Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

Publicada em O Tempo, Belo Horizonte, 15 de agosto de 2001

Estive esta semana em Belo Horizonte, onde, a convite do Grupo Inconfidência, fiz uma conferência para uma platéia de 400 pessoas no Círculo Militar. Na véspera, o diário O Tempo publicou esta minha entrevista. – O. de C.

O sr. é um filósofo “outsider”, fora da academia. Isso foi uma opção pessoal ou se deveu a alguma circunstância alheia à sua vontade?

Não foi nem uma coisa nem a outra. Foi pura coincidência. Sempre estudei só para minha orientação pessoal, sem nenhuma ambição — ou rejeição — de carreira acadêmica. Só comecei a dar conferências porque fui convidado. Gostei e continuei. Mas aí já não tinha mais sentido pensar em profissão acadêmica, porque eu já tinha meu campo de estudos definido, e ele era muito alheio aos interesses acadêmicos do dia.

Considerando que o diálogo intelectual é uma condição essencial para o exercício filosófico, qual é a sua relação com seus colegas, os demais filósofos brasileiros, acadêmicos ou não?

O diálogo é certamente importante, mas, numa situação anormal como a brasileira, a área de diálogo é muito restrita. Se quero falar sobre a filosofia de Eric Voegelin, de Xavier Zubiri, sobre as últimas pesquisas em torno de Aristóteles ou sobre religiões comparadas, quase não há com quem conversar no ambiente acadêmico paulista e carioca. Não posso ter diálogo com uns coitados que só leram Marx, Nietzsche e Derrida, e que acreditam, para valer, que Florestan Fernandes é um grande pensador. O ambiente acadêmico é provinciano, limitado, inculto, fanatizado, padronizado e, por autodefesa de fracote, arrogante. Não há conversa inteligente que possa subsistir aí.

O sr. tem assumido publicamente posições que o vinculam à vertente ideológica conservadora. Esse fato pode ser deduzido de sua perspectiva filosófica, ou se trata exatamente do contrário?

Você deveria perguntar isso àqueles que “me vinculam” a essa corrente. Da minha parte, asseguro que não sou um ideólogo de maneira alguma. A crítica radical que faço à ideologia dominante nos nossos meios intelectuais não implica a filiação a qualquer outra ideologia. Aliás, a crença mesma de que uma ideologia só possa ser criticada desde outra ideologia é um dogma comunista perfeitamente inaceitável. Para além das ideologias há a ciência e a filosofia, e elas dão base suficiente para uma crítica supra-ideológica de qualquer ideologia. Pessoas que dizem o contrário não têm experiência pessoal suficiente da ciência ou da filosofia, já entraram na vida adulta intoxicadas de ideologia e imaginam que, fora do poço que habitam, não existe nada.

A propósito, existe um pensamento de direita no Brasil (cuja origem passaria por nomes como Francisco Campos, os militantes do Centro Dom Vital e, contemporaneamente, Roberto Campos e José Guilherme Merquior)? O sr. se filia a essa corrente?

“Essa corrente”? Qual? Não há aí corrente nenhuma. Somente na imaginação comunista poderia haver algo de comum entre um fascista como Campos, os conservadores católicos do Centro Dom Vital e os liberais voltaireanos Campos e Merquior. Aí há três correntes inconciliáveis: uma diz que o poder deve ficar com o Estado, outra com a Igreja, outra com o livre mercado. As três coincidem apenas no anticomunismo, mas há milhões de razões para ser anticomunista, e elas não formam entre si a unidade de uma ideologia. A fantasia comunista é que, ignorando essa pluralidade de pontos de vista possíveis, constrói um espantalho de “unidade direitista” e depois se esconde embaixo da cama, com medo. Ser comunista é ser idiota, e usar as categorias comunistas de pensamento sem ser comunista é ser ainda mais idiota.

