Annus Gramscii

Por Félix Maier


17 de março de 2002

A imprensa tem o dom de trazer à baila, de tempos em tempos, os mesmos assuntos de sempre, em datas criteriosamente escolhidas. Com este tipo de propaganda maciça e contínua, os jornais e as revistas esperam conquistar corações e mentes, especialmente dos mais jovens, que não presenciaram os “anos de dinamite” dos 60 e 70. Pela eterna repetição dos assuntos, sob o enfoque dualista de sempre, como convém à doutrinação marxista, aos poucos parece que a sociedade brasileira está se acostumando a comer gato por lebre, lambendo os beiços com satisfação, pedindo até repetição do prato. A verdade histórica, assim, está se tornando mentira, a mentira um dogma.

Quando chega o 31 de março, lá vem uma enxurrada de artigos tratando do contragolpe dos militares, e tudo o que seguiu depois, unicamente sob a ótica marxista: a luta do bem (eles) contra o maligno (os militares). Isso, quando não é apresentado um documentário sobre o AI- 5, que foi decretado em dezembro de 1968, mas apresentado em 2001 pela TV Cultura (TV Lumumba?) no dia 31 de março.

Chega o dia 19 de abril, e durante semanas é reprisada a novela do “massacre” de Eldorado do Carajás, a maioria dos artigos inocentando completamente aquela turba enfurecida do MST que atacou, qual exército de Brancaleone, um destacamento da polícia do Pará, acionada para desobstruir uma rodovia. O mesmo período de abril é utilizado pelo MST para uma campanha acirrada na mídia contra o governo, fazendo marchas da vagabundagem pelo País, assaltando prédios públicos e fazendo reféns, tomando fazendas e matando gado – quando não chegam a matar pessoas também. Um verdadeiro menu terrorista.

Para não deixar empalidecer a “mística” esquerdista, que deve ser continuamente polida para se tornar cada vez mais brilhante, as claques esquerdistas, unidas mais do que nunca na imprensa, quando não têm à mão um episódio recente para atacar, por exemplo, as Forças Armadas, requentam fatos ocorridos há muito tempo, como a biografia de um guerrilheiro morto pelas forças de segurança, em uma situação que sempre denigre os antigos defensores da lei, ou a morte de um Vladimir Herzog ou de um Manoel Fiel Filho, que todos os anos são lembrados com pompa e circunstância, com páginas e mais páginas relatando os terríveis “anos de chumbo”. São balões de ensaio lançados no ar, de tempos em tempos, para aferir a “temperatura” e a “pressão” do momento político atual, de modo a garantir uma tranqüila navegação da espaçonave esquerdista. E para fazer apologia de terroristas.

Em 2001, voltou à pauta esquerdista a questão dos guerrilheiros do PC do B mortos na região do Araguaia. Dizem os cínicos esquerdistas que é para as famílias enterrarem seus parentes mortos, que merecem um sepultamento digno. Que é uma questão “humanitária”. Pura encenação. A maioria desses cretinos, nos anos 60 e 70, saíram por aí matando um monte de pessoas, em nome de uma ideologia que trucidou mais de 100 milhões de pessoas, e nunca se penitenciaram em público pelos crimes cometidos, ou pelo apoio dado a criminosos, no País ou no exterior. Nunca se empenharam em encontrar os ossos de milhões de condenados que sumiram nos gulags soviéticos, por que se importariam com meia dúzia de ossadas perdidas no Pará? O único fato é que os ossos dos terroristas precisam ser encontrados, para serem esfregados nas fuças das Forças Armadas.

Investigando documentos que versariam sobre a Guerrilha do Araguaia, procuradores da República encontraram em Marabá, PA, documentos sigilosos do Exército, emitidos pela sua Escola de Inteligência. O que fizeram os procuradores? Apuraram se havia alguma irregularidade nas cartilhas daquela Escola? Não. Simplesmente chamaram um jornalista da “Folha de S. Paulo”, Josias de Souza, para publicar a íntegra de textos secretos que nunca poderiam ter vindo a público.

