Posts Tagged China

A miséria no mundo

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 10 de outubro de 2005

Amigos que muito respeito pedem-me às vezes que escreva algo sobre pobreza, desigualdade social ou coisa assim. Sendo esse o assunto mais mexido e remexido em campanhas eleitorais, discursos parlamentares, teses universitárias, editoriais sapientíssimos, debates de botequim e congressos internacionais de especialistas em tudo, sinto-me naturalmente inibido de entrar numa conversa na qual praticamente todos os membros da espécie humana, por direito de nascimento, se sentem convidados a opinar e na qual, pela insuperável limitação de tempo decorrente da afluência universal ao microfone, cada um só pode desfrutar do seu direito de falar quando exerce com ainda mais tenacidade o direito de não ouvir.

Por isso mesmo tenho acreditado que a minha maior contribuição ao melhoramento da condição social dos desfavorecidos seria uma espartana abstinência de opiniões. Isso não quer dizer que não pensasse no assunto. Pensava nele, sim, mas sem nenhuma esperança de chegar a diagnósticos gerais ou propor terapêuticas. Movido por aquela prudência quase obsessiva que nasce da ignorância consciente, julguei que antes de me alçar a tão altos vôos seria recomendável coletar um certo número de observações básicas fáceis de confirmar, mas suficientemente amplas, na generalidade do seu alcance, para ter alguma utilidade em futuras especulações mais ambiciosas. Em compensação da penúria de opiniões e propostas, não me esquivo de maneira alguma a fornecer aos interessados uma lista dessas constatações:

1. Até onde alcança a visão do historiador, a pobreza e a desigualdade são as condições mais gerais e permanentes do ser humano na Terra. Não são de maneira alguma anomalias observadas, aqui e ali, sobre um fundo universal de prosperidade e igualdade. Também não são mutações sobrevindas após uma etapa historicamente registrada de riqueza geral e justa distribuição. O comunismo primitivo é uma conjeturação mítica exatamente como a Idade de Ouro de Hesíodo.

2. Em nenhuma etapa histórica anterior ao século XVIII europeu observa-se um estado de espírito marcado pela revolta geral, radical e crescente contra a desigualdade social em qualquer das suas formas. Essa revolta, partindo da França, veio junto com a crença na possibilidade de uma sociedade inteiramente planejada por uma elite de revolucionários iluminados.

3. A idéia da sociedade planejada sofreu muitas modificações desde então, mas toda tentativa de realizá-la produziu níveis de miséria e desigualdade social nunca imaginados pelas gerações anteriores. O mais radical desses experimentos, o “Grande Salto para a Frente” da China revolucionária, matou de fome trinta milhões de pessoas em uma década – por certo o mais notável desastre econômico de todos os tempos, só comparável a devastações produzidas por catástrofes naturais. Na Rússia soviética, após sete décadas de comunismo, o cidadão médio consumia menos proteínas do que um súdito do tzar, e tinha menos meios de adquirir um automóvel do que um negro da África do Sul sob apartheid .

4. Só povos que se atiraram de cabeça na aventura capitalista conseguiram elevar significativamente o padrão de vida de suas populações, mas em muitos países a prosperidade veio junto com um crescimento ainda maior do aparato burocrático-estatal, resultando naquela mistura de capitalismo e socialismo que leva o nome genérico de “fascismo”, um regime que deságua quase que naturalmente na autodestruição por meio da guerra.

5. Embora desde o século XVIII as esperanças de uma vida melhor para os pobres viessem associadas à expectativa de uma ampliação geral dos direitos civis e políticos, em muitos países esses dois objetivos entraram em conflito, ora sacrificando-se a liberdade em nome da igualdade, ora esta em nome daquela.

6. Somente um país conseguiu manter-se numa linha de desenvolvimento econômico constante e progressiva eliminação da pobreza sem sacrifício considerável das liberdades individuais: os Estados Unidos da América. Coincidência ou não, esse foi o país em que a doutrina da sociedade planejada foi recebida com maior frieza e hostilidade, só alcançando alguma aceitação nos períodos de atividade militar intensa (presidências de Woodrow Wilson, Franklin D. Roosevelt e Lyndon B. Johnson).

