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Sexólogos mirins (II)

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de junho de 2015

          

Todo animal cresce e se desenvolve no sentido de alcançar a realização das potencialidades máximas da sua espécie, não de qualquer outra. Esse auge é o que se chama “maturidade”.
Uma vaca leiteira alcança a maturidade quando se torna capaz de produzir quarenta litros de leite por dia. Um urso, quando se torna grande, pesado, forte e feroz o bastante para matar outros ursos — fêmeas e filhotes inclusive. Um bloodhound, quando se torna capaz de seguir uma pista por cem quilômetros.
A escala do desenvolvimento sexual que expus na primeira parte deste artigo (leia aqui) é própria e exclusiva do ser humano. Ela é a medida de aferição da maturidade humana. Quem não chegou à última etapa está abaixo da medida humana.
Pode estar evoluindo para alcançá-la ou pode estar fazendo o possível para estacionar nas primeiras etapas, tomadas fetichisticamente como se fossem a essência última do fenômeno sexual. Pode estar até se esforçando para que outros também estacionem. A característica fundamental do sociólogo mirim é o ódio à maturidade.O que há de mais belo, nobre e elevado no ser humano é justamente o processo no qual, por transmutações sucessivas, o mais egoísta dos instintos se transfigura em bondade, generosidade, perdão e auto-sacrifício. Abdicar disso é renunciar à vocação humana e tentar competir com outras espécies animais naquilo que lhes é próprio.
Esse processo não deve ser confundido com algum pretenso “conflito entre matéria e espírito” – um chavão gnóstico que, nesta época de confusão mental estupenda, muitos tomam como cristão. O impulso evolutivo está dentro do próprio instinto sexual, que se compõe ao mesmo tempo de uma ânsia de auto-satisfação e de uma tendência incoercível à busca de um objeto.
O conflito permanente entre o centrípeto e o centrífugo, entre imanência e autotranscendência é inerente à própria força sexual, e é isso que faz dela, de maneira inteiramente natural, o motor do processo evolutivo que descrevi.
É patente que os sexólogos mirins não observaram suficientemente o fenômeno sobre o qual pontificam, já que nem mesmo chegam a notar a sua natureza contraditória e dialética, mas o tomam simploriamente como uma força unívoca voltada à busca de uma generalidade chamada “prazer”.
O Brasil não será um país adulto enquanto os sexólogos mirins não forem expulsos da vida pública.
O impulso sexual primário é uma pura agitação interna do organismo, uma mera urgência fisiológica que aparece sem a necessidade de nenhum excitante externo e pode ser satisfeita por mera fricção mecânica da genitália – masculina ou feminina.
Esse impulso – a libido — é uma energia sem alvo: não vem com nenhum objeto definido, mas tem de encontrá-lo e fixar-se nele com a ajuda da emoção imaginativa, seja estética (níveis III e IV), seja moral (níveis V e VI).
O impulso sexual permanece mais ou menos o mesmo ao longo de toda a vida de um indivíduo. É como um motor que, por si, não determina o rumo do veículo, mas depende, para isso, de um piloto capaz de enxergar o terreno e escolher os trajetos.
A progressiva fixação do impulso nos sucessivos objetos não o modifica em nada, apenas o integra em funções diferentes conforme o objeto que a emoção imaginativa lhe oferece vai se tornando mais sutil, mais rico e mais complexo.
A escalada de seis níveis está, em princípio, ao alcance de todos os seres humanos, mas qualquer um está sujeito a voltar a uma fase anterior, sobretudo se não logra encontrar ou possuir o novo objeto que o atrai para um “salto evolutivo” da consciência e para um novo e mais elevado patamar da experiência erótica.
É evidente que só quem percorreu o trajeto inteiro está habilitado a formar uma visão abrangente e objetiva da experiência sexual, que os outros só enxergam de maneira parcial e subjetivista – não raro solipsista – determinada pela sua fixação numa etapa que se recusa a passar.
Infelizmente, este último é o caso da maioria dos “formadores de opinião”, universitários ou midiáticos, que se oferecem gentilmente para modelar a vida sexual alheia segundo a medida do seu próprio subdesenvolvimento existencial.***
Um exemplo característico é a tendência ou vício de denominar “amor”, indiscriminadamente, toda e qualquer expressão do desejo sexual. Nessa perspectiva, é fácil condenar qualquer restrição às práticas sexuais mais grosseiras como um atentado contra o “amor”. Mas é evidente que o termo “amor” só é cabível quando se fala do terceiro nível para cima.
No primeiro estamos no reino da pura fisiologia, no segundo tudo não passa de reflexo condicionado. Num deles o objeto está ausente; no outro, é apenas o gatilho ocasional que dispara uma reação do organismo. Amor sem objeto é contradição de termos.
A característica mais fundamental do desejo sexual é a tensão permanente entre o impulso interno de auto-satisfação orgânica e a busca do objeto externo, o foco que o limita e ao mesmo tempo o intensifica.
