, o condutor de um movimento político mundial apoiado e subsidiado pelo governo russo.

O objetivo desse movimento é declaradamente destruir a aliança Estados Unidos -Inglaterra-Israel e impor o domínio russo a todo o planeta, tudo sob as vestes de um hipotético e simbólico “Império Eurasiano”.

É por isso mesmo que o prof. Duguin, ao endossar finalmente as palavras de que discordava, não pode confessar de quem as ouviu. Se o fizesse, teria de lhes dar o sentido que tinham na emissão originária. Mas, em vez disso, ele quer usá-las para os seus próprios fins, que continuam incompatíveis com as convicções do seu adversário.

Noutros termos: se ele não conseguiu derrotar o oponente, vai tentar tirar proveito da vitória deste, fingindo que foi sua própria.

Para isso o prof. tira, das palavras que repete, uma conclusão que, parecendo imitar, na verdade, inverte a que elas impunham originalmente. As forças anti-americanas que dominam a América, prossegue ele, “subsidiam o wahabbismo, o terrorismo, Israel, os neonazistas ucranianos e os trotsquistas”.

Vamos por partes.

1 Wahabbis são a classe dominante da Arábia Saudita. Ninguém os subsidia. Eles é que subsidiaram a carreira de Barack Hussein Obama, compraram boa parte da grande mídia norte-americana e atualmente são praticamente os donos de metade da cidade de Nova York. É o presidente americano que se prosterna ante o rei saudita, e não ao inverso. Os Wahabbis são parte integrante da elite anti-americana que hoje persegue e marginaliza os cristãos e que favorece a ascensão islâmica por todos os meios possíveis e imagináveis.

2 É verdade que essa elite financia os trotsquistas, mas não só eles: financia toda sorte de movimentos esquerdistas e anti-americanos, inclusive aqueles que o “eurasianismo” procura agora seduzir para disputar com os globalistas quem destrói mais depressa os EUA.

3 Também é verdade que a elite globalista financia movimentos terroristas; porém entre estes se incluem aqueles que têm excelentes relações com a Rússia, como por exemplo o Hamas. Onde quer que se prenda um terrorista islâmico, ele tem invariavelmente na mão uma arma russa, ou às vezes chinesa.

4 Os americanos obviamente apoiam a rebelião ucraniana, mas até agora não surgiu nenhuma prova razoável de que os tais “grupos neonazistas” tenham sido criados ou subsidiados pela CIA. Ao contrário, criar esses grupos, infiltrá-los em nações adversárias e em seguida choramingar que apenas está se defendendo contra uma agressão nazista é uma velha e clássica especialidade da KGB e dos serviços secretos dos antigos “países satélites”. O tempo vai dizer de onde surgiram os neonazistas ucranianos. Por enquanto, o que não faz sentido é acreditar, a priori, na propaganda russa.

5 E Israel? Nos EUA até as crianças sabem que a política globalista da dupla Obama-Kerry é isolar Israel e dar mão forte aos palestinos. Quem luta para restaurar a aliança EUA-Israel são justamente os cristãos conservadores apegados aos “reais e profundos valores americanos”, hoje tão achincalhados pelo establishment.

Em suma: na sua luta pelo domínio do mundo, os globalistas ocidentais e o “Império Eurasiano” estão de pleno acordo em um ponto: eles querem tirar do caminho a América e Israel.

De acordo com o apóstolo do eurasianismo, dá na mesma fazer isso culpando a nação americana pelos desvarios dos globalistas que a exploram, ou, pelo contrário, fingir protegê-la deles para com isso jogá-la contra Israel.

***

Talvez não seja uma coincidência: ao mesmo tempo que o prof. Duguin usurpa minhas palavras para lhes dar um uso que não aprovo, devotos duguinistas se empenham numa campanha insana de “character assassination”, contra mim, alardeando, no site de um certo Institute for Eurasian Studies, que eu sou um perigosíssimo “agente islamo-sionista-maçom” (alguém pode me dizer o que é isso?), empenhado em destruir a Igreja Católica e “fomentar uma guerra civil no Brasil”.

A melhor coisa a fazer comigo, como concluem singelamente, seria condenar-me à morte por “crime de sedição e lesa-pátria”…

O dunguinismo no Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 11 de março de 2014

          

Dentre os movimentos neofascistas que floresceram na Rússia para ocupar o espaço ideológico do comunismo, o mais interessante e, de longe, o mais forte, é a corrente “eurasianista” criada e liderada pelo prof. Alexandre Duguin. Filho de um oficial da KGB, Duguin é um colaborador e um protegido do governo russo, o ideólogo maior por trás das decisões estratégicas de Vladimir Putin.

Sem um estudo sério dos seus ensinamentos é impossível entender a linha de ação do Kremlin. Creio ter sido o primeiro a chamar a atenção do público brasileiro, desde uns quinze anos atrás, para a importância crucial do fenômeno Duguin. Graças à mórbida indolência mental das nossas elites, a advertência caiu em ouvidos moucos.

