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O fim de um petista americano

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 18 de março de 2008

O pessoal aí no Brasil não está entendendo direito o que aconteceu com o ex-governador de Nova York Eliot Spitzer. O sujeito parece vítima de perseguição moralista, mas não é nada disso.

Primeiro, prostituição em Nova York não é crime nenhum. Crime – crime federal – é levar prostitutas de um Estado para fazer michê em outro. Isso é assim precisamente por causa da diferença entre as leis dos vários Estados, um restinho de federalismo que tem de ser respeitado, principalmente – ora bolas! – se você é governador de um dos Estados envolvidos.

Segundo: Spitzer fez carreira no moralismo acusatório com tons anticapitalistas no mais puro estilo PT. Sua atuação lembra muito a de José Dirceu e Aloysio Mercadante nas célebres CPIs do começo da década de 90, cortando a esmo cabeças de culpados e inocentes e subindo aos píncaros da glória sobre montanhas de reputações destruídas.

Não tem cabimento ficar com dó de um malicioso que se afoga no seu próprio veneno.

O tipo de retórica de Spitzer é de sucesso muito fácil porque as mesmas multidões que se elevaram a um padrão de vida decente graças ao capitalismo ignoram como o sistema funciona, e guardam sempre um fundo de inveja rancorosa baseado na crença de que a riqueza de uns é obtida à custa do empobrecimento de outros.

Ironicamente, essa crença é verdadeira no que diz respeito a todos os demais sistemas econômicos que já existiram no mundo – a comunidade agrária, o escravismo, o feudalismo e o socialismo. A diferença específica do capitalismo – e a única razão do seu sucesso – é que ele funciona precisamente ao contrário desses sistemas. É impossível um sujeito enriquecer por meio de investimento capitalista (mesmo puramente financeiro) sem espalhar riqueza pela sociedade em torno, mesmo que não queira fazê-lo. O capitalismo é em seu mecanismo mais íntimo um efeito multiplicador, que faz “justiça social” por automatismo, e o faz melhor do que qualquer governo soi disant idealista e humanitário.

Vejam anualmente o index de Liberdade Econômica da Heritage Foundation e me mostrem um único regime intervencionista onde as pessoas tenham padrão de vida melhor do que nas nações de economia mais livre.

No entanto, por força da sua mesma prosperidade incontornável, o capitalismo fornece a vastas multidões de classe média os meios de acesso à educação universitária e depois não tem como dar a essa gente uma função útil na economia. O remédio é expandir ilimitadamente a “indústria cultural” para dar emprego à nova classe ociosa. Resultado: aumenta a cada dia o exército de pseudo-intelectuais frustrados, ressentidos, ávidos de um poder à altura dos méritos ilusórios dos quais se imaginam portadores. O progresso do capitalismo cria inexoravelmente a cultura da revolta socialista. Não o proletariado, mas a arraia-miúda universitária – o “proletariado intelectual”, como o chamava Otto Maria Carpeaux – é a verdadeira classe revolucionária.

A composição sociológica de todos os partidos esquerdistas do mundo comprova isso da maneira mais patente. No entanto, não se pode dizer que Marx acertou nem mesmo nesse sentido imprevisto ao dizer que “o capitalismo traz em si a semente da sua própria destruição”. A classe revolucionária não destrói o capitalismo: só o perverte mediante arranjos que elevam os revolucionários à condição de classe dominante ao mesmo tempo que mantêm em funcionamento aquele mínimo de liberdade de mercado sem o qual o socialismo, que só pode existir como promessa indefinidamente adiada, se transmutaria em realidade e se extinguiria automaticamente.

A cultura do socialismo é a doença congênita do capitalismo avançado. Ele pode sobreviver indefinidamente a essa doença, mas à custa de destruir todos os bens culturais, morais e políticos que justificam a sua existência. A degradação da democracia genuína em “democracia de massas” – a ditadura da burocracia imperando sobre as formas vazias de instituições que perderam todo o sentido – é o preço de um capitalismo incapaz de criar uma cultura capitalista.

Gerar e destruir incessantemente tipos como Eliot Spitzer e José Dirceu é apenas um dos vícios estruturais inumeráveis que constituem o repertório de possibilidades da “democracia de massas”.