No primeiro nível, a safisfação deve ser obtida da maneira mais rápida, material e direta possível. Mas o sexo é um impulso imanente que busca transcender-se. Do segundo nível em diante, a satisfação é adiada cada vez mais, em vista de um acréscimo de qualidade.
Nos dois primeiros níveis, é tudo fisiologia, nada mais. Nos niveis III e IV, o objeto é definido pela imaginação estética. Nos níveis V e VI o estético é transcendido pelo impulso moral: generosidade, proteção, compreensão, amparo, carinho etc.
Essa diferenciação de níveis é característica do ser humano, estando ausente em todas as demais espécies animais. Ela é a sexualidade propriamente humana. Nesse sentido, a escalada que vai desde a necessidade orgânica até as expressões mais elevadas do amor altruísta é a via normal e portanto normativa da vida sexual humana. Mesmo aqueles que não são capazes de diferenciar claramente os seis níveis têm uma vaga antevisão disso, como o prova o fato de que condenam as condutas sexuais egoístas – ao mesmo tempo que, paradoxalmente, chamam tudo de “amor”.
Um exemplo especialmente deprimente de sexologia infantilizada nos é fornecido pelos “formadores de opinião” que definem a pedofilia como “uma forma de amor”. Um professor de filosofia que diz que a pedofilia é “amor”, como fazem os srs. Clovis de Barros e Paulo Ghiraldelli, está obviamente desqualificado para o exercício de tão séria atividade intelectual.
Não por ter dito uma imoralidade. Há imoralidades que são filosoficamente valiosas (as obras de Nietzsche estão repletas delas). Nem por ter feito apologia do crime. Ele pode ter dito o que disse com puro intuito teorizante, em tese, sem desejo de incentivar. Está desqualificado por manifesta incapacidade de fazer uma distinção fenomenológica elementar.
A pedofilia, pela sua estrutura mesma, nunca pode ser amor a uma pessoa, porque é fixação simbólica na sua imaturidade, isto é, numa situação cronológica passageira. As crianças crescem, tornam-se adultas e perdem interesse para o pedófilo, que tem de buscar novos objetos de prazer na mesma faixa etária dos anteriores.
Por definição, a fixação erótica numa circunstância externa não é amor a uma pessoa. Na nossa escala, a pedofilia, como o fetichismo ou o sadomasoquismo, está no nível II e não tem absolutamente nada a ver com o amor – embora a convivência entre o pedófilo e sua vítima possa despertar secundariamente algum tipo de emoção amorosa, pelo menos unilaterial, como o ativista homossexual Rudi van Dantzig documentou muito claramente no seu pungente  depoimento For a Lost Soldier (The Gay Men’s Press, 1996).
Qualquer primeiranista de filosofia, ou melhor, qualquer cidadão inteligente sem treino filosófico, tem de ser capaz de fazer essa distinção quase instintivamente. Outro exemplo de puerilismo é o clamor gayzista pela legalização do “casamento gay” sob a alegação de “igualdade de direitos”.
As leis do matrimônio civil ou religioso não foram feitas para proteger, exaltar e fomentar o sexo heterossexual, mas, bem ao contrário, para moderar e controlar a sua prática, às vezes drasticamente.
A proposta do “casamento gay”, ao contrário, visa a legitimar, a tornar respeitável e inatacável a homossexualidade em todas as suas formas e versões, inclusive grupais, obscenas, ofensivas e públicas como aquelas da Parada Gay.
O casamento tal como a sociedade o conhece há milênios é uma autolimitação voluntária do impulso heterossexual, em vista de valores mais altos.
O casamento gay, ao contrário, é um salvo conduto para que uma classe de pessoas tenha um direito ilimitado aos prazeres sexuais que bem deseje, da maneira e no local que bem entenda, livre das limitações legais e morais que pesam sobre o restante da espécie humana.
(Não deixa de ser deprimentemente irônico que, numa época em que tanto se discute “maioridade penal”, esta mesma noção tenha se reduzido a uma formalidade cronológica totalmente esvaziada de qualquer referência aos traços substantivos que constituem a maioridade psicológica e moral, sem os quais ela não faz o menor sentido.)
Se existe algo como a noção de “maioridade legal”, é porque obviamente o exercício de determinadas funções na sociedade – a começar pela mais geral e disseminada, a “cidadania” — requer a maioridade substantiva, a maturidade da alma e do espírito, da qual a maioridade legal não é senão um sinal convencional de reconhecimento.
Não obstante, desaparecida do cenário mental a noção da maioridade substantiva, o exercício de altas funções sociais se tornou compatível com a mais rasteira imaturidade psicológica. Pessoas como os srs. Clovis de Barros, Paulo Ghiraldelli, Jean Willys, Gregório Duvivier  e similares são aqueles que denomino “sexólogos mirins”: crianças crescidas que dão lições de moral aos adultos.
Um critério elementar e patente de maturidade é a atitude do cidadão para com seus próprios impulsos sexuais.

