Sobre futebol e hinos nacionais

Por Félix Maier (*)

09 de julho de 2002

Passou a euforia da população brasileira com a conquista do Penta, e cá estamos na torcida por outro tipo de campeonato, de desfecho muito mais incerto e sofrido do que aquele: a corrida das eleições presidenciais, tendo como pano de fundo a febre do mercado financeiro, por conta de uma dívida interna acima de 700 bilhões de reais. A dívida externa, essa o mercado nem lembra mais quanto é. Afinal, quem será que vai começar a descascar esse abacaxi: Lula-laite, Serra-softe ou Ciro-harde?

Mas, para não dizer que não falei de futebol…

Durante a última Copa, muito se disse sobre a beleza do Hino Nacional brasileiro, uma unanimidade em todos os quadrantes do mundo – ao menos se acreditarmos o que disseram alguns repórteres da TV Globo.

Analisemos, com algum detalhe, os hinos nacionais de alguns países, que, meses atrás, muitos adivinhos e cartomantes juraram que não deixariam que conquistássemos o Penta no Japão, a exemplo da poderosíssima França, da imbatível Inglaterra e, quem sabe?, da zebra EUA. Tendo, sempre como referência, o Hino brasileiro.

Comecemos pela terra de Victor Hugo. O hino francês, a “Marsellaise”, é um dobrado militar, viril, um convite à guerra, com faca na boca, para um combate corpo a corpo. A gente até vê o sangue esguichar, os heróis tombando com orgulho e um sorriso nos lábios. A música de combate sempre deve ser vibrante, senão turba alguma se lançaria à luta. Afinal, o hino foi feito ainda sob a fumaça da queda da Bastilha, após a Revolução Francesa. O hino francês segue em ritmo frenético, num fraseado musical ascendente, até atingir seu clímax, ao chamar “aux armes, citoyens!” É verdade, o hino tem algumas alterações musicais, alguns sustenidos ou bemóis – não me lembro mais, pois há muito não dedilho teclado nem leio partitura –, para maior dramaticidade, no trecho em que fala sobre “mugir ces féroces soldats”. Mas, em relação ao hino brasileiro, é uma música absolutamente previsível, sem medo de imitar o padrão de tantos outros por aí, mundo a fora.

O hino inglês, por sua vez, é majestático, lento e um tanto fúnebre, tem apenas 7 notas musicais. Qualquer teclado de criança, de apenas uma escala, serve para executar a música – o que não deixa de ser um feito, para a música, e uma grande vantagem, para o músico. Não sendo pomposo como a “Marsellaise”, o hino de Sua Majestade também tem um “crescendo”, curto o quanto permitem suas poucas notas musicais, concluindo com um grito de “God save the Queen”. (Pelo visto, demorará muito para ouvirmos “God save the King, a Rainha Elisabeth tem uma saúde mais forte que pau-ferro…) Música igualmente previsível, o cara ouve a primeira frase musical do hino inglês, não tem dificuldade de preencher as notas restantes no pentagrama. É um hino para se ouvir sentado, de preferência deitado, lembrando o outrora grande Império Britânico, sobre o qual o sol nunca deixava de brilhar. Se analisarmos o tamanho da escala musical de “God Save the Queen”, podemos dizer que eqüivale à nossa canção folclórica “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga. Mas há uma grande diferença: o hino inglês é apenas uma marcha fúnebre, enquanto “Asa Branca”, com apenas 6 notas, consegue retratar magistralmente a epopéia nordestina.O hino americano é pomposo, como convém que seja o hino da nação mais poderosa do planeta. Ao contrário do inglês, o hino americano esparrama suas notas por duas oitavas quase completas, é preciso ter peito de Pavarotti para cantar com força e empostação todas suas notas musicais, da mais grave à mais aguda. Por isso, apenas divas do “bel canto” costumam cantar o hino, seja em estádios de beisebol, seja durante a abertura de mais uma Olimpíada na terra de Tio Sam. Um cantor comum apenas conseguiria assobiar as notas mais agudas. “The star-spangled banner” é uma música bastante vibrante, sim, mas primária, com uma alternância simplificada de notas fundamentais e dominantes, uma espécie de “Con te partiró”, que Rinaldo e Liriel cantam quase todo sábado no “Programa Raul Gil”, da Rede Record. Por isso, chega a empolgar uma galera não muito exigente, especialmente pronta para ir à guerra de mentirinha contra o Afeganistão, ou para mexer com os brios dos gigantes da NBA. Mas não deixa de ser uma composição simplista, com jeito de blefe, um laralilará de canto de banheiro, um simples dó-sol-dó para aquecer as cordas vocais de um tenor ou soprano antes de entrar no palco.

