Centesimus Annus

José Nivaldo Cordeiro


4 de dezembro de 2001

Tive a oportunidade de reler a encíclica “Centesimus Annus“, elaborada pelo Papa João Paulo II em 1991, ano comemorativo do centenário da encíclica “Rerum Norvarum“, do Papa Leão XIII. E foi um grande prazer. O Papa João Paulo II não apenas endossou as posições do seu antecessor, como exaltou-lhe a clarividência ao perceber o que ocorreria no século XX no mundo político, especialmente com o surgimento das diversas formas de totalitarismo e, em particular, do comunismo.

Os dois Pontífices não têm dúvida em condenar o socialismo, como podemos ver no seguinte trecho:

“Ocorre aqui sublinhar duas coisas: por um lado, a extraordinária lucidez na apreensão, em toda a sua crueza, da verdadeira condição dos proletários, homens, mulheres e crianças; por outro lado, a não menor clareza com que intuiu o mal de uma solução que, sob a aparência de uma inversão das posições de pobres e ricos, redundava de facto em detrimento daqueles mesmos que se propunha ajudar. O remédio revelar-se-ia pior que a doença. Individuando a natureza do socialismo de então, como sendo a supressão da propriedade privada, Leão XIII atingia o fundo da questão. As suas palavras merecem ser relidas com atenção: “Para remediar este mal (a injusta distribuição das riquezas e a miséria dos proletários), os socialistas excitam, nos pobres, o ódio contra os ricos, e defendem que a propriedade privada deve ser abolida, e os bens de cada um tornarem-se comuns a todos (…), mas esta teoria, além de não resolver a questão, acaba por prejudicar os próprios operários, e é até injusta por muitos motivos, já que vai contra os direitos dos legítimos proprietários, falseia as funções do Estado, e subverte toda a ordem social”. Não se poderia indicar melhor os males derivados da instauração deste tipo de socialismo como sistema de Estado: aquele tomaria o nome de “socialismo real””.

Essa é a posição oficial da Igreja relativamente à questão. Exalta a propriedade privada, defende a livre empresa, entende que o socialismo só traz prejuízo econômico, político, pessoal e religioso. Então como explicar que o clero brasileiro engaja-se majoritariamente na luta pelo socialismo, apoiando inclusive aquelas facções notavelmente revolucionária? Como o Vaticano tolera isso?

Não tenho respostas, até porque conheço pouco da política interna da Igreja Católica e sei menos ainda sobre as estruturas de poder que lá existem. Mas não há dúvida que há uma contradição abissal entre o que diz o Sumo Pontífice, supostamente a posição oficial e dominante e aquilo que vemos no dia a dia da Igreja Católica do Brasil.

Recentemente tive a oportunidade de comentar as análises conjunturais da CNBB. Aquelas análises são uma ação clara de desobediência à linha oficial do Papa. Têm caráter cismático. Uma situação dessa não poderá permanecer por muito tempo. Ou Roma muda a Igreja brasileira ou a Igreja brasileira poderá tomar um caminho imprevisível.

A burka e o cristianismo

José Nivaldo Cordeiro


3 de dezembro de 2001

Certa vez escrevi que ver as imagens do Afeganistão era como que entrar no túnel do tempo e retornar aos primórdios da Era Cristã: costumes tribais, a guerra e o saque como atividades corriqueiras dos homens e, sobretudo, o maltrato às mulheres. Estas estavam (estão?) privadas dos mais elementares direitos, especialmente o direito a tratamento médico e o de serem instruídas. Sem falar do direito de ir e vir: fizeram das suas vestes uma prisão ambulante, a curiosa e odiosa burka.

Ao ler o e-mail da minha amiga Milla Kette sobre o tema animei-me a comentá-lo.

Cristo veio para salvar humanidade no Além, mas a sua obra histórica pode também ser considerada uma espécie de salvação, seja pela construção da sociedade aberta de que desfrutamos, sob a ordem capitalista, diretamente derivada dos ensinamentos e sobretudo das práticas cristãs (e judaicas), seja porque deu dignidade a todos diante de Deus e diante dos homens, com destaque para todo o sexo feminino. É o Cristo Salvador, sublinhado pelo Apóstolo Paulo, quem irá tratar da libertação das mulheres como a conhecemos em nossa sociedade.