Sobre Merquior, atribuem-se aos seus livros e ensaios os fundamentos de uma retomada do pensamento convervador brasileiro. Teria ele desempenhado um papel assim tão capital?

Outra confusão. Merquior nunca foi conservador. Foi um liberal-progressista, como Campos. Conservador foi João Camilo de Oliveira Torres, foi Gilberto Freyre.

O economista Roberto Campos é outro intelectual “orgânico” (no sentido gramsciano) do conservadorismo, que tem oferecido algumas contribuições originais à reflexão sobre a sociedade e o homem brasileiros. Em que medida ele lhe serve de modelo?

Gosto muito do dr. Roberto, tenho o maior carinho e admiração por ele, mas seu pensamento não me influenciou em absolutamente nada. Dos economistas liberais, só devo algumas idéias a Ludwig von Mises e Eugen von Böhm-Bawerk. Também não recebi influência alguma do Merquior. Os únicos brasileiros que influenciaram de algum modo o meu pensamento foram Gilberto Freyre, Mário Ferreira dos Santos e Miguel Reale, o primeiro um conservador, o segundo um anarquista, o terceiro um social-liberal (se fosse possível defini-los politicamente e se suas obras não fossem muito mais ricas do que suas respectivas identidades políticas). Mas não sou, sob qualquer aspecto pensável, um seguidor de nenhum deles.

O sr. atribuiu tinturas comunizantes ao ex-candidato á presidência dos EUA, Al Gore. O sr. não estaria exagerando ao ceder, assim, a um raciocínio típico da “teoria conspirativa da história”?

Apelar à expressão “teoria conspirativa da história”, no caso, é um autêntico “argumentum ad ignorantiam”. “Argumentum ad ignorantiam” é você deduzir, do seu próprio desconhecimento de uma coisa, a inexistência da coisa. Baseado nesse raciocínio, as ligações comunistas de Al Gore só podem mesmo parecer uma hipótese esquisita, e até conspirativa. Mas relatar um fato não é fazer uma teoria, muito menos uma teoria conspirativa. E o fato é que a carreira política dos Gore, pai e filho, foi sempre sustentada pelo dinheiro de Armand Hammer, que era um dos coordenadores financeiros do Comintern e o maior lavador de dinheiro soviético de todos os tempos. Dizer isso náo é “atribuir tinturas comunizantes” a Albert Gore: é afirmar um simples fato.

Seu nome costuma aparecer na mídia associado ao do ex-delegado e ex-deputado Erasmo Dias. O sr. coincide com os pontos de vista dele a respeito da eliminação sumária de criminosos recalcitrantes e outras proposições igualmente polêmicas daquele militar que vão de encontro a uma visão, digamos, humanística da sociedade?

Nunca vi meu nome associado ao desse senhor, do qual a única coisa que sei é que ele prendeu minha esposa, Roxane, quando ela era militante estudantil. De onde você tirou essa idéia? Aliás, colocar a discussão da criminalidade entre a “eliminação sumária” e uma “visão humanística” é estereotipar demais, você não acha? Sabemos perfeitamente bem que os pretensos defensores de “direitos humanos” são, ao mesmo tempo, adeptos do regime cubano, que, este sim, pratica a eliminação sumária não só de bandidos, mas de dissidentes políticos. Evidentemente o que está em jogo aí não é uma “visão humanística”, mas um simples pretexto retórico para paralisar a ação policial e facilitar o advento de uma revolução comunista que implantará um regime totalitário e mandará fuzilar imediatamente aqueles mesmos marginais que usou como instrumento tático, exatamente como fez Lenin. Quem quer que se oponha a esse jogo é rotulado de adepto de execuções sumárias, mas isso é um truque verbal muito canalha, não lhe parece? Hoje em dia, quem quer que defenda o simples direito de um policial à defesa própria já é chamado de “adepto de execuções sumárias”. Graças a essa propaganda, o Rio de Janeiro é hoje recordista mundial de mortes de policiais. A linguagem de todo esse debate está viciada.

