Posts Tagged 2015

Prazo de validade

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de fevereiro de 2015

Aquela história da mentira infindavelmente repetida que se torna verdade é ela própria uma mentira infindavelmente repetida, que pode ser usada com algum sucesso se você não acredita nela, mas leva aos mais desastrosos resultados quem acredita.

Na maior parte dos casos, ela não passa de uma autopersuasão de avestruz, boa para induzir um cretino a caminhar com uma autoconfiança de sonâmbulo em terreno minado. O próprio dr. Joseph Goebbels, a quem se credita a invenção dessa frase, terminou muito mal.

Chavões e frases feitas são afirmações gerais de validade muito relativa, a que você apela como premissas auto probantes para sustentar outras afirmações que em geral não têm validade nem mesmo relativa.

São as ferramentas de eleição do automatismo mental, criadas para você pensar que está pensando quando na verdade está apenas falando. São o Petit Larousse do psitacismo.

O Príncipe de Maquiavel, o Manifesto Comunista e as obras de Antonio Gramsci são depósitos clássicos onde os necessitados sempre encontram as fórmulas de que necessitam para realizar, de novo e de novo, a proeza de não entender coisíssima nenhuma.

O prestígio do maquiavelismo é algo que não cessa de me deslumbrar. Como é possível que tantas pessoas aparentemente inteligentes continuem seguindo com devoção de coroinhas as lições de sucesso de um bobão cronicamente fracassado?
E como é possível alguém continuar acreditando na teoria marxista da luta de classes depois que Lênin demonstrou, por palavras e atos, que, se queriam mesmo uma revolução proletária, era preciso realizá-la sem proletários?

Desde que Jim Fixx, o inventor dos exercícios aeróbicos, morreu de ataque cardíaco em pleno jogging, aos 52 anos de idade, comecei a desconfiar que todas as fórmulas infalíveis são um perigo para a humanidade.

A verdade é matéria de intelecção direta, o ato mais individual e intransferível que existe. Tão logo se cristaliza numa fórmula uniformemente repetível, a fórmula se torna o melhor pretexto para não ter intelecção nenhuma.

O sinal mais visível de esgotamento de uma corrente de ideias é quando seus porta-vozes insistem em apegar-se aos seus chavões consagrados, justamente nas horas de desespero e confusão em que esses chavões se relevam mais deslocados da situação concreta, mais incapazes de descrever o que está se passando.

Quando noventa e três por cento dos brasileiros expressam claramente seu desprezo ao governo Dilma, não falta nos altos escalões do esquerdismo quem diga que isso é a “elite” voltada contra “o povo”. Nunca imaginei que, mesmo no mais excelso patamar de desenvolvimento econômico concebível, pudesse uma nação ter sete por cento de povo e noventa e três por cento de elite.

Em plena efervescência geral contra a roubalheira petista, Frei Betto, André Singer e mais dois bonecos de ventríloquo se reúnem na Apeoesp para discutir “a ameaça conservadora aos direitos sociais”, quando é patente que em todos os protestos populares anti-Dilma ninguém disse uma palavra contra “direito social” nenhum, exceto o direito social de meter a mão nos cofres públicos.

Quando milhões de brasileiros estavam batendo panelas em protesto contra o último discurso da presidenta, um líder petista, com ares de quem revela preciosa inside information, afirmou “haver indícios” de que os partidos de oposição haviam “financiado o panelaço”.

Até agora me pergunto como, por que meios, mediante quais artifícios bancários esotéricos seria possível financiar um panelaço.

E, é claro, não poderia faltar quem, rastreando as pistas mais sutis e inefáveis, visse no panelaço a mão sinistra do governo de Washington. William F. Engdahl, o Emir Sader americano, nosso já velho conhecido (leia também o artigo Sob as ordens do inimigo), jura até que o “Movimento Passe Livre” foi inventado pelo sr. Joe Biden para “desestabilizar o governo Dilma Rousseff”, quando no Brasil até as crianças sabem que foi criado pelo próprio governo Dilma Rousseff para desestabilizar a administração estadual paulista.

Em suma, aconteça o que acontecer, o cérebro da esquerda, em avançado estado de decomposição, já não sabe senão repetir os mesmos chavões de sessenta, setenta anos atrás, desejando ardentemente que a mentira repetida não apenas seja acreditada, mas adquira, pela força mágica da repetição, a virtude transfigurante de uma profecia autorrealizável.