Vejamos, finalmente, o Hino Nacional brasileiro. De fato, em um país de botocudos, como o nosso, é admirável que tenhamos um hino com letra tão bonita e uma música tão sofisticada. É notável que na terra do samba, do pagode, do sertanejo e do funk, além da bossa-nova, nosso hino tenha tantas alterações musicais, com sustenidos, bemóis e bequadros a quatro por quatro. Uma música de composição tão rebuscada, cuja introdução orquestral está cheia de vibrantes trinados, só executáveis por músicos calejados, uma música de canto mais difícil ainda, cheia de meio-tons, era de se esperar que viesse da terra de um clássico, como Handel, ou de um moderno, como Gershwin, nunca da terra de Zeca Pagodinho. Por isso, não dá para entender também que um país que tenha um compositor da estatura do teuto-britânico Handel, autor do celestial “Aleluia”, vá se contentar com uma singela e dorminhoca marchinha para ser seu hino nacional. “Aleluia”, depois que foi aplaudido de pé pelo Rei e sua corte, após a primeira apresentação, costume que os palcos repetem até os dias atuais, deveria imediatamente substituir aquela cancãozinha fúnebre que faz as vezes de hino de Sua Majestade.

Não dá para entender mesmo nada. Nosso hino, pela lógica, deveria ser simples, como o hino inglês, com no máximo umas cinco ou seis notas, não o contrário. Com “Asa Branca” estaríamos bem representados para as solenidades quando subisse a Bandeira brasileira por ocasião da entrega de medalhas de ouro nas Olimpíadas, quando eventualmente (e põe “eventualmente” nisso!) Rubinho Barichello subisse mais alto no pódio da Fórmula 1, ou quando, enfim, Cafu erguesse a taça nos céus do Japão. Com “Cana Verde”, de Tonico e Tinoco, também estaríamos satisfeitos, não precisaríamos nem lançar mão do gingado e do balanço de “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim, para impor nossa nacionalidade. Claro, “Coração de Luto”, mais conhecido como “Churrasquinho de Mãe”, de Teixeirinha, estaria descartado. “O Ébrio”, de Vicente Celestino, também. Por mais bregas e atrasados que somos, não há duas músicas mais cafonas do que estas últimas em toda a musicologia mundial.

Depois que ouvi o Olodum executar nosso Hino no Palácio do Planalto, me convenci de vez que temos que mudar a letra e a música da canção de nossa Pátria o mais rápido possível. Minha preferência, por ora, fica com “Asa Branca”. O leitor que faça também a escolha do seu hino preferido, simples, belo, fagueiro, na escala de dó, portanto sem teclas pretas, só brancas (me desculpe o Movimento Negro), para substituir o lindo porém sofisticado Hino Nacional brasileiro. É muito sustenido, muito bemol, letra bonita demais para um povo que ainda sofre de “complexo de vira-lata”, como disse Nélson Rodrigues, que só quer saber de samba, pagode e funk. Porém, “Eu não sou cachorro não”, de Waldick Soriano, não vale…

(*) Félix Maier (ttacitus@hotmail.com ) é ensaísta e militar da reserva, autor do livro “Egito – uma viagem ao berço de nossa civilização”.

Enfim uma cartilha católica

Por Percival Puggina

8 de julho de 2002

A cada dois anos, com a proximidade das eleições, surgem cartilhas eleitorais voltadas ao público católico. Elas são anunciadas como oriundas da CNBB, embora provenham de algumas de suas pastorais sociais ou do departamento da referida instituição a que essas pastorais estão vinculadas. Seus redatores olham para o jogo político em desenvolvimento, escolhem o lado em que devem jogar, e, por pura coincidência, escolhem sempre o mesmo lado.