Um ser humano maduro, equilibrado e saudável não hesitará em pensar, falar e agir contra os seus mais óbvios interesses sexuais, em nome de valores que lhe pareçam mais altos. Um homossexual pode fazer isso? Pode. Karol Eller e meu aluno Alexandre Seltz, homossexuais assumidos, deram exemplo disso, ao posicionar-se contra os excessos blasfematórios do movimento gayzista.
Mas a essência da ideologia gayzista consiste precisamente em colocar o desejo homoerótico acima de todos os valores reais, possíveis e imagináveis. Por isso é que digo: um homossexual pode ser uma pessoa madura, equilibrada e saudável. Um gayzista, nunca. E é por isso que os gayzistas não respeitam nada nem ninguém. Eles simplesmente não podem fazê-lo sem ter de abdicar do princípio mais básico da sua ideologia.

É quase impossível um gayzista entender isso, pois para tanto precisaria reconhecer que sua pretensão de mando é incomparavelmente maior que a dos mais empedernidos machistas conservadores e que o que ele deseja não é a “igualdade de direitos” e sim a mais cínica e prepotente desigualdade, que um adulto normalmente desenvolvido jamais exigiria.
Numa sociedade saudável, os adultos mal desenvolvidos e imaturos permanecem nas camadas mais baixas da hierarquia social, onde podem fazer relativamente pouco dano às demais pessoas. A principal característica de uma sociedade doente é a ascensão de almas imaturas e atrofiadas aos postos mais altos, de onde podem impor o seu subdesenvolvimento moral e emocional como padrão normativo para uma sociedade inteira.
Não é possível corrigir os males sociais mais graves sem devolver essas pessoas ao anonimato do qual jamais deveriam ter saído.

A lição de um sonho

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de dezembro de 2013

          