7. Desde a época de Johnson, no entanto, a tendência ao controle estatal crescente e à restrição das liberdades nos EUA tem aumentado perigosamente nas últimas décadas, com ou sem atividade guerreira concomitante. Essa tendência vem associada a projetos de uma Nova Ordem global, fortemente apoiada por uma elite de metacapitalistas (a explicação do termo encontra-se em http://www.olavodecarvalho.org /semana/040617jt.htm ), que, para realizar sua ambição de uma sociedade planejada global, já se mostraram dispostos a sacrificar parcelas importantes da própria soberania nacional americana. (O conflito mortal entre globalismo e interesse nacional americano, o fato capital da nossa época , é totalmente desconhecido do público brasileiro, graças à ignorância maciça – não raro voluntária – da classe jornalística e daquela raça de macacos, mistos de papagaios, com cérebros de jumento e almas de víbora, que a si próprios se denominam “intelectuais”. Há muitos livros a respeito, mas a fonte mais acessível é o site de Henry Lamb, http://www.sovereignty.net , que abrirá para o leitor uma infinidade de outras fontes.)

8. Hoje em dia, a promessa de eliminação radical da miséria e da desigualdade social no mundo, repetida ao ponto de disseminar por toda parte uma explosiva impaciência com a continuidade desses males, é alardeada principalmente pelos centros de difusão do projeto globalista, cujo porta-voz mais notório é a ONU. Dessa mesma origem provêm inúmeros outros projetos associados, como o da uniformização mundial dos padrões educacionais, o de um controle ecológico global o de uma fusão administrativa de todas as religiões numa espécie de gerência espiritual do planeta. Não pretendo opinar sobre os planos econômicos da ONU e demais entidades associadas, que não estudei a fundo, mas tenho a certeza de que não estão desligados dos projetos nas áreas de educação, ecologia e religião, já que, se me permitem, o globalismo é global, isto é, holístico, uma visão unificada construída ao longo de meio século e não uma colcha de retalhos improvisada. Tal como no século XVIII, a utopia do progresso igualitário vem hoje no bojo de um projeto civilizacional integral, a ser realizado por meio do planejamento centralizado. A diferença é que os philosophes se tornaram burocratas, têm poder decisório, recursos financeiros ilimitados e escala de ação global.

9. Um breve exame do Index of Economic Freedom , aqui citado na semana retrasada, basta para mostrar que os níveis máximos de miséria e desigualdade social coincidem com os locais de maior interferência estatal e economia planejada. O argumento em favor da economia planejada global é que os planejamentos falharam porque adotados em escala nacional, defrontando-se ao mesmo tempo com dificuldades que transcendiam as fronteiras das nações. Basta portanto universalizá-los e tudo correrá às mil maravilhas.

10. O programa globalista não é a mesma coisa que a expansão mundial do capitalismo, um processo historicamente espontâneo no qual ele toma carona parasitária, tal como aconteceu em escala nacional em vários países, onde o crescimento do capitalismo teve como efeito colateral a ascensão dos metacapitalistas e a proliferação dos seus aliados naturais, os burocratas e os intelectuais ativistas. Nesse sentido, a profecia de Karl Marx de que o capitalismo geraria os seus próprios coveiros se revelou acertada, com a ressalva de que esse papel não coube nem poderia caber aos proletários, mas à parcela mais ambiciosa politicamente da própria classe capitalista e aos “intelectuais” (no sentido gramsciano e ampliado do termo). Esta ressalva, por sua vez, foi diagnosticada e expressa em tempo hábil pelos socialistas fabianos – especialmente Bernard Shaw –, não sendo, pois, de espantar que o fabianismo tenha se tornado, formal ou informalmente, a ideologia dominante das elites burocráticas globalistas. A tensão aparentemente insolúvel entre expansão do capitalismo e centralização burocrática mundial lateja no fundo do conflito, acima mencionado, entre os EUA e os organismos globais.

11. Exatamente como as propostas globalistas em educação, ecologia e cultura religiosa – cujas fontes analisarei em outro artigo –, a promessa de eliminação mundial da pobreza é uma parte integrante de um discurso ideológico globalista, e a ela não corresponde nenhum mecanismo prático de realização exceto aqueles já desencadeados espontaneamente – e anteriormente — pela expansão planetária do capitalismo, à qual o globalismo só vem a acrescentar, em última análise, um elemento parasitário: os custos crescentes de uma burocracia planetária cada vez mais intromedida, paralisante e contraproducente.

