Artigos de José Nivaldo Cordeiro

Um funcionário público exemplar

13 de outubro de 2001

Roberto Campos foi um homem de muitos méritos e muitos talentos. Muita gente escreveu sobre a sua rica biografia e sobre os fatos relevantes da sua vida. Não quero aqui repeti-los. O único ponto que, penso, ficou relativamente esquecido, é o fato de Roberto Campos ter sido, toda a vida, um funcionário público exemplar, que reformou o Estado brasileiro, que o representou dignamente nos fóruns internacionais, que ajudou a forjar instituições que se mostraram decisivas na formação da industrialização e, de fato, colocou o Brasil na modernidade.

Por sua obra os brasileiros deveriam prestar-lhe as mais dignas homenagens, pois todos nós devemos muito à sua criatividade, clarividência, capacidade de trabalho e coragem pessoal. Sei, todavia, que o preconceito difuso que os “progressistas” têm contra os liberais impede que o reconhecimento de sua obra seja mais amplo.

Não deixa de ser uma ironia que alguém que sempre foi um arauto da livre iniciativa tenha sido um dos maiores estadistas do Brasil em todos os tempos. Sem a sua ação talvez não tivéssemos conseguido construir o grande parque industrial que temos, uma economia urbanizada caminhando rapidamente para a superação de seus indicadores mais desfavoráveis.

É de gente como Roberto Campos que precisamos no comando das ações do Estado. Infelizmente, patriotas com o seu preparo e a sua visão estratégica são raros. O que vemos mesmo é um enxame de populistas de esquerda, que acham que fazem o bem ao próximo, e a si mesmos, exaltando o caráter confiscatório e distributivista do Estado, algo que Roberto Campos sempre denunciou e combateu. Essa forma de ver o Estado só leva ao caminho oposto do desenvolvimento e aumenta a pobreza, impedindo o país de se desenvolver e os brasileiros de ficarem mais ricos.

Que Deus o tenha junto de si, esse grande brasileiro.

A greve das universidades federais

Todo ano é a mesma coisa: professores e funcionários das universidades federais entram em grave para obter novas “conquistas”. É mais do que evidente que as reivindicações que motivam a greve atual são descabidas, especialmente ao reajuste salarial. Falei motivam? É incorreto dizer isso. Essas pessoas têm feito a greve pela greve, sempre com objetivos político-eleitorais e visando influenciar a opinião pública para as suas bandeiras e os seus candidatos. Há muito a universidade foi aparelhada por grupelhos políticos radicais, cuja marca registrada é não ter qualquer compromisso com o alunado, com o ensino, com a preparação dos jovens para a vida. Tentam, na verdade, prepará-los para a revolução.

Tem muita coisa errada com a universidade pública, a começar pelo excesso de gente e de aposentados precoces, que de aposentados nada têm: continuam a sua carreira produtiva em outro lugar, mas levando na maleta o contracheque integral como sócio da massa tributária que o Estado recebe. É evidente que nem um centavo desse recurso chega para qualquer aluno na forma de benefício educacional. É apenas um assalto aos cofres público. E, toda vez que se tenta elevar os ganhos daqueles que estão na ativa, o efeito cascata obriga que todos os aposentados tenham rendimento igual. Uma iniquidade e uma indecência.

A raiz do mal na universidade começa no chamado modelo de escolha de seus administradores. Universidade é um centro de saber e de produção de conhecimento, à qual são remetidos os jovens pela famílias na suposta esperança de prepará-los para se tornarem a elite dirigente e científica da sociedade. Ora, com o democratismo universitário, o que vemos é o aviltamento do seu papel, a equiparação da opinião de professores com a de simples serventes e outros trabalhadores braçais. A universidade deveria ser, por definição, elitista e meritocrática, devendo os portadores do mais alto saber ter a precedência – e o poder, diga-se claro – dentro daqueles recintos.

O que vimos nos últimos anos foi o oposto disso, o aviltamento, a perda de respeito, o empobrecimento da cultura superior que leva as famílias a procurar alternativas a esses ninhos de grevismo e irresponsabilidade. Em lugar da cultura superior, dão aos alunos rações requentadas de marxismo ultrapassado, com o claro objetivo de tornar os jovens militantes das causas revolucionários. É uma tragédia que não pode ser minimizada, que está comprometendo o futuro – e por que não dizer? – o presente de nosso país.

Por sorte o Brasil está sendo, a cada ano, melhor servido por mais e melhores escolas privadas de nível superior, repetindo o fenômeno que no passado houve com o ensino fundamental, quando as escolas pública dessa faixa de ensino foram sumariamente substituídas em qualidade pelas escolas privadas. Ainda bem que isso está acontecendo, pois do contrário nada teríamos para colocar no lugar. É o mercado resolvendo os problemas criados pela incapacidade do poder público.

Enquanto esse modelo de gestão persistir, enquanto os professores universitários, antes de professores declararem-se militantes de partidos políticos, enquanto funcionários subalternos e braçais traçarem a política universitária, não haverá salvação para essa instituição. Cabe ao Governo Federal tomar as atitudes corretas e duras na direção certa. Tem que ser implacável com o grevismo, descontar os dias parados, responsabilizar reitores, professores e funcionários que se portam como agitadores profissionais, em prejuízo do país, mas sobretudo em prejuízo dos jovens.

Não haver vestibular para o próximo ano letivo é um prejuízo colossal para toda uma geração que está chegando ao nível superior, as grandes vítimas. O poder público não pode permitir tamanha violência. É o tempo de ser firme e inflexível em defesa dos interesses maiores do país.

Aleluia a Lula Lá

8 de outubro de 2001

O jogo político tem algumas coisas incompreensíveis se observadas à distância. Quando, todavia, aproximamos as lentes para uma observação mais de perto, elas são plenamente compreensíveis.Digo isso a propósito do anunciado acordo do PL com o PT com vistas às eleições presidenciais. Como um partido socialista, o PT tem em seus quadros majoritariamente ateus, crentes na fé do materialismo dialético como ferramenta explicativa dos fenômenos históricos e como motor da história. Para eles, a religião não passa de superestrutura ideológica para legitimar a dominação de classe, nada tendo de transcendental e salvífica. Numa palavra, é um engodo, uma ilusão de tolos que persiste até que os missionários da nova fé materialista imponham a sua verdade.

Alguém poderia dizer que os padres e religiosos partidários da teologia da libertação (pfui!) apóiam entusiasticamente o socialismo e o PT. É verdade, mas essas são ovelhas desgarradas, que de cristãos nada mais têm, nem mesmo a casca. Deram tudo a César e esqueceram da mensagem de Cristo.

Quanto ao PL, toda a gente sabe que virou uma legenda dos evangélicos, supostamente crentes na verdade revelada e inimigos declarados dos ateus e hereges. Qual é a lógica? Como os opostos podem celebrar uma aliança? Como o rebanho das ovelhas poderá nos comícios cantar aleluia a Lula lá?

