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Terrorismo e outras notinhas

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 7 de agosto de 2014

          

A profecia de Fátima – “Os erros da Rússia se espalharão pelo mundo”– faz cada vez mais sentido. Estou lendo Death Orders. The Vanguard of Modern Terrorism in Revolutionary Russia, de Anna Geifman (Praeger International, 2010), onde aprendo que o terrorismo foi de cabo a rabo uma invenção russa, que começou como um fenômeno local e hoje é um flagelo mundial.

A autora também desfaz a confusão alimentada pelos espertalhões que disseminam e pelos bobocas que repetem o lugar-comum: “O terrorista de um é, para o outro, um combatente pela liberdade”. O terrorismo, explica a Profa. Geifman, define-se por um traço inconfundível que o distingue da morte de civis causada acidentalmente em ataques a alvos militares: terrorismo é ato de violência premeditadamente, deliberadamente calculado para espalhar o terror na população civil e, assim, fomentar a desordem social com vistas a determinados fins políticos.

Nivelar, para distingui-los, o “terrorista” e o “combatente pela liberdade” é uma confusão de gêneros. Disseminada pela malícia ou pela ignorância, obscurece o fato de que o terrorismo é uma tática de combate e não o motivo ideológico do combate.

Atos como a explosão de uma bomba no Aeroporto de Guararapes, em 1966, ou o atentado ao Consulado Americano em São Paulo, em 1968, foram crimes de terrorismo no sentido mais literal e exato do termo, e continuariam a sê-lo mesmo que os seus autores estivessem, no seu próprio entender, “combatendo pela liberdade” e não pelo comunismo como de fato estavam.

Não existe nada de inexato ou de insultuoso em chamar de terroristas pessoas como Dona Dilma Rousseff ou o srs. Franklin Martins e José Dirceu. É uma simples questão de propriedade vocabular.

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Os israelenses defendem seus filhos. Os heróicos palestinos escondem-se atrás dos seus para poder acusar os judeus de matar criancinhas. “Escudo humano” é uma invenção da KGB. Terroristas “palestinos” usam o mesmo truque sujo dos vietcongues. Mesclam-se à população civil para que não seja possível combatê-los sem matar de quebra umas quantas vítimas inocentes e ser assim acusado de trucidar mulheres e crianças.

A coisa é guerra assimétrica em todo o esplendor da sua malícia.

Hoje em dia a afetação de ódio aos antissemitas do passado coexiste com o descarado amor aos do presente.

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O maior problema da esquerda no Brasil é que não tem políticos nem empresários de direita para perseguir. Então persegue alguns blogueiros e diz que está lutando contra a onipotente burguesia reacionária.

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A autoridade do “mainstream” é a autoridade da ignorância majoritária. Ninguém pode estar no meio do rebanho e à frente dele ao mesmo tempo.

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Uma coisa é usar as expressões “desinformação”, “lavagem cerebral”, “manipulação de comportamento” ou “seita” como termos técnicos, para designar os fenômenos que objetivamente lhes correspondem. Outra coisa é usá-las como rótulos infamantes para dar ares de coisa maligna a alguma idéia ou conduta que você deseja destruir. Infelizmente, este é o uso mais corrente desses termos no Brasil. Esse cacoete estilístico basta, por si, para identificar um charlatão, ou, na melhor das hipóteses, um palpiteiro ignorante.

Quem quer que saiba o que é “lavagem cerebral”, por exemplo, entende que só é possível aplicá-la a um prisioneiro ou a alguém sobre o qual se tenha controle direto e permanente. Um professor não pode aplicar “lavagem cerebral” a alunos que depois da aula vão para casa, Muito menos é possível fazer “lavagem cerebral” à distância, por internet ou qualquer outro meio.