12. A luta contra a pobreza e a desigualdade social encontra-se hoje no seu ponto de máxima tensão. De um lado, a revolta radical contra esses males milenares se incorporou de tal modo à mentalidade coletiva, que por toda parte se espalhou a expectativa insana de soluções globais a prazo relativamente curto. De outro lado, essa mesma expectativa alimenta o crescimento da burocracia planetária que suga e desvia para seus próprios objetivos políticos os frutos da expansão mundial do capitalismo, retardando a distribuição dos seus benefícios a bilhões de seres humanos necessitados.

13. O Brasil, nesse panorama, é uma folha levada na tempestade, incapaz não só de controlar o seu destino mas até mesmo de compreendê-lo, graças à inépcia geral dos “intelectuais” nacionais, que estão entre os mais despreparados, levianos e pretensiosos do mundo.

Assim descrito o quadro, na medida das minhas possibilidades, e ressalvada qualquer imprecisão devida à pressa da redação jornalística, permito-me agora emitir uma opinião. Como qualquer outro ser humano, eu desejaria uma vida melhor para todos, mas, ao contrário da maioria deles, não acredito que se deva esperar algum progresso substancial na busca desse objetivo ao longo das próximas décadas, apesar de todas as conquistas da técnica agrícola e industrial. A tensão entre capitalismo e globalismo não resultará necessariamente em tragédia global, mas é quase impossível que ela não desemboque mais cedo ou mais tarde em agressões militares de conseqüências incalculáveis. O capitalismo é uma força de expansão, o globalismo uma força de contração. Equivalem, no simbolismo alquímico, ao mercúrio e ao enxofre. A produção da resultante – alquimicamente, o sal – é um processo infinitamente delicado, sutil e complexo, mais sujeito ao acaso e à providência divina do que ao arbítrio humano. A atenção devota, a paciência, a prudência e a busca constante da compreensão do processo são aí incomparavelmente mais úteis e necessárias do que os programas e as palavras-de-ordem. Mais úteis ainda para aqueles países que, sem ter voz ativa no processo, não podem contar senão com a esperança de uma adaptação vantajosa às circunstâncias de cada momento. Infelizmente, é precisamente nesses países que prolifera de maneira mais incontrolável a raça dos “intelectuais” amantes de slogans e palavras-de-ordem.

***

Tal como expliquei aqui semanas atrás, o presidente George W. Bush, embriagado por altos planos para o Oriente Médio, levou até o limite da imprudência a aposta no unanimismo bipartidário. Suas concessões ao partido adversário, que começaram com uma política fiscal inversa à prometida em campanha e culminaram na nomeação de uma contribuinte de Al Gore para a Suprema Corte, passando por uma tolerância quase suicida para com os imigrantes ilegais, receberam finalmente um “basta” da base conservadora. Isso já era esperado aqui desde muito tempo. Só é novidade para a mídia brasileira, que, após ter pintado Bush com as cores do conservadorismo radical, não podia mesmo enxergá-lo com suas dimensões reais de conciliador compulsivo. Vista daqui, a mídia brasileira é uma infindável comédia de erros.

De onde vem a guerra

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 15 de setembro de 2005

Neste momento há três e não mais de três grandes planos de guerra em andamento no mundo. Vêm sendo montados há tanto tempo, com tão vasta mobilização de recursos e já em estágio tão avançado de implementação, que só mudanças repentinas do cenário mundial, bastante improváveis aliás, podem talvez impedir que mais cedo ou mais tarde sejam levados às últimas conseqüências.

O primeiro deles é a investida da China contra Taiwan, antecipada por manobras navais intimidatórias e destinada a suscitar uma resposta americana, justificando então um ataque chinês ao território dos EUA. Para isso Beijing acumula armas atômicas e nanotecnológicas em escala apocalíptica, enquanto os EUA, burguesmente confiantes numa ridícula estratégia de apaziguamento comercial, fazem cortes e mais cortes nos seus orçamentos militares (prova inequívoca de intenções belicosas, não é mesmo?). Leiam Hegemon: China’s Plan to Dominate Asia and the World, de Steven W. Mosher (Encounter Books, 2000) e procurem no Google os artigos de Lev Navrozov  e J. R. Nyquist.