A resposta é bem simples e direta: é puro oportunismo político. Os opostos se dão as mãos porque pensam assim chegar ao poder. Uma vez lá, a história seria outra. Certamente a governabilidade ficaria muito difícil com as posições dos aliados sendo absolutamente antagônica quase que sobre tudo, exceto quanto à regulamentação dos horários arbitrários dos gritos e urros de louvor, como a Dona Marta e seus aliados fizeram aprovar recentemente em São Paulo. Isso para desespero dos vizinhos dos templos que não têm a felicidade de serem portadores da surdez.

A história é rica em contar o que os socialistas fizeram com os homens e mulheres de fé por onde passaram. Foi a destruição pura e simples, a perseguição sistemática, o fechamento das igrejas, como está a acontecer nesse momento na China comunista e que desde sempre aconteceu em Cuba. Então podemos dizer que uma aliança dessas passa ao largo da sensatez, é uma temeridade. É a assembléia das ovelhas elegendo o lobo mau para o cargo de pastor.

Mas em política é assim, é o reino do Tinhoso e as coisas mais surpreendenetes podem acontecer. A vontade de poder supera qualquer escrúpulo e passa por cima de qualquer princípio.

Aleluia, irmãos, e que Deus nos ajude a todos nós.

As simplificações de Umberto Eco

7 de outubro de 2001

A Folha de São Paulo de hoje (07/10) traz um ensaio do escritor italiano Umberto Eco. É um texto sofisticado e muito bem escrito e tem o grande mérito de não cair na esparrela marxista de tentar ver os acontecimentos históricos e os fatos do 11 de setembro sob o ângulo da luta de classes. Ele afirma: “Passemos agora ao confronto de civilizações, por que é essa a questão“. Um intelectual aparentemente honesto, embora seu texto seja portador do mesmo veneno que outros escritores menos talentosos e menos cultivados destilaram igualmente: o relativismo cultural e moral.

Não é fácil fazer a exegese de um texto tão bem feito, tendo que explicitar o que há de errado com a sua forma engajada de fazer a defesa dos atacantes do Ocidente. É o que eu vou tentar fazer aqui.

Eco toma como mote e ponto de partida do seu ensaio a fala de Berlusconi, que afirmou a superioridade da cultura ocidental e cristã em relação à dos muçulmanos agressores e, como um intelectual engajado, compara-o a Bin Laden, “que talvez seja mais rico que o nosso primeiro-ministro“. É claro que Eco vê na riqueza individual uma espécie de defeito congênito. Por isso que ele se preocupa “com os jovens porque a cabeça dos velhos não se muda mais”. Implicitamente, é preciso torná-los semelhante aos Ecos espalhados pelos mundo.

Aqui, com mais elegância e arte, ele bate na mesma tecla em que bateram todos os ícones esquerdistas mundiais: que Bin Laden é rico, é reacionários e que, portanto, é equivalente aos seus iguais do Ocidente. Lá, como cá, tem seus fundamentalistas radicais. O que está errado com essa analogia? O fato de esconder que o Ocidente há muito renunciou à guerra de conquista, à evangelização dos povos não cristãos, que prega o ecumenismo e o Papa, possivelmente o maior símbolo da cristandade perante o mundo não cristão, tem pedido perdão e desculpas pelo passado de “erros” dos cristãos. Eco está errado também por não se lembrar que os muçulmanos simplesmente consideram um profanação que algum infiel pise no solo sagrado da Arábia Saudita, que não reconhecem o direito à existência dos diferentes, que o seu objetivo é construir um Estado teocrático mundial baseado no Corão, enquadrando todas as populações do planeta no obscurantismo em que estão mergulhados.

Dito de outra forma: o Ocidente cristão é tolerante com os diferentes, aceita-os, cultiva-os, recebe-os de braços abertos na sua terra, generosamente tenta lhe passar os seus conhecimentos e pratica a ajuda humanitária, indo as vezes à guerra contra cristãos que não respeitam esses valores, como no caso da Iugoslávia, defendendo os muçulmanos vítimas de genocídio. Alguns indivíduos ocidentais, movidos pela mais generosa das misericórdias, vão àqueles rincões distantes de populações muçulmanas para ajudar e acabam freqüentemente sendo mal tratados e até mortos pela ousadia de ir lá. Então não é possível comparar ambas as atitudes, que são diametralmente opostas. O Ocidente está no século XXI, os muçulmanos pararam no século VII.

Quando Eco afirma que “As guerras de religiões que ensangüentaram o mundo por séculos nasceram de adesões passionais a contraposições simplistas, como nós e os outros, bons e maus, negros e brancos” esqueceu-se de dizer que esse é um capítulo superado no Ocidente, mas é a alma viva do Islã, que se alimenta do ódio ao Ocidente, da mítica idade do ouro que teria havida no passado em que a fé islâmica dominava o mundo, na certeza escatológica de que o domínio político do mundo e a imposição, a ferro e fogo, dos preceitos do Islã, será a instalação do paraíso na terra. E não passa de mera figura de retórica tentar justificar as ações dos radicais islâmicos com os fatos históricos do passado, é a relativização da gravidade dos fatos e a ocultação da sua hedionda imoralidade. De uma vez por todas é preciso ter em conta que não é possível desfocá-los (os fatos históricos) do seu tempo e muito menos transportá-los para o momento atual. Do ponto de vista histórico, os fatos são o que são e não faz sentido enquadrá-los em um tribunal de inquisição. Nisso o Papa está redondamente errado. Não haveria do que pedir desculpas. Todos os agentes históricos possivelmente culpados estão mortos.

De forma correta Eco afirma que “A verdadeira lição que se deve tirar da antropologia cultural é que, para dizer que uma cultura é superior a outra, é preciso fixar parâmetros. Uma coisa é dizer o que é uma cultura, outra é dizer com base, em que parâmetros a julgamos“. Só que a sua argumentação parte para campos passíveis de equalizar o Ocidente com o mundo muçulmano, fugindo dos pontos realmente fundamentais, que tornam o Ocidente positivamente superior. Ora, ir buscar na história os grandes feitos científicos e filosóficos do árabes de nada serve para explicar o atual atraso científico, filosófico e tecnológico dos mesmos. É um argumento mal intencionado, mentiroso. E aqui não se trata de discutir questões teológicas relativamente às questões ditas sagradas, mas como essas questões influem sobre o indivíduo, sua liberdade, sua criatividade, sua afirmação diante do mundo. “Os parâmetros de julgamento são outra coisa, depende de nossas raízes, de nossas preferências, de nossos hábitos, de nossas paixões, de um sistema de valores nosso“. Exato. Então porque Humberto Eco não tocou na questão feminina, no sistema de Justiça, nas liberdades individuais, na separação entre o poder político e o poder religioso, no princípio da sacralidade da vida individual e dos limites em que o Estado deve atuar, respeitando a privacidade do cidadão? É isso o que verdadeiramente separa hoje ambas as culturas e o que torna o Ocidente muito superior ao mundo Islâmico e nisso qualquer pessoa sensata tem que concordar com Berlusconi. Se uma corrente migratória, por hipótese, se estabelecesse de um país europeu para o Oriente Médio nem seria recebida e mesmo nem seria estabelecida: os indivíduos seriam mortos em pouco tempo. O que dizer de uma Europa e uma América que não apenas recebem os muçulmanos, mas respeitam exaltadamente as diferenças e aceitam o cultivo de suas tradições, mesmo sabendo que eles consideram o mundo judaico-cristão o Grande Satã?