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Todas as teorias científicas do passado, sem exceção, são ensinadas nas escolas e nos manuais — para não falar da mídia e do show business — em versões adaptadas à mentalidade contemporânea, otimizadas, higienizadas, idealizadas, purificadas de todas as suas taras originárias. Quantos dos nossos estudantes de biologia leram A Origem das Espécies? Quantos estudantes de física aprenderam a gravitação universal diretamente nos escritos de Newton? Quantos, por jamais ter lido Galileu, acreditam que ele provou suas teses no confronto com a Inquisição? Ignorar a história da ciência que pratica parece ser uma conditio sine qua non para alguém falar em nome da ciência hoje em dia. O Galileu que venceu por argumentos científicos o “obscurantismo inquisitorial” é uma criação ficcional dos séculos posteriores. Na verdade ele levou uma surra intelectual memorável de S. Roberto Belarmino. Suas teses foram corroboradas mais tarde por meios que ele nem poderia imaginar.

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Quando um estudante medíocre domina suficientemente a matemática da ciência física e percebe a sua coerência com os testes empíricos, ele acredita ingenuamente que essa física corresponde à “realidade”, sem notar que “realidade” não é um conceito nem físico, nem matemático (nem aliás definível nos termos de qualquer ciência experimental). É de espantar que semelhante imbecil não entenda a diferença entre colocar em dúvida a validade ontológica da relatividade e “contestar Einstein”?

Dentre todos os erros de lógica, a ignoratio elenchi — não perceber qual o ponto em discussão — é o mais difícil de corrigir. Nenhum argumento lógico tem o poder de infundir discernimento num cretino. Nenhuma ciência experimental pode ir além da coincidência entre teoria e experimento, o que está infinitamente aquém do necessário para estabelecer uma “realidade” — coisa que Leibniz já ensinava no século 18.

O ovo e o pinto

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 3 de agosto de 2014

          

Meu artigo anterior suscitou uma pergunta interessante na área de comentários: se há tanta gente nas altas esferas colaborando com o comunismo, como é que ele ainda não dominou o mundo?

A primeira e mais óbvia resposta é que “o comunismo” como regime, como sistema de propriedade, é uma coisa, e o “movimento comunista” enquanto rede de organizações é outra. O primeiro é totalmente inviável, mas por isso mesmo o segundo pode crescer indefinidamente sem jamais ser obrigado a realizá-lo, limitando-se, em vez disso, a colher os lucros do que vai roubando, usurpando, prostituindo e destruindo pelo caminho.

São duas faixas de realidade completamente distintas, que se mesclam numa confusão desnorteante sob a denominação de “comunismo”.

Uma analogia tornará as coisas mais claras. Nenhum ser humano pode levar uma vida razoável com base numa loucura, mas, por isso mesmo, nada o impede de ficar cada vez mais louco: ele se estrepa, mas a loucura progride. A força da loucura consiste precisamente em furtar-se ao teste de realidade. Os comunistas não podem realizar a economia comunista. Se têm uma imensa facilidade em arrebanhar pessoas para que lutem por esse fim irrealizável, é precisamente porque ele é irrealizável, o que é o mesmo que dizer: inacessível a toda avaliação objetiva de resultados.

Jamais existirá uma economia comunista da qual seus criadores digam: “Eis aqui o comunismo realizado. Podem julgar-nos e dizer se cumprimos ou não as nossas promessas.” É da natureza mais íntima do ideal comunista ser uma promessa indefinidamente autoadiável, imune, por isso, a todo julgamento humano. Seu prestígio quase religioso vem exatamente disso: o comunismo traz o Juízo Final do céu para a Terra, mas também sem data marcada.

Daí o aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais cresce e mais poderoso se torna, mais se afasta dos seus fins proclamados. A esse paradoxo acrescenta-se um segundo: quanto mais se afasta desses fins, mais o movimento está livre para alegar que foi traído e que tem direito a uma nova oportunidade, com meios mais “puros”. Mas o paradoxo dos paradoxos reside numa faixa ainda mais profunda.

Se alguém diz que vai fazer o impossível, com certeza não fará nada ou fará outra coisa. Se fizer, poderá ao mesmo tempo dar a essa coisa o nome daquilo que pretendia e alegar que ela ainda não é, ou que não é de maneira alguma, aquilo que pretendia. Daí a ambiguidade permanente do discurso comunista, que pode sempre se alardear um movimento poderoso destinado a uma vitória inevitável, e ao mesmo tempo minimizar ou negar a sua própria existência, jurando que ela não passa de uma “teoria da conspiração”, de uma invencionice de lacaios do capital.

