A sociedade de desconfiança – e o que sobra no fundo dela

2 de abril de 2000

Uma recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo, publicada em O Estado de S. Paulo no domingo, 2 de abril de 2000, mostrou que os jovens brasileiros de 14 a 24 anos não confiam nos partidos, no governo, na escola, nos juízes nem nos padres, mas confiam em suas famílias. 80 por cento deles confiam totalmente nos pais, 18 por cento confiam parcialmente, só um por cento não confia nada. Os outros índices de confiança total foram: deputados e senadores, 1 por cento; governo, 1 por cento; juízes, 12 por cento; padres, 30 por cento; professores, 39 por cento. A classe que mais se aproxima da família na ordem da confiabilidade – os professores – não merece metade da confiança que os jovens têm nos pais.

Os representantes das classes suspeitas centamente interpretarão isso como sinal de alienação da juventude, mas, da minha parte, acho que o julgamento desses jovens é equilibrado e certeiro, pelo menos muito mais que o da minha geração, que negava confiança aos pais e a concedia ao primeiro demagogo que aparecesse.

Um por cento de desconfiança é uma grande vitória da família contra todos os poderes unidos que buscam ferozmente destruí-la atirando os filhos contra os pais. É uma vitória dos sentimentos naturais contra os ardis de todos os intrigantes políticos, intelectuais e eclesiásticos que buscam atirar os jovens contra a autoridade paterna para poder usurpá-la e desfrutar dela em benefício próprio.

Esse resultado é também uma boa ocasião para os profissionais da mídia tomarem consciência de que seus poderes, espetaculosos e medonhos o quanto pareçam, são limitados a longo prazo. Três décadas de ataque maciço à família – no cinema, na TV, nos livros e nas escolas – só resultaram nisto: os jovens acreditam na família e em mais ninguém.

A pesquisa não perguntou se acreditam na mídia, mas pelo menos num ponto essa pergunta já está respondida: eles não acreditam em nada do que a mídia diz contra a família.

Olavo de Carvalho

Cartas comentadas sobre lingüística e gramática

1 de abril de 2000

De Maria Oliveira para Olavo de Carvalho

Olá, Olavo, tudo bem?

Li seu artigo na Bravo! de março e acabo de recuperar na sua H.P. o artigo “Quem come Quem”, que julgo ser o primeiro que deu origem à polêmica com o professor Bagno.

Seu segundo artigo (março 2000 na Bravo) é espetacular, tive vontade de conhecer a tese do prof. Bagno para checar se o acadêmico desenvolve um argumento tão simplista e ingênuo.

Mas o texto original “Quem come Quem”, a meu ver,  não guarda o mesmo brilho.

Semanas atrás, em uma das listas literárias de que participo (predominante de escritores brasileiros e portugueses), enfrentamos uma discussão cerrada sobre o uso de estrangeirismos X os seminários em defesa da língua nacional que andam na moda aqui no Brasil.

Posso estar cometendo um grande engano, mas meu argumento central na discussão era de que a identidade nacional associada à língua nacional é uma criação dos Estados-Nações, demarcada em fins do século XIX.