Eco usa de expediente retóricos insidiosos para relativizar e igualar ambos os pólos, especialmente quando afirma: “Bin Laden e Saddam Hussein são inimigos ferozes da civilização, tivemos senhores que se chamavam Hitler ou Stálin“. Ora, esses dois últimos são a degeneração do Ocidente, a sua própria negação, enquanto os dois primeiros apenas são a encarnação na forma de poder político do que pensam as massas islâmicas. É inaceitável colocar Hitler e Stálin como exemplos do ser ocidental. Eles são o seu oposto.

É muita confusão sob o céu“, afirma Eco, pois “parece que a defesa dos valores do Ocidente se tornou uma bandeira da direita, enquanto a esquerda é, como sempre, simpatizante islâmica”. Eis o ponto. A direita e as pessoas sensatas imediatamente perceberam a gravidade e a grandiosidade histórica dos acontecidos do 11 de setembro. Os esquerdistas continuaram a bater na mesma tecla, a de que o inimigo da civilização e deles próprios são as forças da ordem. Preocupados em tomar o poder político de assalto e enraivecidos por Bush ter vencido o seu candidato, perderam o timing e a capacidade analítica. Eco percebe isso e tenta chamar os seus companheiros ideológicos para a razão. Os esquerdistas não se aperceberam que as querelas políticas paroquiais perderam relevo diante de uma ameaça real à nossa forma de ser. Não falo aqui apenas da ameaça física daqueles infelizes que casualmente estavam onde fizeram cair os aviões e onde poderão estar quando explodir o próximo artefato de morte. Falo da perda, ainda que temporária, das liberdades civis, falo do alargamento das distâncias, falo do muro invisível que foi instantaneamente construído entre nós e os outros e também entre nós mesmos.

A defesa dos valores da ciência, do desenvolvimento tecnológico e da cultura ocidental moderna em geral foi sempre uma característica das alas laicas e progressistas” (ele quer dizer esquerdistas). “Contrário foi sempre o pensamento reacionário (no sentido mais nobre do termo – pelo menos começando com a negação da Revolução Francesa – que se opôs à ideologia laica do progresso afirmado que se deveria voltar aos valores da Tradição“. Isso é uma inverdade. Ora, Eco deveria dizer que sem a Tradição os valores superiores do Ocidente jamais teriam germinado e a sociedade aberta que construímos não existiria. Sem cristianismo não haveria capitalismo, e sem este não existiriam as liberdades individuais e a exaltação do indivíduo que conseguimos, a duras penas, construir. A liberdade consiste precisamente nisso, na liberdade individual, diante do Estado, da Igreja e de qualquer poder que se opõe à afirmação individual. Eco esqueceu de dizer também que os intelectuais de esquerda perderam o bonde em 11 de setembro porque continuaram a ver fantasmas em lugar de fatos, a falar mal do capitalismo e da globalização, quando na verdade deveriam enxergar que o perigo estava chegando no lombo dos camelos.

O autor finaliza o texto com uma inversão total do que escreveu. O tempo todo ele mostra como os engajados quebraram a cara e perderam o timing. No final, todavia, afirma: “Os mais sérios pensadores da Tradição… sempre se voltaram, mais do que para ritos e mitos dos povos primitivos ou para a lição budista, para o próprio islã, como fonte ainda atual de espiritualidade alternativa. Sempre estiveram ali a nos lembrar que não somos superiores, mas, sim, diminuídos pela ideologia do progresso, e que devemos ir procurar a verdade entre os místicos sufis ou entre os devixes dançantes“. Ora, a Tradição consiste precisamente na defesa da Tradição, contra as concorrentes alternativas. Quem tem cultivado o exótico são precisamente os esquerdistas, que fizeram de elementos religiosos estranhos e exóticos instrumentos de propaganda para destruir a moral vigente e enfraquecer as forças da ordem. Essa afirmação é absolutamente falsa, como também é falsa a conclusão que ele tirou:

Nesse sentido, na direita está se abrindo uma curiosa rachadura

Deus meu, rachada e desorientada está a esquerda em todo o mundo. É patético ver, por exemplo, Tony Blair como mensageiro da guerra, sabendo que ele tem como eleitores precisamente as hordas esquerdistas do lema paz e amor e todos os simpatizantes orientalistas, que acreditam que as grandes verdades reveladas estão nas civilizações atrasadas. A rachadura é na esquerda, que poderá inclusive encolher formidavelmente, até porque os tempos não serão tolerantes nem com a dubiedade, nem com a tibieza e nem com a mentira. É o tempo de afirmação da Verdade indelével e ela toda está contida em nosso Livro.

Bin Laden não é o conselheiro

11 de outubro de 2001

Um dos comentários mais mendazes que li sobre Osama Bin Ladem está na Folha de São Paulo de hoje (11/10), escrito por Márcio Aith (“Cabul e Canudos evocam luta do bem contra o mal”). Esse autor tenta traçar um paralelo entre Bin Ladem e o nosso Antônio Conselheiro, personagem central do nosso infausto Canudos.

E por que não procede o paralelo? Por que em Canudos houve uma guerra civil, se é que podemos chamar assim. Foi um conjunto de mal entendidos de parte a parte que deu na grande tragédia. Tudo que o Conselheiro e seus adeptos queriam era viver em paz a sua vidinha camponesa, paroquial, mas quis o destino que as coisas dessem no que deu. Canudos era um fim-de-mundo esquecido e seus habitantes jamais quiseram agredir ninguém, desde que lhes deixassem em paz e respeitassem a sua crença. E, em hipótese alguma, alguém poderia colocar sobre ele a pecha de terrorista.

Já o saudita é o oposto de tudo isso. Tem o projeto de estabelecer um Estado islâmico mundial; tem força e determinação para combater a própria civilização ocidental. Não obstante ser oriundo de um fim-de-mundo é, paradoxalmente, um globalista, que tenta construir um império. E ele acredita que o terror é uma arma que deve ser usada em todos os lugares e por todos os meios, sem qualquer restrição moral.

O Conselheiro e seu povo apenas defenderam-se quando invadiram o seu pequeno mundo. Osama Bin Ladem, ao contrário, agrediu sensacionalmente o coração da América, em um ato covarde planejado com muita antecedência, usando de conhecimentos militares requintados que o povo de Canudos nunca teve. Um ato de guerra.

Esse é um exemplo de comentário que busca equiparar os diferentes. Todos sabemos que a epopéia de Canudos é algo que os brasileiros vêem com muita simpatia e piedade. Será que o autor tenta produzir esse efeito para os terroristas muçulmanos junto à opinião pública? Espero que não, pois seria de uma indignidade sem tamanho. Espero que o texto tenha sido apenas um equivoco.

