Juros, dívida e crescimento

Por José Nivaldo Cordeiro


11 de Junho de 2002

O artigo que Roberto Mangabeira Unger publicou na edição de hoje na Folha de São Paulo (“Quem trabalha pelo calote?”) é emblemático para mostrar os equívocos que as esquerdas têm em suas mentes quando tratam de finanças públicas e, especificamente, do endividamento público e seus impactos no desenvolvimento econômico. A tese dele é que o governo FHC não fez o necessário para uma renegociação ordenada e voluntária da dívida pública, advindo daí os óbices ao desenvolvimento, o que é falso. Nas suas palavras:

“É verdade que o problema está nos juros, não no tamanho da dívida. Só que fica difícil baixa-los quando os credores percebem que as obrigações do governo superam em muito a sua capacidade de gerar excedentes fiscais e de impor mais sacrifícios”.

Tomemos a primeira frase: o problema está nos juros, não no tamanho da dívida. Ora, se não for uma confusão conceitual primária, é um sofisma. É acaciano constatar que o problema está no montante de juros a ser consignado no orçamento para pagamento aos credores, mas parece elementar o fato de que a grandeza juros deriva da grandeza dívida e não o contrário. Em outras palavras, o que fica implícito no argumento é que a primeira grandeza poderia ser manipulada à revelia da segunda, algo absolutamente falso e irrealista, a grande quimera das esquerdas prometida em todos os palanques.

A frase seguinte desmente completamente a primeira, na medida em que reconhece que é o mercado que define a taxa de juros (portanto, o montante a ser pago). Além disso, reconhece que o governo tem dificuldade para gerar superávits fiscais, pois é tolhido pelas obrigações. Ora, é preciso questionar as tais obrigações, toda a estrutura de gastos, a sua dinâmica e mesmo a sua justiça. Se se partir do pressuposto de que tais obrigações são incomprimíveis, então nada há a discutir e devemos todos dar as mãos à espera da chegada da crise terminal.

A mim me parece óbvio que é preciso reduzir drasticamente as despesas públicas, acabar com a vagabundagem remunerada, reduzindo o funcionalismo, os proventos dos aposentados e toda sorte de programas ditos sociais desvinculados das atividades produtivas. É preciso aprofundar o processo de privatizações. Se isso for feito, o dinheiro para pagar os credores aparecerá e não será necessária nenhuma renegociação da dívida, ordenada ou não.

Na seqüência, afirma o autor: “Também é verdade que o crescimento sustentável da economia resolveria tudo. Só que não dá para crescer dentro dessa realidade”. Qual realidade? Fazendo crescer indefinidamente o endividamento público, diz ele.

Por que o argumento está errado, embora a conclusão esteja certa? Porque o que impede o crescimento não é o limite imposto pelo endividamento público, mas sim, porque o processo tributário brasileiro, que abocanha de forma percentual qualquer volume do PIB acima de um terço, simplesmente não permite a necessária formação de poupança para o financiamento do crescimento. Quanto maior a arrecadação, menor a poupança macroeconômica. Unger passou longe da verdadeira causa da nossa fragilidade como Nação, que é o gigantismo estatal e sua prodigalidade nos gastos de custeio.

E nem poderia ser diferente. Como bom socialista, crê que a solução passa necessariamente pela ação do Estado. Não percebe que é o oposto: só haverá solução duradoura fazendo reduzir o “mais frio dos monstros frios”. A solução das esquerdas, inclusive a de Mangabeira Unger, é uma não solução, um salto no abismo, uma forma de suicídio coletivo. Infelizmente, são homens com essa curta visão que comandam o Estado brasileiro.

Besteira de Botequim

Por José Nivaldo Cordeiro


9 de Junho de 2002

De forma nenhuma a competição da FIFA camufla os nossos problemas sociais. É uma grande besteira pensar assim. Quem, como eu, acompanha o movimento do comércio, tem um bom termômetro para perceber o impacto da Copa do Mundo
sobre o comportamento das pessoas. Nas copas passadas, quando os horários dos jogos caíam em período diurno, as vendas a varejo praticamente cessavam: as pessoas simplesmente optavam por ficar em casa ou em locais de reuniões, dando uma banana para o trabalho, para a escola e naturalmente para a compras. É um fenômeno sociológico notável.
Com os jogos acontecendo de madrugada imaginei que tal comportamento fosse ser modificado. Afinal, a maior parte das pessoas detesta ter o seu sono perturbado e também ficar insones por bobagens. Enganei-me redondamente:
desde que começou o certame o movimento nos shopping centers caiu, especialmente no dia do primeiro jogo do Brasil (escrevo na quarta feira).

Segundo eu pude perceber, as pessoas acompanham não apenas os jogos do Brasil, mas os demais também, especialmente aqueles envolvendo as forças tradicionais do futebol, como Argentina, França, Alemanha e Itália. Então não é possível manter o ritmo de vida normal, de maneira que o fluxo no
comércio cai. O fato é que a Copa do Mundo é um grande espetáculo. A elite do esporte é reunida em confrontos decisivos, explorando o que há de melhor na arte de jogar futebol. As pessoas que gostam do esporte não perdem nem jogos fora de horário normal. É uma forma de arte, o futebol bem jogado. O
gol de Ronaldinho contra a Turquia, por exemplo, assim como o passe do Rivaldo, foram um momento mágico. Como não se encantar com a jogada?