OBSERVAÇÃO DE OLAVO DE CARVALHO – Você está, sim, cometendo um grande erro. A promoção das línguas nacionais como instrumento de unificação dos povos veio muito antes da consolidação dos Estados-Nações e foi uma das condições que a possibilitaram. A Itália do séc. XIII em que Dante escreveu a Divina Comédia em língua local e polemizando em favor desse idioma despertou um senso de unidade nacional (em “Sobre a Eloqüência Vulgar”)  era um conjunto disperso de ducados e principados, e o mesmo é verdade quanto à Alemanha, unificada primeiro pela tradução da Bíblia por Lutero e só muitos séculos depois unificada politicamente. Se as línguas nacionais e suas normas fossem impostas por decretos arbitrários de governos, a tese do Bagno não estaria nada errada. Mas o fato é que as nações nascem das línguas, e não estas daquelas. Por isto mesmo é impossível conservar um senso de identidade nacional quando, à força de conformar-nos a uma atualidade sociológica criada pela mídia e pelo imperialismo cultural, abdicamos de conservar o senso de unidade histórica da língua, o qual só pode ser sustentado com base na tradição literária perpetuamente revivificada pelo ensino (para a noção de tradição literária, baseio-me principalmente em F. R. Leavis e T. S. Eliot). Ora, se o ensino da gramática rompe com a tradição literária, adaptando-se ao fato consumado sociológico determinado por fatores extranacionais e antinacionais, a tradição mesma acaba sendo rompida, o gosto literário cai, a língua se torna confusa e tosca, os debates públicos caem para o nível dos slogans brutais, o próprio nacionalismo assume o sentido de uma revolta suicida. Isso aconteceu na Alemanha entre as duas guerras. Karl Kraus foi o grande campeão da língua alemã contra sua dissolução pelos jornalistas e publicitários, na qual via, com olho profético certeiro, o prenúncio da tragédia nacional. Análoga degradação já está acontecendo no Brasil, e o simples fato de analfabetos funcionais como Marcos Bagno serem aceitos como mestres do idioma já é sinal da perda geral da inteligência lingüística, substituída por um pedantismo pseudo-científico bom apenas para enganar caipiras.

Usei como exemplos dados de Eric Hobsbawm- Nações e Nacionalismo -, que cita a adoção do italiano (ou pelo menos ao que deu origem à língua italiana atual),  pós-Unificação Italiana, argumentando que essa foi uma escolha consciente e arbitrária de uma língua falada por cerca de 2,5% da população para se tornar língua nacional, escolhida entre as tantas faladas nas regiões da Itália e principalmente relata o estabelecimento da escola primária (portanto da alfabetização e adoção de uma única língua normativa) por todos os Estados-nacionais . Escola primária e exército foram aliados importantes no fermento do nacionalismo de fins do XIX e XX.

  1. DE C. – Hobsbawm não sabe italiano o suficiente para compreender que o dialeto toscano, escolhido para unificar nação e ensino, era já o mais desenvolvido, literariamente, o que tinha o maior número de documentos escritos, portanto o único que, na prática, podia servir de base a uma reforma do ensino.

Enfim, penso que precisaríamos fazer esse mergulho profundo que você propõe em seu texto, levando em conta que a nossa identidade nacional (associada à língua) e mesmo a dos portugueses e dos demais europeus é um fenômeno relativamente novo e a preocupação com os estrangeirismos da moda (isso me lembrou um pouco os argumentos de Saramago quando veio ao Brasil, na época em que ganhou o prêmio Nobel e, indignado, dizia que estávamos sendo colonizados) talvez não seja a questão crucial.

  1. DE C. – Saramago tem toda a razão. Apenas lamento que ele não tenha dito coisa parecida quando, por influência soviética, as escolas romenas diminuíram o tempo de ensino do grego e do latim para que as crianças pudessem aprender… russo!

Por outro lado, desenvolver literariamente um dialeto é lançar as sementes de uma revolução da qual pode resultar seja o nascimento de uma nova nação. Por isto as grandes potências expansionistas (Inglaterra e URSS, por exemplo) sempre fomentaram o desenvolvimento dos dialetos nas nações que desejavam dominar, ao mesmo tempo que, nos seus próprios territórios e nas áreas já sob seu domínio, impunham com mão de ferro a unidade da língua nacional. Stálin, não se esqueça, foi lingüista, desenvolveu a lingüistica como arma de guerra e assinalou explicitamente essa distinção estratégica. Hoje em dia a técnica intervencionista mudou um pouco: como o único império que restou é tão gigantesco que pode abarcar comunidades de muitas línguas sem abalar a estrutura jurídico-política do conjunto, ele impõe a mesma política “multicultural” a nações mais fracas que não podem arcar com tal multiplicidade sem dissolver-se ou sem ter de submeter-se a poderes extranacionais. Por exemplo, na Romênia, um país paupérrimo e em crise, as organizações internacionais fomentam a criação de escolas independentes em língua húngara para a população de húngaros da Transilvânia. Os húngaros se enchem de brios e já falam em separatismo. Para evitar o separatismo, o governo romeno, sem recursos próprios, corre para os braços das organizações internacionais em busca de socorro. Tudo isso foi muito bem calculado mais de cinqüenta anos atrás e hoje é aplicado em escala mundial, com a prestimosa colaboração de jovens lingüistas burros que se entusiasmam com o valor nominal das belas causas e, mesmo quando recebem dinheiro de fundações internacionais, não se dão conta de para quem trabalham, continuando, ao contrário, a imaginar-se muitos nacionalistas. Para os planejadores estratégicos do império, manobrar intelectuais do Terceiro Mundo é mais fácil do que tirar um doce da boca de uma criança.