É verdade que a debacle intelectual não traz necessariamente a derrota política. Ao contrário. A própria história do PT mostra que é possível um partido alcançar o cume do sucesso político justamente numa época em que, intelectualmente, o seu discurso já estava morto e enterrado.

Mas, quando a glória política começa a declinar, não há sinal de impotência mais deplorável e patético do que o esforço de apegar-se, retroativamente, a um discurso já mil vezes desmoralizado.

As mentiras repetidas podem, às vezes, passar por verdades. Mas, como todos os utensílios, têm um prazo de validade limitado.

Em busca da cultura

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de fevereiro de 2015

Em artigo escrito já há algum tempo, o publicitário Nizan Guanaes observa que às nossas classes altas falta, sobretudo, cultura. Pura verdade, mas por que somente às classes altas? Ao longo da quase totalidade da história humana, o conjunto dos homens mais cultos e sábios raramente coincidiu com o dos mais ricos e socialmente brilhantes.

“Livros e dinheiro são uma mistura perfeita para elegância, savoir faire e bom gosto”, diz Guanaes. É certo. Mas também é certo que elegância, savoir faire e bom gosto não são propriamente a alta cultura: são a vestimenta mundanizada que ela assume quando desce do círculo das inteligências possantes e criadoras para o âmbito mais vasto dos consumidores abonados, da sociedade chique. São cultura de segunda mão.

O que falta no Brasil não são apenas ricos educados. O que falta são intelectuais capazes de educá-los. Um indício claro, entre inumeráveis outros, é que nenhuma universidade brasileira, estatal ou privada, foi jamais incluída na lista de cem melhores universidades mundiais do Times Higher Education World Ranking de Londres. Não há nessa exclusão nenhuma injustiça. Rogério Cezar de Cerqueira Leite explicou o porquê em Produção científica e lixo acadêmico no Brasil.

Foi talvez sentindo obscuramente a gravidade desse estado de coisas que o próprio Guanaes mandou seu filho estudar na Phillips Exeter Academy, de New Hampshire, tida como a melhor escola preparatória americana, na esperança de colocá-lo depois em alguma universidade da Ivy League, como Harvard, Yale, ou Columbia.

Sem deixar de cumprimentar o publicitário pelo seu zelo paterno, observo que suas próprias ações provam antes o meu diagnóstico da situação do que o dele: se cultura faltasse somente aos homens ricos, bastaria enviar seus filhos a alguma universidade local ou fazê-los conviver com intelectuais de peso em São Paulo ou no Rio, e decorrida uma geração o problema estaria resolvido.

Mas aí é que está: faltam universidades que prestem, e os grandes intelectuais morreram todos, sendo substituídos por duas gerações de tagarelas incompetentes, cabos eleitorais e cultores da própria genitália, como documentei abundantemente em O Imbecil Coletivo (1996) e O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser Um Idiota (2014), além de centenas de artigos, muitos deles neste mesmo Diário do Comércio.

Ricos e até governantes incultos não são, por si, nenhuma tragédia, desde que haja em torno uma classe intelectual séria, capaz de lhes impor certos padrões de julgamento que eles não precisam compreender muito bem, só respeitar.

Foi assim na Europa ao longo de toda a Idade Média e até épocas já bem avançadas dentro da modernidade, quando a casta nobre considerava que a única ocupação digna da sua posição social era a guerra, deixando os estudos para os padres e demais interessados.

O Imperador Carlos Magno só começou a aprender a ler – de má vontade – depois dos trinta anos. Afonso de Albuquerque, sete séculos depois, ainda considerava que saber línguas estrangeiras era coisa para subalternos. A alta cultura não era sinal de posição social elevada, era um ofício especializado. Daí a palavra clerc, “clérigo”, que não designava só os sacerdotes, mas, de modo geral, toda pessoa letrada.