O segundo é o cronograma islâmico em sete etapas (estamos na segunda) para estabelecer um califado global até o ano 2020 . Foi divulgado pelo jornalista jordaniano Fouad Hussein em entrevistas com os principais líderes terroristas — a começar pelo orquestrador do caos iraquiano, Abu Musab al-Zarqawi — publicadas no livro A Segunda Geração da Al-Qaeda (em árabe). Um resumo encontra-se no jornal australiano The Age (v. http://www.theage.com.au/news /war-on-terror/alqaeda-chiefs -reveal-world-domination -design/2005/08/23/112456286165 4.html?oneclick=true ). Tal como no caso anterior, o ponto principal desta estratégia é suscitar conflitos locais que desencadeiem uma resposta americana e então usá-la como pretexto legitimador para um ataque aos EUA.

O terceiro está bem aqui pertinho. A adoção oficial da doutrina de “guerra do povo” do  general vietnamita Giap para a militarização da sociedade (v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/041226zh.htm ), a implantação da Nova Lei Orgânica das Forças Armadas que transforma essa doutrina em realidade, a presença de mais de vinte mil soldados cubanos na Venezuela e de tropas da Venezuela nas Farc – tudo isso torna evidente, na análise do ex-chefe da Casa Militar da presidência venezuelana, vice-almirante Mario Iván Carratú Molina, a lógica militar de Hugo Chávez: agressão conjunta à Colômbia por forças da Venezuela, de Cuba e das Farc para suscitar uma reação de Washington e então mobilizar a América Latina inteira contra os EUA (v. http://www.noticierodigital .com/forum/viewtopic.php?p =168913#168913 ).

A mídia brasileira oculta esses planos como ocultou, por mais de uma década, o Foro de São Paulo. Mas, como os três convergem na meta de induzir os EUA a um combate multilateral, paralisando-os ao mesmo tempo por meio de cobranças morais e diplomáticas das quais seus agressores já estarão automaticamente dispensados (tal é a regra da “guerra assimétrica”: v. http://www.olavodecarvalho.org /semana/040520fsp.htm ), é claro que não podem entrar em ação aberta sem a adequada preparação psicológica do ambiente em todos os países envolvidos, inclusive o Brasil. Por isso é que já pululam, nos nossos jornais, comentários que alertam contra a eventual reação defensiva americana, chamando-a antecipadamente de “invasão imperialista” e apresentando-a como se fosse o lance inicial das hostilidades, sem causas nem antecedentes exceto a pura maldade ianque.

Os autores desses artigos, fora algumas exceções que o termo leninista “idiota útil” resume com precisão, são militantes do Foro de São Paulo, agentes de influência formados nos serviços de inteligência comunistas ou indivíduos que sintetizam essas duas belas qualidades. Não são repórteres narrando o que viram ou analistas tentando compreender o mundo. Seus escritos estão fora da definição de “jornalismo”. São propaganda e desinformação no sentido mais estrito e profissional dos termos. Fazem parte do esforço de guerra.

Amantes do furacão

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 5 de setembro de 2005

Até o momento em que escrevo esta coluna, o Brasil não está entre os 25 países, os 25 únicos países que, dos quase duzentos membros da ONU, ofereceram ajuda às vítimas do furacão Katrina. Estamos mesmo é com Hugo Chavez, um sociopata insensível, que preferiu zombar dos cadáveres com uma oferta cínica de… petróleo!

Os EUA não precisam de ajuda nenhuma do exterior. Muitas cidades americanas já foram destruídas por terremotos, incêndios e furacões. Foram reconstruídas, sem ajuda de quem quer que fosse, pelo povo cujo trabalho suado salvou os russos, várias vezes, de morrer de fome, e ainda reergueu a Alemanha, a Itália, a França, a Inglaterra e o Japão depois da guerra.

Os EUA não precisam de ninguém. Mas, quando a simples intenção humanitária é sonegada tão maciçamente por países que sem a ajuda americana já nem mesmo existiriam, a conclusão inevitável é que o ódio espalhado no mundo pela brutal campanha de difamação sustentada pelo sr. George Soros não se volta contra os srs. Bush e Rumsfeld, mas contra a nação americana enquanto tal: seu povo, sua história, seus valores, sua simples existência física.

