A palavra das Farc

 

Olavo de Carvalho


14 de fevereiro de 2007

Meu caro Alcides Lemos, da redação deste Diário, me pergunta por e-mail se não vou escrever meu editorial desta semana. Não, não vou escrevê-lo. Pelo menos não vou escrevê-lo inteiro. A Comissão Internacional das Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, já escreveu a maior parte dele, na saudação que enviou à XIII Reunião do Foro de São Paulo, em Salvador.

O texto completo da saudação encontra-se na edição portuguesa do Pravda, o jornal oficial do Partido Comunista russo (http://port.pravda.ru/mundo/15168-farcsaudacao-0). É uma preciosidade.

Por mais que eu argumentasse, não conseguiria fornecer uma prova tão clara daquilo que venho afirmando há anos: (1) que toda a política do PT está enquadrada numa estratégia de revolução continental que reúne, num só front, partidos legais e organizações criminosas; (2) que o Foro de São Paulo, a organização incumbida de formular e implementar essa estratégia, é o continuador natural do empreendimento de dominação mundial comunista.

Nestas breves linhas, o comando das Farc, de boca própria, coloca as coisas na sua devida perspectiva histórica:

“Em 1990 já se via vir abaixo o campo socialista, todas as suas estruturas fraquejavam como castelo de cartas, os inimigos do socialismo festejavam a mais não poder, se cunhavam teorias como a do fim da história, muitos revolucionários no mundo observavam atônitos e sem conhecer o que havia falhado para que ocorresse semelhante catástrofe.

“A utopia se dissipava, a desesperança se apoderou de muitíssimos dirigentes que haviam dedicado toda sua vida à luta por conquistar um mundo melhor, idealizando-o com o modelo de socialismo desenvolvido da União Soviética.

Ao derrubar-se esse modelo, para muitos se acabou a motivação de luta e só ficamos uns poucos sonhadores…

“…É nesse preciso momento que o PT lança a formidável proposta de criar o Foro de São Paulo, trincheira onde nós pudéssemos encontrar os revolucionários de diferentes tendências, de diferentes manifestações de luta e de partidos no governo, concretamente o caso cubano. Essa iniciativa, que encontrou rápida acolhida, foi uma tábua de salvação e uma esperança de que tudo não estava perdido. Quanta razão havia, transcorreram 16 anos e o panorama político é hoje totalmente diferente.”

Sabendo-se que as Farc têm uma participação direta na geração da violência que faz 50 mil homicídios por ano no Brasil, é evidente que o governo petista não quer e não pode fazer nada para dar fim a esse descalabro, pois fazê-lo implicaria pisar no calo de um de seus mais queridos e poderosos aliados continentais. O ideal máximo do PT é resgatar o movimento comunista dos escombros da extinta URSS. Ele não há de trair esse ideal só para salvar as vidas de uns quantos milhares de brasileiros.

O tempo dos assassinos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de fevereiro de 2007

A coluna de hoje, data venia dos amáveis leitores, será toda dedicada àquelas criaturas mimosas que, na ética brasileira vigente, representam a epítome das virtudes humanas: os comunistas.

Comecemos com uma declaração célebre de Haydée Santamaria, ícone da Revolução cubana. A frase circula pela internet num cartaz de propaganda comunista atribuído falsamente à Petrobras, mas, se foi escolhida numa tentativa muito safada de sujar a reputação da empresa, é porque seu conteúdo é significativo em si mesmo, e é ele que me interessa aqui, não o cartaz. A frase é: “Para mim, ser comunista não é militar num partido, é ter uma atitude ante a vida.”

Qual atitude, precisamente? A própria Haydée responde, na mesma carta que contém a declaração usada pelos falsários (http://www.rebelion.org/argentina/040521haydee.htm):“Creo que hay que hacer un gran esfuerzo para ser violenta, para ir a la guerra, pero hay que ser violenta e ir a la guerra si hay necesidad.”

