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Micagens infernais

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de agosto de 2009

Quarta-feira, 6 de agosto, enviei à editoria de Opinião do DC um artigo com as seguintes observações: “Curiosamente, nenhum dos que denunciam como falsa a certidão queniana de Barack Obama chega a sugerir sequer a hipótese de que ela tenha sido forjada por algum obamaníaco para colocar os birthers numa enrascada – hipótese muito mais razoável do que supor que estes últimos acreditassem seriamente poder enganar a justiça com um documento falso. A rapidez fulminante com que apareceu na internet a certidão australiana alegada como modelo da forjicação sugere que eles já sabiam algo a respeito antes mesmo de que o papel queniano fosse entregue às autoridades. Prestidigitações desse tipo são coisa de rotina para os agentes comunistas e radicais islâmicos que superlotam as fileiras obamistas.”

Não houve nem tempo de publicar o artigo. Decorridas 24 horas, já aparecia a confissão de um blogueiro obamista, que admitia ter forjado a coisa para cobrir de ridículo a advogada Orly Taitz (http://confederateyankee.mu.nu/archives/290619.php e http://fearlessblogging.com/post/view/3037).

Não pensem, porém, que esse engraçadinho seja um caso isolado. A iniciativa dele combina perfeitamente com o tratamento que o establishment jornalístico supostamente respeitável tem dado ao caso.

Toda a “grande mídia”, sem exceção visível, noticiou que Orly Taitz apresentara a certidão queniana como prova contra a nacionalidade americana de Obama. Isso é absolutamente falso. A advogada apenas solicitou ao tribunal que mandasse averiguar a autenticidade do documento, do qual ela mesma explicitamente afirmava não ter a mínima certeza. O que está sendo impingido aos leitores como notícia é pura invencionice difamatória. A orientação geral é recortar os fatos para fabricar uma aparência de loucura e depois, com o ar mais científico do mundo, emitir um diagnóstico psiquiátrico, sublinhado pelas chacotas mais fáceis e previsíveis. Quase que invariavelmente as entrevistas com birthers, entrecortadas de objeções insultuosas para impedi-los de falar, são seguidas de explicações sapientíssimas sobre as raízes sociológicas e psicopatológicas das “teorias da conspiração”. Mas ninguém explica o que há de teoria da conspiração em exigir que um candidato presidencial, antes ou depois de eleito, apresente os mesmos documentos que todos os seus antecessores e concorrentes apresentaram. O que me parece patológico, isto sim, é a proibição de investigar, a exigência prepotente, megalômana, de que um mentiroso compulsivo já mil vezes pego em flagrante seja crido sob palavra como se fosse um santo ou profeta, sem mais perguntas.

A trêfega disposição de impugnar como falsa a certidão queniana forjada expressamente para isso contrasta, no entanto, com a maciça recusa de examinar outros documentos forjados, muito mais decisivos. Meses depois que a certidão resumida de nascimento de Barack Obama apareceu no seu site de campanha, um especialista em peritagem forense publicou um relatório de duzentas páginas com uma quantidade enorme de provas de que o documento era falso (v. www.freerepublic.com/focus/f-bloggers/2136816/posts). A “grande mídia” fez total silêncio a respeito, ao passo que os sites obamistas da internet, sem examinar no mais mínimo que fosse o conteúdo do relatório, nem muito menos submetê-lo ao julgamento de outros peritos, limitavam-se a martelar e remartelar as duas únicas objeções que lhes ocorriam: o autor não revelava seu verdadeiro nome (assinava-se com o pseudônimo “Ron Polarik”) e não mostrava suas credenciais acadêmicas.

Essas pobres alegações, porém, tornaram-se inócuas quando outro profissional da área, com nome à mostra e credenciais sobrantes, Sandra Ramsey Lines (v. www.asqde.org/SRLines/SandraRLines.htm), confirmou integralmente as conclusões de Polarik. Desde então os críticos do perito nada mais disseram nem lhes foi perguntado a respeito. A única exceção foi uma blogueira que, não sem levar alguns aplausos esquerdistas por isso, contestou o currículo acadêmico de Polarik, sem explicar como se faz para averiguar a autenticidade de um diploma universitário sem saber o nome do diplomado.