Análises espúrias das Epístolas paulinas querem associá-las ao obscurantismo e à misoginia. Nada mais falso. Os discursos de Paulo tinham que levar em conta o meio histórico em que estava inserido, especialmente os judeus da diáspora. Então ele não podia simplesmente revogar a Lei. Mas as suas habilidades teológica e oratória conseguiram o mais difícil: pregar usando antíteses óbvias e contraditórias para falar a Verdade: ao mesmo tempo que exortava a Tradição, dando instruções de comportamento moral e de costumes, bradava que “Deus não faz acepção das pessoas”. Ora, se Deus não faz acepção das pessoas, toda e qualquer prática discriminatória deveria, como de fato foi, ser abolida. Só uma leitura enviesada e de má vontade para não perceber a grandiosidade da Graça libertadora contida nas Epístolas. Paulo é o Cristianismo. É ele próprio o grande pregador da igualdade entre os sexos.

Os historiadores, como Paul Johnson, no seu magnífico “História do Cristianismo”, apontam que as mulheres foram as principais responsáveis pela rápida propagação da nova religião no meio do Império Romano. Não é de admirar: uma religião que prega a igualdade e a dignidade de todos na Assembléia dos Santos só poderia ter a adesão daquelas que sempre foram discriminadas e diminuída nas sociedades patriarcais guerreiras. A sacralidade do feminino na sociedade cristã é uma das suas marcas características, a começar pela reverência à Santa Maria Imaculada.

Tenho três filhas. Regozijo-me de vê-las bem, preparando-se para a vida adulta e explorando todos os talentos que lhes foram confiados pelo Criador, seja do ponto de vista físico, seja do ponto de vista intelectual, seja, ainda, do ponto de vista da liberdade pessoal. São senhoras do seu destino, pela Graça de Deus.

Comunismo versus nazismo: O charlatanismo de esquerda

José Maria e Silva


Opção, Goiânia, 2 dez. 2001

Ao traduzir e apresentar a obra do anticomunista francês Alain Besançon, o sociólogo Emir Sader, um dos mais destacados intelectuais da esquerda brasileira, prova que Olavo de Carvalho tem razão: o pensamento único brasileiro não é neoliberal é marxista.

José Maria e Silva

Muito utilizada nos círculos intelectuais de esquerda, a expressão pensamento único é, ao mesmo tempo, uma meia-verdade e uma mentira e meia. Existe, de fato, um pensamento único no Brasil, mas não se trata do neoliberalismo como afirma a esquerda e, sim, do próprio discurso marxista que há muito substituiu as religiões e tornou-se, ele próprio, a principal ideologia do capitalismo. Portanto, quando a esquerda diz que há um pensamento único e que esse pensamento único não é outro senão o neoliberalismo, ela não se contenta em dizer uma meia-verdade conta uma mentira e meia. A meia-verdade ainda é uma fraqueza e limita-se a negar a realidade que se esfrega em seu nariz. Já a mentira e meia distorce a realidade de um modo tão completo que já não precisa esconder-se da verdade pode mesmo empinar o nariz ante os fatos que gritam. É, aí, que a mentira deixa de ser fraqueza para ser perversidade.

O materialismo científico de Karl Marx esse, sim, o verdadeiro pensamento único a imperar no Brasil foi edificado, em grande parte, sobre uma falsificação mesquinha do mundo. Todo o marxismo verdadeira profecia capitalista da era moderna funda-se numa distorção da realidade; bem-intencionada por parte de muitos, mas profundamente maléfica para todos. É o que vem mostrando muitas vezes, irrefutavelmente o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, uma das raras dissonâncias no desconserto desse pensamento único, que não só desconcerta desmantela o mundo. Em troca desse serviço que presta ao país, Olavo de Carvalho tem sido tratado pela esquerda como um cão hidrófobo da direita, que não pensa, baba, e, quando escreve, morde. Obnubilados pela fé inquebrantável no Capital, os marxistas se recusam até mesmo a ler Olavo de Carvalho, apesar de se arvorarem a criticá-lo. Com isso, privam-se de uma das penas mais elegantes do país, que, mesmo se não fosse o filósofo que é, já seria um grande escritor o que, em qualquer país, mesmo na França visceralmente marxista, já seria motivo de apreço.