É evidente que tais cartilhas não proclamam de maneira explícita a natureza de sua opção pois isso acabaria por as desacreditar. Estrategicamente, incorporam a linguagem e a mensagem do grupamento político pelo qual optaram e que se beneficia de uma dupla mistificação: de um lado a que cuida de confundir as pastorais com a CNBB, a CNBB com o conjunto do episcopado, e, por extensão, com a própria Igreja; de outro, a fingida neutralidade que reproduz tudo o que um lado do quadrante político diz e silencia sobre tudo o que ele deve ouvir.

Assim, um grupo de militantes, aos quais se junta, às vezes, um bispo de referência, passa a ser “a” Igreja. E aquilo que é feito para pôr mais tinta no pincel de determinada cor política, se apresenta alvo como asa de anjo. Não raro, para tornar mais insinuante a mensagem e mais útil o trabalho, essas cartilhas incorporam esquemas de reunião política com jeito de novena enquanto respingam verdades absolutas sobre opiniões totalmente relativas e pessoais.

Finalmente, surge, neste ano, uma cartilha eleitoral realmente católica. O arcebispo metropolitano de Porto Alegre, D. Dadeus Grings, profundo conhecedor da Doutrina Social da Igreja, produziu um texto em que todos os temas são abordados numa perspectiva doutrinária e apenas doutrinária.

Escapa, com isso, ao lugar comum daquelas com que nos habituamos. Não interessa ao arcebispo outra coisa senão enunciar princípios, apontar condutas moralmente reprováveis e afirmar valores perenes, aplicáveis a uma análise consistente da realidade nacional, que pode ser aproveitada por qualquer facção política. Não deixa de ser curioso que o simples fato de ser assim foi suficiente para gerar protestos daqueles que se aproveitavam da dissimulada propaganda eleitoral que caracterizava as cartilhas anteriores. E isso é mais uma evidência de que D. Dadeus está absolutamente correto.

Percival Puggina é arquiteto e preside a Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.

Discutindo o capitalismo

Por José Nivaldo Cordeiro

7 de julho de 2002

“Quem é fiel nas coisas mínimas, é fiel também no muito. Portanto, se não fostes fiéis quanto ao Dinheiro iníquo, quem vos confiará o verdadeiro bem? Se não fostes fiéis em relação ao bem alheio, quem vos dará o vosso?” (Lucas, 16,10-12, tradução da Bíblia de Jerusalém)

Não é fácil discutir a o termo capitalismo. Parece que todas as pessoas sabem tudo sobre o assunto e não têm qualquer dúvida. A palavra está tão desgastada pelo uso político que, para certas correntes de pensamento, virou quase um palavrão. Acusar alguém de capitalista é quase uma condenação ao fogo dos infernos. Não obstante, é preciso discernir a realidade que se apresenta ao mundo de hoje enquanto capitalista (Ocidente) e a sua negação (China, países socialistas), supostamente a sua superação, segundo o credo marxista. Algumas áreas são ainda consideradas pré-capitalistas, especialmente na África e no Oriente.

Malgrado o uso político que se faz do termo, importa tentar aqui analisar o seu significado na literatura relevante. Ninguém discordaria de que por capitalismo entende-se a organização social assentada na livre iniciativa, na qual impera a igualdade jurídica de todos os cidadãos e a propriedade privada, existindo a relativa separação entre o poder econômico e o poder político, tendo como característica uma radical divisão social do trabalho, razão pela qual os seus membros, para sobreviverem, precisam participar do processo de trocas. Essa forma de organização social mostrou-se a mais produtiva e eficiente quando comparada a qualquer outra, permitindo que as pessoas, mesmo as mais pobres, tenham um elevado padrão de vida relativamente a outras formas de organizações sociais. Só no capitalismo o Homem escapou de muitos dos determinismos naturais, como fome, doenças e cataclismos diversos que o perseguiram desde a Noite Original.