Giannotti ocultando o real

7 de outubro de 2001

Os últimos artigos de José Arthur Giannotti publicados na grande imprensa até que foram bem interessantes, ocasião em que denunciou a campanha pela ética como um instrumento de luta política e afirmando que há uma zona cinzenta na ação política em que os termos éticos não são muitos claros. Sinal de vida inteligente e de amadurecimento diante da vida.

O artigo de hoje (07/10), publicado no Caderno Mais! (“A ocultação do real”), da Folha de São Paulo, todavia, devolveu o autor ao seu ninho. Além de ser fraco e pouco original, ele conseguiu em poucos parágrafos fazer algumas afirmações insustentáveis. O maior dos absurdos foi louvar como atos de coragem a ação dos terroristas suicidas. Eu tive a oportunidade, na semana que passou, de escrever especificamente sobre esse absurdo. O suicídio já é, sozinho, um ato de extrema covardia diante da vida. Feito para matar outras pessoas é um hedionda covardia. Não há virtude alguma no que fizeram: só baixeza, tibieza, aleijão moral, covardia. E não é possível afirmar que esses suicidas sejam indivíduos: são máquinas no exato sentido do termo, instrumentos de outros para executarem tarefas que são sujas e dispendiosas. Não eram mais seres humanos, pois perderam a capacidade de julgamento moral, o senso de proporções, a piedade que é normal em um ser humano. Como filósofo profissional, é imperdoável que Giannotti tenha escrito essa bobagem. A coragem é altruísta e objetiva obter algo superior. A baixeza moral jamais pode estar associada à virtude da coragem. Os atos do 11 de setembro foram exemplos da mais suprema covardia.

Corretamente o autor se pergunta: “Até que ponto essa guerra é ainda política? Não se resume no combate de uma forma de vida contra outra, prestes a sufocar a própria vida?” E conclui: “Restaura-se a antiga hipótese segundo a qual o conflito entre as classes e os Estados teria sido substituído pela luta de morte entre civilizações antagônicas”. Nada a objetar, a não ser a conclusão que ele tira de que, “contra o terror, o Estado se converte em Estado terrorista”. É uma forma de acusação antecipada contra a ação norte-americana de combate ao terror, em defesa dos terroristas. Essa mentira gratuita permeia todo o artigo e contraria os fatos, ocultando o real. O que vimos até agora foi os EUA portarem-se de forma contida, irem em busca das investigações para fundamentar a sua ação, exercerem a atividade diplomática no limite das suas possibilidades, a ponto de colocarem o Paquistão entre os seus aliados. Não houve vingança por parte das autoridades daquele país. Se há alguma forma de comportamento civilizado em tempos de guerra, podemos dizer que os EUA conseguiram isso. Contrariando a expectativa de muitos, não disparou um único tiro antes de concluir todo um ritual de convencimento da opinião pública mundial e dos muitos governos pelo mundo, especialmente os governos dos países islâmicos. Podemos acusar a reação dos EUA de terrorista? Em hipótese alguma.

Giannotti tenta equiparar Bin Laden a McVeigh e a ultra-ortodoxia judaica. Ora, McVeigh pode ter sido um delirante terrorista, mas a única coisa que ele queria era ter uma menor presença do governo na sua vida e na dos seus próximos; o mesmo pode ser dito dos ultra-ortodoxos, pois tudo que estes querem é viver o seu modo de vida, sem querer submeter ou destruir o resto do mundo. Bin Laden e sua gang, ao contrário, tem o explícito propósito de exterminar todos aqueles que lhes são diferentes, em qualquer lugar do planeta, por qualquer meio. São genocidas. Isso muda qualitativamente a situação.

Como psicólogo, Giannotti também deixa muito a desejar. Ele afirma que “a história nos ensina que o militante se converte em guerrilheiro quando está irremediavelmente acuado, quando os exércitos em que poderiam se integrar foram desbaratados, nas mais lhe restando, para continuar a luta, do que se dispersar em pequenos grupos, tentando derrotar o inimigo pelas costas, pelos lados, nunca de frente”. Ora, Bin Ladem e seus fundamentalistas muçulmanos de maneira nenhuma se enquadram nesse figurino. O distinto guerrilheiro é tido e havido como milionário, herdeiro de fabulosa fortuna na Arábia Saudita e possivelmente, se quisesse, teria lá um lugar de destaque nas forças armadas. Então a sentença de Giannotti não se aplica a seu caso. Daí a receita inaplicável do autor para a solução do conflito: “O remédio então é criar um espaço em que a luta continue em termos civilizados e, por fim, se transforme em negociações democrática”. Santa ilusão! Se um Giannotti caísse no meio dos muçulmanos só haveria uma maneira de sobrevier: dobrando-se sobre os joelhos várias vezes ao dia, com a cabeça voltada para Meca, e as mulheres da sua família passando a envergar modelitos dos tempos da Virgem Maria. E, quanto à democracia, só aquela que viabiliza o diálogo do chicote do Mulá com o lombo dos açoitados.

Caminhando para a conclusão do artigo, o autor faz uma afirmação estarrecedora, justificando os atos terroristas: “O patriota muçulmano (como se ser muçulmano configurasse uma unidade política – JNC) que vê seu país sendo dominado por uma corja de abrutes (o poder legitimamente constituído – JNC), Estados sendo criados e abolidos segundo os desígnios dos vitoriosos das grandes guerras, não tende a voltar sobre si mesmo, encontrar sua própria identidade nos segredos de sua fé?” Ele, como filósofo, deveria pelo menos lembrar que nenhuma situação do mundo justifica a abolição da moral, especialmente no que tange à sacralidade da vida.

E o que propõe Giannotti? Sutilmente, a revisão do Estado de Israel (“A história do Oriente Médio teria sido diferente se o Estado de Israel não fosse criado, alargando a ferida que já maculava suas relações com o Ocidente. Será possível desbaratar as redes de terrorismo muçulmano sem fechar essa ferida, sem aterrar a fonte de frustração que gera terroristas em potencial?”) como se isso fosse possível, como se isso, consumado, não significasse a completa derrota do mundo ocidental, como se os judeus, residentes ou não em Israel, fossem aceitar passivamente uma solução desse tipo, tão inútil quanto estúpida. Fico até pensando se ele se deu conta da monstruosidade do que escreveu.

E para finalizar, como bom militante de esquerda, culpa a globalização pelo conflito: “A chamada globalização até agora aprofundou as diferenças regionais, relegando parte da humanidade à instabilidade ou à miséria permanente. Desse modo, globaliza-se as sementes do terror, cria novos bárbaros capazes de ameaçar a tranqüilidade das novas Romas”. Ou seja, o culpado, em última instância, é a própria vítima. Quem manda ser rica, tecnologicamente avançada e ainda servir de modelo para o resto do mundo?

O terrorismo fica plenamente justificado nesse artigo infame.

O inimigo de Wall Street

12 de outubro de 2001

Para quem gosta de escrever artigos definir o título é um momento importante do processo. Eu às vezes faço-o e depois deixo fluir o texto. Quase nunca tenho que mudá-lo. Às vezes, faço o texto e depois defino o título. E, mais raro, faço o texto, defino um título provisório e fico me roendo, insatisfeito, pois acho que poderia ser melhor, mais fiel ao texto.