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No documentário de Ben Stein, Expelled: No Intelligence Allowed , o dr. Richard Dawkins, que seus devotos consideram a encarnação mesma da razão científica em luta contra as trevas do obscurantismo e da superstição, faz uma revelação altamente significativa: ele não acredita no Deus dos cristãos e judeus, mas acredita… em deuses astronautas! Stein, que é um tremendo gozador, refreia-se e, por caridade, transmite a declaração sem comentários. Só não farei o mesmo porque não me sai da cabeça a frase célebre de G. K. Chesterton: “Quando os homens param de acreditar em Deus, não é que não acreditem em mais nada – eles passam a acreditar em tudo.”

Engenharia da confusão

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de março de 2008

O psicólogo russo Ivan Pavlov ( 1849 – 1936 ) demonstrou que a estimulação contraditória é a maneira mais rápida e eficiente de quebrar as defesas psicológicas de um indivíduo (ou de um punhado deles), reduzindo-o a um estado de credulidade devota no qual ele aceitará como naturais e certos os comandos mais absurdos, as opiniões mais incongruentes.

Isso funciona de maneira quase infalível, mesmo que os estímulos sejam de ordem puramente cognitiva e sem grande alarde emocional (frases contraditórias ditas numa seqüência camuflada, de modo a criar uma confusão subconsciente). Mas é claro que funciona muito mais se o sujeito for submetido ao impacto de emoções contraditórias fortes o bastante para criar rapidamente um estado de desconforto psicológico intolerável. Esse mesmo desconforto serve de camuflagem, pois a vítima não tem tempo de averiguar que a contradição vem da fonte, e não do seu próprio interior, de modo que ao estado de aflição vêm somar-se a culpa e a vergonha. A reação automática que se segue é a busca desesperada de um novo padrão de equilíbrio, isto é, de um sentimento mais abrangente que pareça comportar em si, numa síntese dialética, as duas emoções inicialmente vivenciadas como contraditórias, e que ao mesmo tempo possa aliviar o sentimento de vergonha que o indivíduo sente perante a fonte estimuladora, que a esta altura ele toma como seu observador crítico e seu juiz.

Se o leitor examinar com certa atenção o discurso esquerdista, verá que ele procura inspirar no público, ao mesmo tempo, o medo e a compaixão. Esta dupla de sentimentos não é contraditória em si, quando cada um deles se coloca num plano distinto, como acontece na tragédia grega, onde os espectadores sentem compaixão pelo herói e medo da engrenagem cósmica que o oprime. Mas, se o objeto de temor e de compaixão é o mesmo, você simplesmente não sabe como reagir e entra num estado de “dissonância cognitiva” (termo do psicólogo Leon Festinger), a um passo da atonia mental que predispõe à subserviência passiva.

Digo medo e compaixão, mas nunca de trata de emoções simples e unívocas, e sim de duas tramas emocionais complexas que prendem a vítima ao mesmo tempo, tornando-a incapaz de expressar verbalmente a situação e sufocando-a numa atmosfera turva de confusão e impotência.

Na política revolucionária, a estimulação contraditória toma a forma de ataques terroristas destinados a intimidar a população, acompanhados, simultaneamente, de intensas campanhas de sensibilização que mostram os sofrimentos dos revolucionários e da população pobre que eles nominalmente representam. As destruições de fazendas pelo MST são um exemplo nítido: a classe atacada fica paralisada entre dois blocos de sentimentos contraditórios – de um lado, o medo, a raiva, o impulso de reagir, de fugir ou de buscar proteção; de outro, a compaixão extorquida, a culpa, o impulso de pedir perdão ao agressor.

Não é coincidência que a primeira descrição científica desse mecanismo tenha sido obra de um eminente psicólogo russo: o emprego da estimulação contraditória já era uma tradição no movimento revolucionário quando Ivan Pavlov começou a investigar o assunto justamente nos anos em que se preparava a Revolução Russa. Seus estudos foram imediatamente absorvidos pela liderança comunista, que passou a utilizá-los para elevar a manipulação revolucionária da psique às alturas de uma técnica de engenharia social muito precisa e eficiente, capacitada para operações de grande porte com notável controle de resultados.

Nas últimas quatro décadas, com a passagem do movimento revolucionário da antiga estrutura hierárquica para a organização flexível em “redes” informais com imenso suporte financeiro, o uso da estimulação contraditória deixou de ser uma exclusividade dos partidos comunistas e se disseminou por toda sorte de organizações auxiliares – ONGs, empresas de mídia, organismos internacionais, entidades culturais — cuja índole revolucionária não é declarada ex professo , o que torna o rastreamento da estratrégia unificada por trás de tudo um problema muito complexo, transcendendo o horizonte de consciência das lideranças empresariais e políticas usuais e requerendo o concurso de estudiosos especializados. Em geral, os liberais e conservadores estão formidavelmente desaparelhados para enfrentar a situação: esforçam-se para conquistar o público mediante argumentos lógicos em favor da democracia e da economia de mercado, quando o verdadeiro campo de batalha está situado muito abaixo disso, numa zona obscura de paixões irracionais administradas pelo adversário com todos os requintes da racionalidade e da ciência.