As interpretações correntes do termo capitalismo são tão abundantes quanto insatisfatórias, não obstante a sua definição ser quase banal. Como tive alguns dias para descansar, decidi reler o clássico de Max Weber “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (Ed. Pioneira, 2001) e aproveitei para reler a resenha desse livro feita por Alain Peyrefitte em “A Sociedade da Confiança” (Ed. Topbooks, 1999). Não satisfeito, procurei na Internet a referências e citações sobre o assunto e aparecerem centenas delas. Lamentavelmente, à exceção do artigo do professor Meira Penna publicado no Estadão sobre a citada obra de Peyrefitte e uma introdução a essa obra feita pelo filósofo Olavo de Carvalho, todo o resto se resume a um duelo laudatório entre os seguidores de Weber e os seguidores de Marx.

Esse três autores são as referências para a compreensão dessa forma de organização social. Peyrefitte, como veremos abaixo, é muito superior aos outros dois, mas lamentavelmente é pouco divulgado no Brasil.

A idéia de Marx, de que a infra-estrutura determina a superestrutura e que as relações de produção são determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas, tenta explicar o processo pelo resultado. Não define as causas determinantes das transformações nas formas de organizações sociais. Seria o mesmo que dizer que é dia porque o Sol brilha. Não explica nada.

O fundamental é que ocorre precisamente o contrário da primeira assertiva – a de que a infra-estrutura determina a superestrutura. Não é casual que o capitalismo é gestado no Ocidente judeu-cristão e isso Marx não poderia ter colocado em evidência, tão prisioneiro que estava em seus esquemas mentais de ódio a tudo que fosse religioso. Preferiu imaginar um pueril processo mecânico como força determinante da História, que não resiste à análise de alguém mais atento.

O ponto fundamental é que o Cristianismo, ao abraçar a máxima do “ama o próximo como a ti mesmo”, plantou no Ocidente as condições para que pudesse existir a igualdade jurídica entre as pessoas – numa palavra, a liberdade – fundamento último de todo o sistema jurídico, político e econômico construído ao longo dos últimos dois mil anos. O Apóstolo Paulo já bradava ao quatro ventos que “Deus não faz acepção das pessoas” e isso é realmente a grande novidade na História do ponto de vista sociológico. Sem a mensagem salvadora de Cristo ainda estaríamos vivendo formas imperiais e/ou tribais de organização social.

Não passa de avaliação de intelectual alienado a idéia de que as relações de produção são determinadas pelo desenvolvimento da forças produtivas. Sem a força salvadora da mensagem cristã a escravidão e a servidão estariam ainda a vigorar, impossibilitando a explosão da produtividade do trabalho verificada nos dois milênios que passaram, com ênfase nos últimos quinhentos anos.

A tradição cristã é também herdeira do racionalismo clássico greco-romano. A combinação da ética cristã com a filosofia é que permitiu o que Weber enfatiza como o racionalismo empregado no processo produtivo, ou seja, o conhecimento científico aproveitado como técnicas aplicadas à produção.

O capitalismo não pode ser definido como um mero processo de trocas e produção para o mercado, algo que, em maior ou menor proporção, sempre foi feito ao longo da História. A novidade é que na sociedade moderna essa forma de produzir se torna preponderante, combinando liberdade de iniciativa e a busca de técnicas mais eficientes para produção. Muito menos lhe dá especificidade o fato de ser uma produção voltada para o lucro. O lucro nas outras formas de organizações sociais existe e é freqüentemente, e com razão, identificado como uma forma de logro ou roubo, vez que nasce muitas vezes da violência do monopólio e da coerção sobre o consumidor. Na ordem capitalista, ao contrário, o lucro nasce no processo de agregação de valor, validado unicamente pelo mercado – pelo consumidor, no livre exercício de sua escolha, no usufruto da sua liberdade – tornando-se o oposto do logro. Há a troca de equivalentes no mercado, condição para que a liberdade efetivamente impere. O consumidor passa a ser o centro de interesse do processo produtivo e o árbitro a determinar quais os produtores devem sobreviver e quais aqueles que devem desaparecer. A competição no mercado pelo consumidor é a chave do processo.