Quanto à polêmica- norma culta X norma “popular”- ela não é nova, não é mesmo? Está presente na educação desde o debate entre Saviano e Paulo Freire, lembra-se? O primeiro defendia que era democrático levar o que há de Universal na produção do conhecimento (ocidental) às salas de aula e o segundo por meio do seu método buscava a chave (nas palavras chaves) para abrir o universo embotado dos analfabetos e excluídos através da consciência, recuperando a auto-estima desses. Ambos queriam a integração da massa excluída, ambos queriam desenvolver a auto-estima, mas os caminhos bastante diversos se debateram e ocuparam longos anos nos cursos de pedagogia.

  1. DE C. – O problema da democracia é que começa querendo democratizar os bens valiosos e termina por democratizar a avaliação dos bens. Aí os antigos produtos culturais vulgares com que a massa era alimentada antes da democracia são promovidos por aclamação ao grau de bens supremos, e, em nome da democracia, o elitismo não apenas volta com toda a força mas é consagrado como sinônimo de igualitarismo. Começamos por querer das às massas Bach em vez de Gugu Liberato e terminamos por não conseguir distinguir um do outro.

Tudo isso reflete a degradação da inteligência, o acúmulo de confusões grosseiras nas cabeças dos intelectuais, que estendem noções de filosofia política para além de suas fronteiras lógicas. Sabe onde isso termina? No “Socialismo intergalático” dos trotskistas: ETs de todas as galáxias, uni-vos!

Na discussão entre Saviani e Paulo Freire, estou decididamente com o primeiro, mesmo porque nunca acreditei na sinceridade de Freire, um manipulador contumaz.

Continuamos com baixa auto-estima, continuamos produzindo analfabetos, mas o pior, a meu ver, é o número crescente dos índices de analfabetismo político… analfabetismo acadêmico, analfabetismo jornalístico….

Beijão e saiba que gostei deveras de sua HP, suscitou-me idéias! Coisa difícil hoje em dia….

Frô

Maria Oliveira

afrodite_fro@uol.com.br

De Olavo de Carvalho para Maria Oliveira

Prezada amiga,

Sua carta, que muito agradeço, será respondida através da minha homepage,  pois a discussão que levanta é importante demais para ficar só entre nós  dois. Tudo bem?

Um beijão e os melhores votos do

Olavo de Carvalho

De Maria Oliveira para Olavo de Carvalho

Sem problemas, Olavo. Gostaria de lhe enviar uma resposta que uma amiga postou ao seu artigo da Bravo de março (eu coloquei o endereço do seu site numa das listas literárias de que participo, indicando a leitura) e ela levantou algumas questões bastante pertinentes.

Há também um debate (estrangeirismos X identidade nacional) que gerou cerca de 35 correspondências e envolveu muito dos escritores e poetas na lista (Escritas- lista lusófona, que tem como mediador um poeta português), mas essa discussão, apesar de riquíssima, tem a participação de pessoas que não se sentiram à vontade em verem migradas discussões internas à lista.

Um grande abraço,

Frô

Segue a mensagem sobre o seu artigo na Bravo! de março 2000.

De Rosita Samarani Prates para Maria Oliveira

16 de Março de 2000

Putz, Frô!