Trabalhando dia e noite na reforma do meu escritório, cansado de serrar e martelar estantes para cinco mil livros, deixei cair um pesadíssimo arquivo que quase esmigalhou o meu dedão do pé direito. Para prevenir infecção, os médicos me deram um maldito antibiótico que provocou náuseas, diarréia, dor de cabeça, dispepsia e umtotal desgosto de viver. Assim fragilizado, pela primeira vez na vida senti alguma tristeza diante de tanto ódio imbecil e sem motivo que se joga sobre mim no Facebook, em blogs e por toda parte onde haja cretinos ansiosos para opinar. Nunca tinha sentido isso antes, mas uma noite destas tive um sonho que deve indicar alguma coisa.
Eu estava perdido na estrada, a pé, de madrugada, por ter descido do ônibus no lugar errado, procurando um Walmart inexistente. Não havia perigo, porque eu estava armado, mas andava e andava e não chegava a parte alguma nem via nada em torno, só escuridão. Então apareceu um carro, e eu, na esperança de uma carona, lhe fiz sinal. Havia dois homens dentro, um deles desceu, disse que me conhecia e começou a falar mal de mim. Pedi que expusesse alguma idéia minha, e confirmei que ele não conhecia nenhuma delas, só o que sabia de mim eram fantasias. Vi que dali não ia sair carona nenhuma e, só de sacanagem, encostei o cano do revólver na barriga do sujeito para forçá-lo a me levar para algum lugar onde eu pudesse tomar condução. Ele teve um piripaque, desmaiou e quando acordou estava totalmente idiota, não lembrava quem era nem o que estava fazendo ali. O outro homem havia desaparecido. Pensei: “Este aqui me odeia tanto que acreditou, seriamente, que eu ia matá-lo; daí ficou aterrorizado e entrou em pane. E agora, que é que eu faço com esse f. da p. delirante caído na estrada, sem o raio deum hospital por perto?” Não conseguindo resolver esse problema, acordei.
Esse sonho expressa uma verdade psicológica fundamental, da qual tomei consciência, por assim dizer, na carne: o ódio histérico e sem motivo traz em si mesmo o seu próprio castigo; inspira um temor desproporcional da coisa odiada e se volta contra o seu portador.
Jamais serei suficientemente grato ao dr. Andrew Lobaczewski, o médico psiquiatra que durante anos estudou o comportamento da elite comunista polonesa e chegou a conclusões altamente esclarecedoras sobre a relação entre psicopatia e histeria na política e na sociedade.
Ilustrando o fenômeno exemplarmente, o Brasil de hoje é a típica sociedade histérica governada por psicopatas, que o dr. Lobazewski descreve em “Political Ponerology”.
Numa alma bem estruturada, as emoções refletem espontaneamente o senso das proporções e a realidade da situação. A afeição, a esperança, o temor, a ansiedade, o ódio são proporcionais aos seus objetos e, nesse sentido, funcionam quase como órgãos de percepção. Afiná-las para que cheguem a esse ponto é o objetivo de toda educação das emoções. Na sociedade histérica, porém, cada um só pode alcançar esse objetivo mediante umtremendo esforço de tomada de consciência e de auto-reeducação. O que deveria ser simplesmente o padrão da normalidade humana torna-se uma árdua conquista pessoal.
O filósofo romeno Andrei Pleshu, que conheceu o Rio de Janeiro quarenta anos atrás, dizia, brincando: “O Brasil é um país onde ninguém tem a obrigação de ser normal.” Com o tempo, o gracejo, como tantos outros, se transfigurou em tragédia: no Brasil dos nossos dias é proibido ser normal. O mero senso das proporções é estigmatizado como preconceito fascista, e não há alternativa senão acompanhar o fingimento histérico geral que não acredita no que vê, mas no que imagina. O ódio histérico ao que se desconhece tornou-se obrigatório, prova de boa conduta.
Para avaliar o quanto a alma brasileira se deteriorou ao longo das últimas décadas, basta ler as observações do gringo que detestou a experiência de viver neste país (ver aqui) e compará-las à noção do “homem cordial” criada nos anos 30 do século XX por Sérgio Buarque de Hollanda e desenvolvida numa discussão com Ribeiro Couto e Cassiano Ricardo. Na época, a “cordialidade” podia até parecer um traço saliente do brasileiro em geral, mas setenta mil homicídios por ano, Black Blocks na rua e a profusão de gente espumando de raiva contra o que ignora fazem-no soar como piada cínica.
A reeducação das emoções é impossível sem passar primeiro pela reeducação da inteligência, de modo que esta assuma, pouco a pouco, o comando da alma inteira e se torne o centro da personalidade em vez de umpenduricalho inútil a serviço da autojustificação histérica.Ser inteligente é, nesse sentido, como já lembrava Lionel Trilling, a primeira das obrigações morais. Sem inteligência, até as virtudes mais excelsas se tornam caricaturas de si mesmas.

A moral do Brasil

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de outubro de 2013

          