Para as linhas que abaixo foram escritas, o título que ficou definido foi uma das muitas possibilidades que me ocorreram. Pensei em “O Mentiroso”; outro foi “Uma Ode ao deus-Estado”; outro foi “O Estatista”; Outro, “O Lucrofóbico”; Outro, ainda, “O Bin Laden da Economia”. Por último, “Um Candidato ao Prêmio IgNobel”. Os leitores podem, à sua escolha, substituir o que está acima por um desses, porque, penso, até que todos refletem, em maior ou menor proporção, a idéia central deste comentário.

Refiro-me ao artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje (12/10), da lavra do recém ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz. O título do artigo é mais do que sugestivo: “EUA têm de rechaçar fundamentalismo de mercado”. Havia muito tempo que eu não lia algo de um economista de renome tão anti-mercado e tão pró estatista. É claro que para conseguir essa proeza ele teve que cometer grandes absurdos de lógica e falsificar a verdade dos fatos.

Fundamentalismo de mercado: é como se dissesse que as explosões dos aviões que fizeram desaparecer o World Trade Center tivessem como causa primeira a sociedade capitalista, a própria vítima, no caso. E que Bin Ladem fosse uma agente da transformação social, um gajo vingador das forças submersas dos estatistas. A luta de vida e de morte que travam os partidários da livre iniciativa e os socialistas (essa é a palavra técnica para definir a posição política de Stiglitz) teve na eleição de Bush um instante vitorioso para os primeiros, ficando os segundos na cômoda posição de franco-atiradores contra a nova estrutura de poder.

Stiglitz, todavia, e não obstante o laurel obtido, no curto artigo conjuga um amontoado de bobagens, dignas de ganhadores do IgNobel. Começa com uma pérola impagável: “Há um sentimento crescente de que talvez nos tenhamos equivocado ao dar ênfase demais aos interesses materiais egoístas, esquecendo um pouco de compartilhar”. O autor não percebe e não quer perceber que as empresas capitalistas só o que fazem é compartilhar, que as trocas do livre mercado são a essência do compartilhamento da produção social e que sem esse compartilhamento as empresas simplesmente quebram. Se o distinto consumidor se recusar a compartilhar a produção de alguma empresa, uma abraço, é caixão e vela preta para ela, quebra. Basta ver o dramático exemplo que está a acontecer com a indústria de aviação civil e com o setor hoteleiro nos EUA. Sem compartilhar é quebrar. O consumidor tem o poder de vida e de morte sobre as empresas. Para elas, compartilhar é sobreviver.

O que o distinto IgNobel entende por compartilhar é que aqueles que trabalham, dão duro e coisa e tal devem pagar mais impostos para que burocratas com Stiglitz possam gastá-los de acordo com os seus preconceitos. Isso é na verdade uma injustiça, castiga quem faz a sua parte no processo e premia aqueles que não querem nada com o batente (menos) e os burocratas intermediários das benesses do Estado (mais).

O homem bate duro contra a privatização da segurança dos aeroportos, acusando-a, entre outras coisas, de ser culpada pelos atentados dos terroristas muçulmanos. Nas suas palavra: “Não faz sentido privatizar uma área de vitral interesse público como a segurança dos aeroportos. Os baixos salários pagos aos agentes privados de segurança geraram grandes lucros. Linhas aéreas e aeroportos ganharam, a curto prazo, mas tanto elas quanto o povo dos Estados Unidos terminaram perdendo – e muito – como hoje sabemos, horrorizados”.

Vamos analisar a citação por partes. 1- Afirma que os atentados e suas dramáticas conseqüência para a indústria de aviação civil foram causados pela privatização da segurança dos aeroportos; 2- Os baixos salários são também um elemento etiológico da tragédia, tendo como vítima os infelizes trabalhadores que os ganham; 3- Os grande lucros também são os culpados, agentes ativos que beneficiam os desalmados capitalistas; e 4- O povo americano foi a vítima inocente desse processo de privatização.

Até a pequena Maria, minha filha de quatro anos, sabe que a luta contra o terror é difícil e que esse se vale sempre e sempre do elemento surpresa, de difícil prevenção. Foi isso que aconteceu, numa ação muito bem planejada, com muito tempo de antecedência, que ninguém e, sobretudo os órgãos de Estado, a quem caberia antecipar-se, pôde prever. A responsabilidade sobre os acontecidos é, antes, da CIA, do FBI e das forças de inteligência como um todo, não dos coitados dos seguranças dos aeroportos, que cumpriram à risca as determinações emanadas do Estado, supostamente capazes de prevenir ações do tipo. Se houve falha, foi do Estado e não das empresas privadas de segurança. E até acho que não houve falha, os EUA estavam vivendo em paz, sem ameaça ostensiva e dentro de uma relativa segurança, mas isso não retira a falta de antecipação e de planejamento dos órgãos de inteligência do Estado, que são pagos para isso. Fosse eu um funcionário das empresas de segurança dos aeroportos, entraria na Justiça contra Stiglitz, por calúnia e difamação. O homem é, de fato, um mentiroso.

Ora, dizer que há baixos salários é como se fosse uma arbitrariedade das empresas praticá-los, e não uma realidade de mercado. Salários não podem ser descolados da sua produtividade. Por definição, sem a interferência do governo e dos sindicatos os salários praticados refletem o seu valor. É provável que a taxa de salários vigente nesse mercado fosse compatível com a necessidade de manter as tarifas dos bilhetes aéreos a um preço razoável, permitindo a prosperidade de toda a indústria, significando o bem-estar dos consumidores usuários desse serviço. O sujeito que escreve uma opinião dessa, com um diploma de economista laureado, só pode ser considerado um agente da mais pura má fé, pois supostamente não é um ignorante. Que diabos tem a ver os supostos baixos salários com a vontade criminosa da terroristas? Simplesmente nada.

Falar dos lucros das empresas é apenas a expressão verbal do preconceito com que essa grandeza econômica é tratada pelos socialistas. É uma acusação gratuita, típica de engajados na guerra gramsciana de desinformação. Também nada tem a ver com o ímpeto homicida dos terroristas.

Americanos vítima da privatização? A realidade é exatamente o contrário. São, os americanos, o povo do mundo que melhor se beneficia da falta de presença do Estado na produção de bens e serviços. Stiglitz está tão obcecado com seu ódio ao mercado que não enxerga o óbvio: que os americanos foram vítima da vontade criminosa de tresloucados, que foram fazer a guerra em pleno solo americano. Essa é a causa primeira e derradeira do processo, todo o resto são quimeras das cabeças espumantes do ódio de classe. É o mesmo que dizer que o ataque dos japoneses na Segunda Guerra teve como causa a privatização de algum serviço. Só um doido varrido para fazer uma afirmação dessa.