Quanto pano pra manga dá esse artigo…

A velha rixa da Lingüística com a Gramática Normativa… Confesso estar em dúvida desde que pus meus pezinhos (que eufemismo, 39!) no curso de Letras. Meu professor querido amado fofinho do meu coração era pela tradicional (o “querido-amado-fofinho” era só eu que achava, ele era uma Aracy ao cubo!); as posições dos lingüistas, porém, sempre me pareceram difíceis de combater.

Em sua argumentação, Olavo de Carvalho induz muito bem à conclusão de que a lingüística troca um preconceito por outro, mas não é bem assim. Ela não se propõe a trocar uma receita literária por uma receita social: propõe o fim do receituário. Para a lingüística, não há normas de “bem falar”.

  1. DE C. – Uma ciência que não possui instrumentos para fazer uma distinção não possui também autoridade para decretar que essa distinção não existe ou que outras ciências não possam discerni-la. A lingüistica, no caso, segue o mesmo erro dos antropólogos, que de início professam abster-se metodologicamente de juízos de valor sobre os fatos culturais e terminam por decretar que entre esses fatos não há diferenças de valor – como se a abstinência metodológica de abordar uma questão fosse o instrumento ideal para solucioná-la! Deduzir do método o fato é, realmente, mais do que pode suportar o saco humano. Esse erro grotesco está tão generalizado que constitui, por si, um alarmante sintoma de obscurecimento da inteligência, da queda no barbarismo, que a profusão de pedantismos em circulação, longe de disfarçar, só acentua mais ainda.

Essa história de sair a campo para para ver o que o pessoal culto anda falando para impor seu idioleto a todos os falantes é coisa de gramático tradicional metido a moderninho, que acende uma vela pra deus, outra pra mim. Pensa estar fazendo ciência, mas continua com mania de estabelecer o certo e o errado e de empurrar normas goela abaixo.

  1. DE C. – Você tem toda a razão: o Bagno usa pretextos extraídos da lingüistica para impor um neo-normativismo sociológico fundado no império do fato consumado. Ora, um dos princípios elementares do método científico é que não existe meio lógico de transfigurar o fato em norma. A gramática normativa tradicional, ao contrário, parte de valores consensuais explícitos – a identidade nacional, a continuidade da consciência histórica, o diálogo entre a consciência individual e a tradição literária, a analogia macrocosmo-microcosmo entre cultura nacional e pessoal, etc. – e procede à regulamentação sistemática da língua com base nesses valores. Isto é certamente muito mais científico do que a pretensa “gramática de base lingüística”. A língua enquanto instrumento de cultura, de educação, de autoconsciência, transcende infinitamente o alcance conceptual e metodológico da lingüistica em geral, mas está rigorosamente dentro da esfera de jurisdição da velha filologia, da qual deriva a gramática normativa.

Outra coisa difícil é falar da Lingüística como uma coisa única. Há estruturalistas, funcionalistas, gerativistas, lingüistas do texto (originários de todas as correntes), que promovem arranca-rabos fenomenais. Desses, os que mais se meteram em questões do ensino de línguas foram os estruturalistas e os lingüistas do texto, esses últimos disparadamente melhores. É que o objeto deles não é a sentença, é o texto (mais difícil de ser delimitado, mas, certamente mais representativo); além disso, fazem uma abordagem mais “orgânica”, mais… real, oras! O estruturalismo originou aquelas aulinhas babacas de preencher lacunas a partir de paradigmas. Credo! O trabalho a partir de estruturas textuais é muito mais produtivo, criativo… Afinal, não falamos por sentenças, falamos por textos (ainda que de uma só sentença).

  1. DE C. – As diferenças entre escolas lingüísticas permanecem alheias à questão aqui discutida, pois a questão da gramática normativa tem aspectos que escapam de toda abordagem lingüística e entram em terrenos mistos onde os lingüistas não apitam nada mas onde a filologia, por ser ao mesmo tempo menos pretensiosa em seus métodos e mais abrangente em seu objeto (a cultura inteira), ainda pode fazer alguma coisa.