E toda a cínica imprensa esquerdista nacional ficou “estarrecida”, o Presidente do STF se mostrou “perplexo”, em saber que um órgão de Inteligência do Exército faz espionagem, coisa que acontece em todos os países do mundo, seja com os CDRs cubanos, a CIA dos EUA, seja com o Mossad israelense ou o KGB russo atualizado. Convém esclarecer que o MST possui seu próprio serviço de Inteligência, a Inteligência do Movimento (INTEMO), que tem por objetivo obter dados sobre quaisquer pessoas ou organizações que afetem os interesses do MST.

O PT tem a PTpol, trocadilho da palavra Interpol e da “polícia do PT”, criado pelo então Senador Esperidião Amin durante a “CPI dos Anões do Orçamento”, em 1993. Amin estranhava a desenvoltura com que José Dirceu apresentava documentos que só um espião poderia fazer. Aliás, José Dirceu, atual presidente do PT, é especialista em informações, contra-informação, estratégia e segurança militar, com treinamento em Cuba, e fez parte do serviço secreto cubano durante os governos militares. E vai receber uma bela “bolada” do Governo FHC por estes feitos, por conta da “perseguição” sofrida pelos governos militares…

Hoje, a arapongagem é uma prática comum em todos os setores da vida nacional, se proliferando pelo país como geração espontânea. Até a TV Globo tem diariamente um encarte de “araponganews” no Jornal Nacional, com repórteres travestidos de Sherlock Holmes, fazendo reportagens com filmadoras e microfones escondidos. Toda essa prática ilícita não é contestada por órgãos como a OAB, organizações de direitos humanos etc. Pelo contrário, ela é até incentivada. Para esses, os fins propostos justificam os meios utilizados, abolindo-se qualquer noção de ética.

Por que, então, os órgãos de Inteligência do Brasil iriam andar com capacetes com a inscrição “SECRETO”?

Bem, prossigamos com o Annus Gramscii da esquerda brasileira, e com seus assuntos de sempre pautados em datas específicas.

Passou o abril de Eldorado do Carajás do MST, passaram-se os meses de julho e agosto com os noticiários dos documentos secretos surrupiados do Exército e publicados na imprensa. Vamos entrar em setembro. O que teremos em setembro?

– Dia da Pátria – diria o último patriota ainda existente no Brasil.

Que nada, 7 de setembro não é Dia da Pátria para a turma da canhota, apenas “dia dos excluídos”. Nada de a população se confraternizar, ir à rua com bandeirinhas para celebrar nossa nacionalidade. O que se vê são grupos cheios de ódio, que fazem um desfile alternativo, com punks, anarquistas e uma claque de estudantes, normalmente com ações de vandalismo, todos incitados pelo MST, pelo PT, pela CUT e pela CNB do B, para que tenham ódio do desfile militar, ataquem as atuais instituições brasileiras, que devem ser modificadas a seu gosto, o do totalitarismo socialista. Enfim, o 7 de setembro será utilizado pela esquerda apenas para que muitos brasileiros tenham ódio de sua própria Pátria.

Depois do dia 7, tem também o 11 de setembro. Por que o 11 de setembro é um dia importante para a esquerda brasileira? Simples, é o dia do “martírio” de Salvador Allende. É também o dia em que a famigerada “Comissão dos desaparecidos políticos” presenteou uma bolada de US$ 100,000.00 aos familiares de Lamarca e Marighela. Uma “ação entre amigos” promovida pelo deputado Nilmário Miranda e outros colegas esquerdistas da Comissão a velhos camaradas de outrora. Depois dessa vergonha nacional, o dia 11 de setembro deveria ser o “dia da traição”, como já sugeriu o deputado Jair Bolsonaro.

Se Tancredo Neves foi “morto” no dia 21 de abril, para que sua morte coincidisse com a de seu conterrâneo Tiradentes, para que fosse santificado sem a necessidade dos estudos do Vaticano, com peregrinações a seu túmulo ocorrendo até os dias atuais, por que a Comissão de Nilmário não iria homenagear a data do suicídio de Allende, associando seu nome aos de Lamarca e Marighela, alçados desde então a heróis nacionais?