O que acha do sucesso de Paulo Coelho? O sr. concorda com a análise que se faz na França, atribuindo seu êxito ao fato de ser ele o único escritor que traz hoje uma mensagem positiva para os que naufragaram com o ideário de 68 e perderam o leme com a derrocada do “socialismo real”?

Só li os dois primeiros livros do Paulo Coelho, “O Alquimista” e “Diário de um Mago”. Eram histórias muito interessantes, mas, se bem me lembro, achei que ele confundia esoterismo com mera psicoterapia. Não sei a que se deve o sucesso dele, mas certamente ele não é o único escritor otimista do mundo.

Alguns críticos atribuem ao sr. uma posição simetricamente equivalente, do lado ocidental, à dos fundamentalistas muçulmanos e de outros ideólogos totalitários, ou seja, contrários à visão pluralista da cultura e da sociedade? Como o sr. responderia a essa crítica?

Que ela é uma estupidez, enunciada por semi-analfabetos que nem leram as minhas obras nem sabem o que quer que seja dos fundamentalistas islâmicos. Aliás, você acredita mesmo que os comunistas, adeptos do mais sangrento dos totalitarismos, defendam “uma visão pluralista da cultura e da sociedade”? Você já viu o controle férreo que essa gente exerce sobre as opiniões no meio acadêmico e jornalístico? Qualificar a mim como totalitário e a eles como pluralistas é uma completa inversão da situação real. É impressionante como essas mentirinhas pueris circulam e acabam sendo aceitas como verdades.

Um de seus temas mais caros é a crítica ao ensino acadêmico no Brasil. Qual seria a origem dos males apontados e como combater o estado de coisas atual?

A origem remota é a fragilidade geral das elites intelectuais brasileiras, a cuja formação ninguém deu a mínima atenção, desde o século passado. A origem próxima é a apropriação da universidade pela propaganda totalitária rasteira. Hoje o brasileiro só entra numa universidade para aprender a recitar slogans maoístas e fidelistas dignos de inteligências de galinha. Os partidos de esquerda são diretamente responsáveis pela redução da universidade brasileira à barbárie.

A imprensa brasileira luta para alcançar mais leitores, mas prende-se aos limites estruturais de um país semi-alfabetizado e a estratégias de marketing que pregam a popularização. Parece-lhe que essa imprensa vem cumprindo adequadamente seu papel?

A imprensa é hoje o produto de um conluio entre os interesses comerciais das empresas e os interesses políticos dos grupos esquerdistas que dominam as redações. As empresas, em troca de dinheiro, deixam os jornalistas-militantes fazer propaganda ideológica, e estes, em troca de espaço para enganar o leitor com propaganda ideológica, lutam pelo crescimento econômico das empresas. Isso é tudo. Graças a esse estado de coisas, notícias fundamentais, como por exemplo o julgamento do clã Pol-Pot no Camboja (certamente o fato judicial mais importante desde o tribunal de Nuremberg), são cinicamente sonegadas ao povo. Simplesmente não há mais jornalismo no Brasil, com exceções que se contam nos dedos de uma só mão. O que há, em geral, é manipulação e desinformação.

Como o sr. vê a questão do racismo no país e as relações sociais que camuflam os conflitos e traumas históricos, negando-os ou relativizando-os positivamente diante de realidades, como a norte-americana, onde as reivindições dos afro-descendentes são postas de maneira muito mais afirmativa?