É verdade que, nesse ínterim, a autenticidade da certidão resumida foi confirmada, oralmente, por funcionários do Registro Civil havaiano. Como, porém, a única prova possível da fidedignidade de um resumo é a exibição do documento original cujos dados ele compacta, e como os referidos continuaram obstinadamente se recusando a exibir esse original, tudo o que suas declarações faziam era reforçar o estímulo a que o público acreditasse em tudo sob palavra, abdicando das provas documentais.

Mais sólido ainda que o bloqueio em torno do laudo de Ron Polarik foi o muro de silêncio erguido em torno de um caso supremamente escabroso: o certificado de alistamento militar de Obama, assinado em 1988 num formulário que só viria a ser impresso em 2008. Como, ao contrário da certidão queniana, que surgiu de fonte anônima, a certidão havaiana resumida e a ficha militar viessem comprovadamente do próprio Obama, era preciso abster-se de examinar quaisquer provas da sua falsidade, por mais numerosas e auto-evidentes que fossem.

Para quem acompanha há décadas as micagens infernais da mente revolucionária, nada disso é novidade. Mentir, falsificar, fingir – tais são os procedimentos usuais, compulsivos e obrigatórios dessa gente há mais de cem anos. Quanto mais se sujam nessas manobras sórdidas, mais são obrigados a reprimir os protestos da sua própria consciência moral, sufocando-a sob encenações de autobeatificação delirante.

 

Formadores de opinião

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 5 de agosto de 2009

Nas próximas semanas, dedicarei uma série de artigos a analisar, com certa minúcia, algumas idéias do colunista da Folha, Contardo Calligaris, ou aquilo que ele imagina serem suas idéias, já que a mim me parecem mais reflexos condicionados. Antes de fazê-lo, porém, desejo esclarecer algo quanto à perspectiva desde a qual examino fenômenos como esse.

Um dos elementos básicos da educação é o aprendizado de comportamentos verbais que nos identifiquem com os grupos sociais cuja aprovação necessitamos. É todo um processo complexo e trabalhoso de mimetização de sentimentos, hábitos, cacoetes, preconceitos e manias que nos libertam do angustiante isolamento corporal a que nos condenou a natureza das coisas e nos dão a impressão de que somos “alguém”, pelo menos aos olhos dos outros, dos quais assim obtemos uma reconfortante confirmação da nossa existência e até, nos casos mais felizes, da nossa importância.

Completado esse treinamento, alguns indivíduos passam à etapa seguinte, que é a aquisição da alta cultura. Aí já não se trata mais de obter a aprovação dos nossos contemporâneos, mas de dialogar com os grandes homens de outros tempos e lugares, que não nos julgam pela nossa subserviência a um meio social determinado, e sim pela nossa fidelidade a valores e critérios que não são de nenhuma época, constituindo antes a condição da possibilidade de um salto entre as épocas. Esse aprendizado vai, fatalmente, na direção oposta à do anterior. Quando você já não busca a aprovação de qualquer meio social presente, mas de Aristóteles, de Dante, de Sto. Tomás, de Shakespeare e de Leibniz, você sabe que dela não resultará provavelmente nenhum benefício exterior, mas apenas a aquisição daquela consistência íntima, daquela sinceridade profunda que lhe permitirá ser de fato “alguém”, não aos olhos dos outros, mas da comunidade supratemporal do conhecimento, ainda que ao preço de tornar-se relativamente incompreensível aos contemporâneos. A partir desse momento você está habilitado a dizer como Dom Quijote: “Yo sé quien soy” – e a opinião dos circunstantes não pode afetar em nada aquilo que você apreendeu mediante vivência espiritual direta, solitária, sem mais testemunha ou interlocutor além da comunidade dos sábios mortos. Quando Sto. Tomás de Aquino recomendava “Tem sempre diante de ti o olhar dos mestres”, ele sabia o quanto a integração da alma no diálogo supratemporal pode custar em solidão de espírito, mas também sabia que essa solidão é o único terreno onde germina o desejo de conhecer a Deus (a não ser, é claro, que o próprio Deus decida falar com você por outros meios).

A sanidade de qualquer grupamento humano – um país, por exemplo – depende de que nele exista um número suficiente de pessoas dedicadas a este segundo aprendizado. É só por meio delas que a conversação contemporânea adquire um lugar e um sentido no quadro do universalmente humano, em vez de esfarelar-se numa infinidade de picuinhas que só parecem importantes na razão inversa da escala de tempo histórico em que são medidas.