O paralelo com o célebre “no perder la ternura jamás” é inevitável. Faz parte da liturgia comunista o mantra de que os comunistas só matam por obrigação moral, a contragosto. Pela lógica da normalidade humana, quem mata a contragosto tenta reduzir ao mínimo o número de vítimas. Isso contrasta de maneira acachapante com o fato de que os comunistas são os campeões inquestionados do morticínio universal, inclusive na América Latina, onde os feitos de Fidel Castro superam incalculavelmente os de seus mais execrados inimigos direitistas.

Mas, como se conclui facilmente do que expliquei em artigos anteriores, o movimento revolucionário moderno não poderia ter-se originado por inversão do cristianismo sem absorver e inverter também os seus critérios morais. O ethos comunista, que as duas sentenças de Haydée Santamaria (e a apologia guevariana do guerrilheiro como “eficiente e fria máquina de matar”) exemplificam tão claramente, é a perfeita inversão do bem e do mal. Antonio Gramsci já propunha a substituição do calendário litúrgico da Igreja por um novo panteão de santos, onde os assassinos a serviço da revolução ocupariam os lugares dos mártires cristãos.

O método para realizar a inversão é uma tortuosa dialética que faz da truculência revolucionária a expressão máxima do bem e da santidade. Essa dialética emerge diretamente da inversão de tempo e eternidade que aqui expliquei. Na medida em que identificam o bem eterno com o futuro que prometem, os comunistas estão livres para matar e torturar no presente sem poder ser julgados por ele. De outro lado, como o futuro é indeterminado e só os próprios comunistas podem oficializar o seu advento quando ele chegar, o acerto de contas com a moral fica para o dia de são nunca.

Enquanto isso, os comunistas deitam e rolam nas delícias da auto-indulgência, matando, torturando, arrasando países inteiros, reduzindo multidões a uma miséria indescritível e, nos intervalos, retorcendo-se em trejeitos de indignação contra o pecaminoso capitalismo. Os representantes do presente maligno não podem julgá-los, e os do futuro maravilhoso julgam em causa própria, prevalecendo-se do direito de adiar o julgamento até o dia da perfeição final, inatingível por definição. Logo, seus crimes não lhes podem ser imputados e recaem fatalmente sobre seus inimigos, isto é, suas vítimas. Daí que tenham tanto mais intensa impressão de santidade quanto mais lavam suas mãos no sangue dos outros. Eles nunca são culpados pelos seus próprios atos. Puros e santos, são forçados pelo maldito capitalismo a violar sua bondosa inclinação natural e sair matando pessoas, como se fossem assassinos. Esse sacrifício lhes dói tanto, que quando matam sentem que são eles próprios as vítimas, em vez de autores do crime. Daí o ódio redobrado que sentem pelo falecido que, perfidadamente, os obrigou a torturá-lo e matá-lo. Daí, mais ainda, a necessidade que sentem de continuar a matá-lo em efígie eternamente, xingando-o e difamando-o a cada oportunidade e negando clemência até mesmo a seus descendentes. Na Romênia de Ceaucescu o ex-ministro da economia, Mihail Manoilescu, foi condenado à morte e executado simbolicamente cinco anos depois de ter morrido na cadeia. Matá-lo uma vez só não bastava. São delicadezas da alma comunista que escapam aos corações insensíveis dos reacionários.

Ser comunista é ser um assassino cheio de ternura por si mesmo e de ódio eterno, inextinguível, às suas vítimas.

Escravos fujões

Graça Salgueiro, minha amiga e editora do admirável blog Nota Latina (www.notalatina.blogspot.com), me chama a atenção para mais um detalhe maravilhoso na entrevista do professor-assassino João Carlos Kfouri Quartim de Moraes que já comentei aqui e também no Jornal do Brasil (v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/070206dce.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/070208jb.html). Fazendo ironia com os fazendeiros do Império que julgavam a escravatura uma instituição benévola, afirma o elemento: “Os escravos, teimando em não compreender as motivações filantrópicas de seus proprietários, fugiam em massa das senzalas e das plantações”.