O racismo brasileiro, se existe nas proporções com que intelectuais a soldo de fundações americanas querem nos fazer crer que existe, deve ser mágico, pois se dissemina sem propaganda, sem livros, sem cartazes, sem sites na internet, sem partidos racistas, e, enfim, por meios puramente telepáticos. A diferença de padrão econômico entre a população branca e a negra e mestiça resultou de um fato muito simples: entre a abolição da escravatura e o primeiro surto de industrialização, passaram-se quarenta anos. Durante esse tempo a população negra e mestiça cresceu sem que crescessem as vagas no mercado de trabalho. Quando abriram as vagas, veio a guerra e elas foram ocupadas pelos imigrantes, que vinham com melhor formação profissional. Então, fatalmente, “negro” virou sinônimo de pobre, de brega, de desempregado. Isso é menos um preconceito do que a expressão de uma situação social de efetiva desvantagem. Temos de tirar essa gente dessa situação deprimente, mas não será com injustas acusações de racismo ao restante do povo brasileiro que vamos conseguir isso, sobretudo quando essas acusações são pagas com dinheiro americano. Esse debate está viciado por uma conjunção acidental de interesses entre entidades norte-americanas que querem debilitar nossa identidade nacional e forças esquerdistas locais que querem aproveitar a onda antibrasileira para fazer demagogia revolucionária.

Notas de José Nivaldo Cordeiro

Meu amigo José Nivaldo Cordeiro envia-me regularmente as notas que vai tomando à margem do noticiário brasileiro e internacional. São observações demasiado inteligentes e importantes para ter um leitor só. Por isso passo a transcrevê-las nesta homepage. – O. de C.

O perigo da Polícia Vermelha

13 de agosto de 2001

A Folha de São Paulo de hoje (12/08) traz um artigo assinado por Luiz Eduardo Soares, que fala em nome do PT com relação ao tema da segurança pública, seja por suas ligações históricas (Rio de Janeiro), seja por ser atualmente assessor de segurança pública da Prefeitura de Porto Alegre, seja, ainda, por no preâmbulo do texto se remeter diretamente aos posicionamentos dos principais líderes do Partido.

O texto é um equívoco do princípio ao fim e a implantação das suas propostas significaria a anarquia completa nas forças de segurança constituídas, especialmente a corporação policial-militar, esteio principal da segurança pública no Brasil. Vejamos o que propõe o articulista:

“A meu ver são cinco as principais causas para a crise das PMs: a precariedade da cultura política dos policiais, por falta de sindicalização; as condições de trabalho; o regime disciplinar e a divisão de carreiras em segmentos isolados; a privatização da segurança pública por meio da armadilha do segundo emprego; e a subordinação ao Exército”.

Quero aqui analisar ponto por ponto. O documento é uma aula da ação gramsciana sobre talvez o último bastião que ainda não está sob o controle ideológico e político das esquerdas, as organizações militares. É esse o último núcleo de poder de Estado a salvaguardar a ordem democrática e os valores do livre mercado, ainda que de forma precária e claudicante. A simples proposição desse ideário em um jornal de circulação nacional já por si mostra a desenvoltura com que as esquerdas estão fazendo a sua ação política. É como se estivesse em curso a batalha final pelas “mentes e corações”.

Mas voltemos ao texto. A primeira proposição do diagnóstico do articulista, “a precariedade da cultura política dos policiais, por falta de sindicalização”, já diz, sozinha, o que quer o homem. Polícias e demais organizações armadas não podem ter a liberdade para fazer da sociedade refém nem articular movimentos grevistas que em forças policiais só podem ter o nome de motim e são sempre o preâmbulo da ação revolucionária armada. Desde a Antigüidade que as organizações militares funcionam como estamento separado e especial, exatamente pela particularidade de que portam armas e são muito bem treinadas para usá-las. O irônico é que a proposta parte exatamente de quem não se cansa de pregar o desarmamento civil. Sindicalização e esquerdização são praticamente sinônimos. Isso significaria colocar à disposição das forças de esquerda um poder de fogo real de que ainda não dispõem. É possível imaginar o que os governadores de esquerda, especialmente os do PT, devem estar fazendo nos programas de formação dos praças, sargentos e oficiais de suas polícias. Dizer que as policias não funcionam por falta de sindicalização é um escárnio à inteligência. Não funcionam pela mesma razão que o Estado no Brasil não tem funcionado, vivemos uma falência geral dos Estado, exatamente porque ele tem se metido a fazer coisas que não devia e tem abandonado suas funções essenciais, como a segurança pública.