Em 2001, o 11 de setembro não foi o dia de Allende, Lamarca e Marighela. Foi o dia de intensa comemoração esquerdista, com a derrubada das torres gêmeas de Nova York e de uma ala do Pentágono. Junto com palestinos da Cisjordânia e de muçulmanos do Sul do Brasil, a canhota brasileira foi ao delírio, espumando de satisfação.

E aí o Annus Gramscii apresenta a folhinha de outubro. Que terá outubro, além da Revolução de Outubro, da Rússia, que na verdade ocorreu em novembro de 1917? Outubro terá o dia 8, dia de mais um “martírio” no calendário da esquerda latino-americana, a morte de Ernesto Che Guevara, na Bolívia, em 1967. Quem traiu Guevara? Foi a maldita CIA? Foi o próprio Fidel Castro que o mandou para a morte, com ciúmes do guapo líder argentino? Ou foi sua amante, enviada pelo Comintern (URSS) para trair Che? Tudo isso será especulado nos jornais e nas revistas no mês de outubro. Só nunca foi e nunca será especulado pela esquerda se os ossos de Che foram realmente aqueles encontrados na Bolívia, se foram feitos análises de DNA ou não para comprovar sua autenticidade, já que foram rapidamente transportados para um mausoléu em Cuba, para que não fosse feita mais nenhuma pergunta. Exatamente como convém à mitologia esquerdista, seguidora da “máxima de Ricúpero”, de encobrir tudo o que lhe é adverso, de alardear tudo o que lhe convém, doutores e mestres que são na arte da desinformação.

E vem novembro, e vem dezembro, e algo sempre será escrito para manter a “mística” da esquerda latino-americana. E antes de janeiro chegar, antes que o Annus Gramscii volte a apresentar mais um Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, para condenar o maldito capitalismo americano, muito já se escreveu sobre os novos heróis brasileiros, criados durante essa “nova era” esquerdista que já dura há anos.

Nem calendário juliano, nem calendário gregoriano. Hoje, o Brasil adota o calendário gramscista, o Annus Gramscii com sabor de mojito e cigarro de palha messetê.

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Olavo “Denisovich” Carvalho

por Félix Maier


17 de março de 2002

Dize-me o que pensas de Ivan Denisovich
e eu te direi quem és.”

Essa frase se tornou corriqueira na antiga União Soviética, depois que “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”, primeiro romance de Alexandr Solzhenitsyn, ganhou a simpatia do grande público. Nesse livro, Solzhenitsyn retratou o Estado soviético como um Estado policial, a União Soviética como uma prisão ou campo de concentração. Realidade essa exposta com conhecimento de causa, pois Solzhenitsyn sofrera na própria pele as torturas de um campo de trabalhos forçados na Sibéria, de onde fora libertado após a morte de Stalin e a anistia geral subseqüente. “Ivan”, na verdade, se tornaria apenas um preâmbulo das atrocidades soviéticas que seriam denunciadas, mais tarde, no portentoso livro “Arquipélago Gulag”, que lhe rendeu um Nobel de Literatura em 1970 – prêmio impedido pela cúpula soviética de receber em Estocolmo, como já ocorrera com Boris Pasternak e seu premiado “Doutor Jivago”, em 1958.

Se “Ivan” agradava às massas, o mesmo não se podia dizer das autoridades soviéticas, que viam no livro um ato de traição à Pátria, por entregar de mão beijada as armas ao inimigo. Daí o mote “dize-me o que pensas de Ivan Denisovich e eu te direi quem és”. Se falas mal de “Ivan”, és um patriota digno de viver na União Soviética. Se falas bem de “Ivan”, mereces toda a reprovação do Partido e teu destino será os campos gelados da Sibéria.

Como um Nagib Mahfouz é a consciência do povo árabe, Solzhenitsyn aceitou ser a consciência de seu país, seja durante os anos de terror stalinista, de onde escapou com vida sabe Deus como, seja durante o curto “degelo” (desestalinização) promovido por Kruschev e a posterior reestalinização, que voltou a caçar os dissidentes soviéticos.

