Por Janer Cristaldo

“A imprensa mudou, os partidos mudaram e eu mudei”, diz Lula. Ora, mudar tem época. O homem que era adulto no pós-guerra, tinha sobrado conhecimento dos crimes do comunismo. Os gulags datam de 1918. As purgas e assassinatos, de 1936. Se permanecia marxista até o final dos 30, no fundo apoiava os expurgos, massacres, assassinatos e gulags. Em 1949, este homem teve mais uma chance de abandonar o barco, a affaire Kravchenko.Victor Andreïevitch Kravchenko, alto funcionário soviético que havia trocado a URSS pelos Estados Unidos, relatou esta opção em Eu escolhi a liberdade, livro em que denunciava a miséria generalizada e os gulags do regime stalinista. O livro foi traduzido ao francês em 1947 e teve um sucesso fulminante. A revista Les Lettres Françaises publicou três artigos difamando Kravchenko, apresentando-o como um pequeno funcionário russo recrutado pelos serviços secretos americanos. Kravchenko processou a revista, no que foi considerado, na época, o julgamento do século. No banco dos réus estava nada menos que a Revolução Comunista. Em seu testemunho, Kravchenko trouxe ao tribunal Margaret Buber-Neumann, esposa do dirigente comunistas alemão Heinz Neumann, como também o ex-guerrilheiro antifranquista El Campesino, ambos aprisionados por Stalin em campos de concentração. Kravchenko, que perdeu toda sua fortuna produzindo provas no processo, teve ganho de causa. Recebeu da revista francesa, como indenização por danos e perdas … um franco simbólico.

A partir daquela data ninguém mais podia negar o universo concentracionário soviético. 1949 é a data limite para um homem que se pretenda honesto abandonar o marxismo. Em 56, Kruschov denuncia os campos em seu famoso discurso no 20º Congresso dos PCUS. No mesmo ano, foi invadida a Hungria. O muro de Berlim data de 61. No entanto, até os anos 90, ilustres
intelectuais, no Brasil e no planetinha, gabavam-se de pertencer ao partido e a ideologia que matou cem milhões de pessoa ao longo do século passado.

O PT nasce em 1980, sob a égide do socialismo. Em sua árvore genealógica estão o PCB, PC do B e as diversas siglas guerrilheiras que surgiram a partir dos 60, todas financiadas por Moscou, Pequim ou Havana. Em sua gestação estão a CNBB e a ala guerrilheira da Igreja Católica. Ora, em 1980, a nenhum homem medianamente informado era permissível ignorar as feições do marxismo. Mesmo assim, o PT nasce compromtido com o totalitarismo. Até hoje mantém em seus quadros egressos da guerrilha que sonhou transformar o Brasil em uma ditadura socialista. Nasceu senil e nenhum esforço fez para rejuvenescer. Prova disto são as homenagens prestadas por Lula e demais petistas a João Amazonas, morto nesta semana. Amazonas, que iniciou sua carreira de aparatchik sob as ordens de Moscou, optou mais tarde pelo linha de Pequim, para terminar defendendo o tosco e ridículo regime albanês. No Brasil, foi um dos organizadores da guerrilha do Araguaia, aventura irresponsável que levou à morte um punhado de ingênuos.

Este senhor, que a justo título merece o mesmo repúdio que dedicamos a um líder nazista, teve exéquias de herói e seu cadáver foi coberto com a bandeira da tirania que empestou o século. Líderes petistas, comovidos, lhe prestaram preito. “João Amazonas tem um simbolismo muito grande para quem lutou neste país por democracia”, disse Lula, referindo-se ao homem que toda sua vida foi fiel à filosofia que abafou qualquer pingo de democracia, onde quer que se instalasse. (Fernando Henrique e José Serra, rebentos da mesma vergôntea, não perderam a ocasião de render homenagens. Cadáver de comunista ainda rende votos). Neste sentido, o PT não mudou. Continua cultuando os celerados que estão em suas origens. Até hoje, o partido nada disse contra a mais antiga ditadura do planeta. Pelo contrário, Lula costuma refestelar-se junto a Castro.

“É óbvio que Lula mudou, que o PT mudou”, me escreve um irado leitor, a respeito da crônica passada. Lendo os jornais da semana, tenho de rever meus conceitos. De fato, em algo Lula e o PT mudaram. Se não no essencial, pelo menos na superfície. “Lula defende Quércia”, diz a Folha de São Paulo. O PT, que denunciou as falcatruas do ex-governador paulista, agora por ele toma-se de amores. “Acho que todas as denúncias, contra qualquer pessoa, têm que ser apuradas. Ou a pessoa ganha uma condenação ou um atestado de idoneidade. Sempre parto do pressuposto de que todas as pessoas são inocentes até que se prove o contrário”, disse Lula em São Carlos.

Quércia foi denunciado por envolvimento nos escândalos do Banespa (desvio de U$ 55 milhões), na compra sem licitação de equipamentos israelenses (U$ 310 milhões) e outras irregularidades como a venda da Vasp, a construção do Memorial da América Latina e superfaturamento em obras do governo. Partindo do pressuposto aventado por Lula, até mesmo alianças com Collor, Maluf, ACM, Jader Barbalho ou Pitta seriam bem-vindas, pois nenhum destes senhores até agora ganhou uma condenação. Não se sabe ainda o que as autoridades esperam para conferir-lhes um atestado de idoneidade.

“Lula nunca dirigiu um carrinho de pipocas”, costumava dizer Quércia. “Mas eu também nunca roubei pipoca”, respondia Lula. Hoje, para Lula, Quércia é um “homem de bem”. Se antes defendia ditaduras, o PT defende hoje aqueles que denunciou como corruptos. De fato, o partido mudou

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