Como a alta cultura desapareceu do Brasil, o uso da linguagem nos debates públicos limita-se hoje aos fins do primeiro aprendizado: as pessoas não falam ou escrevem para exprimir em palavras alguma experiência interior autêntica, mas para sentir que acertaram no tom e no estilo da platéia cuja aprovação anseiam para reforçar sua vacilante identidade pessoal com a chancela de um grupo de referência. Daí a necessidade constante, obsessiva, de ostentar bons sentimentos, entendidos como tais os sentimentos aprovados pelo grupo (e que podem, decerto, parecer desprezíveis ou abomináveis a outros grupos).

Como o grupo dominante na mídia e nas universidades, hoje em dia, é esquerdista e politicamente correto, o chamado “debate nacional” é apenas um torneio para decidir quem personifica melhor o amor sem fim às “minorias” oficialmente aprovadas como tais e o total desprezo pelas demais minorias, por exemplo os evangélicos ou os católicos tradicionalistas (os judeus são um caso espinhosamente ambíguo, obrigando as inteligências iluminadas aos contorcionismos verbais mais engenhosos para conciliar o respeito sacrossanto aos judeus mortos com o ódio visceral aos judeus vivos).

Quando, num desvario de independência pessoal, o sujeito se horroriza ante algum excesso do politicamente correto e escreve duas ou três palavras para criticá-lo, toma as mais extremas precauções para mostrar que só o faz no puro interesse dos próprios grupos visados, reintegrando portanto dialeticamente o momento de infidelidade aparente no fundo imutável da fidelidade essencial. Essas demonstrações de “divergência”, as mais extremas que o padrão nacional comporta hoje em dia, chegam até a ser aplaudidas como provas de originalidade, excelência intelectual e coragem quase suicida. O indivíduo capaz desses controladíssimos rompantes torna-se, no padrão geral vigente, a personificação mais próxima do que seria, em condições normais, o representante da alta cultura.

É isso o que, no Brasil de hoje, se chama de “formador de opinião”: um adolescente em busca de integração social, esforçando-se para imitar a linguagem e os modos de um grupo de referência, no máximo fingindo às vezes um pouco de discordância para poder ser aprovado, não como um membro qualquer entre outros, mas como um “intelectual”, talvez até como um “pensador”.

Fugindo do vexame

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de agosto de 2009
(Redigido em 17 julho de 2009)

Desde que começou a campanha eleitoral americana no ano passado, entendi – e escrevi – que um único problema sério ali estava em jogo: a identidade de Barack Obama. De um lado, pouco ou nada se sabia do personagem, e ele fazia tanto empenho em ocultar fatos e documentos essenciais da sua vida quanto em exibir com esplendor máximo a imagem estereotipada construída em seus dois livros autobiográficos e numa profusão inabarcável de reportagens promocionais. De outro lado, a discussão de propostas de governo, nessas condições, era totalmente imaterial: entre os lances cuidadosamente encobertos da biografia de Barack Obama estavam justamente aqueles que revelavam os seus mais fundos compromissos ideológicos, ao passo que o discurso de campanha apresentava uma versão tão diluída e adocicada que dificilmente se poderia dizer, com base nela, quem era politicamente Barack Obama.

Com toda a evidência, o que ele prometia fazer na presidência era apenas uma camuflagem de seus verdadeiros objetivos. Só para dar uma idéia do abismo entre o discurso e o plano de governo que ele encobria, notem que 72 por cento dos judeus americanos votaram no candidato democrata, acreditando que ele defenderia Israel como seus antecessores. Tão logo eleito, ele tirou a máscara, mostrando-se, conforme disse o líder sionista Morton Klein, “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”. E assim foi em muitos setores.

Do seu discurso de campanha, nada se podia deduzir quanto ao que ele viria a fazer no governo. Mas da sua biografia podia-se deduzir tudo, com precisão milimétrica. Ademais, eleição não é debate acadêmico; campanha presidencial não é luta de idéias, é disputa de poder entre seres humanos reais e concretos. Àquela altura, discutir as “propostas” de Barack Obama era o cúmulo da alienação, da cegueira voluntária: os verdadeiros propósitos do candidato não se podiam deduzir dos seus discursos, da sua performance de leitor emérito de teleprompters, mas sim, precisamente, daquilo que ele escondia, da sua vida de militante radical, colaborador pertinaz de ditadores e genocidas.