Todavia, como a mentira não é eterna (mesmo quando tem as pernas longas do marxismo), coube a um empedernido marxista provar que Olavo de Carvalho tem razão. O sociólogo Emir Sader, doutor em ciência política pela USP e professor de sociologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, acaba de demonstrar em teoria e prática que o comunismo é mesmo uma chaga moral. A prova está na orelha do livro A Infelicidade do Século, do francês Alain Besançon, que trata do comunismo e do nazismo. Publicada no ano passado pela Editora Bertrand Brasil, a obra foi traduzida por Emir Sader, que também é o autor da apresentação publicada na orelha do livro. Esse fato, por si, gera um primeiro espanto Alain Besançon, antigo discípulo de Raymond Aron, é, hoje, um dos principais críticos do comunismo na Europa, enquanto Emir Sader é talvez o mais eminente gramsciano do cenário intelectual brasileiro. Mas, quando se lê atentamente a orelha, esse espanto inicial se desfaz. Fica evidente que o comunista brasileiro só se interessou pelo livro do anticomunista francês chegando a traduzi-lo e apresentá-lo porque o livro é quase um mea culpa de Besançon em relação ao comunismo.

Segundo Emir Sader afirma na orelha do livro, A Infelicidade do Século nasceu da preocupação de Besançon com uma grave injustiça que a história perpetra contra o comunismo enquanto surgiram muitas obras imputando [ao comunismo] uma série de crimes , afirma Sader, os crimes do nazismo, de alguma forma, foram exorcizados ou ficaram relativamente neutralizados na memória histórica . Pelo que se vê da leitura do texto de Sader, foi essa nefasta distorção da história a minimizar a crueldade comprovada do nazismo contra a suposta crueldade do comunismo que fez Alain Besançon esquecer suas divergências com a esquerda e escrever A Infelicidade do Século. Até porque, continua interpretando Sader, Besançon se viu diante de uma diferença crucial entre o comunismo e o nazismo, que os torna incomparáveis contra o comunismo, há livros de seus adversários; contra o nazismo, há os cadáveres de suas vítimas. Emir Sader reforça essa diferença moral que Besançon vê entre ambos lembrando que o comunismo foi protagonista dos enfrentamentos centrais da segunda metade do século e que o nazismo teve seus efeitos reduzidos pelo sofrimento do povo palestino .

Todavia, qualquer estudante secundarista que ler A Infelicidade do Século vai-se sentir tentado a rasgar as orelhas do livro perpetradas pelo sociólogo Emir Sader a apresentação que o comunista brasileiro faz da obra é uma deslavada mentira. E quem o desmente já na primeira página da obra é o próprio autor dela. Depois de afirmar que a consciência histórica parece, hoje, sofrer gravemente de falta de unidade e que o comunismo e o nazismo são gêmeos heterozigotos (expressão que busca em Pierre Chaunu), Alain Besançon resolve voltar a esse tema que ele confessa doloroso a capacidade de matar, com frieza e razão, entre o método e o sadismo, ainda por cima em nome de um ideal, que o comunismo e o nazismo inauguram na história humana. Besançon enfatiza que o comunismo e nazismo se dão o direito e mesmo o dever de matar, e o fazem com métodos que se assemelham, numa escala desconhecida na história .

E foi sobretudo por sabê-los iguais na crueldade praticada mas diferentes na memória estabelecida que Alain Besançon escreveu A Infelicidade do Século. É o que ele próprio afirma, também no início da obra, desmentindo cabalmente Emir Sader: A memória histórica, no entanto, nos os trata [ao comunismo e ao nazismo] de forma igual. O nazismo, apesar de completamente desaparecido há mais de meio século, é, com razão, objeto de uma execração que não diminui com o tempo. A reflexão horrorizada sobre ele parece até aumentar a cada ano em profundidade e extensão. O comunismo, em compensação, apesar de mais recente, e apesar, inclusive de sua queda, se beneficia de uma amnésia e de uma anistia que colhem o consentimento quase unânime, não apenas de seus partidários, pois eles ainda existem, como também de seus inimigos mais determinados e até mesmo de suas vítimas. Nem uns nem outros se acham com direito de tirá-lo do esquecimento . Besançon lembra, inclusive, que, às vezes, o caixão de Drácula se abre , mas o escândalo dura pouco e o caixão se fecha novamente. Foi o que ocorreu, segundo ele, quando da publicação do Livro Negro do Comunismo o escândalo dos 85 milhões de vítimas do comunismo durou pouco, mesmo a cifra permanecendo sem ser seriamente contestada.