Bem, os escravos brasileiros não são as únicas pessoas incompreensivas que fugiram de seus benfeitores. Seis milhões de cubanos escapuliram de Cuba, expondo-se ao risco de morrer afogados ou de ser comidos pelos tubarões caso não fossem metralhados antes pela polícia de Fidel Castro. Seu exemplo abominável foi seguido por dois milhões de vietnamitas que fugiram da generosidade vietcongue em barquinhos, jangadas e até bóias de borracha. Algumas dezenas de milhares de alemães mal agradecidos saltaram o Muro de Berlim para expor-se aos horrores do capitalismo na parte oeste da cidade. O fluxo de refugiados da Polônia, da Rússia, da Hungria, da China e de outros templos da bondade comunista jamais cessou de superlotar as ruas de Nova York, Paris e Londres e até de São Paulo, dando testemunho onipresente da ingratidão humana. E eu mesmo, cínico e indiferente à ternura que jorra do coração do prof. Kfouri, fugi para os EUA antes que desse na veneta filantrópica do indigitado a idéia de constituir às pressas mais um tribunal revolucionário e me mandar para o beleléu como fez com o capitão Charles Chandler.

História invertida

Uma evidência moral que deveria ser óbvia à primeira vista é que, se todo militante nazista é cúmplice moral do Holocausto, todo militante comunista é cúmplice moral da matança de cem milhões de vítimas dos regimes soviético, chinês, cubano etc. No caso dos terroristas brasileiros, sua participação no esquema genocida internacional montado por Fidel Castro (não menos de quinhentos mil mortos no total) foi algo mais do que moral: foi cumplicidade material, através da ajuda que receberam dele e dos inumeráveis serviços que lhe prestaram. Desde logo, o fato de que a guerrilha nacional agisse sob a orientação da OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, é mais que suficiente para provar que ela não foi uma iniciativa nacional independente e sim a consecução local de planos estratégicos traçados pessoalmente por Fidel Castro. Assim como há uma diferença entre o vago simpatizante nazista da França ou da Holanda e o militante efetivo que no exterior cumpria as ordens emanadas da Chancelaria em Berlim, a mesma diferença existe entre o mero esquerdista subjetivo e os nossos guerrilheiros. Como braços armados de Fidel Castro, eles ajudaram a matar cada cubano que morreu de tortura ou de fome nos cárceres da ilha e cada vítima das guerrilhas que o ditador do Caribe espalhou pelo continente latino-americano e pela África.

Se compararmos a imensidão desses feitos macabros com a truculência modesta da ditadura que os combateu, a superioridade moral desta última se tornará demasiado evidente. Por isso a historiografia de propaganda esquerdista que forjou a imagem desse período na memória nacional é tão enfática em assinalar os crimes da ditadura e tão omissa em descrever as conexões da guerrilha local com o esquema estratégico cubano e continental. Mesmo quando fala da Operação Condor, a articulação de governos militares para o combate às guerrilhas, ela busca sempre dar a impressão de que se tratava de uma conspiração transnacional armada contra heróicas resistências locais, e não de um arranjo feito às pressas para enfrentar um esquema revolucionário internacional muito mais antigo, organizado e abrangente. A OLAS, afinal, tinha agentes em todo o mundo e conexões muito fortes na mídia internacional, enquanto os generais latino-americanos mal tinham alguns oficiais de relações públicas, canhestros e mal treinados, para tentar balbuciar explicações diante de repórteres maliciosos, intoxicados de prevenção esquerdista, quando não militantes comunistas eles próprios.