Ele faz uma pausa para escrever alguns parágrafos contra os chamados “paraísos fiscais”. Tudo que burocratas estatistas como Stiglitz querem é garrotear a livre circulação de capitais pelo mundo, objetivando taxar os seus ganhos, o seu estoque (confiscá-los com algum tributo sobre a riqueza) e definir a sua alocação. Querem a implantação do socialismo mundial. Nem vou discutir essas sandices, que são tão óbvias que não pagam o tempo. Fica o recado aqui que criminosos são os banqueiros e investidores de Wall Street, que só pensam naquilo, ou seja, no lucro e reduzem o Estado, prejudicando a segurança. O homem é, de fato, um lucrofóbico, com a licenaça do neologismo.

Na seqüência ele acusa uma outra ação de privatização nos EUA, para uma empresa que faz enriquecimento de urânio (United States Enrichment Corporation – Usec). Nas entrelinha deixa claro que se algum artefato atômico explodir pela mão dos loucos de Alá será responsabilidade dessa empresa privada. Ele afirma: “Como pôde o governo levar adiante essa privatização absurda sob qualquer ponto de vista? Ainda que a ideologia da privatização seja parte do motivo, os interesses financeiros influenciaram o caso: a empresa de Wall Street encarregada da privatização pressionou e lucrou, muito”. Alguém pode imaginar crime maior que esse, lucrar muito?

Penso que nem os mais xiitas dos economistas do PT produziriam um artigo tão absurdo, tão cego em relação aos fatos e tão ideológico, no pior sentido da expressão. Uma verdadeira peça de propaganda socialista.

O artigo do homem é, de fato, ignóbil, no sentido dado pelos dicionários de língua portuguesa à palavra. Alguns deles, a escolher: 1- Baixo, vil, desprezível; 2-Que não tem honra, vergonhoso, torpe; 3- Que possui pouco ou nenhum valor. Acho que qualquer das definições dão muito bem a medida do conteúdo do texto.

O PT e o socialismo

A Folha de São Paulo torna-se, cada vez mais, a porta voz oficiosa do Partido dos Trabalhadores. A edição de hoje dedica a página cinco inteira do caderno A ao ciclo de seminários que o PT está fazendo sobre a questão do socialismo, tema eternamente recorrente dentro da legenda. Mas acaba prestando um serviço para aqueles que estão fora da agremiação. Alguém já viu a agenda dos encontros dos partidos da ordem publicada em destaque no jornal? Eu nunca vi. Isso é um privilégio petista.

Interessante os temas da agenda:

Em 15/10 – A luta pelo socialismo no século XXI

Em 22/10 – O negro e o socialismo

Em 05/11 – O meio-ambiente e o socialismo

Em 12/11 – A mulher e o socialismo

Em 19/11 – A religião e o socialismo

Ao lado da divulgação da agenda, uma espécie de convocação para discutir o conspícuo tema, está uma entrevista com o organizador dos eventos, Antônio Cândido. A entrevista vale por si. Antônio Cândido coloca implicitamente o PT como o legítimo herdeiro das bandeiras e táticas de luta do velho PCB. Perguntado pelo repórter se havia um descompasso entre a proposta de socialismo e a ação política do partido para alcançar o poder, ele foi de toda franqueza:

“Sinceramente, não creio que haja esse descompasso. Para mencionar algo óbvio, em toda atividade política [Note bem: da esquerda no Brasil – JNC] há dois níveis, desde que não se trate de mero oportunismo. Dois níveis que nem sempre coincidem exatamente, e o esforço deve ser no sentido de fazê-los coincidir o mais possível. Assim é que o PT tem objetivos remotos, que podem ser resumidos como esperança de uma sociedade realmente igualitária… E há os objetivos imediatos, ligados à conquista do poder para ter condições de tentar a realização o quanto antes da esperança… Não creio que isso esteja acontecendo com o PT, porque a cada oportunidade os seus órgãos e os seus líderes continuam afirmando os seus princípios e a sua deliberação de caminhar segundo eles. Por isso costumo dizer que a política socialista é essencialmente bifocal, combinando a busca do futuro e a injunção do momento num esforço simultâneo…  A nossa (dialética) consiste em modular a atividade política distinguindo bem o que é transitório e o que é alvo final”.

Para quem conhece a história política do Brasil, as declarações de Antônio Cândido não contêm nada de novo. A esquerda sempre foi bifocal, sempre mentiu em público para ganhar votos, pousou de moderada, mas a sua liderança sempre quis implantar o socialismo. Este, todavia, só se implanta pela via militar, pela força, pela abolição da ordem democrática. Socialismo é apenas um outro nome para totalitarismo. Então podemos dizer que a franqueza de Antônio Cândido consagra essa tradição de imoralidade, de tentar enganar o eleitorado para, chegando ao poder, fazer aquilo para o qual as urnas não deram mandato.

E não é surpreendente que as mesmas pessoas que usam essas táticas imorais sejam as que mais clamam pela ética na política. Ora, eles são a própria expressão da ação política sem ética, que fazem da mentira a ferramenta por excelência para obtenção do triunfo eleitoral. Ética torna-se, portanto, um mero discurso, um disfarce, um instrumento de ação política.

Um ser bifocal, bifronte, é um esquizóide. É o monstro disfarçado de médico; é a fera disfarçada de príncipe. A luz tênue que irradia esconde uma sombra violenta e sedenta de sangue. Onde as forças bifocais assumiram o poder a miséria praticada não foi pequena e o totalitarismo triunfou.

A novidade é que isso é agora candidamente dito pelos dirigentes e publicado pelos grandes jornais, que se tornaram seus porta-vozes. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça; quem tem olhos para ler, que leia.

E valha-nos Deus.

O túnel do tempo

6 de outubro de 2001

Um dos efeitos colaterais dos acontecimentos do 11 de setembro foi mostrar ao mundo em que condições as populações muçulmanas vivem, seus hábitos, seus costumes, seu modo de ser. A TV tem mostrado com farturas de imagens o cotidiano daquelas pessoas, tão diferentes de nós, ocidentais. Contudo, eles estão menos distantes na geografia do que no tempo. Pelo tubo da TV como que fazemos uma instantânea viagem ao passado, um retorno aos costumes que devem ter sido de toda a gente nos primórdios da Era Cristã. O que mais deprime é ver todo o sexo feminino reduzido à condição mais abjeta, equivalente ou inferior àquela dada às bestas de carga.