Se você quer entender e não tem medo de perceber em que tipo de ambiente mental está metido nesse nosso Brasil, nada melhor do que estudar um pouco a Teoria do Desenvolvimento Moral de Lawrence Kohlberg. Enunciada pela primeira vez em 1958 e depois muito aperfeiçoada, ela mede o grau de consciência moral dos indivíduos conforme os valores que motivam as suas ações, numa escala que vai do simples reflexo de autopreservação natural até o sacrifício do ego ao primado dos valores universais.
Kohlberg, que foi professor de psicologia na Faculdade de Educação em Harvard, desenvolveu alguns testes para avaliar o desenvolvimento moral, mas os críticos responderam que isso só media a interpretação que os indivíduos testados faziam de si mesmos, não a sua motivação efetiva nas situações reais. Essa dificuldade pode ser neutralizada se em vez de testes tomarmos como ponto de partida as condutas reais, discernindo, por exclusão, as motivações que as determinaram.
Os graus admitidos por Kohlberg são seis. No mais baixo e primitivo, em que a conduta humana faz fronteira com a dos animais, a motivação principal das ações é o medo do castigo. É o estágio da “Obediência e Punição”. No segundo (“Individualismo e Intercâmbio”), o indivíduo busca conscientemente a via mais eficaz para satisfazer a seus próprios interesses e entende que às vezes a reciprocidade e a troca são vantajosas.No terceiro (“Relações Interpessoais”), os interesses imediatos cedem lugar ao desejo de captar simpatia, de ser aceito num grupo, de sentir que tem “amigos” e distinguir-se dos estranhos, dos concorrentes e inimigos.
No quarto (“Manutenção da Ordem”), o indivíduo percebe que há uma ordem social acima dos grupos e empenha-se em obedecer as leis, em cumprir suas obrigações. No quinto (“Contrato Social e Direitos  Individuais”), ele se torna sensível à diversidade de opiniões e entende a ordem social não como imperativo mecânico, mas como um acordo complexo necessário à convivência pacífica entre os divergentes.
No sexto e último (“Princípios Universais”), ele busca orientar sua conduta por valores universais, mesmo quando estes entram em conflito com os seus interesses pessoais, com a vontade dos vários grupos ou com a ordem social presente.
Essas seis motivações refletem três níveis de moralidade: os dois primeiros expressam a “moralidade pré-convencional”; os dois intermediários,  a “moralidade convencional”, e os dois últimos, a “moralidade pós-convencional”.
Se não atentamos para os discursos, mas para as escolhas reais que as pessoas fa zem na vida, não é preciso observar muito para notar que os indivíduos que nos governam, bem como os seus porta-vozes na mídia e nas universidades, não passam do terceiro estágio, o mais baixo da moralidade convencional, em que a identidade, a coesão e a solidariedade interna do grupo prevalecem sobre a ordem social, as leis, os direitos dos adversários e quaisquer valores universais que se possa conceber (e que desde esse nível de consciência são mesmo inconcebíveis, embora nada impeça que sua linguagem seja macaqueada como camuflagem dos desejos do grupo).
Duas condutas típicas atestam-no acima de qualquer dúvida possível. De um lado, a mobilização instantânea e geral em favor dos condenados do Mensalão. O instinto de autodefesa grupal predominou aí de maneira tão ostensiva e tão pública sobre as exigências da lei e da ordem, que até pessoas identificadas ideologicamente ao partido governante se sentiram escandalizadas diante dessa conduta.
De outro lado, não havendo nenhum movimento político “de direita” que se oponha ao grupo dominante, este dirige seus ataques contra meros indivíduos e movimentos de opinião sem a menor expressão política, fingindo e depois até sentindo ver neles uma ameaça eleitoral ou o perigo de um golpe de Estado. Aí o instinto de autodefesa grupal assume as dimensões de uma fantasia persecutória que se traduz na necessidade de calar por todos os meios qualquer voz divergente, por mais débil e apolítica que seja.
Também não é preciso nenhum estudo especial para mostrar que essa conduta, normal na adolescência, quando a solidariedade do grupo é uma etapa indispensável na consolidação da identidade pessoal, não é de maneira alguma aceitável em cidadãos adultos investidos de prestígio, autoridade e poder de mando. Aí ela passa a caracterizar precisamente a associação mafiosa, a solidariedade no crime.
É evidente que, numa sociedade onde essa é a mentalidade do grupo dominante, os níveis superiores de consciência moral (pós-convencionais) se tornam cada vez mais abstratos e inapreensíveis, de modo que o máximo de moralidade que se concebe é o quarto grau, o apego à lei e à ordem. Os indivíduos cuja conduta evidencia essa motivação tornam-se então emblemas do que de mais alto e sublime uma sociedade moralmente degradada pode imaginar, e são quase beatificados. O ministro Joaquim Barbosa é o exemplo  típico.
  Os dois graus superiores da escala são exemplificados por um número tão reduzido de pessoas, que já não têm nenhuma presença ou ação na sociedade e passam a existir apenas em versão caricatural, como fornecedores de chavões para legitimar e embelezar as condutas mais baixas.
A autopreservação paranooica do grupo dominante envolve-se com frequência na linguagem dos “direitos humanos” (quinto grau), e qualquer imbecil que tenha lido a Bíblia já sai usando a Palavra de Deus (sexto grau) como porrete para atemorizar os estranhos e impor a hegemonia do grupo “fiel” sobre os “infiéis” e “hereges”.
Isso, e nada mais que isso, é a moralidade nacional.

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