Loucos e tontos

Olavo de Carvalho

Época, 1o de setembro de 2001

Glauber disse a verdade, mas ainda não querem escutá-lo

“Todos os intelectuais brasileiros, inclusive comunistas, são comprometidos com os americanos… Neste país não há esquerda, nem direita, nem nada. Aqui só há uma coisa séria em matéria de política, que é o Exército. Ele é o verdadeiro partido político, que merece respeito, é organizado, defende os interesses nacionais. O resto é conversa fiada.”

Glauber Rocha disse isso duas décadas atrás. A primeira reação do mandarinato esquerdista foi espalhar, até na imprensa européia, que ele tinha se vendido à ditadura. Embora tenha magoado profundamente o cineasta, apressando de algum modo sua morte, a mentira não colou. Foi então substituída por outra, mais branda: Glauber estava mal da cabeça. Mas esta também não pegou: mesmo no auge da fúria polêmica, o homem era de uma lucidez irritante. Por fim, como não foi possível desmoralizá-lo, tratou-se de absolvê-lo post mortem, atribuindo a suas palavras um sentido retroativamente aceitável à ortodoxia esquerdista: sua apologia do Exército teria sido apenas uma esperteza tática, destinada a neutralizar o mal com o mal.

Há algo de espantoso na facilidade com que a esquerda cria essas ficções e na presteza com que elas circulam de boca em boca. Como observou J.O. de Meira Penna em seu tratado sobre a psicologia da burrice nacional (Em Berço Esplêndido, Rio de Janeiro, 2a edição, 1999), chega a ser comovente a candura com que uma facção tão inclinada a viver de invencionices autolisonjeiras usa a expressão “falsa consciência” para qualificar a ideologia dos outros.

Glauber, com efeito, nem se vendeu, nem enlouqueceu, nem fingiu. Apenas percebeu duas verdades óbvias. Primeira: as Forças Armadas são a espinha dorsal da nacionalidade e a única instituição que nunca se aliou, nem mesmo taticamente, a qualquer interesse antinacional. Segunda: a esquerda brasileira, por trás de sua pose nacionalista, é financiada e manipulada por fundações americanas.

Essas duas afirmativas eram verdadeiras 20 anos atrás. Continuam verdadeiras hoje. Naquele tempo, podiam soar paradoxais. A primeira, porque a própria esquerda ignorava que a alardeada participação americana no golpe de 1964 fora uma fraude inventada por agentes da KGB (leia meu artigo em ÉPOCA de 19 de fevereiro de 2001, edição 144). A segunda, porque nada se sabia do controle que grandes corporações (já então planejando os “negócios da China” que se consumaram no governo Clinton) exerciam sobre a esquerda dentro e fora dos Estados Unidos.

Ninguém, então, tinha ouvido o depoimento do ex-líder estudantil Jerry Kirk sobre seus colegas do front interno pró-Vietcongue: “Eles não têm idéia de que são joguetes nas mãos do establishment que afirmam odiar. Os radicais pensam que estão combatendo as forças dos super-ricos, como Rockefeller e Ford, e não percebem que são precisamente essas forças que estão por trás de sua revolução, financiando-a e usando-a para seus próprios objetivos”. Hoje ninguém ignora que a esquerda nacional, fantasiada de verde-amarelo, se apinha na fila do caixa das ONGs milionárias, oferecendo-se para repetir servilmente os slogans da Nova Ordem Mundial e colaborar com a destruição da identidade cultural brasileira.

E ninguém ignora que, entre esses slogans, o mais importante é talvez aquele que ordena a desmoralização e a destruição das Forças Armadas do Terceiro Mundo, como prelúdio à dissolução das soberanias nacionais.

Sabendo disso, muitos no entanto preferem mentir para si mesmos para não ver a quem servem. Ao atacar as Forças Armadas, apegam-se ao pretexto psicótico de que estão combatendo uma ditadura extinta 15 anos atrás – como dom Quixote, que, investindo contra as ovelhas no pasto, acreditava enxergar nelas as tropas de cavaleiros que tinham passado por ali alguns séculos antes…

Mas dom Quixote, ao menos, tinha consciência de sua loucura. “Loco sí, pero no tonto”, proclamava. Mas os que ainda se obstinam em não compreender a lição de Glauber, negando que são loucos, provam que são tontos.