Em artigos vindouros ilustrarei o emprego da estimulação contraditória por vários “movimentos sociais”: feminista, gayzista, abortista, ateísta, ecológico, etc.

Colaboracionistas

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de março de 2008

O colaboracionismo de importantes jornalistas brasileiros foi — e é — parte vital da estratégia que permitiu a uma articulação de comunistas e gansgsters dominar meio continente sem encontrar resistência, enquanto a “direita” se deixava entorpecer pelo slogan narcótico de que “o comunismo acabou”, ao ponto de hostilizar quem quer que tentasse alertá-la de que as coisas não eram bem assim.

O longo silêncio da mídia nacional em torno do Foro de São Paulo nada teve de involuntário ou inocente. Que uma confluência acidental de lapsos de atenção possa ter-se repetido em todas as redações de jornais, rádios e TVs do país, dia após dia, ao longo de dezesseis anos, é uma hipótese tão rebuscada, inverossímil e psicótica, que só serve para tornar ainda mais patente aquilo mesmo que deseja ocultar.

Mas a maior prova de que o bloqueio de notícias foi intencional é que ele persistiu até mesmo depois das duas confissões públicas do sr. Luís Inácio Lula da Silva quanto às suas atividades clantestinas no Foro, e só veio a ceder um pouquinho quando o próprio PT deu o sinal verde, com o vídeo do seu III Congresso, no momento em que o segredo já não lhe era mais necessário nem conveniente. Mesmo liberada, a notícia ainda permaneceu parcialmente retida até que uma crise diplomática, alardeada nos principais jornais do mundo e sublinhada por uma declaração explícita do sr. Hugo Chávez em pessoa sobre suas conversas com Lula e Raul Reyes no quadro do Foro (v. http://www.youtube.com/watch?v=DzxOK21kXms&feature=related ), tornou impossível continuar abafando um escândalo de dimensões continentais.

O fato de que agora, rompido o silêncio, aqueles mesmos sonegadores de notícias sejam ouvidos sobre o assunto como autoridades sérias e isentas, em vez de ser desmascarados e investigados como cúmplices do maior concurso de crimes já observado na América Latina, mostra que o regime de privação cognitiva que eles impuseram ao país alcançou o efeito desejado: tornou a vítima estúpída e crédula o bastante para submeter-se voluntariamente, de novo e de novo, ao mesmo tratamento que a incapacitou de início, como um drogado acaba por se tornar servo devoto e amoroso do traficante que o mata aos pouquinhos.

E eles, é claro, aproveitam-se disso para dar um upgrade à fraude consagrada, passando da omissão simples à mentira ativa. Forneço dois exemplos, escolhidos a esmo. A sra. Eliane Cantanhede, na ânsia de limpar retroativamente a reputação da liderança esquerdista comprometida pelas últimas notícias, assegura-nos que “Lula rompeu com o Foro de São Paulo seis anos atrás” – quando o próprio Lula já confessou ter continuado a participar do Foro muito tempo depois de eleito presidente da República, além de atuar nele ainda hoje através do sr. Marco Aurélio Garcia (v. Lula, réu confesso e Saindo do armário). O sr. Demétrio Magnoli, que até mesmo Veja respeita como um expert na matéria, proclama que as Farc se afastaram do caminho revolucionário para dedicar-se ao banditismo puro e simples – e tem a cara de pau de dizer isso no instante mesmo em que a esquerda latino-americana em peso se junta para proteger a narcoguerrilha e legitimá-la como movimento político, prova cabal de que não enxerga nela uma quadrilha de delinqüentes comuns.

Para os deformadores de opinião, impedir que a boa imagem do esquerdismo seja arranhada pela revelação de seus crimes é um dever que está infinitamente acima da honestidade, virtude simplória demais para o seu gosto requintado.

Quando estreei como foquinha, quarenta e tantos anos atrás, o cínico desencanto dos velhos profissionais que diziam “Nós, jornalistas, somos prostitutas” me soava insuportavelmente ofensivo. Hoje ainda me parece ofensivo. Ofensivo às prostitutas.

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