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Um gênio da inépcia

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de janeiro de 2009

Em 14 de junho de 2008 escrevi no Diário do Comércio: “Barack Hussein Obama é, sob tantos aspectos, tão diferente daquilo que normalmente se entende como um candidato à presidência dos EUA, que só por uma distração formidável alguém pode achar que o detalhe mais significativo nele é a cor da sua pele.”

Sete meses depois, o referido ainda não cessou de dar mostras da sua total originalidade. Após ter sido o primeiro presidente americano que esconde quase todos os seus documentos e ainda falsifica os poucos que exibe, tornou-se também o primeiro que pode fazer essas coisas sem que nem mesmo seus adversários eleitorais denunciem aí algo de estranho, o primeiro que subiu ao poder trazendo nas costas duas dúzias de processos judiciais, o primeiro que foi interrogado pela polícia antes mesmo de ser empossado e o primeiro que aos domingos vai à quadra de esportes em vez de ir à igreja.

Mas é no capítulo das gafes orais que o cidadão, enaltecido como um dominador absoluto dos meios de expressão verbal, se mostrou mais diferente de todos os seus antecessores. Embora a mídia faça questão cerrada de não notar isso de maneira alguma, nenhum outro presidente americano – nem mesmo George W. Bush – cometeu, em tão pouco tempo, erros tão múltiplos e tão colossais. Ele foi o primeiro que tropeçou ao declarar sua religião, dizendo-se islamita em vez de cristão; o primeiro que negou uma conversa comprometedora dias depois de ter assinado um documento oficial que a comprovava; o primeiro que gaguejou diante das câmeras ao negar envolvimento num caso de corrupção; o primeiro que teve de repetir o juramento de posse, por ter trocado as palavras; e o primeiro que, logo no discurso inaugural, errou desastrosamente numa citação bíblica, trocando um versículo destinado a mostrá-lo como alma cristianíssima por outro que o acusava de ser exatamente o contrário.

Diante de milhões de espectadores, ele declarou que seu trecho predileto do Novo Testamento é João 16:3. Queria dizer, é claro, João 3:16, o versículo central do cristianismo: “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo aquele que creia nele não pereça, mas tenha a vida eterna.” E João 16:3, o que diz? Bem, depois de Spike Lee ter afirmado que Deus enviou a crise econômica com a única finalidade de eleger Obama, não serei considerado mais louco do que o trêfego cineasta se enunciar uma hipótese teológica bem mais modesta, a de que o versículo intruso foi não apenas o objeto da gafe presidencial, mas também a sua explicação divina, didática e exemplar, soprada pelos anjos ao ouvido do orador para que se autodenunciasse. Nele Jesus diz: “Farão isso porque não conheceram ao Pai nem a Mim.”1

Gafes em série não são puras gafes: são sintomas de incompetência estrutural. Desenvolto e persuasivo ao ler mensagens no teleprompter, Obama revela um total desamparo ao lidar com as palavras sem ajuda. Com boas razões ele vetou a divulgação de seus artigos acadêmicos, mas alguns escaparam ao bloqueio e foram parar nas mãos do repórter Jack Cashill, que impiedosamente os exibiu. Em “Breaking the War Mentality”, publicado na revista da Universidade Columbia, Sundial, em março de 1983, Obama escreve: “The belief that moribund institutions, rather than individuals are at the root of the problem, keep SAM’s energies alive.” O sujeito singular belief não concorda com o verbo keep no plural, e a virgulação não faz o menor sentido. Mais adiante, ele confunde o superlativo com o comparativo: “Our better instincts can at least match the bad ones” – better em vez de best. E ainda: “SAM casts a wider net than ARA, though for the purposes of effectiveness, they have tried to lock in on one issue at a time” – o sujeito singular da oração principal torna-se plural na oração subordinada. Há vários outros erros pueris nesse em outros artigos, só igualados, em matéria de inépcia gramatical, pela tese da Sra. Obama em Harvard. Tal como a digníssima, o homem é, com toda a evidência, precariamente alfabetizado. Ele não poderia jamais ter escrito Dreams of My Father, onde testes por computador revelam sinais do estilo de William Ayers, ghost writer experiente.

Desprovido de assessoria, o desempenho escrito ou oral de Obama é tão miserável e contrasta de tal maneira com a sua imagem de gênio alardeada por um coro universal de tagarelas, que esta não pode nem mesmo ser compreendida como mera louvação publicitária. O exagero adulatório puro e simples tem de se ater, afinal, a um mínimo de verossimilhança, que no caso falta por completo. A mentira propositadamente inverossímil, propositadamente contrária aos fatos visíveis, é coisa totalmente diversa. É uma técnica psicológica já bem testada em seitas pseudo-religiosas e em regimes totalitários. Theodore Dalrymple resume-a com precisão: “No meu estudo das sociedades comunistas, cheguei à conclusão de que o propósito da propaganda comunista não era persuadir, nem convencer, mas humilhar – e, para isso, quanto menos ela correspondesse à realidade, melhor. Quando as pessoas são forçadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou, pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, elas perdem de uma vez para sempre todo o seu senso de probidade… Uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar.”

NOTAS:

  1. Aviso já enviado ao Diário do Comércio:

    Erro corrigido

    No meio das várias gafes comprovadas que citei no artigo “Um gênio da inépcia” (DC, 29 de janeiro de 2009), passou uma falsa: a trapalhada bíblica ali atribuída a Barack Hussein Obama é apenas um boato, já usado contra outros políticos em eleições anteriores. Quatro leitores me informam isso, com boas fontes, e agradeço a eles a correção. Se a grande mídia tivesse tantos fiscais quanto eu, erraria menos, e não somente em detalhes como esse.

    Olavo de Carvalho

Educação ao contrário

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 27 de janeiro de 2009

Clicando no Google a palavra “Educação” seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever do cidadão”: nenhum resultado.

Isso basta para explicar por que os estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais. A idéia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação) das mentes das nossas crianças.

Eis também a razão pela qual, quando meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto, deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito de todos, não por coincidência, é aquele que freqüentou escola por menos tempo.

A idéia de que a educação é um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.

Os outros, no caso, são as pessoas e instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros: professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas. Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só devem ser lidos por elas mesmas? Será que até para se convencer das suas próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime.

Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da sociedade – e nada de si mesmo.

Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.

O segredo de um terrorista

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2009

Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista.

Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural.

O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda.

Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha.

Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo.

Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema.

É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é, de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.

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