É por isso que a história da ingerência dos EUA na situação política latino-americana da época aparece cem por cento invertida no relato que as escolas e o movimento editorial passam às novas gerações. A força dos documentos históricos é aí neutralizada por grotescas lendas urbanas criadas pela propaganda comunista, que se impregnam na memória popular como verdades de evangelho. Na crença geral, os EUA continuam aparecendo como autores ou pelos menos inspiradores do golpe de 1964, embora a correspondência entre o embaixador Lincoln Gordon e o presidente Johnson mostre que o governo americano se limitou a manter-se informado sem interferir em nada. Inversa e complementarmente, a debilitação e queda dos governos militares é atribuída à ação espontânea e heróica das resistências locais, quando os documentos provam que foi tudo uma decisão direta do presidente Jimmy Carter, o pai da prosperidade esquerdista nas décadas seguintes. Ante a pressão americana, nossa ditadura teve de se desmantelar às pressas, abandonando o país nas mãos da canalha esquerdista que desde então não fez senão comer dinheiro público, bajular criminosos e derreter-se em orgasmos de auto-adoração.

A anistia jurídica que essa gente recebeu nunca deveria ter vindo junto com a anistia moral que aboliu a memória de seus crimes e tornou eternamente imperdoáveis os de seus adversários. Nem a ditadura foi tão ruim, nem os comunistas que a combateram o fizeram por amor à democracia e aos direitos humanos. A alternativa aos militares, nas décadas de 60 e 70, era exatamente aquela que a guerrilha trazia em seu bojo: a tirania comunista, infinitamente mais brutal e sedenta de sangue do que o mais enfezado dos nossos generais poderia jamais ter sido. A História nunca é uma escolha entre o céu e o inferno, a felicidade integral e o infortúnio absoluto: é uma permanente opção entre a mediocridade do mal menor e a santificação psicótica do mal maior.

Nesse sentido, tendo sido radicalmente oposto ao regime militar enquanto ele durou, hoje não vejo como condená-lo por inteiro em comparação com a alternativa hedionda oferecida pelos santarrões comunistas na época. No mínimo, os presidentes militares morreram pobres. Morreram pobres porque foram honestos. E, se perseguiram os comunistas, deixaram o resto da nação em paz. Hoje, os cidadãos brasileiros são assassinados à base de cinqüenta mil por ano enquanto os comunistas se empanturram de dinheiro público e trocam beijinhos com a narcoguerrilha colombiana que fomenta a violência nas ruas do Rio e de São Paulo. Moralmente, não há comparação possível.

Diferença abissal

A propósito disso, e com referência à antologia de meus artigos que está para ser publicada como edição especial do Diário do Comércio, creio dever aos leitores uma explicação pessoal, escrita desde o fundo do meu coração.

Há uma diferença abissal entre refutar uma idéia e denunciar um crime. Quando condeno os jornais e jornalistas que ocultam a matança de cristãos no mundo, que fingem acreditar na inexistência ou inocuidade do Foro de São Paulo, que jamais noticiam os constantes assassinatos e torturas de prisioneiros políticos em Cuba, na China e nos países islâmicos (e quando o fazem é com uma circunspecção que raia a omissão completa), não estou discutindo suas idéias: estou denunciando sua cumplicidade consciente e obstinada com crimes hediondos. Minha divergência com eles não é de crenças, de convicções, de ideologia: é a diferença moral irredutível entre o homem sincero e um bando de mentirosos cínicos.

Do mesmo modo, não é ideológica a distância que me separa daqueles que se sentem mártires porque perderam 376 militantes para a ditadura nacional enquanto ajudavam Fidel Castro a matar quinhentas mil pessoas (v.http://www.cubaarchive.org/english_version) a cujos descendentes a mídia hipócrita e o governo cão negam toda palavra de consolo. Ideologia discute-se. Uma diferença abissal de percepção, de sentimentos, de moralidade, de senso das proporções, só se expressa com gritos de horror ou com o silêncio do desprezo.

Não fui eu que criei essa diferença. Foram eles. São eles que abrem um abismo ontológico intransponível entre os seus e os do partido contrário, considerando-se detentores exclusivos do estatuto humano e tratando seus adversários mortos como detritos na lixeira da História.