É alucinante, mas é o que acontece todos os dias. Definitivamente, a mente comunista não funciona segundo os cânones da psicologia usual, mas segue uma lógica própria, onde se misturam, em doses indistinguíveis, a habilidade dialética, o autoengano histérico e a mendacidade psicopática.

Por isso mesmo é que o crescimento vertiginoso do movimento comunista acompanha, “pari passu”, não a decadência do capitalismo, mas a escalada do seu sucesso. O comunismo como regime, como sistema econômico, não existe nem existirá nunca. O comunismo só pode existir como movimento político que vive de parasitar o capitalismo e, por isso mesmo, cresce com ele.

Mas, por mais que sobreviva e se fortaleça, o corpo parasitado não sai ileso da parasitagem: limitado cada vez mais à função de fornecedor de recursos e pretextos para o parasita, ele vai perdendo todos os valores morais, religiosos e culturais que originalmente o inspiraram e reduzindo-se à mecanicidade do puro jogo econômico, cada vez mais fácil de criticar, enquanto o parasita se adorna de todo o prestígio da moral e da cultura.

O modus operandi dessa parasitagem é duplo: de um lado, as economias comunistas só sobrevivem graças à ajuda capitalista vinda do exterior. De outro, em cada nação, o crescimento da economia capitalista alimenta cada vez mais a cultura comunista.

Na mesma medida em que a mais absoluta inviabilidade impede a construção da economia comunista, o comunismo militante alcança vitória atrás de vitória no seu empenho de transformar o capitalismo numa geringonça infernal e sem sentido. Toda a lógica do comunismo, em última análise, deriva da idéia hegeliana do “trabalho do negativo”, ou destruição criativa.

Mas “destruição criativa” é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. A destruição de uma coisa só pode dar lugar ao crescimento de outra se esta for movida desde dentro por uma força criativa própria, que nada deve à destruição. Esperar que a destruição, por si, crie alguma coisa, é como querer que nasça um pinto de um ovo frito.

Guerra fria ou guerra assimétrica?

Olavo de Carvalho

Folha de São Paulo, 27 de julho de 2014

          

Aceita ainda no Brasil, como dogma inquestionável, a visão popular da Guerra Fria como uma luta sorrateira e implacável entre duas potências que se odiavam pode hoje ser atirada à lata de lixo como um estereótipo enganoso, história da carochinha inventada para dar aos cérebros preguiçosos a ilusão de que entendiam o que se passava.

Nos últimos decênios, tantos foram os fatos trazidos à luz pela decifração dos códigos Venona (as comunicações em código entre a embaixada da União Soviética em Washington e o governo de Moscou) e pela pletora de documentos desencavados dos arquivos soviéticos, que praticamente nada da opinião chique dominante na época permanece de pé.

Na verdade, a ocupação principal do governo e da mídia soviéticos no período foi mentir contra os Estados Unidos, enquanto seus equivalentes americanos se dedicavam, com igual empenho, a mentir a favor da URSS. Não só mentir: acobertar seus crimes, proteger seus agentes, favorecer seus interesses acima dos de nações amigas e, não raro, da própria nação americana.

Em lugar do equilíbrio de forças que, secundado ou não por um obsceno equivalentismo moral, ainda aparece na mídia vulgar e nas Wikipédias da vida como retrato histórico fiel, o que se vê hoje é que o conflito EUA-URSS foi aquilo que mais tarde se chamaria “guerra assimétrica”, em que um lado combate o outro e o outro combate a si mesmo.