No Brasil, na última década, temos um homem da estatura de um Solzhenitsyn, que aceitou o papel duro e solitário de ser a consciência (ou seria a inconsciência?) de seu país: Olavo de Carvalho.

Mas, quem é Olavo “Denisovich” Carvalho, esse ser ao mesmo tempo tão odiado e tão amado por tantos brasileiros?

Passei a admirar o jornalista, escritor e filósofo Olavo de Carvalho depois de ler uma reportagem de capa da revista “República”, de julho de 1997 (Ano 1, nº 9). O tema central da exposição era o recente e polêmico livro de Olavo, “O Imbecil Coletivo – Atualidades Inculturais Brasileiras”, em que o autor desmascarava a farsa promovida pela fauna intelecto-narcisista nacional. E me espantei do que havia lido. Não que lá estivessem tratados filosóficos difíceis de digerir, ou argumentações e refutações que tivessem ocasionado um curto-circuito em meus miolos moles. O espanto era que eu começava a perceber como as coisas simples e as verdades cristalinas aos poucos foram se tornando um anátema para a “coletividade imbecil”, representada por boa parte de nossos intelectuais, para os quais a mentira havia se transformado em dogma. E nós, todos os brasileiros, aceitando passivamente essa aberração.

Desde então, tenho acompanhado de perto a obra de Olavo, especialmente na Internet (www.olavodecarvalho.org/). Pude testemunhar intermináveis embates que Olavo teve que enfrentar, sempre se saindo bem das pelejas contra a coletiva imbecilidade reinante, demonstrando o brilhantismo inato, temperado sempre com uma boa dose de humor. Como se sabe, a filosofia reinante no Brasil de o “imbecil coletivo” não aceita a tese da sabedoria do “indivíduo” – daí os adversários de Olavo ladrar e urrar em coro, sempre em comum acordo, muitas vezes num sistema de revezamento, para não dar muito na pinta. Afinal, “coletivo” – aprendemos no grupo escolar – refere-se a formigueiro, alcatéia, manada, cáfila e outras faunas. Para Olavo, o que importa é o “indivíduo”, o ser humano em carne e osso, senhor de seu destino e único responsável por seus próprios atos. Uma alcatéia de lobos nunca será responsável por nada, por mais estragos que faça no galinheiro. Segundo Olavo, o mundo verdadeiro para o “idiota coletivo” é apenas o que é percebido coletivamente. “Assim, se um dos membros da coletividade é mordido por um cachorro”, escreve Olavo, “deve imediatamente telefonar para os demais e perguntar-lhes se de fato foi mordido por um cachorro”. Uma coisa Olavo nunca me explicou direito: será que os “idiotas coletivos”, que só andam e se expressam como uma manada, também fazem sexo grupal?

Depois de atacar em bandos, de proferir desaforos e mentiras, a alcatéia imbecil passou a ameaçar fisicamente Olavo, a enviar recados de que cuidasse bem de sua vida, que ela poderia correr riscos. Olavo, que na juventude pertencera à manada esquerdista, só para parecer “enturmado”, mas que conhecia bem com que tipo de gente estava tratando, se assustou de tal forma que abandonou o Brasil por uns meses, refugiando-se em um país da Europa.

De volta ao Brasil, Olavo continuou a lecionar seus cursos de Filosofia na Universidade da Cidade e a escrever seus artigos, agora para vários jornais, como Jornal da Tarde, O Globo, Zero Hora, e revistas, como República e Época, além de promover palestras em todos os cantos de nosso País. O embate com a alcatéia “imbecil coletiva” não diminuiu, pelo contrário, aumentou – a exemplo das réplicas, tréplicas e kíloplas de Olavo com “Fedelli e seus fedelhos”. Se fosse responder a todas as provocações, o dia para Olavo teria que ter 72 horas, o ano 1000 dias.

