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Infração de trânsito

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 07 de fevereiro de 2008

Sempre que um agente da esquerda armada é preso em flagrante delito, a reação-padrão da esquerda desarmada é dupla e simultânea: de um lado, denuncia o sujeito como ex-militante que abandonou a luta política para praticar em benefício próprio o “capitalismo selvagem”; de outro, organiza campanhas para protegê-lo e libertá-lo como se ele não fosse um bandido comum e sim um honrado “combatente pela liberdade”. E faz isso sem se preocupar nem mesmo em simular coerência, sabendo que a contradição, quanto mais cinicamente ostensiva, mais tem o dom de inibir no público o desejo de percebê-la.

O artifício ainda tem a vantagem adicional de equalizar capitalismo e bandidagem, como se a simples voracidade de lucros, mesmo inescrupulosos, fosse a mesma coisa que seqüestros, homicídios, assaltos e narcotráfico. Para cúmulo de ironia, a própria “direita” (seja isto lá o que for) colabora com o empreendimento, endossando o diversionismo na sonsa esperança de desmoralizar a esquerda mediante a alegação de que ela é vulnerável à tentação capitalista – o que é propriamente aquilo que os retóricos da antigüidade chamavam de “argumento suicida”.

O mesmo procedimento aplica-se a gangues inteiras, quando os crimes que elas praticam em prol da revolução comunista começam a aparecer na mídia em tons demasiado chocantes: por um lado, a esquerda elegante busca se desvincular de qualquer ligação aparente com elas, acusando-as de trocar os ideais revolucionários pelo enriquecimento ilícito; por outro, continua a afagá-las nas reuniões do Foro de São Paulo e a fornecer-lhes todo o apoio jurídico, diplomático e institucional para que sejam reconhecidas internacionalmente como organizações políticas legítimas.

É mais que evidente que as duas operações estão ligadas uma à outra – no mínimo, porque os agentes são os mesmos – e que ambas são planejadas como complementos necessários sem os quais a ação violenta não poderia produzir os resultados políticos almejados. O desinformante e o agente de influência são tão criminosos quanto o seqüestrador, o assassino, o traficante. São o lado “colarinho branco” da estratégia revolucionária.

Essa divisão de trabalho é tão antiga quanto o próprio movimento comunista, para o qual ela não passa de rotina banal. Infelizmente, no Brasil só parecem saber disso os próprios comunistas e dois ou três estudiosos excêntricos. Para os demais, os dados da equação — a ação armada, a manipulação diversionista e a rede de proteção legitimadora — permanecem separados como grãos de poeira cósmica em três galáxias distantes. No fundo, essas pessoas talvez saibam que se enganam a si próprias. Mas sempre resta a esperança de que a auto-sugestão, forçada até o extremo limite da fantasia psicótica, transmute magicamente a realidade das coisas. É isso o que no Brasil de hoje se chama “pensamento empresarial”.

Graças a esse fenômeno, é pouco provável que alguém neste país se dê conta de que a revelação da parceria entre Hugo Chávez e o narcotráfico das Farc (v. Revealed: Chávez role in cocaine trail to Europe), somando-se às informações que resumi em Digitais do Foro de São Paulo, é a prova final de que a ditadura venezuelana não constitui um fenômeno isolado, mas apenas uma das engrenagens da estratégia revolucionária continental elaborada pelo Foro de São Paulo.

É claro que, como os demais brasileiros, estou preocupado com a gastança federal em cartões de crédito. Mas acusar só por esse delito os autores do maior concurso de crimes já observado na América Latina é como punir um serial killer por infração de trânsito.

O ano em que o tempo parou

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de novembro de 2007

Se 1968 ainda é chamado “O Ano Que Não Terminou”, é porque não terminou mesmo — nem dá sinais de pretender fazê-lo tão cedo. Ao menos no Brasil é assim. Os trejeitos e cacoetes verbais que dominam o horizonte mental “dêfte paíf” ainda são em essência aqueles que então ecoavam pela rua Maria Antônia e pelos bares do Leblon, os dois pólos neuronais, Tico e Teco, entre os quais circulava o comércio local de idéias.

Isso não quer dizer que o Brasil esteja preso no passado. Está é fora do tempo. Na França, nossa principal fornecedora de gadgets intelectuais, 1968 não foi propriamente um capítulo da História, foi uma crise abrupta de esquecimento, quando o acesso cognitivo a milênios de tradição cultural se tornou inviável graças ao consumo conspícuo de dois poderosos estupefacientes. De um lado, veio a repentina substituição do ensino tradicional baseado em letras clássicas e ciências físicas pela nova cultura de sexo, drogas, rock’n roll e guevarismo, criada para atender a um público de adolescentes que a prosperidade da classe média no pós-guerra transformara em consumidores independentes e vorazes (o processo está relativamente bem documentado na obra apologética Linguistique et Culture Nouvelle , de Philippe Rivière e Laurent Danchin, Paris, Éditions Universitaires, 1971). De outro, as próprias instituições nominalmente encarregadas de conservar a inteligibilidade do passado foram incapacitadas para essa tarefa pela disseminação epidêmica da moda “desconstrucionista”. Se a alfabetização consiste em construir pontes entre os sinais escritos e o mundo da experiência exterior e interior, é evidente que dinamitar essas pontes, fazendo da linguagem um universo auto-referente, não pode resultar em nenhuma elevação do nível de compreensão da cultura, e sim apenas numa forma superior de analfabetismo, praticamente irreversível por vir legitimada pelo aval da intelectualidade acadêmica, aliás a mais presunçosa e pedante que já existiu. Também é patente que, na impossibilidade de apelar ao testemunho da realidade experienciada, o único critério de julgamento que resta é precisamente a palavra daquela intelectualidade, investida assim, gramscianamente, da “autoridade onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