O embaixador Meira Penna tem analisado essas diferenças sob o ângulo das relações entre os sexos como o motivador principal da hostilidade dos radicais islâmicos para com o Ocidente. Em excelente artigo ainda não publicado (“O Terror Islâmico e a Revolução Sexual”) coloca a questão em termos bastante originais, mostrando que, de fato, trata-se de um embate entre civilizações, não apenas entre os muçulmanos e as demais, mas sobretudo na relação arcaico x moderno. E o moderno tem seu cerne diferencial na relação entre os sexos. O que construímos no Ocidente em termos de liberdades individuais, igualdade jurídica e prática, igualdade de oportunidade e a efetiva emancipação feminina do jugo do macho, algo sem paralelo na história, ameaça qualquer outra forma de organização social e, em especial, a islamita. Nas suas palavras:

Em conclusão, podemos acentuar que a seriedade da problemática criada pelos Fundamentalistas, como infensos à modernidade, reside na recusa obstinada a superar seu machismo patriarcal, seus ressentimentos e seus impulsos homicidas. Em nenhuma outra religião ou sociedade política (no Islam, elas se confundem) a resistência ao feminismo é tão tenaz. Mesmo na Igreja católica, é pouco provável que as injunções papalinas ainda persistam por muitos anos de aggiornamento. É um problema de rebelião contra a modernidade que poderá acarretar conseqüências funestas no futuro. A questão se relaciona, evidentemente, com o extremismo chauvinista do macho, sustentado em Escrituras religiosas arcaicas que agravam o dilema desses países quanto à integração à modernidade global – uma alternativa que poderá ser de árdua solução. Chego a acreditar que o Islam vai configurar, neste século, um dos maiores problemas políticos e sociais da Humanidade. Se a esta obstinada resistência à modernidade persistir e conduzir ao agravamento do fenômeno do Terrorismo de estilo “haxixim“, a apartheid islâmica poderá ensanguentar o mundo. Uma Jihad não está fora das cogitações.

Esse ponto de vista é consistente com a visão de psicólogo junguiano treinado que tem o nosso ilustre embaixador Meira Penna. E penso que, de todas, a sua análise é a mais precisa e que deságua em uma encruzilhada que não permitirá meios termos: ou o Ocidente moderniza as civilizações arcaica, aí significando a emancipação feminina como aqui foi conseguido, ou os arcaicos moverão contra ele guerra de extermínio sem quartel, por todos os meios, inclusive e sobretudo através de ataques suicidas, dada a inferioridade tecnológica em que se encontram.

É bom que não nos enganemos. O atraso tecnológico não lhes impede de ter acesso a artefatos de destruição em massa que poderão causar morticínios indizíveis. Eles não têm grandes armadas, nem armas em quantidade, nem aviação que ameacem as forças normais de combate do Ocidente. Nem foguetes lançadores de ogivas nucleares. Mas têm o conhecimento suficiente para produzirem artefatos menores, quase artesanais, de grande poder de destruição, podendo ser transportados por um único homem disposto a morrer em sacrifício. É uma ameaça mortal, que deverá perturbar a existência cotidiana do Ocidente por muitos anos. Um pequeno artefato atômico ou um pequeno avião pulverizador com armas químicas e biológicas podem destruir parcial ou totalmente um grande centro urbano. É um cenário de horror que está na iminência de acontecer.

A conclusão que se impõe é atravessar o túnel do tempo, seja trazendo os bárbaros para a civilização, para o século XXI, seja regredindo a uma situação pré-moderna. É essa a escolha. Vacilar e fraquejar na guerra que se inicia poderá trazer o retrocesso. Perder a guerra significará a perda das conquistas e dos valores mais desenvolvidos pela espécie humana, precisamente aqueles criados no hemisfério Ocidental.

Pobreza e terrorismo

9 de outubro de 2001

O megaburocrata James D. Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, publicou na Folha de São Paulo de hoje (09/10) artigo intitulado “Pobreza merece coalizão mundial”. Sempre que burocratas, grandes e pequenos, falam em pobreza, é preciso ter cuidado com a carteira. Quase sempre eles estão mesmo é preocupados com o seu poder e a sua influência. Pobreza é um mero instrumento de afirmação do seu próprio poder e um ótimo instrumento de discurso legitimador. Daí porque sempre enxergarem que a superação da pobreza é tarefa do poder público, ou seja, deles mesmos, e não do mercado e da ação de cada indivíduo. Se governos e seus burocratas fossem eficazes contra a pobreza, esta há muito teria sido erradicada do planeta. A realidade mostra que isso é simplesmente falso.

Mas eu falava do artigo do burocratão. Considero espúria e completamente falsa a associação entre pobreza e terrorismo. Essa tese é um eco das teorias marxistas, que vêem na questão econômica a razão e o motivo dos fenômenos políticos. Isso também é falso. E mais falso ainda é associar o niilismo moral, que se traduz no terrorismo, à miséria de quem quer que seja.

A prova mais óbvia de que o terrorismo não se alimenta da miséria está no fato de que os chamados países ricos sofrem do flagelo do terrorismo desde sempre. Quem não se lembra de McVeigh nos EUA, ou do IRA na Irlanda e Grã Bretanha, ou do ETA na Espanha e os mais antigos movimentos, como as Brigadas Vermelhas na Itália e o grupo Baader-Meihoff na Alemanha? E dos recentes atentados no metrô de Tóquio? Essas evidências simplesmente nos revelam que não se sustenta a tese da miséria como causa etiológica do terror, uma vez que ele está em todo lugar, é bem distribuído por todo o mundo.

Então qual é a raiz do terrorismo? Em primeiro lugar, a degenerescência moral de indivíduos inescrupulosos, que fazem qualquer coisa para estar no centro do poder. É esse fascínio que está na raiz de tudo e mostra que os ensinamentos milenares das tradições religiosas enfraqueceram para aquelas pessoas, eliminando qualquer sombra das virtudes superiores. Em segundo lugar, a pregação das teorias revolucionárias, que prometem o paraíso na terra (e no céu, no caso dos muçulmanos) aos que se engajarem na sua violência política. E aqui está claro: os manuais marxista-leninistas são a base teórica e o instrumento de doutrinação da juventude, o catecismo para a formação dos futuros terroristas. Em terceiro lugar, o fanatismo religioso, mais das vezes combinado com a pregação marxista-leninista, cujo propósito é arregimentar militantes para algum lunático aventureiro, a la Lênin, que se proponha a tomar o poder pela força, atropelando o próprio destino. Aqui tradição e religião não passam de meros discursos para a elaboração de apelos emocionais, de grande ressonância em populações onde há homogeneidade de uma tradição e um enraizado conservadorismo.

Vendo as poéticas e tristes fotos publicadas na mesma edição da Folha de São Paulo, dos afegãos em fuga, com seus burricos carregados com suas mulheres e seus pertences, fica difícil imaginá-los jogando bombas em Nova York. Até mesmo o conceito de riqueza muda para essas pessoas: talvez se traduza no seu pequeno rebanho, nas suas poucas terras, na fartura de mesa para si e para os seus nos tempos do rigoroso inverno. Sim, o conceito de riqueza é também relativo e depende de cada cultura. O homem do burrico certamente se sentiria infeliz vivendo em alguma mansão de na Europa e no EUA, mas certamente estaria muito feliz fazendo a sua própria colheita e cuidando do seu pequeno rebanho, sentindo-se um homem rico. Da mesma forma, para torná-lo um terrorista é preciso, antes, cortá-lo de suas raízes.

Propor uma coalizão mundial contra a pobreza é mera retórica vazia de burocrata arrumando o que fazer. Só se combate a miséria com trabalho organizado, sem a ingerência de governos e burocratas, que são uma praga a devorar os recursos duramente produzidos pelas pessoas. São verdadeiros parasitas. A ação do Estado e da burocracia só diminui a riqueza, jamais contribuindo para aumentá-la. É óbvio que o burocrata-mor jamais reconheceria essa verdade auto-evidente. E claro que a ação dos burocratas tem efeitos nulos sobre as causas reais do terrorismo.

