Terra em chamas

José Nivaldo Cordeiro


13 de novembro de 2001

Não há que ter ilusões. O que está acontecendo no Rio Grande do Sul, sob o governo do PT, em matéria de invasões de terras, proteção legal a quem atenta contra a propriedade fundiária e incentivos a inovações jurídicas contra a propriedade privada por parte do Poder Judiciário, ao analisar as demandas referentes à questão, é apenas um prelúdio do que será a desordem jurídica e a insegurança que advirá na hipótese daquele Partido ganhar as próximas eleições. È apenas um pequeno movimento, um prelúdio de um processo revolucionário muito maior. Se hoje a Justiça e a polícia já não cumprem corretamente os seus deveres constitucionais, o que dirá com o Lula eleito presidente.

Qualquer conjectura pessimista torna-se realista diante desse cenário. É preciso recordar a nossa própria história, bem como a de países vizinhos, sobre as conseqüências da desordem jurídica. Poderá haver uma convulsão, especialmente no meio rural. O incêndio nos campos poderá frustrar safras agrícolas e, a partir daí, instalar-se-á a fome inevitavelmente, bem como o impedimento físico de geração de excedentes agrícolas exportáveis. Certamente a condição de governabilidade desaparecerá desde o primeiro instante da diplomação do candidato, restando apenas a força militar como instrumento para o governante eleito manter-se no poder.

Por muito menos o Movimento Militar de 1964 foi deflagrado. Francisco Julião e suas Ligas Camponesas nada são quando comparados ao verdadeiro exército revolucionário em que se transformou o MST, que para ser considerado uma milícia guerreira basta apenas trocar os bastões e ferramentas de trabalho, que hoje servem de instrumentos de treinamento paramilitar, por armas de fogo. Rapidamente as chamas chegariam ao meio urbano e o conflito insolúvel dentro da ordem democrática estaria instalado. Fogo queima e deixa destruição. Fogo sobre a terra devastada é o caminho mais curto para que conflitos armados em larga escala sejam iniciados.

A experiência da Colômbia, aqui ao lado, não nos permite dormir tranqüilos. Lá a guerrilha se instalou e domina uma boa metade do país, fazendo se arrastar uma guerra civil por dezenas de anos. O crescimento do poder de fogo das forças de oposição, em comparação com o governo central, é que criou o empate técnico, que impede a definição de um vencedor do embate militar. O morticínio inútil não acaba.

Entendo que no Brasil poderemos ter uma repetição da experiência colombiana, na medida em que as forças de esquerdas estão muito bem situadas dentro do aparelho de Estado, na imprensa, nas universidades e mesmo no meio empresarial. Tem muita gente iludida que pensa que a troca de comando será apenas mais uma efeméride no calendário político. Não será assim, será um evento singular. As forças que constelam na agremiação petista pugnam desde sempre pela revolução, servindo o meio democrático apenas como instrumento para alcançar os seus objetivos últimos, como bem anunciam os documentos internos do Partido e as declarações sistemáticas de seus diversos líderes publicadas na grande imprensa.

O que espanta é que muita gente que não apoia o movimento revolucionário e tem tudo a perder se vier a revolução – a rigor, todos os brasileiros, exceto os líderes revolucionários – ainda não se deu conta do perigo. Aliás, boa parte das classes médias e mesmo superiores perderam o senso de perigo. Só assim para entender que candidatos petistas sejam tão bem votados nos bairros elegantes das principais cidades brasileiras, inclusive elegendo seus representantes para a governança estadual e as prefeituras das principais cidades. Não deixa de haver um paralelo com o que aconteceu na Alemanha durante os anos trinta. Alemanha e Colômbia: são esses os paralelos históricos que encontro como analogia do que está para acontecer no Brasil. Os augúrios são os piores possíveis.

Fogo sobre terra, é tudo que os loucos querem que aconteça em nosso querido Brasil. Haverá como resistir ao que parece ser uma imposição do destino? Ao menos teremos um Thomas Mann para romancear belamente a tragédia anunciada?