Uma coisa chama a atenção nos artigos de Olavo: à primeira vista, parecem ser o samba do filósofo zonzo de uma nota só. O tema, invariavelmente, é sobre o “imbecil coletivo” que hoje ocupa todos os espaços da cultura, da imprensa, do rádio, da TV. Ou seja, sobre a cínica esquerda brasileira, que se locupleta com a corrupção, com a distribuição de cargos públicos entre si. Essa mesma esquerda, stalinista ou apenas demagógica, essa esquerda esclerosada, que tenta levantar a múmia de Lenin do mausoléu em Moscou para fazer passear nos acampamentos do MST, com o empenho de lúgubres Partidos radicais e as bênçãos da CNB do B.

Pobre Olavo! Como nosso brilhante filósofo poderá concluir suas obras mais importantes, de Filosofia, Metafísica e Lógica, se perde seu preciosíssimo tempo com coisas menores, com a alcatéia de chacais que nunca se sacia, que cada vez mais pede outro naco de carne sangrenta?

A mais conhecida “libélula” da USP, Emir Sader – que no passado pertencera aos quadros do MIR chileno, grupo que em 1989 seqüestrou Abílio Diniz –, também deu o ar de sua graça “coletiva”, bailando no ar com suas asas transparentes. Escreveu “Olavo de Carvalho não existe”, no dia 28 de setembro de 2001, acusando-o de ser empregado de Ronald Levinson, o qual esteve metido num escândalo financeiro dos tempos dos Governos militares – o “Caso Delfim”. Sader faz afirmações estapafúrdias, dizendo que Olavo fisicamente não existe, é apenas uma cria da direita, um Quixote que ainda vê comunistas por todos os lados, apesar de o Muro de Berlim ter caído e a URSS não existir mais. Finalizando MIR Sader diz que os espaços de Olavo na imprensa são comprados por publicidades que a UniverCidade faz nos meios de comunicação…

Nesses tempos de “imbecil coletivo”, é de admirar que Olavo ainda tenha espaço na imprensa para expressar sua opinião. Entretanto, a alcatéia esquerdista o vigia bem de perto. Não tem erro, ao primeiro descuido, o ataque é certeiro. Em 2001, um lobo-editor recém-chegado à revista “Época”, podou três artigos mensais de Olavo, agora ele escreve apenas um. Motivo? Olavo demonstrou, de forma cristalina, como é a “moralidade leninista” que rege a vida de muitos homens públicos, acomodados no ninho do Governo dos tucanos, a exemplo de Aloysio Nunes Ferreira Filho, outrora integrante de um grupo terrorista, hoje Ministro da Justiça. E olha que Olavo nem disse que Aloysio é nosso Ronald Biggs, por ter assaltado o trem-pagador Santos-Jundiaí, em 1968. No lugar de Olavo, outros escritores se revezam agora em “Época”, com destaque para a mais nova “libélula” da USP, a professora de anti-História Maria Aparecida de Aquino. A alcatéia “coletiva”, enfim, ganhou mais espaço, descontente ainda por não ocupar todo o espaço jornalístico brasileiro.

Além da censura em “Época”, Olavo teve dois artigos rejeitados pela imprensa. Um se refere ao Governo Clinton, que liberou pesquisas secretas americanas para a China. Outro se refere à “tiazinha” Marilena Chauí, libélula-mor da USP. Os artigos estão disponíveis no site de Olavo.

E assim segue Olavo em sua trajetória nacional, lecionando em seminários de Filosofia, escrevendo seus veementes artigos nos jornais, participando de fóruns e palestras Brasil afora, assumindo encargos dantescos como um dever cívico, para abrir as mentes embotadas de todos nós. Esse sacerdócio que Olavo abraçou, pelo qual será capaz de doar a última gota de sangue, não conta com o apoio de órgãos públicos, como ocorre com as “libélulas” da USP, em que MIR Sader e Marilena Chauí utilizam verbas oficiais para publicar suas esvoaçantes e vaporosas idéias “coletivas”.

Vá em frente, Olavo, escreva seus artigos aos jornais e revistas. Porém, não perca tempo com os ganidos da alcatéia de chacais que rondam seu importante trabalho. Dê um tempo para si mesmo, para que na solidão do “indivíduo” possa terminar os vários trabalhos de Filosofia ainda em andamento. Ansiosos, Olavo, aguardamos essas obras.