A segunda proposição, “as condições de trabalho”, tem um quê de verdade que serve para encobrir o veneno embutido: a de que melhores condições de trabalho só podem ser obtidas mediante sindicalização. É um argumento falso. As melhores condições de trabalho só podem ocorrer se o Estado voltar às suas funções essenciais e parar de gastar recursos públicos naquilo que não lhe compete fazer. Se falta dinheiro para uma melhor política de pessoal na área de segurança, sobra para propostas esdrúxulas de todos os tipos, para atender as idéias mirabolantes do “tudo pelo social”.

A terceira, “o regime disciplinar e a divisão da carreira em segmentos isolados” bate na mesma tecla da primeira proposição. Só faltou propor a eleição dos oficiais pelos praças. O fato é que organizações militares são de natureza aristocrática e a disciplina é o fator essencial para que o poder civil, através da cúpula de sua oficialidade, possa controlá-las. Quem tem a força não pode dispor do poder político. Sindicalizar e politizar o corpo dos policiais significa quebrar esse princípio essencial para a ordem democrática, pois desemboca necessariamente na união de ambos os pólos do poder. Seria uma questão de tempo a instauração da tirania militarista, como aliás se deu onde os leninistas e assemelhados chegaram ao poder. Nem as legiões romanas entravam nos muros da Cidade, como condição de separação clara entre o poder político e o poder militar. A divisão em carreiras separadas entre a oficialidade e os soldados é necessária para manter a disciplina e a unidade de comando. Sem elas, instala-se a anarquia, em prejuízo da disciplina e do controle civil sobre a força armada.

A quarta, “a privatização da segurança pública por meio da armadilha do segundo emprego”, é uma pérola da argumentação erística. A privatização da segurança pública não é apontada como uma decorrência da falência do Estado em suas funções essenciais, mas pela “armadilha do segundo emprego”. Ora, é exatamente o contrário. Os cidadãos, órfãos que se encontram no quesito segurança pública, buscam por seus próprios meios e recursos o amparo da ação privada e daí geram empregos para aqueles que querem trabalhar. Mais uma vez aqui volta o autor ao primeiro argumento, o de que falta “sindicalização”. É pura mentira. Sorrateiramente o que se pretende é a apelar para sentimentos corporativistas para iludir e seduzir os policiais para aventura petista-sindical.

Por último, “a subordinação ao Exército”. Deus meu, é o Exército (e, de resto, o conjunto das Forças Armadas), que tem garantido a unidade territorial e o mínimo de ordem em nosso país. Voltar a uma situação pré 1930, quando os Estados possuíam forças militares que rivalizavam com a União, é o caminho mais curto para a conflagração de guerras civis, como aliás foi a tônica nesse período. Haveriam quarteladas periódicas, com caudilhos locais desafiando a União e ameaçando com a secessão. Voltariam os “Cavaleiros da Esperança”, de triste memória. Só alguém imbuído dos propósitos políticos mais inconfessos para defender algo tão danoso.

O simples fato de ter a coragem de explicitar uma visão política dessa natureza dá a idéia de como as esquerdas sentem-se fortes para a tomada de poder e a subversão completa da ordem instalada. As eleições do ano que vem não são apenas mais um data cívica no calendário. Poderão ser o divisor de águas entre uma sociedade aberta e pacífica e a tirania pura e simples. É preciso não esquecer nunca que Hitler foi eleito depois de escrever “Mein Kampf”. Todos sabiam o que ele pensava e o que iria fazer. O mesmo vale para Lênin e sua obra (e a dos seguidores), que chegou ao poder por outros caminhos e praticou aquilo que prometeu. Quando chegaram a centro de poder a Humanidade conheceu as maiores tragédias de que se tem notícia na História. Milhões de homens e mulheres foram sacrificados em holocausto. É tempo de meditar sobre o que está por vir.