A essa diferença corresponde outra, igualmente invencível, mas de ordem cognitiva, entre eles e aqueles que não medem a condição humana, os direitos humanos, a dignidade da vida humana, por uma carteirinha de partido.

É do máximo interesse deles escamotear essa diferença, fingindo que é tudo mera divergência de opiniões, para em seguida choramingar que sou um intolerante, que os maltrato só porque não pensam como eu. O número dos que apelam a esse expediente malicioso é diretamente proporcional à sua falta de vergonha na cara.

Não vejo como expor nossa diferença polidamente. Palhaço seria eu se, diante de tantas condutas criminosas, me pusesse a discuti-las em tom de debate intelectual, como se fossem grandes e elevadas teorias, sublimes hipóteses científicas, arrojadas especulações filosóficas. Bem sei que é isso o que querem. Mas eu estaria me rebaixando ao último grau da indignidade se fizesse algo para contentá-los.

Nem falo, é claro, daqueles que diante de provas tão patentes e superabundantes da mendacidade esquerdista que impera nos meios de comunicação deste país, ainda se queixam de que a mídia nacional é “conservadora”. Se com os primeiros já não havia a menor possibilidade de diálogo, esses, então, não merecem sequer ser mencionados, de raspão, numa conversa entre pessoas decentes. Seu lugar na escala da idoneidade profissional é o das amebas e protozoários na hierarquia animal. Non raggionam di lor, ma guarda e passa.

Por outro lado, é superlativamente cínica e de má fé a exigência de “argumentos” por parte de gente que sempre respondeu aos meus mediante a mais sórdida e persistente campanha de difamação de que algum jornalista brasileiro já foi vítima ao longo de toda a história nacional. Insultos a mim e à minha família, ameaças de morte, imputações criminais escabrosas, boicotes profissionais ostensivos não contentaram a sanha dessas criaturas, que em seguida se esmeraram em distribuir pela internet mensagens falsas em meu nome, com conteúdo racista e nazista, e em criar sites inteiros, com conteúdo forjado, para impingir ao público a farsa de um Olavo de Carvalho moldado à imagem e semelhança do ódio e do temor irracionais que o personagem real lhes inspira.

Só de cartas que sugerem, pedem, imploram ou exigem sumariamente a minha exclusão da mídia, tenho as cópias de várias dezenas – amostragem modesta do que circulou pelas redações. Como posso crer que tantos sujeitos empenhadas em tapar minha boca estejam ao mesmo tempo ansiosos para ouvir meus argumentos?

Quem tem o direito de cobrar argumentos sou eu e não eles, como bem lembra Guilherme Afif Domingos no prefácio à antologia que mencionei. Mas quem, na esquerda supostamente letrada, vai querer discutir comigo? Todos os que o tentaram se saíram muito mal. Seus descendentes aprenderam a lição. Ao primeiro sinal de um confronto, fogem esbaforidos, de medo de que sua vacuidade mental, desprovida das defesas do cargo e da claque, seja exposta à plena luz do dia. Preferem ir fazer fofocas bem longe de mim, protegidos em suas salas de aula, ante alunos previamente vacinados contra a tentação de me dar ouvidos. Aí sim, deitam e rolam, dizem de mim o que querem, fazem piadas, contam garganta e me derrotam em mil e um embates imaginários.

Os exemplos de baixeza, de covardia, de mendacidade grupal organizada que vi desde a primeira edição de O Imbecil Coletivo (1996) são uma amostragem sociológica mais que suficiente do perfil moral médio do esquerdismo falante.