Parodiando a conhecida frase russa a respeito do livro “Ivan Denisovich”, posso afirmar com convicção: dize-me o que pensas de Olavo de Carvalho e eu te direi quem és.

O testemunho de Hilferding

Por Alceu Garcia


17 de março de 2002

Quando eu era criança, acreditava em Papai Noel. Quando adolescente, eu podia jurar que o nazismo e o fascismo foram movimentos reacionários patrocinados e dirigidos pela alta burguesia em sua luta abjeta contra o heróico proletariado e sua zelosa vanguarda de intelectuais. Porém, na medida em que me debrucei sobre o assunto com um mínimo de objetividade e isenção, essa sólida convicção foi se dissolvendo. Como negar que Mussolini foi um destacado e virulento socialista marxista na Itália de antes da Primeira Guerra, elogiado até por Lenin? O programa político do Partido Nazista – aliás Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães – poderia ser subscrito tranquilamente pelo nosso PT, se omitidas as menções aos judeus, sem que ninguém notasse nada de estranho. Ademais, ambos os movimentos tiveram amplo apoio popular, mas do que o comunismo. Havia algo de profundamente errado na teoria que eu aprendera da propaganda esquerdista dominante. Tudo se esclareceu totalmente quando travei contato com a obra de autores liberais, tais como Ludwig von Mises (Omnipotent Government e Uma Crítica ao Intervencionismo) e Friedrich Hayek (O Caminho da Servidão). Esses estudiosos alegaram e provaram mais do que satisfatoriamente que tanto o comunismo quanto o nazifascismo foram movimentos socialistas revolucionários e anticapitalistas. Seu parentesco decorre do fato de que todos beberam nas mesmas fontes doutrinárias: Hegel, Blanqui, Marx, Sorel e outros.

 Fuçando as bibliotecas, descobri o testemunho robusto nesse mesmo sentido de um marxista puro-sangue, Rudolf Hilferding (1877-1941), perdido entre dezenas de depoimentos de comunistas arrependidos reunidos por Julien Steinberg no livro Verdict of Three Decades: >From the Literature of Individual Revolt against Communism, 1917- 1950. Hilferding, um eminente marxista austríaco, chegou por caminhos diferentes às mesmas conclusões de seus compatriotas liberais a respeito da identidade essencial entre comunismo e nazi- fascismo.

 Não se trata de uma opinião qualquer. Hilferding foi talvez o único economista marxista dotado de originalidade e espírito independente além do próprio Marx. Ele estreou na arena das polêmicas teoréticas, ainda muito jovem, desafiando, para o debate sobre da teoria do valor- trabalho, pedra fundamental da doutrina da mais-valia, ninguém menos do que o consagrado Eugen von Böhm-Bawerk, então reconhecido mundialmente como um dos maiores economistas de seu tempo. Bohm- Bawerk publicara uma crítica demolidora à essa concepção fundamental do marxismo. Marx, asseverou o pioneiro do marginalismo, reduz erradamente o valor de uma mercadoria à quantidade de trabalho necessária à sua produção, com isso ignorando exceções óbvias como a terra, que tem valor e não é fruto do trabalho. Ademais, o valor de uso dos produtos é abstraído da análise geral do valor, abstração arbitrária e descabida que invalida irremediavelmente essa teoria como meio adequado de compreensão de seu objeto. Por outro lado, Marx admite que os preços das mercadorias raramente ou mesmo nunca coincidem com o valor de troca supostamente decorrente do trabalho nelas cristalizado, sendo que, aliás, não há como reduzir o trabalho, heterogêneo por definição, a uma unidade de conta homogênea e constante.