O dia em que a História mudou

Por Maria Lucia Victor Barbosa*

30 de agosto de 2001

Para facilitar a compreensão do processo histórico, historiadores utilizaram alguns marcos ou acontecimentos de importância fundamental, a partir dos quais as relações mundiais tanto a nível cultural, econômico e político foram alteradas substancialmente de forma a produzir mudanças significativas para a humanidade em seu conjunto. Se os marcos podem variar, vamos nos ater aos mais tradicionais tendo em vista tão somente a busca de compreensão didática das transformações planetárias.Tomemos então a divisão que considerara como Idade Antiga o período que foi de 300 AC até 476 d.C, ano que assinala o fim do Império Romano. Em 476, inicia-se a idade Média, que irá até 1453, data da tomada de Constantinopla pelos turcos. De 1453 até a Revolução Francesa em 1789, teríamos a Idade Moderna. Em 1789 o mundo ingressa na Idade Contemporânea. A partir deste 11 de setembro de 2001, sem medo de errar, podemos dizer que entramos numa nova Idade mundial que ainda não tem nome, da qual vislumbramos muito pouco em termos de futuro, mas que acabou de chegar com toda sua carga de transformações profundas, de alterações que irão marcar a vida de cada ser humano em todo o mundo.

Note-se que se os marcos históricos aqui apresentados são caracterizados por conflitos de grande envergadura, neste dia 11 de setembro o mundo assistiu chocado ao hiper-terror, algo nunca antes havido e de onde deriva uma guerra globalizada contra um inimigo ainda sem face. Uma guerra que não se sabe como acabará.

Portanto, não há motivo para regozijo com relação ao ataque às torres do World Trade Center de Nova York e aos prédios do Pentágono, símbolos do poder financeiro e estratégico-militar dos Estados Unidos, ataques que na verdade vitimaram milhares de civis americanos e estrangeiros. Assim, algumas críticas feitas na nossa imprensa por certos intelectuais, muitos dos quais já estiveram na Nação norte americana para estudar, trabalhar e usufruir de sua prosperidade, soam rudimentares e anacrônicas no cenário que se desenha no pós 11 de setembro. Mesmo porque, governos do mundo inteiro, incluindo os da Rússia, da China, de Cuba e o próprio Yasser Arafat demonstraram sua consternação e sua solidariedade diante do atentado brutal e monstruoso que, na verdade, enlutou a humanidade e principiou um período que repercutirá, inclusive, na frágil economia brasileira que já vinha sendo abalada com a crise argentina e as perspectivas pouco alvissareiras da sucessão presidencial.

A repercussão do ato hediondo é tão séria, que nenhum grupo extremista quer assumir a responsabilidade pelo mesmo. Até o Taleban, que no Afeganistão hospeda o bilionário Osama bin Laden, garantiu que o inimigo número 1 dos Estados Unidos e quintessência do “islamismo mais enlouquecido”, na expressão de Gilles Lapouge, não está envolvido. Isto apesar de Bin Laden ter advertido há três semanas atrás, que seus seguidores lançariam um ataque sem precedentes aos Estados Unidos. Além do mais, o cabeça do terrorismo mundial parece ser o único a ter condições para dirigir com êxito a coreografia perfeita do horror a que o mundo assistiu estarrecido.

Desfilar agora críticas ao “Grande Satã Branco”, culpar os Estados Unidos pelo brutal atentado a seu povo, é como dizer que Sílvio Santos foi culpado por seu seqüestro porque o seqüestrador é a verdadeira vítima do sistema.

Com essa toada sempre repetida à exaustão, é que conseguimos aperfeiçoar nosso sistema de impunidade e nos tornamos alvos sempre a disposição de seqüestradores, de criminosos de toda a espécie, de traficantes, cujos direitos humanos no Brasil costumam ser defendidos ferozmente.