Processo de Moscou

Carlos Alberto Reis Lima – médico

dr.lima1@terra.com.br

13 de novembro de 2001

Não interessa à sociedade o destino que o PT dará a Diógenes de Oliveira. Senão por curiosidade, o que acontecerá ao prócer petista é periférico ao interesse maior da sociedade. Se não o fosse, seria forçoso admitir que problemas de foro interno de um partido vibrariam como se o partido, o Estado, o governo, e a administração pública estadual fossem uma única e exclusiva coisa, o que o PT não gosta de admitir, mas que a sociedade começou a perceber neste lamentável episódio de tráfico de influências. Outro não é o motivo da cólera sobre o relator da CPI e a própria CPI quando eles identificaram nas ligações perigosas de Diógenes o dedo do partido-governo, do governo-Estado, da administração pública-partido, e do partido-Estado, uma única e sólida esfera, palavra tão ao gosto dos intelectuais softs do PT. Não têm eles do que se queixar, entretanto; tudo fizeram e fazem para confundir nesta nebulosa esfera aquilo que a verdadeira democracia busca incansavelmente separar, para que bandeiras partidárias não se sobreponham à transitoriedade do governo e à perenidade da administração pública, para não falar no Estado, o ente maior, neutro por definição e imortal por soberana necessidade.

Por tal, não se entende a manifestação apriorística do Secretário da Justiça e da Segurança da inatacabilidade de pessoas e entidades. Olívio não é Deus; o PT é um partido, singular, sui-generis, por certo, mas que nem por isso pode se autoproclamar inatacável como querem seus defensores. Ou bem confessa que esta singularidade o faz precisamente suspeito de se sobrepor às leis que a todos obriga, ou admite de vez o caráter excepcional de um partido que tem na sua vanguarda, pelo menos, uma facção socialista-revolucionária não desprezível, como bem o indica o currículo dos seus principais astros, como um vórtice irresistível que a tudo e a todos arrasta para aventuras perigosas.

De tudo se conclui que a CPI revelou uma ponta obscura até ao momento aos olhos do eleitorado gaúcho e brasileiro; ela tocou um ponto essencial, qual seja, o PT é diferente, e esta diferença não provem de sua honestidade, nem de sua “ética”, mas sim de sua postura revolucionária que o coloca em condições privilegiadas no enfrentamento dos outros partidos. É como se em um duelo um dos contendores usasse armas que são sonegadas ao outro. Não há debate democrático que resista a esta falta de fair-play, nem tampouco há democracia onde um dos contendores não aceita as regras a todos imposta. Diante desta contradição brutal restou ao Partido dos Trabalhadores o insano labor de desqualificar a CPI, não por seus exageros, mas por ela ter revelado ao mundo que há alguns partidos que são mais iguais do que outros. À sociedade alertada por uma imprensa recém desperta não agradará a reedição estalinista de outro Processo de Moscou.

A universidade – ou seja lá o que for

Evandro Ferreira e Silva


13 de novembro de 2001

Foi com muita tristeza que li o artigo de Kujawski no Jornal da Tarde (12/10/2001). Sempre que um intelectual desqualifica outro por estar opinando sobre um campo do saber que não é sua “especialidade”, vejo-me atacado de uma forte vontade de pegar meu passaporte e partir desse país. Durante 4 anos de estudos na PUC de Belo Horizonte, onde estudei Comunicação, sempre vi confirmadas na prática todas as acusações feitas por pessoas como Meira Penna, Olavo de Carvalho e José Carlos Azevedo.

Quando estava no primeiro período, cursei uma disciplina que se chamava “Filosofia 1”. Passamos – eu e minha turma – pelos pré-socráticos e gregos em três semanas, graças à ajuda de nosso glorioso Jostein Gaarder e seu “Mundo de Sofia”, publicação infanto-juvenil (e olhe lá) que há muito substituiu os manuais de filosofia nos cursos superiores. O conteúdo consistia basicamente em saber que filósofo pré-socrático gostava da água, qual deles achava que tudo vinha do fogo ou da terra. Mais adiante, veio Platão, que era o “da caverna” ou do “mundo das idéias”. Aristóteles foi o que criou as ciências. Depois, fizemos alguns anúncios publicitários que deveriam “se inspirar” nos filósofos “estudados” (com bastantes aspas). Algo como: “Venha para a Boate Heráclito e encontre o fogo de que você precisa”.