 Hilferding retrucou ressaltando que no capitalismo o valor de uso das mercadorias é irrelevante, de vez que se trata de um modo de produção fundado apenas no valor de troca. Segundo ele, na economia capitalista as relações se dão entre coisas, não entre pessoas, posto que tudo, inclusive o trabalho, é “reificado”, reduzido à mercadorias. A conclusão é que, no contexto analítico marxista, a precisão e a quantificação não são importantes, mas sim a revelação das leis globais da troca, as quais, “em última instância”, são regidas pela lei do valor. Essa réplica não convence. Apartar da análise o valor de uso, ou seja, as valorações subjetivas, é um absurdo. É extirpar o que há de humano nos homens e, aí sim, “reificá- los”. De resto, se no exame marxista nem o valor de troca nem a quantidade de trabalho servem para determinar com precisão os preços, então não servem para nada. É mera impostura travestida de ciência. A resposta de Hilferding, entretanto, bastou para satisfazer a sectária ortodoxia marxista de seu tempo e granjeou fama para o autor.

 Hilferding fez jus a essa notoriedade com sua obra-prima, o tratado sobre o capital financeiro Das Finanzkapital, de 1910. É com efeito um livro interessante, escrito com lucidez e sobriedade raras num autor dessa escola. Ele reitera o insight de Marx de que o sistema capitalista tende inexoravelmente para a superconcentração do capital, face aos vultosos recursos necessários para se fazer frente às despesas com uma produção cada vez mais dependente da alta tecnologia. As pequenas e médias empresas são varridas do mercado e absorvidas pela concorrência dos grandes conglomerados. Esse processo é acompanhado pelo crescimento do capital líquido controlado pelos bancos, o capital financeiro, que subjuga as indústrias escravas de suas necessidades insaciáveis de capital circulante. Ocorre então uma mutação na ideologia burguesa, do livre-comércio e livre-concorrência para os mercados fechados e estratificados em cartéis e oligopólios. Deflagram-se disputas entre as potências capitalistas avançadas pelos mercados globais, que resultam em guerras imperialistas. O autor não exclui a possibilidade de que toda a economia mundial termine englobada em um único e vasto supercartel.

 A interpretação de Hilferding, conquanto fundada numa descrição razoavelmente acurada dos fatos, está errada mercê das categorias analíticas equivocadas que utiliza. Na verdade, o que ocorria na época era um retorno ao mercantilismo sob nova capa socialista, graças ao fortalecimento do poder político e sua ascendência sobre a indústria e a finança. O próprio Hilferding reconheceu posteriormente, como veremos, que o poder político tem uma dinâmica própria que transcende e absorve o econômico. Nada impede que uma economia de mercado avançada global opere com base nos princípios do livre-comércio e da livre-concorrência. Monopólios só são efetivos, i.e., só conseguem impor preços de monopólio, quando o governo proíbe tout court a competição, ou a inviabiliza indiretamente, como no caso do protecionismo. Cartéis e oligopólios são combinações inerentemente instáveis e tendentes à dissolução, posto que os seus membros mais competitivos logo se cansam de carregar os menos eficientes nas costas e baixam seus preços. Novamente, apenas a coerção estatal confere estabilidade e durabilidade a tais combinações de produtores. O fato de existirem grandes empresas não anula a soberania dos consumidores. Tamanho não é documento. Se fracassar em sua tarefa de satisfazer seus clientes, a empresa, seja de que tamanho for, quebra ou é suplantada por outras mais ágeis. Estamos carecas de testemunhar casos assim. Por outro lado, uma economia mundial sujeita a um único supercartel é tão inviável quanto o socialismo global puro, uma vez que, como Ludwig von Mises provou, num e noutro caso inexistiriam preços para os fatores de produ&c cedil;ão, todos de propriedade de um único dono, de modo que o cálculo econômico racional seria impossível. Por fim, o que Hilferding descreve como transformação da ideologia burguesa é na realidade a ascensão da ideologia antiburguesa, socialista, que resultaria no comunismo e no nazi-fascismo.