Com a orelha que escreveu para A Infelicidade do Século, o sociólogo Emir Sader o Emir dos Crentes , na expressão do ensaísta Meira Penna passa a constituir-se na prova irrefutável de que Olavo de Carvalho está coberto de razão existe mesmo o império absolutista de esquerda no cenário intelectual brasileiro. Em que outro lugar do universo, um intelectual respeitado teria a coragem de mentir deslavadamente sobre um determinado livro na orelha deste mesmo livro? Só se fosse um completo alienado, disposto a não se importar com o juízo que o leitor faria dele ao cabo da leitura da obra. Mas como o sociólogo Emir Sader deve estar em seu juízo perfeito (já que se trata de um dos mais respeitados intelectuais da esquerda brasileira, com artigos publicados no exterior), a distorção que ele faz da obra só pode ser consciente. E, sendo consciente, revela uma inacreditável autoconfiança ele estava certo de que não seria pego em flagrante delito intelectual. Como membro da cúria intelectual de esquerda, Emir Sader confia na credulidade dos sacristãos de Marx pelo país afora e sabe que, mesmo se for denunciado por um Olavo de Carvalho ou por um Meira Penna, não lhe será difícil exorcizá-los como serpentes capitalistas a imiscuírem-se na fé do comunismo edênico. Só isso pode explicar tamanho desrespeito à inteligência alheia.

É impossível que a interpretação feita por Emir Sader na orelha do livro seja um equivoco ela só pode ser um embuste. Ao contrário do pensamento de esquerda que se esconde num estilo abstruso para melhor embair o leitor o pensamento de Alain Besançon é límpido. Ele sustenta que o comunismo e o nazismo buscavam mudar, agindo sobre os costumes, a regra moral, a consciência do bem e do mal . Mesmo se recusando a comparar, sob uma perspectiva quantitativa, o grau de desumanidade do nazismo e do comunismo, Alain Besançon, num dado momento de sua argumentação, chega a afirmar sem rebuços: Apesar de a intensidade no crime ser levada pelo nazismo a um grau que o comunismo jamais se igualou, deve-se, no entanto, afirmar que este último a levou a uma destruição mais extensa e mais profunda . E mostra que essa destruição moral não se limitou aos campos de concentração de Stalin, persistindo ainda hoje, mesmo depois da queda do Muro de Berlim. Besançon oferece como exemplo a declaração de um editorialista do L Humanité, que, diante das dezenas de milhões de vitimas do comunismo, sustentou, na televisão, que, depois de Auschwitz, não se pode ser mais nazista, mas se pode continuar sendo comunista mesmo depois dos campos soviéticos.

Esse homem que falava com consciência não se dava conta de forma alguma de que ele acabava de formular sua fatal condenação , indigna-se Alain Besançon, acentuando que a idéia comunista perverteu o o princípio de realidade e o princípio moral , ao se julgar capaz de sobreviver a 80 milhões de cadáveres. Daí a permanência do Mal comunista, que, ao se disfarçar de Bem, consegue ser mais duradouro do que o nazismo, estendendo suas vítimas para além do extermínio físico perpetrado em seus tempos de poder máximo. É o que afirma Besançon: O comunismo é mais perverso que o nazismo porque ele não pede ao homem que atue conscientemente como um criminoso, mas, ao contrário, se serve do espírito de justiça e de bondade que se estendeu por toda a terra para difundir em toda a terra o mal. Cada experiência comunista é recomeçada na inocência . Por isso, Besançon se recusa a tratar apenas sociologicamente os fenômenos nazista e comunista. Ele considera que isso seria um desrespeito às vítimas de ambos, já que o Mal que tanto comunismo e nazismo representaram para elas é algo que escapa ao humano para instaurar-se no demoníaco. Alain Besançon, ao contrário de Marx, respeita os limites da vida humana que fatalmente esbarra no mistério.

É por não respeitar esse mistério e dessacralizar completamente o homem, procurando racionalizar o mundo numa espécie de reengenharia social, que o comunismo (até mais do que o nazismo) arvora-se a demiurgo de uma humanidade ideal ainda que ao preço de erradicar a que existe da face da terra. Para Besançon, portanto, o comunismo não é só a destruição física representada pelo nazismo, ele é também uma destruição moral. Por duas razões: primeiro, porque o comunismo se vale de uma pedagogia mutilante , que se estende à população inteira e se torna louca porque contradiz as evidências dos sentidos e do entendimento ; segundo porque a confusão permanece insuperável entre a moral comum e a moral comunista, uma vez que é falso dizer que a moral comunista baseia-se na natureza e na história ela baseia-se numa supernatureza que não existe e numa História sem verdade .