Então, depois de passar por cima de Sto. Tomás e de toda a Idade Média, chegamos em Descartes, que era o do “penso, logo existo” e dele pulamos para Sérgio Paulo Rouanet, que resumia em poucas linhas o que era o Iluminismo e quase tudo que veio depois. Fomos parar finalmente em Derrida, que foi o único filósofo que lemos no original, ou seja, o único que ficamos conhecendo diretamente, e não por meio de textos de terceiros.

Ainda no primeiro semestre, cursei “Sociologia”, disciplina da qual saí com uma noção vaga de que Weber foi o que falou que o protestantismo possibilitou o sucesso do capitalismo nos EUA. Noção essa que adquiri lendo doze páginas da introdução da “Ética Protestante”, que foi tudo que a professora exigiu para a prova. Durkheim e Marx foram ensinados através dos livros de Peter Berger. Entre os dois, Marx foi aquele que mereceu maior destaque, já que – feliz coincidência! – estava saindo na época um caderno “Mais!” sobre a atualidade do manifesto comunista, caderno que foi levado à sala de aula e amplamente discutido. Todo o conteúdo do semestre, exigido pela professora e “deixado no xerox”, não somava 40 páginas.

Depois disso, cursei “Filosofia “”, Disciplina totalmente ministrada através do “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí, recentemente desmoralizado por Gonçalo Armijos Palácios, professor de filosofia da UFG, no jornal Opção, de Goiânia. Além dessa discilina, cursei muitas outras, todas elas fartamente apoiadas em filósofos pós-modernos, como Deleuze e Derrida, e em outros de tendência irracionalista e dualista, como Bergson. E sei que em outras universidades também é assim, pois muitos dos textos que li vinham da USP e de outras PUCs do Brasil.

De todas as disciplinas, entretanto, a que de longe tem mais destaque dentro do departamento é a de “Semiótica”. A professora, admiradora incondicional de Charles S. Peirce e da “praga do pragmatismo”, é a única – dentro do departamento – que faz admiradores e discípulos. Muitos desistem da publicidade para seguir carreira acadêmica, logo estabelecendo contato com a PUC de São Paulo – onde há um núcleo de estudos de semiótica – e com o departamento de Letras, onde há muito se ensinam os futuros professores e críticos a tudo interpretar pragmaticamente.

Durante todo o tempo em que estive na universidade, não li uma linha sequer de qualquer filósofo clássico. E as poucas linhas que li sobre alguns deles, escritas por terceiros, tiveram seu efeito anulado de longe pela enxurrada de textos sobre a pós-modernidade e seus infindáveis “novos paradigmas”. Além disso, qualquer “crença” que o aluno queira ter na realidade das coisas deve ser guardada para si, pois Baudrillard (único “filósofo” de quem foi exigida a leitura – pasmem! – de um livro inteiro) ensina que tudo é virtual hoje em dia e Peirce, Lacan e Freud trabalham em conjunto para provar de uma vez por todas que os objetos não existem – mas apenas os “signos” deles em nossas mentes – e que a mente humana está isolada do mundo objetivo, mergulhada e presa que está na linguagem. Todo o conhecimento crítico que me fez enxergar o fosso onde me meti foi por mim adquirido por outros meios, entre os quais constam excursões esporádicas e solitárias à biblioteca, leitura de artigos de jornais, “passeios” pela Amazon.com, aulas e textos de Olavo de Carvalho, copiadas do site e coladas em meu computador.

É por tudo isso que mil Kujawskis não vão conseguir me convencer de que os maravilhosos professores que se formam em nossas universidades vão ensinar a verdadeira filosofia – e muito menos a sociologia – aos nossos jovens e dar a eles um chão firme para pisar em meio ao solo pegajoso do pseudo-conhecimento pós-moderno, pragmático, materialista ou seja lá o que for. É mais provável que Aristóteles saia de sua tumba e comece a escrever em português (com acentos).

Evandro Ferreira e Silva, estudante universitário,
E-mail: evandros@bol.com.br