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Tá tudo dominado

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial) , 1o de novembro de 2006

A situação militar do Brasil é muito simples e clara. Hugo Chávez está montando um exército de um milhão e meio de homens bem armados, a maior força aérea da América Latina, e vinte bases militares em território boliviano, todas na fronteira com o Brasil. Seus aliados são, de um lado, o exército argentino de Kirchner, de outro lado as FARC e o ELN, cujo número de combatentes é hoje difícil de calcular mas que têm um orçamento militar incomparavelmente maior que de qualquer país latino-americano, com exceção da Venezuela.

O Brasil é hoje um país inerme e virtualmente cercado. Desaparelhadas, politicamente intimidadas, reduzidas à míngua pelos cortes orçamentários e à subserviência humilhante por vinte anos de bombardeio difamatório, nossas Forças Armadas não têm a mínima condição de defender o País contra as tropas empenhadas em garantir pelas armas a consecução do plano do Foro de São Paulo : a integração continental sob a bandeira neocomunista.

Nunca a soberania e a própria integridade da nação estiveram tão ameaçadas. Não há nenhum motivo razoável para duvidar de que, tendo chegado tão perto de realizar seu sonho de poder total, a esquerda revolucionária latino-americana destruirá pela força qualquer obstáculo que não possa remover pelo engodo e pela manipulação. Isso não quer dizer, é claro, que deixá-la vencer eleições nos livrará do perigo de morte. A única diferença entre a “via pacífica” e a “via armada” é que nesta a violência é usada como meio de chegar ao poder, naquela como meio de destruição da classe inimiga uma vez garantido o domínio total do Estado. Exemplos respectivos são Cuba e a Tchecoslováquia – a ascensão ao poder por meio da guerra revolucionária e por meio do golpe parlamentar, seguida de igual violência repressiva num caso como no outro.

Aqueles que imaginam que o sucesso eleitoral da esquerda no continente haverá de curá-la da tentação guerreira são imbecis iludidos ou mentirosos espertos. O sucesso eleitoral foi precisamente o meio do qual a esquerda se serviu para proteger as facções armadas, garantir-lhes a impunidade e ajudá-las a crescer. A unificação e expansão das forças armadas revolucionárias continentais sob o comando de Hugo Chávez é a etapa atual do processo. O capítulo seguinte é usar essas forças para derrubar as últimas resistências que venham a se opor seja à conquista do Estado, seja à expansão indefinida do poder estatal uma vez conquistado.

A dissolução das soberanias já é uma realidade, como se vê pela fusão dos aparatos jurídico-policiais cubanos e venezuelanos e pela utilização do território boliviano como cabeça de ponte para a eventual invasão do território brasileiro.

Vocês ouviram uma palavra sobre esse perigo nos debates presidenciais? Não. Leram alguma nos grandes jornais? Não. Mas leram, é claro, inumeráveis artigos alertando contra o perigo de uma agressão dos EUA ao continente latino e apontando como prova desse risco iminente a existência de uma base militar americana no Paraguai… fundada em 1948. Leram e até acreditaram. Se não chegaram a tanto, pelo menos não se deram conta de que esses artigos, todos eles subscritos por agentes de influência diretamente ligados a organismos chavistas, já eram a preparação psicológica da opinião pública para que aceitasse o advento do aparato militar comuno-chavista de dominação como um acontecimento banal e inofensivo, se não como o despertar de uma bela esperança patriótica.

O silêncio em torno do perigo real e iminente é tão geral, persistente e sistemático quanto o falatório alarmista em torno do perigo imaginário e fantasioso.