Mas, se são avessos a todo estudo solitário, os brasileiros de classe média e alta são, na mesma medida, altamente propensos a deixar-se arrastar por qualquer bandeira ideológica que chegue do exterior com suficiente respaldo financeiro e disposição de conquistar o território. Assim, se ninguém se preparou intelectualmente para enfrentar a epidemia duguinista que eu anunciava como inevitável, essa epidemia acabou entrando no Brasil como quem arromba uma porta aberta, fazendo não só centenas adeptos nas universidades como também cooptando agentes pagos dispostos a tudo pela glória do Império Eurasiano, que no fim das contas não é senão a boa e velha Mãe Rússia com roupagem multinacional.

O eurasianismo surgiu do antigo movimento “nacional-bolchevique” inaugurado pelo próprio Duguin e pelo romancista Eduard Limonov no início dos anos 90 do século findo.

A idéia inicial era reunir num vasto front ideológico tudo o que fosse anti-ocidental e anti-israelense no mundo: comunismo, nazismo, fascismo e sobretudo os vários movimentos “tradicionalistas” herdeiros dos ensinamentos de René Guénon, Julius Evola, Frithjof Schuon, Ananda K. Coomaraswamy.

Duguin e Limonov divergiram quanto ao governo Putin, que o segundo condenava e no qual o primeiro viu sua grande oportunidade de subir na vida. Duguin tornou-se o ideólogo do regime, vivendo em instalações confortáveis, rodeado de centenas de assessores, tudo pago pelo governo, enquanto Limonov ia para a cadeia.

O nacional-bolchevismo estava acabado: nascia, em seu lugar, o “eurasianismo”, que é praticamente a mesma coisa adornada com uma profusão de novos e rebuscados argumentos extraídos das obras do geógrafo inglês Halford J. Mackinder (1861-1947), dos pensadores “russófilos” do início do século 20, dos teóricos nazifascistas e dos tradicionalistas guénonianos e schuonianos.

O núcleo da doutrina é a idéia de que a história humana inteira é pautada por uma guerra sem fim entre “potências terrestres”, ou “eurasianas”, e “potências marítimas”, ou “atlânticas”. Hoje em dia essas duas forças são representadas, respectivamente, pelo bloco russo-chinês e pela “aliança atlântica” dos EUA com a Inglaterra e Israel.

De acordo com Duguin, os povos “terrestres” são guiados por altos ideais heróicos, os “atlânticos” pela cobiça e desejo de poder. O mundo só será feliz quando o bloco atlântico for destruído e o Império Eurasiano dominar – sem nenhuma cobiça ou desejo de poder, é claro – o globo terrestre inteiro. So simple as that.

A força do duguinismo reside no atrativo que exerce sobre mentalidades diversas e aparentemente incompatíveis entre si: patriotas russos ansiosos para restaurar as glórias imperiais do czarismo, saudosistas do Führer e de Mussolini, comunistas em crise de desamparo ideológico desde o fim da URSS, católicos tradicionalistas inconformados com as reformas do Concílio Vaticano II, intelectuais guénonianos revoltados contra o materialismo moderno e, como não poderia deixar de ser, brasileirinhos universitários sempre dispostos a receber de braços e pernas abertos uma formuleta ideológica prêt-à-porter que os dispense de ler livros. A expansão do duguinismo no Brasil tem sido muito rápida mas, como não poderia deixar de ser, passa totalmente despercebida da mídia e dos “formadores de opinião”, assim como aconteceu com a ascensão do Foro de São Paulo de 1990 a 2007.

E é justamente aí que eu entro na história. Momentaneamente em crise de dúvida, alguns duguinistas principiantes decidiram colocar as idéias do seu guru em teste, promovendo um debate entre ele e este articulista. O texto integral dos pronunciamentos de parte a parte foi publicado pela Vide Editorial, de Campinas, sob o título Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um Debate entre Alexandre Duguin e Olavo de Carvalho (2012).

Mesmo o leitor que não morra de amores pela minha pessoa notará que, no confronto entre um escritor independente e o poderoso representante da ditadura russa, os argumentos do meu adversário foram reduzidos a pó. As mensagens finais do prof. Duguin não escondem sua irritação e despeito ante um oponente que não lhe deixava mesmo margem para outra coisa.

Incapaz de refutar qualquer das minhas objeções ao eurasianismo, o prof Duguin não era e não é, no entanto, sonso o bastante para deixar de perceber na minha influência o principal obstáculo à penetração das suas idéias no Brasil. Era de se esperar, portanto, que mais cedo ou mais tarde a militância duguinista, inconformada com a humilhação do seu guru, desistisse da concorrência intelectual e partisse para uma campanha de “character assassination” no bom e velho estilo KGB, muito mais maliciosa, peçonhenta, organizada e bem subsidiada do que qualquer iniciativa similar da esquerda nacional. Nos próximos artigos darei alguns detalhes sobre o episódio, altamente significativo do futuro que se prepara para o Brasil.

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