 Com a cisão entre a social-democracia e o comunismo em 1917, Hilferding preferiu a primeira, tendo inclusive ocupado altos cargos ministeriais em governos de seu partido na Alemanha de Weimar. Jamais, porém, abjurou de sua filiação marxista, nem deixou de pensar segundo categorias estritamente marxistas. Comparado à ralé intelectual que seguiu os comunistas, Hilferding se destaca como um grande pensador. E foi como marxista que ele comparou e igualou comunismo e nazi-fascismo no citado artigo, escrito em 1940, que passamos a analisar. O austríaco ridiculariza ab initio a caracterização do comunismo soviético como “capitalismo de estado”. Se o governo é dono de todos os meios de produção, a economia capitalista está morta. A economia de mercado tem natureza mercantil, fundada no motivo do lucro e na propriedade privada, na concorrência e nos preços formados pela interação entre oferta e procura. Ora, a economia de estado “elimina a autonomia das leis econômicas”. A direção da produção deixa as mãos dos empresários, pois é uma “comissão planejadora que passa a determinar o que é produzido e como”. Os preços perdem sua função paramétrica para o processo econômico e se tornam simples decretos estatais arbitrários. Não existem mais mercadorias, porque as trocas foram suprimidas. A acumulação subsistente não é mais a mesma da lógica capitalista. Hilferding nega, ademais, que a burocracia seja uma “nova classe dirigente”, como queria Trotsky. A burocracia, na sua ótica, é um estamento rigidamente hierarquizado, um instrumento maleável nas mãos de quem realmente detém e exerce o poder: o autocrata supremo. É ele quem dá as ordens; cabe &a grave; bucracia obedecê-las e executá-las. A economia é subjugada pela política e suas leis deixam de ter validade. A oposição clássica entre burguesia e proletariado é superada e absorvida pelo Estado Totalitário, o qual opera de acordo com suas próprias leis e reduz a si toda a sociedade. “Apesar das grandes diferenças em seus pontos de partida, os sistemas econômicos dos Estados Totalitários estão se aproximando cada vez mais uns dos outros”, escreve o autor. Ele, porém, recusa-se a reconhecer o comunismo russo como materialização da doutrina marxista, visto que, segundo pensa, esta é inseparável da democracia. Para Hilferding é irrelevante a controvérsia sobre o caráter socialista ou capitalista da União Soviética. “Não é uma coisa nem outra. Ela representa uma economia de Estado Totalitário (grifo do autor), isto é, um sistema do qual os sistemas econômicos da Alemanha (nazista) e da Itália (fascista) estão se aproximando cada vez mais”.

 Por mais fascinante e honesta que seja essa opinião, não podemos endossá-la integralmente. As leis e regularidades econômicas jamais são revogadas, como pensava Hilferding. O Estado Totalitário não é onipotente, nem pode violar impunemente as regras da economia. Mais cedo ou mais tarde é o Estado Totalitário quem leva a pior e acaba se auto-destruindo, como a experiência soviética ilustra. Outro ponto a ser impugnado nas alegações do austríaco é a recusa de considerar socialista o que de fato era socialista. A supressão da propriedade privada, dogma do marxismo, só pode gerar um vácuo que fatalmente será preenchido pela propriedade coletiva concentrada no Estado. O Estado só pode se estruturar burocraticamente, não há outro meio. E uma sociedade reduzida ao Estado só pode engendrar uma ordem totalitária. O socialismo é, pois, intrinsecamente totalitário e incompatível com a democracia. Deve-se discordar da distinção que Hilferding traça entre os pontos de partida do nazismo, fascismo e comunismo. Todos foram essencialmente socialistas e violentos, e recorreram à métodos similares para alcançar e manter o poder. Quanto à burocracia, ela era realmente uma nova classe dominante. Trotsky estava certo nesse particular. É verdade que se tratava de um estamento sujeito aos caprichos de um autocrata. Mas como esse autocrata prevalecia em sua luta pelo poder contra outros candidatos à autocracia? A burocracia o escolhia e acatava. O terror do ditador contra os burocratas, embora comum, não durava para sempre. Ele acabava por se abrandar e a burocracia consolidava então o seu poder em uma miríade de feudos e alianças, em meio à frouxidão crescente da hierarquia. Pelo menos foi assim na URSS.

 Rudolf Hilferding foi capturado e executado pelos nazistas em 1941. Não teria tido sorte diferente nas mãos dos comunistas.