Os banqueiros e os vagabundos

14 de agosto de 2001

Ontem, 13/08, o site do “Estadão” continha matéria que analisava as aposentadorias especiais na Argentina. Pelas leis daquele país, pessoas mesmo muito jovens podem receber rendimentos vitalícios do Estado, havendo casos de aposentados de 30 anos de idade. É evidentemente um abuso que contribui de forma injustificada para a manutenção dos problemas de pagamentos internacionais da Argentina. É razoável pedir aos banqueiros dinheiro novo para pagar essa extravagância?

Diante de uma estrutura de gastos constituída por coisas assim, como acusar o FMI e os banqueiros internacionais de insensíveis por não liberarem recursos adicionais para a Argentina? É fato sabido que ela está falida e para fazer acordo financeiro que mantenha as aparências ela tem que enquadrar os gastos públicos. É claro que o FMI e os banqueiros não fazem o orçamento e não determinam os cortes, mas em uma situação tão dramática como vive aquele país é de se esperar que se comece a cortar por aí. Mas são os grupos políticos beneficiários desse tipo de rendimento os que mais resistem. Aí todo mundo vira nacionalista e passa a acusar os banqueiros e o FMI por problemas que nasceram exclusivamente de decisões soberanas (ainda que equivocadas) dos argentinos.

Se se analisar detidamente a estrutura de gastos “sociais”, ver-se-á que muitas das despesas não passam de licenças jurídicas para locupletar grupos políticos e populações inteiras, em prejuízo dos pagadores de impostos e dos financiadores do Estado. É a trágica herança do populismo, que na Argentina assumiu formas as mais diversas, inclusive com as paradoxais posições de Menem e do Ministro Cavalo. Eles sabiam que não conseguiriam mexer na estrutura de gastos e então partiram para o câmbio fixo e a dolarização, única maneira para que a economia portenha não tenha explodido na alucinada hiperinflação. O problema é que o instrumento exauriu-se pelo simples fato de que os grupos políticos beneficiários de suas sinecuras recusam-se a abrir mão delas. E alguém tem que pagar a conta. Querem que esse alguém seja a comunidade financeira internacional. Ledo engano. Banqueiro, todos sabemos, não têm coração, têm máquina de calcular no seu lugar. E eles não porão um vintém a mais enquanto a Argentina não demonstrar capacidade de pagamento, o que equivale a dizer que ela deve racionalizar os seus gastos, diminuí-los até torná-los de acordo com as expectativas do financiadores.

Quem visita a Argentina fica com a sensação de que há uma multidão de ociosos a viver de rendimentos e sem obrigação de trabalhar. A noite na capital argentina fervilha de gentes e bares, como se no dia seguinte não estivesse à espera uma jornada de trabalho. A classe ociosa e com renda parece muito numerosa e provavelmente é parasita do Estado. Essa situação chegou ao fim e os parasitas de sempre terão que arrumar meio de vida melhor do que gastar dinheiro dos impostos e dos banqueiros internacionais, obtidos via empréstimos. Isso não faz nenhum sentido e os banqueiros sabem disso. Só resta uma única alternativa para eles: cumprir o mandamento bíblico de ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto. Ou, em português mais claro: vai trabalhar, vagabundo!