Complementarmente, os homens de estudos eram o que podia haver de mais diferente do grand monde, dos ricos e elegantes. Até bem recentemente, mesmo nos EUA, os intelectuais, sobretudo universitários, primavam por uma vida austera, sem divertimentos nem confortos, a não ser que, por coincidência, viessem eles próprios de alguma família rica.
Tudo mudou nos anos 80, com o advento dos yuppies. Um yuppie é um jovem com diploma de universidade prestigiosa, um emprego regiamente pago em alguma cidade grande, um círculo de amigos importantes que se reúnem em clubes chiquérrimos e uma cabeça repleta de regras de polidez politicamente corretas, um conjunto formidável de não-me-toques que facilitam a aceitação social na mesma medida em que dificultam o pensamento. Foi aí que formação cultural começou a significar elegância, bom gosto e refinamento em vez de conhecimento e seriedade intelectual.

Esse foi um dos danos maiores produzidos pela desastrosa administração Jimmy Carter. Até os anos 70 os EUA ainda tinham a melhor educação do mundo, toda ela fruto da iniciativa autônoma da sociedade. A intervenção estatal, associada ao império do esquerdismo chique e ao açambarcamento de toda atividade cultural pela burocracia universitária, iniciou o processo de degradação intelectual documentado por Russell Jacoby em The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe e por Allan Bloom em The Closing of the American Mind, ambos de 1987.

No Brasil, a palavra “Harvard” ainda pode significar altíssima cultura, mas nos EUA ela evoca antes a pessoa de Barack Hussein Obama, que chegou a diretor da Harvard Law Review sem ter ultrapassado o nível das redações ginasianas e depois fez fama de autor com dois livros escritos inteiramente por Bill Ayers, um terrorista doublé de talentoso artista da palavra.

Nada mais expressivo do vazio intelectual de Harvard do que o sucesso de John Rawls, o qual, segundo a boutade de Eric Voegelin, escreveu uma Teoria da Justiça sem notar que se tratava de uma teoria da injustiça.

O que hoje resta da antiga pujança intelectual americana refugia-se em grupos autônomos, como o círculo de discípulos do próprio Eric Voegelin, as redações de New Criterion e Commentary, meia dúzia de editoras high brow ou o time seleto de scholars que compõem a equipe de Academic Questions, uma revista acadêmica dedicada ao estudo… da decadência acadêmica.

Em comparação com o que temos no Brasil, é muito, é uma abundância invejável, mas, para o antigo padrão americano, é quase miséria. Os EUA só continuam sendo o paraíso dos estudos superiores no sentido yuppie do termo. Não por coincidência, Guanaes cita como protótipo de pessoa culta a riquíssima, chiquíssima e politicamente corretíssima Ariana Huffington, fundadora do Huffington Post, um front de antijornalismo obamista empenhado em manter acesa a chama do “Yes We Can” contra todos os fatos, contra toda evidência e contra todo o descrédito geral.

Não quero me meter na vida da família Guanaes, mas mandar um filho estudar nos EUA – digo nas grandes universidades, e não nos círculos dos happy few – é um meio de defendê-lo contra a debacle cultural brasileira? Sim, se o que você quer para ele é uma carreira de yuppie e uma alta cultura constituída de “elegância, savoir faire e bom gosto”. Não, se você quer fazer dele um estudioso sério, capaz de compreender o Brasil e ajudar o país a sair do atoleiro.

Digo isso, também, por outro motivo. Cultura não é só aquisição de conhecimento, é a formação de uma personalidade ao mesmo tempo arraigada na realidade histórico-social concreta e capaz de transcendê-la intelectualmente.

Essa formação só é possível se ela começa pela absorção da cultura local na língua local e se prossegue nesse caminho até abarcar essa cultura como um todo e, então sim, tiver necessidade de ampliar o seu horizonte pelo contato mais aprofundado com outras culturas.
Se um jovem ignorante da sua cultura nacional é transplantado para o ambiente acadêmico de outro país, é melhor que ele fique por lá mesmo, pois, se voltar, dificilmente chegará a compreender o lugar de onde saiu.

O Brasil está repleto de diplomados de universidades estrangeiras, cujos palpites sobre a situação nacional superlotam as colunas de jornais com amostras de incompreensão que raiam a alienação psicótica. O projeto “Ciência Sem Fronteiras” está se encarregando de produzir mais alguns com dinheiro público.

Pode-se retrucar que, nas presentes condições, a aquisição da cultura brasileira se tornou inviável porque o jovem interessado não encontra guiamento nem na universidade, nem fora dela. Não tenho resposta pronta para isso, mas desde quando a dificuldade de resolver um problema torna desnecessário resolvê-lo?