O que diz Alain Besançon é praticamente a mesma coisa que diz Olavo de Carvalho. Por que, então, a esquerda brasileira, que exorciza Olavo de Carvalho como se ele fora um demônio, agora resolveu traduzir do francês aquilo que o filósofo brasileiro já lhe atira ao rosto em bom português? Confesso que custei a atinar com o motivo pelo qual o comunista Emir Sader se dispôs a traduzir a obra de um papa do anticomunismo (caso se entenda por anticomunismo toda defesa da moral comum, da humanidade inteira e da vida como ela é). Só depois é que me dei conta de que a tradução do livro A Infelicidade do Século bem pode ser mais uma estratégia gramsciana Alain Besançon, além de membro do Institut de France, é destacado professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales da Universidade de Paris. E seu prestígio pode ser medido pelo fato de ter-se tornado, atualmente, o diretor dessa escola, arrancando das mãos da esquerda o seu mais importante Komitern intelectual no mundo, que já foi dirigido até mesmo pelo sociólogo Pierre Bourdieu, um terrorista social de esquerda no dizer de Jeaninne Verdes-Leroux.

Logo, se a esquerda brasileira não pode ignorar Alain Besançon, como faz com Olavo de Carvalho, por que não se antecipar à direita brasileira antes que ela o descubra e faça dele um arauto de suas idéias, reforçando a voz quase isolada do filósofo do Imbecil Coletivo? Armando-se, então, de uma pedagogia mutilante , Emir Sader não se limitou a provar que Olavo de Carvalho tem razão: ao traduzir o livro de Alain Besançon e maquiá-lo numa apresentação espúria, ele se oferece como exemplo vivo do que Besançon mais condena a capacidade do comunismo de contradizer as evidências dos sentidos e do entendimento , escondendo-se por trás da moral comum, tornando-se parasita dela, gangrenando-a, fazendo dela o instrumento de seu contágio Não foi isto o que fez Emir Sader com o livro de Alain Besançon, escondendo-se por trás de sua moral comum, gangrenando-a, tornando-se parasita dela, para melhor instilar a sua moral comunista? A moral de Besançon iguala nazismo e comunismo para melhor exaltar o ser humano. Fingindo fazer-lhe eco, a moral de Sader quer apenas salvar o comunismo ainda que a custa de perder a humanidade.

Ao dizer que a humanidade nunca mais seria a mesma depois de Auschwitz, o filósofo alemão Theodor Adorno se referia a algo similar ao que afirma Alain Besançon neste livro a respeito da Shoah: um acontecimento único neste século e tem todos os tempos . Mesmo num século marcado por uma prolongada guerra de 1914 a 1945, dividida em dois tempos, no maior massacre localizado nos países que se consideravam o centro da civilização mundial , o projeto de extermínio cientificamente planejado de eliminação de um povo, com a montagem de campos de concentração que chegaram a ser autogeridos pelas próprias vítimas e aproveitamento industrial de todos os resíduos dos cadáveres de milhões de pessoas, tornou-se o símbolo mesmo do que a busca do poder imperial de mais poder pode fazer com os mais avançados progressos da humanidade.

Confira, na íntegra, o que diz o sociólogo de esquerda Emir Sader sobre o livro do anticomunista francês Alain Besancon

Assim, chegamos ao final do século XX com todos os balanços conservadores ou progressistas, capitalistas ou anticapitalistas , assumindo um ar melancólico. A Infelicidade do Século não é uma exceção. Sua preocupação original é a de que o comunismo, protagonizando os enfrentamentos centrais da segunda metade do século, teve muitas obras imputando-lhe uma série de crimes da mesma forma que o próprio capitalismo, poderíamos acrescentar , enquanto que os crimes do nazismo, de alguma forma, foram exorcizados ou ficaram relativamente neutralizados na memória histórica, até mesmo porque o sofrimento do povo palestino vítima de Israel diminui os seus efeitos.

O livro de Besançon representa um chamado de atenção sobre aquilo que a humanidade nunca mais deveria esquecer. Seu enfoque conservador não tira força de seu libelo, que cruza todas as ideologias, para se tornar um libelo da civilização contra a barbárie. (Emir Sader)