The Disadvantage of Sight

Olavo de Carvalho
Época, October 13, 2001

Media does not influence public opinion through one or two news items, or one or two editorials. It’s the repetition, the prolonged reiteration of comments and non-comments that slowly mold the mind and, once consolidated, can only be broken by a collective trauma. An earthquake, a war, an epidemic has the virtue of shaking loose long instilled habits. But even these hecatombs must be recorded, and the awakening effect can then be controlled and reduced to inoffensive proportions. The efficiency of this control depends less on some emergency action than on the accumulated strength of the conventional walls.

In Brazil, these walls are maybe the best case of durability seen since the Iron Curtain.

The September attacks could have, in one act, changed the vision that Brazilians have of the world, as it changed visions in the U.S. After the events, there are not much people in the U.S. who still believe everything they heard against their country since the 1960s. After the World Trade Center attack, very few American adults would not question if their childhood idols, Jane Fonda, Susan Sontag, or Noam Chomsky, were simply traitors who helped condemn Vietnam to tyranny and misery, while the countries losing to the U.S. built wealth and liberty.

But the impact of this discovery has not reached our shores. It was softened in the distance. In this country, anti-American mythology from the 1960s resists bravely, rejuvenated not only by the repeated mention of buzz words of the time, sold as definitive explanations of today’s events, but by the complete exclusion of information that could change the backdrop, the basic board of reference from which today’s events are interpreted.

Never did a newspaper or magazine in this country publish a story, no matter how small, about the fierce opposition that American conservatives raise against the IMF, the UN, and global politics. Our society has been fooled each day for the past decade by journalists who lead us to believe that globalism, Americanism, and conservatism are working hand-in-hand to oppress the poor Third World.

Half of voters in the U.S. see the New World Order as a socialist, anti-Christian, and anti-American project. These people, for better or worse, chose George W. Bush. The globalism team, the team supporting international organisms, the NGOs which are fed by sovereign land and powers of national states, voted strongly in favor of Al Gore, whose family’s wealth is thanks to Armand Hammer, a business magnate who was revealed as a financial agent of Comintern by the Moscow Files.

Similarly, thousands of other simple pieces of information freely dispersed in the U.S. and Europe have not reached our ears. But maybe these are enough to change the entire perspective of Brazilians toward the world. These should be enough to burst the bubble of cliches that keep us far from reality.

That’s why these new items don’t make it here. That’s why the people who know them have great difficulty in trying to explain the reality of the latest events. To convince the public, one must remove the entire body of premises and suppositions that have developed over decades through the press, in churches, and at intellectual roundtables. One would have to overcome the set of collective habits and reflexes, an entire culture of deceit built up over two generations of energetic liars and lazy imitators. There is no single argument, not even the most powerful, that could accomplish this magic trick.

There is a saying that, in the land of blind people, a man with one eye is crowned king. Perhaps. But one thing is certain: a man with two would be considered crazy.

A desvantagem de ver

Olavo de Carvalho


Época, 13 de outubro de 2001

Onde ninguém sabe nada, quem sabe fala sozinho

A mídia não influencia a opinião pública só por esta ou aquela notícia em particular, por esta ou aquela opinião em particular. É a seleção repetida, a reiteração prolongada das menções e omissões que vai forjando aos poucos o molde mental que, uma vez consolidado, só um trauma coletivo pode quebrar. Um terremoto, uma guerra, uma epidemia têm a virtude de sacudir hábitos longamente sedimentados. Mas mesmo essas hecatombes têm de ser noticiadas, e seu efeito despertador pode então ser controlado e reduzido a proporções inofensivas. A eficácia desse controle depende menos de alguma ação de emergência que da solidez acumulada dos muros de arrimo convencionais.

No Brasil, esses muros são talvez o caso de máxima durabilidade já constatado fora da Cortina de Ferro.

Os atentados de 11 de setembro poderiam, de um só golpe, mudar a visão que os brasileiros têm do mundo, como mudaram a dos americanos. Depois desses acontecimentos, não sobra muita gente nos Estados Unidos que não ponha em dúvida tudo o que ouviu contra seu país desde a década de 60. Diante da queda do WTC, é difícil um americano adulto não se perguntar se seus ídolos de juventude, Jane Fonda, Susan Sontag ou Noam Chomsky, não foram apenas traidores que ajudaram a condenar o Vietnã à tirania e à miséria, enquanto os países vencidos pelos EUA cresciam em riqueza e liberdade.

Mas o impacto dessa descoberta não chegou até nós. Foi amortecido no caminho. Neste país, a mitologia antiamericana dos anos 60 resiste bravamente, revigorada não somente pela vociferação repetitiva de lugares-comuns da época, vendidos como explicações cabais dos fatos de hoje, mas pela completa exclusão das informações que poderiam mudar o pano de fundo, o quadro básico de referência desde o qual são interpretadas as novidades do dia.

Nunca, nunca saiu num jornal ou revista deste país qualquer notícia, por mais mínima que fosse, sobre a oposição feroz, geral e obstinada que os conservadores americanos movem ao FMI, à ONU e, enfim, às políticas globalistas. Há mais de uma década nosso povo é diariamente enganado quando os jornalistas o levam a acreditar que globalismo, americanismo e conservadorismo estão de mãos dadas para oprimir o pobre Terceiro Mundo.

Metade do eleitorado dos EUA vê a Nova Ordem Mundial como um projeto socialista, anticristão e antiamericano. Foi essa gente que, mal ou bem, escolheu George W. Bush. A turma do globalismo, dos organismos internacionais, das ONGs que comem territórios e poderes soberanos dos Estados nacionais, essa votou em peso em Al Gore, um homem cuja família deveu sua prosperidade ao patrocínio de Armand Hammer, megaempresário que a abertura dos Arquivos de Moscou revelou ser um agente financeiro do Comintern.

Assim como essas, milhares de outras informações básicas, de domínio público nos EUA e na Europa, não têm chegado até nós. Mas bastariam essas, talvez, para mudar de um relance toda a perspectiva com que o brasileiro vê o mundo. Bastariam essas notícias, talvez, para estourar a barragem de clichês com que ele é mantido longe da realidade.

Por isso essas notícias não saem. Por isso quem as conhece tem uma enorme dificuldade quando tenta mostrar à luz delas os novos acontecimentos. Para persuadir o público, ele precisaria remover todo um corpo de premissas e pressupostos sedimentado por décadas de repetição na imprensa, nas cátedras, nas rodas de intelectuais bem-pensantes. Ele precisaria vencer todo um conjunto de hábitos e reflexos coletivos, toda uma cultura do engano construída por duas gerações de mentirosos esforçados e macaqueadores preguiçosos. Não há argumentação isolada, por mais poderosa que seja, que consiga fazer essa mágica.

Dizem que em terra de cego quem tem um olho é rei. Pode ser. Mas uma coisa é certa: quem tem os dois passa por louco.