De todo modo, se os símbolos do poder norte-americano foram atingidos, a estátua da liberdade permaneceu de pé. Em meio à tragédia sem precedentes isso pode ser um bom indício. Pode significar também, que a partir de agora a guerra se dará entre os que defendem a liberdade, a democracia e a prosperidade, e os que defendem o terror, o narcotráfico, os Bin Laden, os Saddan Hussein, as Farcs, a violência, o desrespeito a vida como meio de dominação. Não haverá meio-termo. E é preciso que o governo brasileiro, cheio de bom-mocismo, sempre em cima do muro em termos de sua política externa, tome consciência disso.

*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora e professora universitária.
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

Which is the crime?

OLAVO DE CARVALHO
Jornal da Tarde, August 30, 2001

Translated by Assunção Medeiros

At a moment when the drug-dealing guerrillas of the Farc invade our schools in order to teach our children their genocidal doctrine; at a moment when an organization involved with guerrilla propaganda tries out its power of strategic action, simultaneously blocking almost all the roads in the country – at this moment, journalists and district attorneys join each other in an operation destined to incriminate and abort the investigations that the Army is making on the illegal activities of MST and of other left-wing non-governmental organizations.

If this is not an act of revolutionary misinformation in the best KGB style, then it is at least a substantial support, offered with prodigious lack of conscience and levity, to Fidel Castro’s plan of  “reconquering in Latin America what was lost in East Europe”.

Numbed by 40 years of “Cultural Revolution”, which – without finding the least resistance – made cat’s-paw of its ability of thought, public opinion seems to accept by its nominal value the accusations against the investigation. And it does that without ever asking if the crime under investigation is not a million times graver than mere words, even if offensive, found in an investigator’s report.

When he cries out against the use of the expression “adversary power”, the minister of the Superior Military Court (STM), Flávio Bierrenbach, a man that owes his political career to leftist support, shows no consideration to the fact that propaganda or the training of guerrillas really are things adverse to the democratic regime.

If the Army consents to “give explanations”, instead of accusing those who tie the hands of the legal powers to give way to communist aggression, then we will have installed in this country, overnight, as if by magic, a new legal order, where the fomenting of guerrillas will be done under the protection of the State, and the opposition to it will be crime. We go to sleep in the arms of a decomposing democracy, and will awake in the claws of a newborn communist dictatorship.

I ask myself whether the newspaper that – in partnership with the district attorneys – created this Kafkian situation is not aware of the fact that, with this, it went far beyond mere journalistic defamation of the Armed Forces and became an instrument of the revolutionary mutation of the regime. I ask myself and I answer myself: it cannot be unaware of what it does, for, in its edition of July 7, 1993, the same newspaper gave the news, in alarming tones, of the infiltration of leftist agents in the Federal Police and in the Ministry of Justice. What pretext could it have now to ignore that it has become an accomplice of these same people to do what it was once afraid they would do?

Instead of stopping its investigations, intimidated by the media, what the Army should do is to investigate further. It should investigate who are these district attorneys who, in an inquiry done “under secrecy of justice”, invite journalists to violate this secret. What is the connection of these people with CUT, with PT, with MST? Did the espionage service from MST itself collaborate in this operation? Or is it licit for the MST to spy on the Army, but not for the Army to spy on MST? And those journalists, in their turn, are they collaborators, militants or “travelling companions” of the same organizations accused in the report from the Army? To make a long story short: under the appearance of a mere journalistic scandal, is what we see not a lethal blow destined to neutralize beforehand any possibility of anticommunist national resistance?

Or is it forbidden to ask these things?  Is the simple fact of speaking them enough to turn me into an “adversary force”? Are we already in the new Brazil announced by Fidel Castro, in which it will be crime to oppose communist action?

Two promising reasons suggest that it is not so. The courageous statement made by the commander of the Army in the Day of the soldier shows that our land force is not ready to be made an accomplice of the scheme set up against it. And the decision of the court, which determined the devolution to the Army of the documentation apprehended in Marabá, also shows that the Judiciary Power is not ready to be an instrument of its own destruction.

But – let no one doubt this – the scandal set up around the documents from Marabá might be only the first chapter of the story. After all, it was through the scandal industry that Adolf Hitler put the German Armed Forces on their knees and transferred to his party the control of the intelligence services. And if there is any trace that most clearly defines the mentality of revolutionary movements of all shades, it is their ability to try again.