O que acontece é que as pessoas simples podem ter acesso barato, via TV aberta, a um evento requintado, feito ao custo de bilhões de dólares, o supra sumo do esporte do qual aprendemos a gostar, até porque o Brasil é uma
das suas forças inegáveis.

Imaginar que a eventual vitória ou derrota do Brasil irá beneficiar o Governo ou a oposição não passa de especulação de sociólogo de botequim. O lazer e a arte trazidos pelo esporte apenas servem para refrescar as dores e as feridas do povo sofrido. Nem politiza e nem despolitiza ninguém. E se alguém tentar ligar uma coisa com outra, o candidato audacioso será vaiado.

Afinal, a única coisa verdadeiramente ecumênica, que une todos os brasileiros, de esquerda e de direita, ricos e pobre é o futebol. Mas o consenso acaba aí. Fim de jogo, enroladas as bandeiras, a vida continua, cada um na sua.

E, bem a propósito, o meu time era o Emerson e mais dez. Perdemos o nosso gladiador. Ainda assim, acho que o Brasil será campeão. Pra frente, Brasil!

Sociedade e mercado

Por José Nivaldo Cordeiro


8 de Junho de 2002

O meu amigo Nelson Lehmann, do Instituto Liberal de Brasília, mandou-me umdos mais brilhantes textos que li nos últimos tempos (“O mercado ou a teoriados três verbos”), no qual ele lança luz sobre a suspeita que os socialistasde todos os matizes lançam sobre o que se chama de mercado, a economia de produção em massa destinada ao processo de trocas. Ele demonstra que os socialistas querem é um retorno à forma familiar de organização, anterior à Polis, algo impossível depois de certo estágio de desenvolvimento. O verbo doar (registre-se: compulsoriamente, via Estado) é o que está por trás de todo o argumento socialista e daí ser essa proposta política ntrinsecamente totalitária, pois doação compulsória não obedece a critério racional algum, exceto à vontade do governante. A doação compulsória será sempre precedida pelo ato de tomar, algo bastante primitivo e injusto, bárbaro, próprio das relações pré-civilizadas.

O fato objetivo é que não consigo ver oposição entre o conceito de mercado e o de sociedade. São sinônimos. Pela palavra mercado designa-se o conjunto de relações econômicas que interligam indivíduos isolados que, por laços invisíveis do processo de trocas, interagem e cooperam para o bem-estar
coletivo. É o que poderíamos chamar de a própria construção do social. As tentativas que o Estado tem feito para se substituir a esse processo podem ser consideradas um redondo fracasso, na medida em que não resolve os supostos males que visa a combater e ainda pratica a injustiça de forma arbitrária.

O único campo da ação humana onde sociedade e mercado não se equivalem nos tempos modernos está no âmbito das relações familiares, como bem demonstrou Nelson Lehmann. Aqui o verbo doar se sobrepõe aos dois outros, o tomar e o trocar. Há uma outra lógica. Quando enxergamos o convívio de milhões de
seres que se desconhecem e ainda assim cooperam de forma racional para a sobrevivência coletiva, é que percebemos o quanto a liberdade de iniciativa e a busca dos interesses individuais, dentro das regras civilizadas, são a melhor forma de se alcançar a prosperidade coletiva e a paz social.

O verbo tomar, abstraindo os chamados grupos criminosos, passou a ser conjugado apenas pelos governantes (sim, eles praticam o roubo consentido, legal), que acham que podem se substituir ao mercado. Estão enganados. Eles apenas praticam a injustiça de forma arbitrária contra pessoas indefesas e que praticam as virtudes necessárias para que haja o processo produtivo, a diligência, o trabalho diuturno como valor em si, a competência, a organização, a cooperação.

Outro dia, conversando com uma filha adolescente, travei um diálogo que me lembrou um dito de Adam Smith, o de que o nosso almoço não depende da caridade do açougueiro, mas da sua busca por seus próprios interesses. Como todo adolescente generoso, a menina me disse que quer fazer um curso de nível superior que lhe possa permitir ajudar às pessoas. Qual?
Perguntei-lhe. Medicina. Perguntei-lhe em seguida: você não acha que o agricultor que nos colocou a comida à mesa (estávamos jantando), a pessoa que fabricou a roupa que você veste, aqueles que produziram o automóvel, etc, também não lhe estão ajudando e ajudando a todos? Ela me olhou espantada, pois jamais haviam lhe ocorrido que esses bens, tão necessários à vida, não caem do céu e nem nos chegam pelo ato de doação. Em troca deles, os membros produtivos da nossa família dão o melhor de si, o que acaba beneficiando toda a coletividade, até mesmo indivíduos que podem estar no lado oposto do Planeta, no extremo mais longínquo.

O texto do Nelson Lehmann não nos diz outra coisa, cercado de toda erudição e rigor expositivo, como lhe é próprio. Quem sabe tem que louvar o mercado. Só quem é ignorante e está possuído de má fé para não reconhecer essa obviedade.