Cortando a comunicação com o passado, 1968 destruiu o senso de continuidade histórica, de modo que todo o progresso alcançado desde então no mundo do pensamento – e ele foi considerável – se deu à margem da zona desconstrucionista, tornando-se incompreensível ou totalmente invisível aos que permanecem dentro dela. Esses adolescentes perpétuos continuam fechados numa redoma de atemporalidade postiça, separados da história e da atualidade, entregues aos prazeres mórbidos da auto-referência narcisista psicoticamente repetitiva, que os vai tornando cada vez mais estúpidos e incapazes à medida mesma em que reforça a sua devoção aos mitos culturais e políticos de um ano lendário transfigurado em caricatura grotesca da eternidade.

Foi assim que a França saiu da história intelectual do mundo, e o Brasil, que nunca havia entrado nessa história senão como apêndice da França, saiu junto com ela sem nem perceber. O reinado da inconsciência que desde então se instalou no país, eliminando toda possibilidade de vida intelectual genuína ao menos dentro das fronteiras do establishment , está na origem da assombrosa degradação moral e política da qual hoje todos se queixam mas que, no fim das contas, é o destino que escolheram.

O PT tira a máscara

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 24 de agosto de 2007

O vídeo preparatório ao 3º Congresso do PT é a prova cabal de tudo aquilo que venho dizendo desse partido há mais de uma década: é um partido revolucionário, empenhado em implantar no Brasil um regime comunista.

Assistam e tirem suas dúvidas. Entre outras coisas, a propaganda deixa claro que o PT foi o fundador e organizador do Foro de São Paulo e, como tal, o responsável direto pelo advento dos Chávez, Morales e tutti quanti , aos quais até os luminares do Departamento de Estado americano imaginaram que ele pudesse servir de alternativa democrática.

Extinguir o capitalismo com a ajuda sonsa dos próprios capitalistas, chegar ao socialismo usando “a democracia como estratégia” ( sic ), é o mínimo que o novo programa petista promete e, não encontrando resistência praticamente nenhuma, vai realizar sem a menor dificuldade, entre sorrisos de suas vítimas subservientes.

Por ter dito a verdade óbvia a respeito do processo revolucionário comunista, que agora o próprio PT assume da maneira mais descarada, fui xingado, escarnecido e ridicularizado, sofri mais difamação do que qualquer outro brasileiro vivo, perdi três empregos na mídia e recebi tantas ameaças de morte que passei a me considerar oficialmente falecido e não me preocupei mais com isso.

Não, não estou me queixando. O fenômeno me toca menos como incomodidade pessoal do que como sintoma da ignorância presunçosa das nossas elites políticas, empresariais e militares, que com perseverança asinina insistiram em rejeitar as minhas advertências e em cultivar uma imagem lisonjeira do petismo, seja em busca de vantagens imediatas – suicidas a longo prazo –, seja simplesmente de proteção poliânica contra uma realidade que se anunciava temível demais para as suas alminhas frágeis e trêmulas.

Também não quero humilhar os derrotados, quero apenas adverti-los novamente, desta vez com a certeza absoluta de que o tempo restante para uma reação eficaz está se esgotando rapidamente, muito rapidamente.

Uma reação eficaz subentende conhecimento exato do estado de coisas e da sua longa preparação histórica, assim como disposição para jogar ao lixo todas as ilusões de que o comunismo acabou, de que o Brasil, por especial proteção divina, é imune à tentação revolucionária, ou de que o governo americano está interessado em defender o nosso país contra a onda castrochavista.

Os americanos só se interessarão por isso se lutarmos para despertar seu interesse. Por enquanto, o único brasileiro que vem tentando fazer alguma coisa nesse sentido sou eu – sem apoio institucional, sem dinheiro, sem um único ajudante e contando apenas com a força de uma cara-de-pau que a mim mesmo me surpreende. Não tenho acesso direto ao governo, mas tenho falado o quanto posso, em think tanks , instituições universitárias e até na Academia de West Point.

Noventa por cento dos que me ouvem me dão razão, mas não posso competir com a ação petista espalhada em Washington e Nova York, protegida até mesmo pelas frações do empresariado brasileiro aí presentes.

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