A norma vigente em todas as redações deste país é, nesse ponto, a mesma que se adotou quanto ao Foro de São Paulo . Toda a mídia brasileira – inclusive antilulista – transformou-se numa engrenagem da máquina de desinformação revolucionária empenhada em demonizar os Estados Unidos ao ponto de legitimar, em nome do temor a uma invasão americana impossível, a conivência ao menos passiva com a ocupação do continente pelas forças armadas da virtual União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas. Um jornalista colabora com esse processo cada vez que faz alarde em torno de violências imaginárias cometidas contra terroristas na prisão americana de Guantánamo e encobre de silêncio a brutalidade real e ininterrupta a que estão expostos os prisioneiros de consciência no vizinho cárcere cubano . Essa dupla e concomitante regra de desinformação é seguida hoje fielmente por todos os órgãos de mídia deste país, incluindo os mais antilulistas.

A própria Veja , nas páginas internacionais, fornece semanalmente a sua quota de mentiras anti-americanas, em penitência por ter dito a verdade contra o PT na seção nacional.

Os planos do Foro de São Paulo vêm de longe, e o Brasil, em vez de se preparar para defender-se contra eles, chegou a reeleger presidente o homem que os concebeu. Nunca uma nação se rendeu com tanta docilidade – e com tanta antecedência – a um inimigo tão obviamente mal intencionado.

Acordo secreto

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial) , 29 de outubro de 2006

Da nossa geração não se pode dizer que viveu, mas que rastejou em silêncio: os jovens rumo à decrepitude, os velhos rumo a sepulturas sem honra.

(Tácito, historiador romano, c. 56 – c. 117 a. D.).

O ponto alto do debate de sexta-feira foi a declaração de Lula de que nenhum governo anterior investigou tão a fundo ou esteve tão bem informado sobre os crimes de corrupção quanto o seu. Não é mesmo maravilhoso que o mais avisado dos presidentes nada saiba dos crimes cometidos por cinco de seus próprios ministros? Não é uma delícia que o governo que enxerga tudo da delinqüência espalhada no país inteiro ignore o que se passa no Palácio do Planalto?

Mas não pensem que a inconsistência do seu próprio discurso seja motivo de preocupação para Lula. Estontear a platéia com um bombardeio de afirmações contraditórias tem sido há anos a técnica essencial da propaganda lulista. Na eleição de 2002, explorou-se até o limite da alucinação o paradoxo de um personagem que merecia ao mesmo tempo a compaixão devida aos iletrados e a reverência devida a um sábio, conhecedor profundo dos problemas brasileiros, doutor honoris causa e candidato virtual à Academia Brasileira de Letras. Agora, ele é simultaneamente o homem da visão de raios-x, a quem nenhum delito escapa, e o pobre ingênuo ludibriado por seus mais próximos amigos e colaboradores.

Mais ingênuo ainda, porém, é quem vê nisso uma prova de confusão mental e incompetência petista. Que incompetência mais estranha, essa que sempre vence a competência alheia! Na verdade, é impossível acreditar que, com tantos cientistas sociais, psicólogos, estrategistas e engenheiros comportamentais a serviço do PT e do Foro de São Paulo, ninguém ali tenha ensinado aos chefes da campanha petista as virtudes estupefacientes da estimulação contraditória e da dissonância cognitiva. Mas nem isso seria preciso: qualquer militante, minimamente treinado na dialética de Hegel e Marx para raciocinar segundo duas linhas de dedução opostas e explorar o duplo sentido das palavras e situações, está habilitado para fazer de trouxa os mais espertos empresários, políticos tradicionais e oficiais das Forças Armadas, viciados numa semântica literaralista e num raciocínio desesperadoramente linear.

Outro detalhe especialmente suculento do debate foi Alckmin enfatizar que os membros do PCC não são do seu partido, como quem diz que são do outro. Com isso ele mostrou saber da ligação íntima entre PT e PCC. Mas, se sabia, por que se calou? E, se preferiu calar, por que não o fez por completo? Por que deixou escapar uma alusão velada que pelo menos os telespectadores informados entenderam perfeitamente bem? O discurso de Alckmin está obviamente travado por algum controle oculto, a que ele, sem apreciá-lo, se curva por necessidade ou oportunismo.