Nunca ântef na iftória dêfte paíf…

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 2 de fevereiro de 2015

Reunindo aproximadamente um milhão de pessoas e repetindo-se em várias cidades de março a junho de 1964, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” foi o maior protesto de rua observado até então na nossa História – maior, provavelmente, do que muitos movimentos similares, com signo ideológico invertido, que viriam nas décadas de 80 e 90.

No entanto, é certo que, na origem, nada teve de popular ou espontâneo. Foi longamente planejada por um grupo de devotados conspiradores, com vasto apoio da grande mídia – a começar pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand (mais de oitenta jornais, estações de rádio e canais de TV em todo o país) -, de empresas bilionárias como o grupo Light, de vários governadores, deputados e senadores e de importantes organizações da sociedade civil, como a Liga das Senhoras Católicas, a ABI, a OAB, os sindicatos patronais em peso e a maioria do clero católico.

Não se pode dizer que foi propriamente um movimento popular, mas uma mobilização popular orquestrada pela elite, uma obra de engenharia política.
Pega de surpresa, derrubada sem que fosse preciso dar um só tiro, a liderança esquerdista saiu em debandada, com uma pressa obscena de salvar a pele, mas logo em seguida procurou redimir-se ao menos intelectualmente, entregando-se a uma séria revisão crítica dos seus erros estratégicos e planejando um retorno triunfal a longo prazo.

A mais oportuna contribuição individual a esse esforço foi a do editor Ênio Silveira, que, publicando em tradução as obras do fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci, e fundando duas revistas inspiradas nas concepções desse grande estrategista político (Civilização Brasileira e Paz & Terra), indicou aos comunistas e seus parceiros o caminho a seguir.

Esse caminho consistia em tomar do adversário, mediante longa, paciente e discreta infiltração, o comando das entidades capacitadas a organizar a mobilização popular. Roubar da direita, sem que esta percebesse, o monopólio da engenharia política.
As guerrilhas, concomitantemente, serviram apenas como “bois de piranha”, atraindo a atenção do governo para desviá-la da operação mais vasta e silenciosa que acabaria por mudar os destinos do país.

Partindo de uma base modesta, limitada ao movimento estudantil e a alguns sindicatos da região do ABC, os comunistas e filo comunistas foram dominando passo a passo a grande mídia, a OAB, a ABI, a Igreja Católica, etc.

Vinte anos decorreram antes que a aplicação do método gramsciano de “ocupação de espaços” produzisse o seu primeiro resultado espetaculoso: a campanha das “Diretas Já”, em 1984, formulada – de acordo com o preceito de Gramsci – numa linguagem puramente cívica, sem qualquer apelo comunista explícito. Oito anos depois, o movimento “Fora Collor” já vinha com um tom ideológico um pouco mais definido.

Essas duas campanhas seguiram fielmente o modelo organizacional da “Marcha da Família”, com ricas e poderosas entidades controlando a massa e construindo ex post facto, mediante as falsificações históricas usuais nesse tipo de coisas, o mito da “revolta popular”.

Tanto em 1964 quanto em 1984 e 1992, o povo brasileiro só entrou em cena como massa de manobra. A troca do pretexto ideológico não alterou em nada a substância do fenômeno, reduzido, em todos esses casos, a uma bem sucedida obra de manipulação arquitetada e dirigida desde cima.

Nada disso é o que se observa agora, seja na série de protestos anti-PT a partir de 15 de novembro do ano passado, seja na valente carreata dos caminhoneiros até Brasília.

Tudo começou, na verdade, da maneira mais impremeditada, espontânea e anárquica que se pode imaginar. Começou com a imprevista reação popular à fraude do “Passe Livre”.

O governo federal, interessado em desestabilizar a administração estadual de seu desafeto Geraldo Alckmin em São Paulo, contratou baderneiros Black Blocs e dúzias de Pablos Capilés para que, sob a desculpa ridícula e artificiosa de protestar contra um aumento ínfimo do preço das passagens de ônibus, saíssem pelas ruas posando de pobres espoliados, quebrando tudo, agredindo policiais, ateando fogo em carros e aterrorizando a população.