Antes disso eu já conhecia, é claro, o poder da máquina de difamação esquerdista. Sabia o que ela tinha feito com Gilberto Freyre, com Otto Maria Carpeaux, com Gustavo Corção, com Georges Bernanos, com José Osvaldo de Meira Penna, com Antonio Olinto, com Roberto Campos – com um punhado de homens ilustres. A fúria inventiva que ela mobiliza contra aqueles a quem quer destruir não tem limites. Não há mentira, não há invencionice, não há intriga, por mais rasteira e porca que seja, a que seus funcionários não recorram com a cara mais bisonha do mundo, seguros da indulgência plenária garantida pela sua superioridade moral inata, indiscutível, divina. E a tudo isso denominam “debate intelectual”, desfolhando-se em chiliques de donzela ultrajada quando os chamamos de delinqüentes camuflados. Minha experiência pessoal com essa gente só veio a confirmar, com sobra de evidência, tudo o que a História me havia ensinado a seu respeito. Hoje entendo que o esquerdismo não é um ideal, uma crença, uma filosofia: é uma doença moral horrível, a substituição do senso instintivo do bem e do mal por um conjunto de artifícios lógicos que, por etapas, vão levando da mera perversão à inversão completa, à santificação do mal e à condenação do bem.

Apagando o passado

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 8 de fevereiro de 2007

“Cometeríamos a pior das infidelidades à memória de nossos mortos se consentíssemos em pagar, pelas boas relações com os militares de hoje, o preço do esquecimento dos crimes cometidos pela ditadura”, adverte o ideólogo comunista João Carlos Kfouri Quartim de Moraes.

A recíproca não é verdadeira. Para tornar-se queridinhos da revolução bolivariana, o general Andrade Nery, o brigadeiro Ferolla e outros oficiais inflados de ódio anti-americano consentem em jamais estragar a festa com menções constrangedoras às vítimas do terrorismo. Nos conclaves esquerdistas de que participam, nas publicações comunistas em que brilham, eles se derramam em sorrisos e afagos ao esquema revolucionário continental, o mesmo que ainda ontem se esmerava em matar soldados brasileiros. E nem uma recordação amarga brota do fundo de suas almas.

A soberba inflexibilidade de Quartim de Moraes não me surpreende. Ele está especialmente qualificado para humilhar seus velhos inimigos, de vez que ele próprio matou um deles. Mandante do assassinato do capitão americano Charles Chandler — alvo escolhido a esmo como símbolo do execrado “imperialismo ianque” –, o orgulhoso professor da Unicamp sabe que, na falta de realizações intelectuais, o homicídio político é uma glória curricular mais que suficiente pelos atuais critérios do establishment universitário brasileiro, os mesmos que o embaixador Roberto Abdenur denuncia como vigentes no Itamaraty.

Mas Quartim não é um caso singular. Nada mais característico dos apóstolos da igualdade do que a desigual distribuição da dignidade humana: para os “seus” mortos, honra e glória; para os do outro lado, esquecimento e desprezo, quando não o tapa na cara, o insulto dos miseráveis trezentos reais mensais oferecidos pelo governo à família do sargento Mário Kozel Filho depois de trinta anos de espera e humilhações.

Para os comunistas, essa desigualdade é natural, justa e de direito divino. Os cem milhões de vítimas do comunismo são um detalhe irrisório no majestoso percurso da História. Os trezentos terroristas mortos pela ditadura brasileira são monumentos imperecíveis na memória dos tempos. Norman Cohn já assinalava, entre os traços inconfundíveis da mentalidade revolucionária, a autobeatificação delirante que redime e embeleza a priori todos os seus crimes enquanto torna os do outro lado eternamente imperdoáveis.

A mídia chique ajuda a consolidar a diferença, alardeando os pecados da ditadura e apagando do registro histórico os crimes dos terroristas, isto quando não os debita também na conta das vítimas, a título de reações compreensíveis e até meritórias do idealismo juvenil a uma situação desagradável.

A novidade é a afoiteza obscena com que certos militares brasileiros, em nome das boas relações com os assassinos de seus colegas de farda, se curvam docilmente a essa dupla moral, calando o que deveriam berrar desde cima dos telhados.

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PS – Errei ao dizer que ninguém na imprensa brasileira escreveu sobre o livro do rabino David C. Dalin. Hugo Estenssoro publicou uma excelente resenha na falecida Primeira Leitura.