Mas não é preciso sondar conspirações para explicar isso. Tanto o PT quanto o PSDB – e a quase totalidade das carreiras políticas nos outros partidos – nasceram da resistência à ditadura militar, quando a cumplicidade implícita da oposição moderada com a esquerda terrorista era condição indispensável à sobrevivência de ambas. Removido o inimigo comum, perseverou a obediência ao pacto de lealdade: a disputa é legítima, mas denunciar a trama revolucionária da esquerda radical é “fazer o jogo da direita”. Por mais que a esquerda assanhada os rotule de direitistas – e é um alívio para ela tê-los como extremo limite do direitismo admissível –, os tucanos e tutti quanti ainda são, no seu próprio entender, herdeiros morais da tradição esquerdista, de vinte anos de luta que culminaram na lei de anistia e nas “Diretas Já”. A nação inteira está sendo enganada por esse acordo secreto entre irmãos inimigos. Tucanos e similares podem acusar a petezada de crimes menores, mas denunciar a criminalidade pesada, o narcotráfico, os seqüestros, os homicídios, seria trair a causa comum, o objetivo mútuo de varrer a direita do mapa mediante a total ocupação do espaço pelas disputas internas entre a esquerda e a direita da esquerda.

Pode ter havido um acordo explícito nesse sentido, e informações recentes sugerem que houve. Mas nem era preciso: o ódio comum ao fantasma da “direita”, somado à origem uspiana comum das duas esquerdas, é suficiente para persuadir a ala moderada das vantagens de uma luta fingida, travada sobre um fundo de cumplicidade tácita com a ala revolucionária, terrorista, seqüestradora e narcotraficante. Sem contar, é claro, o fato de que muitos dos moderados do tempo da ditadura não o eram senão em aparência, já que pertenciam às mesmas organizações dos terroristas, apenas desempenhando nelas as funções de camuflagem legal, de acordo com a técnica da duplicidade de vias que é uma constante da estratégia comunista desde Lênin.

A geração inteira dos políticos que fizeram carreira na “luta contra a ditadura”, em suma, está comprometida a ocultar e proteger a violência da esquerda radical. Pode-se combater a “corrupção”, usando a mesma linguagem com que se denunciaria a “direita” se no poder ela estivesse. “Colarinho branco”, afinal, é expressão que tem óbvias ressonâncias de luta de classes. Serve para ser usada pelas duas alas. Mas seqüestros, homicídios e narcotráfico são sacrossantos: são as armas da revolução. Denunciá-los seria traição à causa comum de todas as esquerdas. Por isso o pacto de silêncio domina não só a política partidária, mas a grande mídia inteira, dirigida por gente da mesma geração e da mesma extração ideológica de tucanos e petistas. Alckmin pode odiar esse pacto, mas sabe que violá-lo às escâncaras seria condenar-se ao ostracismo definitivo entre os “filhotes da ditadura”. Ele pode sussurrar insinuações entre dentes, mas jamais revelará em voz alta o segredo tenebroso em que assenta, há vinte anos, toda a política nacional.

A conjunção dos dois fatores aqui assinalados – o uso maciço da estimulação contraditória e o pacto geracional de silêncio em torno dos crimes maiores da esquerda – basta para explicar toda a decadência moral e intelectual do Brasil ao longo de duas décadas. A geração de políticos, jornalistas e intelectuais que hoje está por volta dos sessenta anos – a minha geração – é a mais perversa e criminosa de todas quantas já nasceram neste país. Ela é culpada da idiotização e dessensibilização moral do país, origem de todos os crimes que hoje culminam na matança anual de cinqüenta mil brasileiros. Comparados a essa geração, os mais bárbaros torturadores do Dói-Codi eram apenas aprendizes na escola da delinqüência.

O ridículo mata

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 17 de outubro

Em 25 de setembro escrevi neste Diário do Comércio: “Qualquer que seja o resultado das eleições, qualquer que seja o desenlace das presentes investigações de corrupção, a gangue petista não vai largar gentilmente a rapadura.”

