Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 16 de março de 2006

A esquerda, como as amebas — com as quais também se assemelha pelo quociente de inteligência e por só poder prosperar em ambiente fecal –, multiplica-se por cissiparidade. Cada nova leva de esquerdistas separa-se de seus antecessores, chamando-os de direitistas e obtendo assim autorização para cometer sob novos pretextos os mesmos crimes que eles cometeram. Esse velho truque — tão velho que já nem sei se é truque ou é vício — tem ainda a vantagem de destituir de sua identidade a direita genuína e empurrar o eixo da disputa política cada vez mais para a esquerda.

Os primeiros a ser usados nesse engodo foram os girondinos, na Revolução Francesa. Desde então, a coisa não parou mais. Só no Brasil ainda há cérebros suficientemente letárgicos para não perceber o quanto ela é previsível.

Se o leitor tiver a bondade de consultar dois artigos meus, de 27 de maio de 2000 e 11 de março de 2004 ( www.olavodecarvalho.org/semana /paulada.htm e www.olavodecarvalho.org/semana /040311jt.htm ), notará que aí foram anunciados de antemão, sem a menor dificuldade, os dois desenvolvimentos mais recentes do esquerdismo local: a redução do cenário eleitoral a uma concorrência entre petistas e tucanos e, uma vez vitorioso o PT, a subseqüente ascensão de setores radicais que condenavam o partido governante como vendido e “neoliberal”.

Na retórica usada para legitimar as mudanças, o termo “esquerda”, tal como invariavelmente acontece nessas metamorfoses verbais, não aparecia como conceito objetivo, mas como rótulo publicitário com significado móvel. A esquerda define-se a si própria como lhe convém em cada etapa, redesenhando os inimigos reais e imaginários conforme a impressão que deseja transmitir à platéia. A mente esquerdista é toda constituída de automatismos cênicos sufocantemente repetitivos. No Brasil, porém, o exercício habitual desses cacoetes ainda é eficaz o bastante para ludibriar o eleitorado de novo e de novo, chegando até a ser aceito como “ciência política”, dada a absoluta incapacidade nacional de distinguir entre ciência e propaganda. O sr. Luiz Werneck Vianna, por aparecer dizendo que o PT e o PSDB são “as torres gêmeas da ordem burguesa”, é celebrado pela Folha de S. Paulo como grande intelectual e quase um profeta. Esse primor de tirocínio amebiano jamais seria mencionado aqui se o referido não aproveitasse a ocasião de tão elevados pensamentos para criar uma teoria a respeito deste colunista. A teoria é a seguinte: não representando os interesses de uma classe em particular, não sou propriamente um intelectual, mas um puro “produto da mídia”. Intelectual, para esse protozoário gramsciano, é só o sujeito que recebe dinheiro dos bancos para forçar a alta dos juros, ou do MST para cavar novas doses de subsídios estatais. Não vou discutir o argumento, por duas razões. Primeira: nada do que eu alegasse contra ele poderia lhe fazer tanto mal tanto quanto o seu próprio enunciado. Segunda: repetidamente acusado de bater em menores de idade após cada confronto que tive com intelectuais de esquerda, renunciei para sempre a essa prática impiedosa.

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Entre os órgãos da grande mídia direitista que, segundo o sr. Alberto Dines, domina o mercado nacional, esqueci de mencionar na semana passada o valente tablóide Inconfidência , de doze páginas e periodicidade mensal, impresso por um grupo de patriotas mineiros com dinheiro do seu próprio bolso, para onde jamais volta.

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O senador Renan Calheiros está propondo uma emenda constitucional que dispensará o Estado de pagar dívidas transitadas em julgado se os credores não lhe derem os descontos que ele bem entenda. A brasileira será a primeira Constituição do mundo que consagra o direito estatal à pilantragem absoluta. Não se pode negar que a idéia tem forte respaldo nas nossas tradições culturais.

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Ao proibir as palmadas em bumbuns de crianças traquinas, nossos congressistas legislaram em causa própria: alguém os alertou de que suas mães estavam sabendo de tudo o que eles aprontam.

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