Os americanos criaram a única sociedade decente que existe no planeta, a única onde moral, humanitarismo e piedade ainda contam para alguma coisa, a única onde a terça parte do povo faz trabalhos voluntários para socorrer outros povos, a única que alimenta e ampara as nações que a combatem, a única onde os próprios direitos da cultura nacional são negados para dar mais espaço a imigrantes presunçosos, a única onde até terroristas estrangeiros sanguinários presos em combate têm os direitos dos cidadãos locais, a única que constantemente se coloca a si própria em questão com uma coragem intelectual inigualável, a única onde a luta pela justiça é a própria substância da vida nacional, a única que se condena a si mesma antes de jogar as culpas nos outros, a única que, vencedora numa guerra, retirou imediatamente suas tropas, deixando que os derrotados reconquistassem sua liberdade e dignidade, enquanto seu grande parceiro de vitória permanecia por décadas nos territórios ocupados, com tanques, canhões e pelotões de fuzilamento, sugando sangue de dezenas de povos e ainda acusando os americanos de “imperialismo”.

Os americanos criaram a única nação que, julgada em comparação com as outras – e não com os padrões angélicos artificiosos com que elas a julgam precisamente para fugir da comparação humana na qual sabem que sairiam perdendo –, tem mais motivos de se orgulhar que de se envergonhar.

A existência da América é uma vergonha para os russos, que juraram destruí-la e acabaram de chapéu na mão, implorando socorro. É uma vergonha para a China, que acumula armas nanotecnológicas na esperança insana de matar de varíola e tifo a população americana inteira mas não pode usá-las, porque seria mandar para a panela a galinha que bota ovos de ouro nas estatais de Pequim. É uma vergonha para o mundo islâmico, que com toda a sua bela oratória religiosa de mil e quatrocentos anos jamais conseguiu criar uma sociedade que não fosse, em maior ou menor medida, a negação viva das promessas corânicas de liberdade e justiça. É uma vergonha para os latino-americanos, que não suportam a comparação com o vizinho do Norte sem roer-se de desprezo a si mesmos e buscar alívio em histrionismos e fanfarronadas de uma abjeção sem par.

A campanha do sr. Soros somou todas essas vergonhas, para jogá-las sobre a América. A campanha está surtindo efeito.

Por isso, pela primeira vez na história da pretensa “ordem internacional”, a afetação de humanitarismo, usual nas catástrofes naturais, cedeu lugar à indiferença explícita, quando não aos sorrisinhos de satisfação. O mundo está hoje repleto de amantes de Katrina, como ontem de admiradores de bin-Laden.

Louisiana desconhecida

Alguns capítulos da verdadeira história da tragédia de New Orleans, cujo reverso fictício vocês lêem na mídia brasileira todos os dias.

A Louisiana é o estado mais corrupto dos EUA, uma Petelândia do Norte. Há décadas o governo federal envia verbas enormes para obras públicas, o dinheiro some. Técnicos passaram anos alertando que as barragens do lago Pontchartrain não agüentariam um solavanco mais sério, ninguém ligou.

Fora as refinarias de petróleo, o Estado mal tem infra-estrutura industrial. Milhões de desempregados obesos, brindados pela previdência social até com vouchers do MacDonald’s, passam as tardes em cadeiras de balanço, nas varandas de suas casas em ruínas, curtindo uma ociosidade deprimente e sem esperança. A taxa de delinqüência é a maior do país. O turismo sexual move a economia. Desordem, ilegalidade, roubalheira, confusão: estava tudo pronto para que, ao primeiro abalo da casca de civilização que ainda recobria o cenário, a Louisiana encenasse uma espécie de “Lord of the Flies” tamanho Spielberg.

Dois dias antes de romperem as barragens, o governo do Estado, alertado pelo serviço meteorológico, determinou a evacuação das áreas de risco. Os sábios da grande mídia acharam que era um exagero, porque o furacão ainda era considerado de categoria 3, tolerável. O povo acreditou na mídia e no prefeito cuja indolência a confirmava.

A cinco milhas da zona que viria a ser atingida, há terra seca, moradias, aeroporto, serviços públicos. A população teve dois dias para salvar a vida. Bastava andar cinco milhas. Ninguém andou, nem foi incentivado a isso. O governo federal ofereceu convocar a Guarda Nacional para ajudar na evacuação, ninguém quis. Nossa polícia dará conta do recado, garganteavam.

No tumulto que se seguiu, a polícia em desespero abriu as portas das cadeias, liberando milhares de delinqüentes que logo se armaram e espalharam novos motivos de pânico entra uma população já aterrorizada.