A análise de Weber é insuficiente por muitos motivos. Em primeiro lugar – e o seu maior erro – é associar a eclosão do capitalismo com o protestantismo, quando na verdade ele está relacionado com o Cristianismo enquanto tal. Talvez essa limitação advenha de dois fatos que lhes impediram um melhor discernimento. Um, a sua condição de protestante. É como se por sua pena as disputas teológicas e religiosas de últimos três séculos (seu livro foi publicado em 1904) ainda continuassem. Há claramente uma visão depreciativa do catolicismo, ao qual ele associa diretamente o atraso, sem qualificar corretamente a sua origem. O outro fato é que Weber esqueceu que durante a Idade Média houve uma explosão da produtividade agrícola pelo talento dos monges católicos, que inovaram em técnicas de produção e na organização do trabalho, tornando-se o pré-requisito para a expansão econômica dos tempos modernos (Ver Paul Johson “História do Cristianismo”, Ed. Imago, 2001).

Em segundo lugar, ele esqueceu que o catolicismo foi o herdeiro direto do Império Romano e era essa herança imperial maldita que impedia o desenvolvimento econômico na velocidade em que se deu nos países protestantes. Para piorar, o próprio movimento de Contra-Reforma foi um instrumento de restauração imperial, impondo o centralismo e a desconfiança – como bem assinalou Peyrefitte.

Em terceiro lugar, ao contrário do que Weber diz (“a conduta ascética significou um planejamento racional de toda vida do indivíduo”. Página 109), foi a herança clássica que permitiu a racionalização dos meios de produção. Não podemos jamais esquecer que o Renascimento é precisamente a redescoberta dos filósofos e poetas da Antiguidade.

Escapou a Weber que o fator decisivo é que o Cristianismo reformado livrou-se das peias do centralismo imperial. Nas áreas “liberadas”, como EUA, Inglaterra e Holanda, cujos governos foram reduzidos e a descentralização administrativa realizada – em suma, reduziu-se o Estado e implantou-se o livre mercado – o capitalismo decolou primeiro. O fator explicativo não é, pois, o protestantismo, mas sim, o Cristianismo livre das amarras imperiais, que tolhiam as áreas católicas. Nos EUA ocorreu a máxima liberação das energias produtivas, vez que desde o início a vigilância dos indivíduos contra o gigantismo estatal foi a tônica.

Longe de mim está a intenção de minimizar a monumental obra de Max Weber, alguém cuja erudição não pode ser questionada e cuja seriedade científica não pode ser posta em dúvida. Mas é preciso questionar a sua principal conclusão, que a meu ver está errada, pelas razões acima. Ele, todavia, teve o mérito de retirar os determinantes econômicos para explicar esse fato histórico da maior relevância. Isso não é pouca coisa em um mundo acadêmico dominado pelo equívoco do marxismo.

A notável contribuição de Peyrefitte é deslocar a discussão da Economia para a Etologia na definição do determinante para a decolagem do processo de desenvolvimento. O fundamental é a criação de um ambiente de confiança na relação entre os indivíduos e o Estado e entre os próprios indivíduos. Ele aponta a grande contradição que há entre a lógica do império, que centraliza e desconfia das pessoas, e a lógica dos Estados liberais, em que acontece o inverso.

Para ele, a livre iniciativa não combina com um ambiente hierarquizado, próprio das relações imperiais. Onde essa relação foi substituída pela confiança, aconteceu a decolagem do desenvolvimento. É preciso ler atentamente a obra de Peyrefitte para uma correta compreensão dos fatos históricos.

Os Estados socialistas nada mais fizeram do que restaurar a ordem centralizada do Império, matando qualquer elemento de confiança que pudesse ser a semente da prosperidade dos seus povos. Da mesma forma, o Brasil e, de resto, a América Latina, parecem estar ainda vivendo a Contra-Reforma e o ideal mercantilista. Pior, alguns já querem implantar de um golpe a ordem imperial socialista. Como, então, prosperar? O desenvolvimento não pode ser construído fora da ordem liberal, que é sinônimo de livre iniciativa e da relação de confiança. É essa a lição ensinada por Peyrefitte e nós lamentavelmente ainda não a aprendemos.