Não se passaram quinze dias e a quadrilha confirmou minha previsão, como aliás costuma fazê-lo há anos, com a regularidade de um cuco. As ameaças explícitas ou veladas de represália violenta à possível derrota de Lula nas eleições são algo mais do que a “chantagem psicológica” que a assessoria de Geraldo Alckmin acredita ver nelas. São o anúncio de um ataque geral à ordem democrática que já está planejado há décadas por todas as organizações de esquerda — PT inclusive, é claro — como alternativa em caso de fracasso da transição pacífica para o socialismo. A coisa já foi proclamada mil vezes e, não tenham dúvidas, vai acontecer. O próprio Lula, um dos que a aprovaram com freqüência no passado, voltou a ela após um período de abstinência forçada e desde sexta-feira passada já está aquecendo os motores da engenhoca subversiva, incitando ao crime os militantes do MST, uma das entidades que prometem vingança golpista em caso de vitória de Alckmin (v. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1410200612.htm)

O contraste falso e artificioso que a mídia chique estabeleceu entre os chamados “setores radicais” do PT e o petismo supostamente ordeiro e legalista de Lula é ele mesmo um instrumento da trama esquerdista, à qual serve para encobrir a unidade da estratégia revolucionária dando uma aparência de dualismo substantivo ao que nunca passou de mera duplicidade de táticas, alternadas ou mescladas conforme as necessidades do momento (mais explicações na entrevista que dei domingo ao site www.conservador.wordpress.com).

Se, enquanto isso, o sr. Marco Aurélio Garcia chama de “terrorismo” a simples divulgação jornalística de fatos que o partido preferiria esconder, é porque é um comunista cínico, empenhado em ocultar a truculência irrefreável da esquerda revolucionária sob uma patética afetação de coitadice.

Terrorismo, no vocabulário dessa gente, não é colocar tropas de agitadores nas ruas para espalhar o pânico entre a população e anular pela força a decisão popular. Terrorismo é contar ao público que o presidente da República está comprometido oficialmente a legalizar o aborto no país – uma verdade banal abundantemente registrada em documentos do próprio PT (se têm dúvidas, vejam tudo em http://www.olavodecarvalho.org/textos/mensagem_aborto.html).

Seria ingênuo esperar racionalidade e senso das proporções da parte de pessoas dispostas a apelar à violência por incapacidade de submeter-se ao ciclo democrático normal do qual ainda ontem diziam ser a encarnação mais pura e elevada; mas o grotesco das alegações estapafúrdias surgidas do cérebro petista em desespero, nas últimas semanas, ultrapassa tudo o que se conhece historicamente em matéria de besteirol comunista.

Karl Marx dizia que a tragédia histórica se repete como comédia, mas, sinceramente, é horrível ver que o nosso país foi escolhido pelo demônio como palco da comédia revolucionária. Todo o potencial da esquerda para o ridículo parece que se concentrou no Brasil. A vergonha que isso traz é até possível de suportar. Insuportável é saber que o sangue que vai correr no palco da comédia é o mesmo da tragédia: não é massa de tomate, é sangue de verdade. Dizem que o ridículo mata, mas na palhaçada brasileira ele arrisca fazer isso em sentido literal, físico. Personagens de carne e osso, tornados ridículos por sua recusa obstinada e sonsa de enxergar um perigo óbvio, serão mortos nas ruas por outros personagens, que a incapacidade de suportar seu próprio ridículo transformou em loucos furiosos.

O romancista Georges Bernanos, que viveu no Brasil e o amava como sua segunda pátria, temia que o país viesse a sucumbir, um dia, na mais sangrenta das revoluções. Nunca foi mais urgente do que hoje a advertência dele: “O perigo que nos ameaça não é somente o de morrer, mas de morrer como idiotas.”

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