Tantos são os crimes e tantos os criminosos na longa preparação da tragédia, que os primeiros jamais serão investigados e os segundos jamais serão punidos. O remédio, naturalmente, é cuspir no culpado de sempre. George W. Bush provocou o furacão porque não assinou o protocolo de Kyoto. George W. Bush gastou no Iraque o dinheiro da reforma das barragens. George W. Bush não convocou a Guarda Nacional em tempo. George W. Bush não mandou o Exército para socorrer a multidão de vítimas, porque eram negras e ele é um maldito racista branco.

Adianta dizer que mil Protocolos de Kyoto não mudariam o clima terrestre em tão pouco tempo, sobretudo porque essa fraude monumental isenta de restrições ecológicas os maiores poluidores do mundo, China e Índia?

Adianta dizer que o dinheiro que foi para o Iraque não era da reforma e que, mesmo se fosse, jamais a barragem ficaria pronta antes de chegar o furacão?

Adianta dizer que quem não quis a Guarda Nacional em tempo foi o governo da Louisiana, e que aliás a Guarda Nacional é uma organização de voluntários, espalhados por suas casas e empregos, impossíveis de reunir em número suficiente para um desafio dessas proporções em menos de três ou quatro dias?

Adianta dizer que uma lei americana centenária proíbe a mobilização do Exército para qualquer assunto interno, que mudar essa lei seria uma discussão de meses no Congresso e que George W. Bush não é o Congresso?

Não, não adianta. Nos EUA, é claro, só uma fração mínima da opinião pública levou a sério as calúnias escabrosas que, como sempre, vieram pela boca dos Jesses Jacksons e Michael Moores. No Brasil, elas passam por verdades absolutas.

Jornalismo da vaca amarela

O colunista Zuenir Ventura aderiu à campanha lançada pela sua colega Miriam Leitão – aqui comentada no artigo anterior — para fazer de conta que ninguém na redação do Globo sabia da corrupção petista, pela simples razão de que jamais tive uma coluna semanal ali, jamais escrevi nada que pudesse alertar do assunto os meus colegas e, se escrevi, eles, coitadinhos inocentes, nunca leram. Como Groucho Marx, não lêem jornais que os aceitam como empregados.

Quinze anos de ocultação de crimes valem por outros tantos crimes. Quando por fim os delitos originais são revelados sem que ninguém mais consiga escondê-los, a saída de emergência é ocultar a ocultação. É a engenharia do esquecimento. Miriam e Zuenir lideram o pelotão de empreiteiros.

Com exceção de uns poucos, cujos nomes não cito para não fazer deles alvos de ódio, não há mais jornalistas na redação do Globo. Há somente agentes de influência do Foro de São Paulo, mentirosos compulsivos, covardões oportunistas, signatários compulsivos de manifestos pró-Chavez e, é claro, clones em miniatura de Duda Mendonça.

Direi que são uma vergonha para a profissão? Mas como ter a certeza de que compreenderão o que quer dizer “vergonha”? Sua memória talvez não chegue tão longe.

Suma patifaria

Quando comecei a falar do Foro de São Paulo, desagradando um jornal que esperava que eu nada fizesse contra o seu querido socialismo além de repetir os argumentos econômicos usuais – e já então sem efeito — do falecido dr. Roberto Campos, a gangue do candidato Lula ficou logo alarmada. Depois das eleições, seria fácil, com verbas federais, obter da mídia o silêncio obsequioso que viria a se mostrar tão eficaz. Naquela época, porém, era preciso inventar um desmentido às pressas. O desmentido veio pelas mãos do “assessor internacional” de Lula, o sr. Giancarlo Summa, o qual, em nota oficial, afirmava taxativamente ser o Foro apenas um encontro informal de debates, sem qualquer alcance estratégico ou decisório.

Respondi que encontros informais de debates não emitiam resoluções, muito menos resoluções sempre unânimes como as do Foro (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/10192002globo.htm ).

A resposta bastava, mas agora veio outra melhor. E veio da boca do próprio presidente da República, no discurso extraordinariamente vexaminoso, mesmo para os padrões lulísticos, com que enalteceu as condecorações oferecidas a alguns de seus puxa-sacos mais devotados: “Então, nós passamos a ter uma relação privilegiada com presidentes e com ministros que eram militantes, junto conosco, do Foro de São Paulo.”