Os muros do silêncio

18 de agosto de 2001

Todo sábado tornei rotina ler os artigos de Olavo de Carvalho nos sites da revista Época e de O Globo. É sempre uma oportunidade para ter mais informações e alargar a inteligência, pois os artigos são mais que isso: são uma aula sintética sobre assuntos variados, incluindo aí os difíceis e espinhosos temas da Filosofia. Pois bem, hoje, como de costume, estava lendo o artigo da revista Época (“O livro que ninguém lerá”), que nos informa sobre um livro de Jean Sévillia, publicado na França, denunciando a conspiração de silêncio da mídia esquerdista sobre os autores e intelectuais que não se converteram a seu credo, quando me deparei com uma frase citada de Jean d’Ormesson, da Academia Francesa, sobre o dedicado trabalho das esquerdas a “construir seus muros de silêncio, mais difíceis de derrubar que o Muro de Berlim”.

Como, na seqüência, foi ler a Folha de São Paulo, dei-me conta de que por duas vezes nos últimos quinze dias notícias sensacionais sobre a questão da Colômbia, duas expressivas vitórias militares das forças da ordem daquele país, foram relegadas a notas de pé de páginas, acompanhadas como sempre de acusações de próceres esquerdistas nas várias ONGs sobre o abuso contra os direitos humanos praticados por militares em ação. A notícia de hoje é ainda mais rejubilante porque informa que o confronto, que provocou a morte de pelo menos cem guerrilheiros, deu-se como uma efetiva vitória militar na direção da retomada do território “liberado” erroneamente pelo governo daquele país aos guerrilheiros já faz alguns anos. Isso mostra que a ajuda militar dos EUA, em treinamento e recursos materiais, está produzindo seus primeiros efeitos mais sensacionais e com certeza vai abreviar o horrendo sofrimento trazido pelo prolongamento de uma guerra civil interminável.

Pois bem. Chamou-me a atenção que notícias favoráveis às forças da ordem não comovem os que fazem as manchetes. Fossem os guerrilheiros os vencedores e certamente o fato estaria em caixa alta, na primeira página. Quanta notícia boa tem sido negada ao público brasileiro pelo critério mesquinho dos agentes gramscianos infiltrados nas redações? Quanta matéria idiota e inútil ocupa o espaço ao qual deveria ser destinado as grandes notícias? Em boa hora o artigo do filósofo Olavo de Carvalho denuncia novamente o fato.

A questão que se coloca é: como derrubar os muros do silêncio? Como ter jornalistas e intelectuais realizando o trabalho de escrever textos informativos e analíticos sobre as grandes e substantivas questões de nosso tempo, acessíveis à grande massa da população brasiliera? Quando é que será reduzido o lixo que mistura tinta e papel na forma de notícias, mais das vezes falsas, e, pior, análises distorcidas que mais escondem do que revelam os fatos em sua hierarquia de importância?

Estou convencido de que a transição geracional na administração dos grandes jornais e conglomerados de comunicações em nosso país tem contribuído decisivamente para avermelhar ainda mais as redações. A Folha, que leio todos os dias, é um exemplo da apologia às idéias esquerdistas e ao politicamente correto. Depois da morte do velho Mesquita, o Estadão está sendo progressivamente descaracterizado. A Globo, depois da aposentadoria do Roberto Marinho, tem mudado de lado em grande velocidade. Antes havia pelo menos o abismo entre a posição da redação e a dos proprietários dos jornais. Hoje vemos que aconteceu uma fusão e são os próprios editoriais que servem, mais da s vezes, de tribuna para as teses mais politicamente corretas.

Aí tenho que me perguntar, como fez o jovem jornalista de Campinas-SP, Martim Vasques da Cunha, em livro ainda a ser publicado: “Como se manter íntegro em um mundo corrompido?” E também me pergunto: como se manter informado quando a mentira alcançou o status da Verdade?

Rompendo o hábito

Olavo de Carvalho


Época, 11 de agosto de 2001

Pedindo licença ao leitor, respondo ao doutor Lejeune

Não tenho nesta coluna o hábito da tréplica, mas o doutor Lejeune Mato Grosso é irresistível. Raros doutores ilustraram tão literalmente meus argumentos no esforço mesmo de contestá-los.