Poucos analistas da política americana entenderam isso na ocasião. Quanto aos candidatos republicanos e seus iluminados mentores de campanha, esses não entenderam absolutamente nada. Havia mesmo um bloqueio mental impedindo que tocassem na ferida. A dificuldade de colocar em discussão a vida pregressa de Barack Obama, paradoxalmente, não vinha da força dos mecanismos de camuflagem que a encobriam, mas precisamente da sua fragilidade: o homem não tinha sequer uma certidão original de nascimento, seu alistamento militar era patentemente falsificado, ele e sua família se contradiziam quanto ao seu local de nascença, e até mesmo os registros de sua atividade como senador no Illinois tinham desaparecido, ao mesmo tempo em que espoucavam notícias alarmantes, sempre confirmadas, sobre suas ligações com vigaristas e terroristas. A posição real do candidato, sob esse aspecto, era tão frágil que seus adversários se recusaram a acreditar no que viam; desviando os olhos, permitiram que o feixe de enigmas e ocultações chegasse à Presidência.

Agora que pela primeira vez um juiz federal aceitou examinar a matéria de um dos processos de inelegibilidade movidos contra Obama, a fatídica certidão de nascimento, que ele já gastou mais de um milhão de dólares para ocultar, vai ter de aparecer mais cedo ou mais tarde.

Os últimos lances do jogo de esconde-esconde foram tão patéticos que bastam para tornar verossímeis as suspeitas mais paranóicas quanto à nacionalidade do presidente. O site de jornalismo eletrônicoWorldNetDaily descobriu que em janeiro ele enviara um cartão de cumprimentos ao hospital Kapiolani, em Honolulu, dizendo-se muito honrado de ter nascido ali. Durante todo o debate presidencial, os adeptos de Obama haviam proclamado como certeza absoluta que ele nascera no hospital Queens, achando que com isto esmagavam as objeções dos céticos. Tão logo divulgado o incômodo cartão, jornais, revistas e sitesnoticiosos obamistas, inclusive oficiais, não admitiram o erro: simplesmente apagaram o nome “Queens” e puseram “Kapiolani” no seu lugar, achando que com isso disfarçavam retroativamente quase um ano inteiro de vexames. Fraude geral explícita. Na verdade o vexame acabou ficando maior ainda, pois o hospital Kapiolani, que durante meses ganhara dinheiro ostentando o nome de Barack Obama como o de um dos bebês que haviam se beneficiado dos seus maravilhosos serviços obstétricos, de repente sentiu perigo no ar e passou a recusar-se terminantemente a confirmar que o presidente nascera ali.

Ao mesmo tempo, um major do exército, que entrara com um pedido na justiça para ser dispensado de obedecer às ordens do presidente até que este confirmasse sua nacionalidade e portanto sua legitimidade no cargo, obteve uma vitória espetacular quando seus comandantes, reconhecendo o drama, o dispensaram de ir para o Afeganistão como lhe fora ordenado. Como reagiu a Presidência? Pressionou uma empresa privada, na qual o major estava trabalhando, a que demitisse o atrevido. Quando a mais alta autoridade federal prefere antes sujar-se com uma vingança mesquinha contra um cidadão privado do que gastar doze dólares com um traslado da certidão original de nascimento do presidente e encerrar o debate em torno da legitimidade do mandatário no cargo, é preciso ser um verdadeiro crente obamaníaco para não concluir que o homem está escondendo alguma coisa.

Se os líderes republicanos e o séquito de jornalistas que os apóiam não quiseram enxergar a vulnerabilidade completa de um adversário desprovido até de documentos de identidade, foi pela simples razão de que são todos eles uns bons burgueses gordos, comodistas e trêmulos, que não têm a coragem intelectual necessária para examinar os fatos nas suas fontes primárias e tirar conclusões objetivas: temem pensar por si próprios e não ousam dizer uma só palavra que já não reflita a unanimidade do establishment. Mas o medo do vexame imaginário é promessa certa de um vexame mil vezes maior num futuro que se anuncia bem próximo.

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