Não que não houvesse, da parte americana, um decidido e vigoroso anticomunismo, disposto a tudo para deter o avanço soviético na Europa, na Ásia, na África e na América Latina. Tantas foram as personalidades que se destacaram nesse combate –jornalistas, escritores, artistas, políticos, militares, agentes dos serviços de inteligência – e tão gigantescos foram os seus esforços, que daí deriva o que possa haver de legítimo na visão dos EUA como o inimigo por excelência do movimento comunista. Basta citar os nomes de George S. Patton, Douglas MacArthur, Robert Taft, Whittaker Chambers, Joseph McCarthy, Eugene Lyons, Sidney Hook, Fulton Sheen, Edgar J. Hoover, James Jesus Angleton, Robert Conquest, Barry Goldwater, para entender por que o anticomunismo se projetou como uma imagem típica da América, não só no exterior como perante os próprios americanos.

Porém, examinado caso por caso, o que se verifica é que em cada um deles a força inspiradora foi a iniciativa pessoal e não uma política de governo; e que, praticamente sem exceção, todos os que se destacaram nessa luta foram boicotados, manietados pelas autoridades de Washington (mesmo quando eles próprios faziam parte do governo) e achincalhados pela mídia, pelo sistema de ensino e pelo show business, em vida ou pelo menos postumamente. Não raro, sabotados e perseguidos pelos seus próprios pares republicanos e conservadores, temerosos de parecer mais anticomunistas do que o anti-anticomunismo vigente no mundo chique permitia.

Em suma: enquanto a sociedade americana fervilhava de anticomunismo, a política oficial, de Roosevelt em diante, e com a exceção notável da gestão Ronald Reagan, foi sistematicamente a do colaboracionismo nem sempre bem disfarçado.

O que explica isso é que os agentes soviéticos infiltrados no governo e na grande mídia não eram cinquenta e poucos, como pensava o infeliz Joe McCarthy, o qual pagou por esse cálculo modestíssimo o preço de tornar-se o senador americano mais odiado de todos os tempos. Eram – sabe-se hoje – mais de mil, muitos deles colocados em postos elevados da hierarquia, onde às vezes fizeram muito mais do que “influenciar”: chegaram a determinar o curso da política externa americana, sempre, é claro, num sentido favorável à URSS. O exemplo mais clássico foi a deterioração das relações entre EUA e Japão, que culminou no ataque a Pearl Harbor – um plano engenhosíssimo concebido em Moscou para livrar a URSS do perigo de uma guerra em duas frentes, jogando contra os americanos a fúria nipônica mediante um jogo bem articulado entre a “Orquestra Vermelha” de Richard Sorge em Tóquio e o conselheiro presidencial Harry Hopkins em Washington.

Mas os capítulos da saga colaboracionista se acumulam numa profusão alucinante até a gestão Clinton, quando o estímulo governamental a investimentos maciços na China fez de um país falido uma potência inimiga ameaçadora.

Não creio que essa história – talvez a mais bem documentada do século XX – tenha sido jamais contada no Brasil. Mesmo nos EUA ela circula apenas entre intelectuais e historiadores de ofício, enquanto o povão ainda segue a lenda oficial. É uma história demasiado vasta e complexa para que eu pretenda resumi-la aqui.

O que posso fazer é sugerir alguns livros que darão ao leitor uma visão do estado das pesquisas hoje em dia:

Diana West, American Betrayal. The Secret Assault on Our Nation’s Character(St. Martin’s, 2013).

Herbert Rommerstein and Eric Breindel: The Venona Secrets. Exposing Soviet Espionage and America’s Traitors (Regnery, 2000).

John Earl Haynes and Harvey Klehr: Venona. Decoding Soviet Espionage in America (Yale University Press, 1999).

Allen Weinstein and Alexander Vassiliev: The Haunted Wood. Soviet Espionage in America. The Stalin Era (Random House, 1999).

Paul Kengor: Dupes. How America’s Adversaries Have Manipulated Progressives for a Century (ISI Books, 2010).

Arthur Hermann, Joseph McCarthy: Reexamining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator (Free Press, 2000).

M. Stanton Evans: Blacklisted by History. The Untold Story of Senator Joe McCarthy (Crown Forum, 2007).

Robert K. Willcox: Target: Patton. The Plot to Assassinate General George S. Patton (Regnery, 2008).

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