Em meu artigo “Filósofos a granel” afirmei que os mentores da campanha pela adoção da filosofia e da sociologia no curso médio não estão habilitados a ensinar filosofia nenhuma e sociologia nenhuma, mas apenas a dar esses nomes à mistura de demagogia revolucionária e slogans da moda, que, com dinheiro público, querem incutir em nossas crianças para torná-las uma fácil massa de manobra. Nada disse, portanto, contra aquelas disciplinas em si (e seria o cúmulo que o fizesse, sendo eu mesmo professor de uma delas), mas contra a filosofia e a sociologia dos Lejeunes, que, autorizados a ensinar o que não sabem, ensinarão o que sabem: não filosofia, nem sociologia, mas luta de classes e chavões politicamente corretos. Tanto que os próceres da campanha, num agilíssimo golpe de jiu-jítsu parlamentar, se esquivam a qualquer debate prévio sobre o conteúdo das disciplinas a ser ensinadas: querem primeiro obter o acesso à platéia infantil, rapidamente e sem muita discussão, para poder lhe transmitir o que bem entendam sem dar satisfações à opinião pública.

O doutor Lejeune respondeu com uma apologia da filosofia e da sociologia enquanto tais, abstrata e genericamente, sem nem de longe tocar em meus argumentos contra a sua filosofia e a sua sociologia, as únicas contra as quais eu havia falado. No tratado de Schopenhauer sobre os truques da erística, a falsa dialética dos charlatães e demagogos, que publiquei em edição comentada sob o título Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão (Topbooks, 1997), isso corresponde rigorosamente ao estratagema número 19, fuga do específico para o geral: “Se o adversário solicita alguma objeção contra um ponto concreto da sua tese, mas não encontramos nada apropriado, devemos enfocar o aspecto geral do tema e atacá-lo assim”. O artigo do professor Lejeune ilustra, melhor do que eu poderia fazê-lo, o tipo de formação filosófica que ele e seus correligionários pretendem dar a nossas crianças. Ele diz que é melhor ensinar uma filosofia ruim do que nenhuma. Mas a filosofia não é um tomate, que, estragado, continua tomate. Uma filosofia estragada não é mais filosofia: é o tipo de pensamento falso e oportunista do qual a filosofia, precisamente, veio nos libertar. Ensiná-lo com o nome de filosofia é o mesmo que chamar de medicina a falta de saúde.

Quanto à qualidade da formação que tem em vista, ele a ilustra ainda mais claramente com o exemplo histórico a que recorre para dar a este debate a aparência postiça de um confronto entre progressismo e obscurantismo: “Na Idade Média, o saber só poderia ser apropriado por filhos dos nobres e ainda assim isso ocorria apenas em mosteiros e abadias”. A Idade Média do professor Lejeune é a de quem aprendeu História nos filmes de Conan, o Bárbaro. Nobres e filhos de nobres, nessa época, simplesmente não estudavam. O clero, classe instruída composta de pessoas de todas as origens sociais, tinha um mínimo de aristocratas. E as escolas não ficavam em “mosteiros e abadias” (valha-me Deus! Já pensaram a meninada invadindo esses centros de recolhimento e meditação?), e sim nas catedrais e paróquias. Qualquer história da educação explica isso, mas o homem que quer “fazer uma revolução” na educação nacional não leu nenhuma.

Se o professor Lejeune se limitasse a ser inculto sozinho, seria problema exclusivo dele. Mas a incultura do líder reflete a dos liderados. É um fenômeno social, e dos mais alarmantes. Neste momento há milhares de militantes, tão incultos quanto o professor Lejeune, ansiosos por moldar as mentes infantis à imagem e à semelhança de seus preconceitos ideológicos, que eles tomam por filosofia e sociologia. Pode haver maior risco para o futuro do país que entregar as novas gerações aos cuidados de indivíduos que pretendem educá-las antes de educar-se a si mesmos?