Os principais problemas da lingüística são dois: – primeiro, é muito recente o tratamento científico da língua (o que abre para um terceiro problema, que é o generalizado modelo iluminista de ciência, do qual anda difícil pra qualquer uma delas fugir – né, Frô?), pois até o início do século o modelo de gramática era o receituário greco-romano, normativo, baseado nos escritores consagrados (*). É covardia pisar nos calos de uma ciência tão recente. – segundo, …

  1. DE C. – A língua enquanto objeto da lingüistica é uma seleção abstrativa operada arbitrariamente por Ferdinand de Sausurre no corpo de língua viva. Leia A Origem da Linguagem de Eugen Rosenstock (em breve na Biblioteca de Filosofia da Record), e verá a que ponto a pretensão de opinar sobre a totalidade da língua a partir de generalizações obtidas de uma pequena fatia dela é pura alucinação. A própria multiplicidade de escolas em debate na lingüistica mostra que ela ainda está numa fase de confronto retórico e muito longe de entrar no que Kant chamava “o caminho seguro da ciência”. Os lingüistas deveriam botar ordem na sua própria casa antes de querer regulamentar o mundo ou mesmo antes de decretar se existe ou não existe expressão lingüística melhor ou pior.

…ai, gente… são duas e trinta da manhã… fiquei caprichando tanto no primeiro problema (tanto, que abri para um terceiro), que não lembro mais o que eu ia falar… não vou apagar, vou deixar assim, pra ficar devendo o resto…

Ah! eu lembro o que ia dizer no asterisco(*): se o barato do escritor é justamente explorar novas possibilidades da língua, que coisa mais chata virar norma depois, não?

  1. DE C. – [Adendo] Não se preocupe, minha amiga. As normas não estreitam o campo de possibilidades, pela simples razão de que são elas que o criam. No linguajar corrente da mídia e da universidade, fortemente impregnada de preconceitos ideológicos e de um certo espírito de rebelião pueril, “norma” virou sinônimo de amarra, de limitação, de escravidão. Mas uma falsa semântica não tem o poder de mudar a estrutura da realidade. A norma é precisamente a ordenação racional pela qual a ação humana organizada pode vencer as limitações naturais e tornar possível a liberdade individual. Toda língua compõe-se de normas, e quando a gramática normativa explicita essas normas ela faz delas um instrumento de ação. Uma língua sem normas explícitas teria ainda estrutura e ordem internas, apenas essa estrutura e ordem, permanecendo implícitas e inconscientes, escravizariam totalmente o pensamento humano, subjugando-o a regras desconhecidas. A língua, em vez de servir ao pensamento, seria substitutivo dele, e as inteligências se desperdiçariam buscando combinações gramaticais em vez de, apoiadas numa estrutura gramatical fixa e consciente, estar livres para pensar. A gramática é a arte da construção de sons e grafismos, e ela serve ao pensamento como a arte da construção civil serve aos propósitos de uso do edifício. Se o uso, ao contrário, passa a ser determinado pela construção, o morador serve ao edifício e não este àquele. A simplificação e normatização dos meios cria a liberdade na esfera dos fins. Uma gramática “livre” de normas criaria uma lógica escrava da gramática. Seria a maior catástrofe intelectual de toda a história humana.

Huãããããmmmmmm, minhammm, minhammm, minhammmmmmmm…!!!!!!!!!!!!!! (bah, engoli vocês com esse bocejo!)

Beijos, Rosita

Rosita Samarani Prates

rositasp@zaz.com.br

CPI na testa

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 30 de março de 2000

Aconteceu dias atrás. Era aniversário da cidade. Os meninos de uma escola local, preparando-se para o desfile comemorativo, faziam fila para ser carapintados de verde-e-amarelo, com slogans moralizantes em azul e branco. Na testa de um estampavam “Ética”, na de outro, “Paz”, e assim por diante. Chegou a vez de meu filho Pedro. A professora escreveu: “CPI.” Minha esposa protestou. Paz, ética, liberdade, democracia eram valores gerais, fundamentos da ordem social. Ninguém poderia ser contra. Mas abrir ou não uma CPI era uma decisão política em discussão, e as crianças não deviam ser usadas para fazer propaganda de um lado ou do outro. Para que foi ela dizer isso, meu Deus? Escândalo geral. Protestos, gritos, acusações perversas:

“Malufista!”, “Puxa-saco do Pitta!” e outras pelo gênero. Quando apelaram às insinuações de punir o menino, a resistência cedeu. O pivô do conflito, sem entender nada, desfilou com um pedido de CPI na testa.