Mas a massa, em vez de se deixar atemorizar, aproveitou a ocasião para expressar sua verdadeira revolta, que não era contra o sr. Alckmin – pelo qual também não morria de amores, é claro – e sim contra o promotor mesmo da confusão: o governo federal ladrão, mentiroso, manipulador, parceiro íntimo de narcotraficantes, sequestradores e ditadores genocidas.

A massa anárquica, sem qualquer comando, organização ou programa ideológico, tomou de assalto as ruas, gritando mais alto que os agitadores e infundindo medo naqueles que tencionavam amedrontá-la.

Tão surpreso e assustado ficou o aprendiz de feiticeiro com o efeito inverso obtido pela sua mágica que, ponderando que “quanto mais mexe, mais fede”, chamou de volta os agitadores pagos e ordenou que permanecessem quietinhos em suas casas, aguardando que o dragão despertado por acidente se esquecesse de tudo e voltasse a cair no sono.

Mas o dragão havia tomado gosto pela coisa. Vendo o governo trêmulo e inerme por trás de uma cortina de blefes e garganteios, saiu às ruas de novo e de novo, num “crescendo” que agora culmina no movimento dos caminhoneiros.

Ao longo de todos esses episódios, não se viu um só político à frente da massa, uma só empresa ou ONG bilionária subsidiando os revoltados, um só investidor estrangeiro oferecendo ajuda, um só partido político manifestando alguma solidariedade ou um só órgão de mídia noticiando os acontecimentos sem minimizá-los, distorcê-los pejorativamente ou achincalhá-los de maneira velada ou ostensiva.

A Rede Globo colaborou descaradamente com uma jogada maligna do governo ao espalhar a notícia falsa de que um acordo tinha sido firmado e os caminhoneiros tinham desistido da carreata.

Até mesmo o Canal Veja, tão odiado pelos petistas por noticiar frequentemente os escândalos financeiros do governo Dilma, não conseguiu falar dos caminhoneiros sem criticá-los por atrapalhar o trânsito nas estradas.

Em compensação, os moradores, os comerciantes das cidades do interior por onde passa a carreata, os pequenos proprietários rurais e uma infinidade de pessoas das classes sociais mais humildes correm para as estradas para aplaudir os caminhoneiros, oferecer-lhes comida e até dinheiro para a gasolina.
Passada de boca em boca, pessoalmente ou pela internet, as palavras-de-ordem emanam do povo e se espalham entre o próprio povo, enquanto, no topo da sociedade, uns rosnam de raiva impotente, tramando vingancinhas fúteis na pessoa do juiz Moro, que nada tem a ver com o movimento, outros fazem de conta que nada está acontecendo.

Este é, em quinhentos e tantos anos de existência do Brasil, o primeiro movimento autenticamente popular, espontâneo, nascido de baixo, sem comandantes chiques, sem estrategistas profissionais, sem interferência nem apoio das elites falantes, do beautiful people, do grande capital ou da grande mídia.

Se o sr. Lula tivesse um pingo da consciência social que alardeia, agora sim seria o seu momento de proclamar: “Nunca ântef na iftória dêfte paíf…”

Qualquer pessoa no uso perfeito das suas faculdades mentais percebe a diferença.
Um cientista social incapaz de notá-la, ou indisposto a reconhecê-la, revela uma dose de inépcia e de desonestidade que faz jus à sua expulsão vergonhosa e definitiva de toda profissão intelectual.

Esse é o caso, precisamente, do economista e ex-ministro, prof. Luiz Carlos Bresser Pereira, que, diante de fatos cujo sentido brada aos céus e só um louco negaria, não se vexa de assumir o papel desse  louco e atribuir a revolta popular ao “ódio que os ricos têm do PT”.

Que raio de sociologia é essa, em que caminhoneiros e carreteiros se tornam a elite milionária, e os donos da mídia chapa-branca os pobres e oprimidos?
No cérebro do professor, os estereótipos mais tolos da propaganda petista se impregnaram com tamanha força, que o impedem de enxergar – ou de admitir – aquilo que qualquer criança do interior está vendo com os olhos da cara.

Não há atitude mais vergonhosa para um intelectual do que prevalecer-se de glórias acadêmicas passadas – modestas, mas nem por isso irreais – para tentar insuflar numa mentirinha tola e já desmoralizada de antemão, um arremedo pífio de credibilidade.

Veja todos os arquivos por ano