Ou seja: o clube informal de debates, além de emitir resoluções, tinha também militantes. Ouviram bem? Militantes. Não sei onde anda o sr. Summa. O que sei é que é uma delícia ver o presidente, ex ore suo, meter um carimbo de mentiroso na testa do assessor que tentou lhe encobrir as indecências.

A verdadeira invasão

Não satisfeitos de enviar ao Brasil duzentas toneladas anuais de cocaína em troca de armas contrabandeadas do Líbano, os homens das Farc treinam bandidos nos morros cariocas, recrutam brasileiros para o narcotráfico e atiram em nossos soldados na Amazônia, ao mesmo tempo que continuam transitando à vontade no Palácio do Planalto sob a proteção das autoridades federais e participando de festinhas em Brasília com políticos governistas, nas quais se gabam de ter financiado a campanha presidencial do PT. Será coincidência que pela primeira vez um desses tipos, o sr. Olivério Medina, tenha sido preso justamente no momento em que a fortaleza de seus protetores no governo federal ameaça desabar, e não antes?

No Equador e na Bolívia, a política interna é ditada por grupos “bolivarianos” subsidiados por Hugo Chavez e orientados, através dele, por Fidel Castro.

Na Venezuela, policiais e juízes de Cuba, autorizados a isso por uma lei de Hugo Chavez, podem prender qualquer um nas ruas, seja cubano, venezuelano ou de qualquer outra nacionalidade, sem que o infeliz tenha sequer o direito de apelar aos tribunais locais.

Milícias venezuelanas, por sua vez, operam dentro do território da Colômbia, ajudando as Farc.

É esse o panorama do que alguns agentes de influência, bem colocados na mídia, nas universidades, nas academias militares e na Escola Superior de Guerra, chamam de “soberania nacional”, jurando que a coisa mais patriótica do mundo é defendê-la contra uma iminente “invasão ianque”.

O prezado leitor acha que algum desses indivíduos é idiota o bastante para acreditar sinceramente que Fidel Castro, Hugo Chávez e os homens das Farc sejam patriotas brasileiros, arrebatados de emoção verde-amarela, devotos da memória de Caxias, ciosos da honra nacional e da integridade do nosso território?

Acha que são sonsos ao ponto de ignorar que a promiscuidade judicial cubano-venezuelana, a onipresença triunfante da narcoguerrilha e a hegemonia absoluta do Foro de São Paulo são, já, a dissolução das fronteiras nacionais e a preparação da futura União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas?

Pois é. Nada disso. Eles sabem perfeitamente bem que nenhum país da AL tem condições de repelir sozinho a intromissão multilateral armada e corruptora, que aquilo que chamam “invasão americana”, se um dia chegar a se materializar, será na mais enfática das hipóteses o envio de umas poucas tropas a pedido de governos locais acossados, como aconteceu na Colômbia, que desencadear uma onda de pânico anti-americano é apenas diversionismo calculado para legitimar, sob desculpa alarmista e falsa, o fortalecimento da máquina chavista-fidelista-narcótica que oprime o continente.

Sabem perfeitamente que a ocupação norte-americana de uma parte qualquer da América Latina, mesmo ínfima, está fora de cogitação, porque os EUA não são uma Cuba qualquer, onde um cachorro louco fardado sai rosnando ordens e todo mundo obedece. Os EUA têm leis, têm uma ordem constituída, têm liberdade de imprensa, têm um parlamento, e quem quer que apareça em público propondo mesmo a título de simples conjeturação teórica uma invasão da América Latina receberá mil vezes mais pauladas do que o pastor Robertson, que sugeriu ainda mais conjeturalmente um tiro, apenas um tiro, um tirico de nada, na cabeça de anta do sr. Hugo Chavez.

Sabem que ninguém, nos EUA, quer um metro quadrado, um centímetro quadrado, um milímetro quadrado da América Latina, nem dado de graça. Sabem que, se a população do Brasil inteiro, de joelhos, implorar aos americanos: “Invadam-nos”, a resposta será: “Não, obrigado. Vocês têm idéia de quantos soldados e funcionários teríamos de enviar para botar ordem nessa bagunça infernal que vocês armaram aí? Têm idéia de quanto custaria isso? Daria para reconstruir duzentas New Orleans.”

Pois é, aqueles fulanos sabem de tudo isso, mas mentem, porque só são jornalistas nominalmente. Em substância, são agentes de influência, o que é coisa totalmente diversa. Explicarei a diferença num dos próximos artigos.

Veja todos os arquivos por ano