A ordem democrática não depende de que todos os políticos sejam honestos.

Ela sobrevive a muitos Malufs, a muitos Pittas, a todas as “polonetas”, a todos os “anões”. Mas não dura um minuto a partir do instante em que os princípios que constituem o cerne da democracia são rejeitados pela sociedade mesma. Um deles, talvez o mais vital de todos, é o de que as correntes políticas em disputa são iguais perante a máquina estatal e cultural que lhes garante o direito à expressão e à livre concorrência.

Quando essa máquina é posta maciçamente a favor de um deles para esmagar o adversário, a democracia acabou. Pouco importa o pretexto. A democracia não consiste na vitória de um dos lados: consiste na garantia de que possam existir lados. Uma ordem democrática unilateral é um círculo quadrado, um pássaro mamífero, um gato que muge e bota ovos.

Às vezes essa aberração é imposta por uma minoria golpista e violenta que não quer assumir sua identidade ditatorial. Porém infinitamente mais trágico e mais sombrio é quando a própria sociedade civil consente em sacrificar a essência da democracia no altar de algum benefício imediato, por urgente e relevante que pareça. Foi a população, foi a sociedade civil que elevou Hitler ao poder, aplaudindo a abolição dos princípios em troca da promessa de punir os corruptos e sanear a administração. Quando a ditadura é obra da minoria, ela pode ser derrubada por outra minoria ou pela maioria. Quando é escolhida pela maioria, ela não cede em seu obstinado intento até que o destino lhe demonstre o erro, precipitando a nação inteira numa tragédia.

As campanhas de ética e moralidade, que há uma década atiraram o País numa compulsiva e interminável caça às bruxas, não nasceram de nenhum intuito moralmente respeitável. Nasceram de uma perversa e oportunística decisão publicitária das esquerdas, que, cansadas de perder eleições, cederam enfim ao argumento estratégico do sr. Herbert de Souza, o famigerado “Betinho”, de que não deviam se opor abertamente aos valores dominantes, mas encapsular seus projetos políticos em slogans gerais e vagos, a que ninguém pudesse se opor sem assumir uma constrangedora aparência de defensor do mal. Assim nasceram as campanhas pela “Ética” e “Contra a Fome e a Miséria”. Quem pode ser contra a ética ou a favor da fome e da miséria? Em pouco tempo todos os partidos e instituições, arrastados pela geral hipnose semântica, estavam postos a serviço da operação. Imaginando trabalhar pela moral e pelos pobres, trabalhavam para a glória da malícia esquerdista.

Pelos frutos os conhecereis. Em menos de dez anos, uma metamorfose psíquica obnubilou e inverteu todos os valores. Tão baixo desceu o nosso discernimento moral, que a hipótese de beatificar o estrategista espertalhão foi levada em conta seriamente, e dar dinheiro a um traficante e estuprador para ajudá-lo a estudar guerrilha tornou-se exemplo de conduta nobre. A política não se tornou mais limpa, mas todos os adversários da esquerda estão virtualmente sob suspeita e, nas próximas eleições, de cinco presidenciáveis, quatro estão na esquerda e o quinto a corteja despudoradamente. A operação “Betinho” foi um sucesso.

Dentre outras novidades que ela introduziu nos nossos sentimentos, uma das mais insanas e venenosas foi a mudança da nossa atitude perante a infância.

Para qualquer mente sã, é óbvio que o uso de crianças como instrumentos de propaganda política é apenas uma forma elegante de prostituição infantil.

Quando ele se torna uma obrigação cívica, cujo descumprimento expõe uma criança e sua mãe à execração pública, a Nação está pronta para a cena final do morticínio redentor. E a data entrará para a História como Dia de São Betinho.